jeudi 21 juillet 2016

PT -- do projeto socialista ao pragmatismo

Um, dois, três
Jorge Pinheiro


Na primeira campanha do Partido dos Trabalhadores, em 1982, quando Luiz Inácio Lula da Silva concorreu ao governo paulista, o número da sigla era o três, não o 13. Os slogans: "Vote no três porque o resto é burguês" e "Trabalhador vota em trabalhador" traduziam os princípios do novo partido, que teve sua "Carta de princípios" lançada em 1979 e foi fundado no ano seguinte. O PT nasceu se auto-afirmando como partido de classe. Desejava representar os assalariados contra os patrões. "O PT buscará (...) uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores", dizia o manifesto de 1980.


No 1º Encontro Nacional do PT, em 1981, Lula anunciou o caráter "socialista" do partido. Seguindo a tradição do "Manifesto Comunista" (1848), disse que "a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores". Mas apesar de defender uma sociedade sem classes, o PT nunca se declarou marxista, isso porque duas das suas três matrizes formadoras não eram marxistas, os ativistas católicos e os sindicalistas. Mas sua terceira matriz foi formada por militantes de organizações de esquerda, que se inspiravam em Karl Marx, Vladimir Lênin, León Trotski e outros marxistas históricos.


Nas suas origens, o PT condenou o autoritarismo da União Soviética e o que considerava excessiva moderação política do Partido Comunista Brasileiro, sobretudo pelas alianças que historicamente tentou construir com a burguesia nacional. A partir dos anos 90 mudou radicalmente esse leitura política. No cenário internacional, o PT deu seus primeiros passos iniciais num ambiente conturbado pela revolução sandinista na Nicarágua (1979) e o movimento Solidariedade na Polônia pró-soviética.

Depois da discreta estréia nas urnas em 1982, o PT fomentou a fundação da CUT (1983) e mergulhou na campanha das Diretas (1984). 

Em 1985, recusou-se a comparecer ao Colégio Eleitoral e a votar na chapa Tancredo-Sarney contra Paulo. Era uma época de formulações à esquerda, pela "estatização do sistema bancário e financeiro", conforme o 4º Encontro Nacional do PT, 1986 e "estatização dos serviços de transportes coletivos" (5º Encontro Nacional do PT, 1987).


Mas foi a eleição para a Prefeitura de Fortaleza, em 1985, que mostrou ao PT a diferença entre ser oposição e ser governo. E por falta de experiência em adequar seu discurso à realidade de governo de uma importante cidade nordestina, o PT fracassou em Fortaleza. E Luiza Erundina, eleita em 1988 na cidade de São Paulo, teve que se debater nos conflitos com o partido que acabou por abandonar. Ainda em 1988, o PT venceu as eleições para a prefeitura de Porto Alegre, onde conseguiu fazer um governo que conquistou o eleitorado e população da cidade, ao contrário as experiências de Fortaleza e São Paulo. 

Começava a surgir um modelo petista de governar, mais pragmático e que procurava evitar as palavras de ordens dos primeiros anos de formação do partido. Mas tal modelo não conquistou corações e mentos de imediato. E não se traduziu de forma clara na campanha presidencial, quando Lula enfrentou Fernando Collor de Mello, e recebeu 17,01% dos votos válidos no primeiro turno da eleição de 1989, e perdeu no segundo turno. Até aquele momento o PT estabelecia como objetivo não só de administrar a sociedade, mas de revolucioná-la, conforme havia expressado o 6º Encontro Nacional do PT, 1989: "O conteúdo socialista da candidatura Lula (...) deverá criar condições para o socialismo". É interessante que mesmo influenciando a Constituinte no sentido de uma forte tonalidade social à nova Carta, os deputados do PT, conforme decisão do partido, se recusaram a assiná-la.


A reviravolta internacional, com o fim da União Soviética e a volta da economia de mercado no Leste europeu, teve impacto definitivo na virada dos anos 80 para os 90. Embora o PT nunca se tenha declarado parte do campo soviético, a nova ordem obrigou o partido a repensar o mundo. E assim ele começou a pensar num "renovado projeto de socialismo democrático", embora mantendo sua visão histórica de recusar ""o mercado capitalista (...) como forma de organização da produção social" (1º Congresso, 1991). Mais tarde, diante da corrupção e da crescente oposição popular ao governo Collor, o PT levantou-se como mola propulsora da campanha "Fora, Collor". Quando o presidente caiu, o partido negou-se a integrar o governo Itamar Franco, apesar de convidado.


As derrotas de Lula em 1994 e 1998 ocorreram numa conjuntura em que as mobilizações sindicais que haviam apoiado o partido arrefeceram. O apoio ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -- MST, dirigido por militantes do PT ligados à igreja,  assustava a classe média. Mas, nessa época, o PT começou a atenuar suas formulações sobre o socialismo e realçando os valores da democracia. Propôs uma "revolução democrática" cujos contornos remetem aos partidos socialistas europeus, em especial o PS francês e o SPD alemão. Como consequência sua postura diante da reforma agrária mudou, antes deveria ter  o "controle dos trabalhadores", agora enquadrava-se na Constituição. Essa compreensão da importância de democracia, fez com que o PT buscasse um equilíbrio entre luta anti-capitalista e antigos ideais, assim a bandeira do não-pagamento da dívida externa foi reformulada para suspensão, mas em dezembro de 2001, o 12º Encontro Nacional do PT reafirmou a necessidade de uma "ruptura necessária" com o neoliberalismo e aprovou a "denúncia do acordo com o FMI". Já na campanha presidencial , a palavra ruptura colocada de lado e um novo acordo com o FMI foi aceito.


O 12º Encontro Nacional do PT declarou a fé partidária nos "valores do socialismo democrático". Mas se o socialismo do PT nunca foi a ditadura do proletariado idealizada pelo líder da revolução russa de 1917, Vladimir Lênin, nem era mais a "socialização dos meios de produção" do 4º Encontro Nacional do PT, de 1986, faltava definir quais eram esses valores do socialismo democrático. Mas a direção do partido não considerou necessária tal definição, embora tenha descartado a terceira via do Labor Party de Tony Blair. 

Sem dúvida, o PT estava mudando, mas de forma pragmática, pouco preocupado em definir quais eram essas mudanças. Já não era o caso de insinuar revoluções, mas de conferir ao Estado um cunho "social e público", propondo que o novogoverno, conforme o 12º Encontro Nacional do PT, fosse "democrático e popular". Assim a corrente de Lula, coordenada por José Dirceu, que controlava 69 das 108 cadeiras do Diretório Nacional do PT, construiu um acordo com o PL e preparou uma ampla coalizão, isso apesar de o PT, assim acreditavam as bases, manter seu viés anticapitalista. Dessa maneira, o governo PT nasceu mais conservador, que traduziu, de fato, duas décadas de marcha em direção a uma leitura pragmática da política brasileira.