dimanche 23 septembre 2007

Uma leitura de Agostinho de Tagasta

Pneumatologia
O PESO DO AMOR
Uma leitura de Agostinho de Tagasta

Prof. Dr. Jorge Pinheiro

"O mundo está transtornado, como se estivesse numa prensa. Coragem, cristãos, sementes da eternidade, peregrinos neste mundo, a caminho da cidade do céu! As provações que se multiplicam são o destino dos tempos cristãos, mas não constituem um escândalo para o cristão. Se amas este mundo, blasfemarás contra Cristo. E é isso o que te sopra o teu amigo, o teu conselheiro. Mas não deves escutá-lo. Se este mundo está sendo destruído, diz a ele que Cristo o previu". (Sermão de Agostinho em outubro, sobre a queda de Roma, invadida pelos godos alguns meses antes, em 24 de agosto de 410).

Em l986, o mundo cristão comemorou o décimo-sexto aniversário da conversão de um homem apaixonado pela vida: Aurélio Agostinho. Aqui não faremos uma biografia deste pastor da Igreja, mas analisaremos, ainda que a galope, um dos momentos mais lindos de sua teologia, aquela que fala sobre o Espírito Santo e o amor.
A África, berço de Agostinho, produziu três gênios do cristianismo: Tertuliano, Cipriano e o próprio Agostinho. O futuro bispo de Hipona nasceu no dia 13 de novembro de 354, na cidade de Tagasta, antiga Numíbia, hoje Anabá, na Argélia. Seu temperamento combinava paixão, sensualidade, e amor pelo conhecimento e pela verdade. Aos 17 anos uniu-se afetivamente a uma jovem, que lhe deu um ano depois, seu único filho, Adeodato. Durante 14 anos foi fiel a sua companheira.
Intelectual brilhante, tornou-se maniqueísta na juventude. O maniqueismo foi fundado por Mâni, na Pérsia, no século III. Era um sincretismo que combinava elementos dos zoroastrianismo, budismo, judaísmo e cristianismo. Segundo Mâni, a luz e as trevas, o bem e o mal estão eternamente em guerra. Alguns conceitos do maniqueismo, como a concepção de espírito e matéria, aproximavam-se muito do pensamento gnóstico. Para os maniqueus, o homem era a prisão material do reino do mal.
Em 384, Agostinho tornou-se professor de retórica em Milão, capital ocidental do império. Separou-se de sua primeira companheira, unindo-se a uma segunda. Nessa época, aproximou-se do neoplatonismo, uma interpretação mística e panteísta do pensamento de Platão. Essa filosofia quebrou a dureza de seu coração materialista e criou as condições para que mais tarde aceitasse o cristianismo. Mas nesse meio tempo, Agostinho tinha chegado ao fundo do poço. Seus ideais neoplatônicos e sua vida dissoluta estavam em choque. Certo dia, estava em seu jardim em Milão, refletindo sobre a força moral do cristianismo, que vira nos monges egípcios, homens simples, mas coerentes em sua fé, quando... e Agostinho conta nas Confissões:
"E eis que ouço algo como uma voz, vinda de uma casa vizinha. Ela dizia, cantante, repetindo frequentemente: Toma! Lê! Toma! Lê! No mesmo instante, minha fisionomia mudou, fiz recuar as lágrimas que me assaltavam e pus-me a ler o que se encontrava no primeiro capítulo em que abri. Imediatamente, fez-se como que uma luz de segurança derramando-se em meu coração e todas as trevas da hesitação se dissiparam".(Agostinho, Santo, Confissões, 1a. parte, livro VIII, cap. 12, p. 166, Ed. Abril/SP, 1973).
E o texto de sua conversão foi Romanos 13: 13-14. "Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada disponhais para a carne, no tocante as suas concupiscências".
Converteu-se. Isso aconteceu no verão de 386. Na Páscoa de 387, Agostinho foi batizado por Ambrósio, juntamente com o filho Adeodato e com o amigo de juventude, Alípio.

Uma teologia do Espírito Santo / O peso do amor
A semelhança de Tertuliano, Agostinho concebe a geração do Filho como ato do pensamento do Pai. E o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, é o amor mútuo entre ambos. Esse amor é uma Pessoa. Toda atividade de Deus ad extra decorre de sua natureza e é, por isso, comum às três Pessoas.
Agostinho concebe imagens da Trindade no espírito humano, por causa de suas faculdades peculiares tais como o lembrar-se, o conhecer e o querer (memória, intelligentia, voluntas).
"É no Vosso dom (Espírito Santo) que repousamos. Nele gozaremos de Vós. É o nosso descanso, é o nosso lugar. É para lá que o Amor nos arrebata e que o Espírito Santo levanta o nosso abatimento desde as portas da morte. Na Vossa boa vontade temos a paz.
"O corpo, devido ao peso, tende para o lugar que lhe é próprio, porque o peso não tende só para baixo, mas também para o lugar que lhe é próprio. Assim, o fogo encaminha-se para cima e a pedra para baixo. Movem-se segundo o seu peso. Dirigem-se para o lugar que lhes compete. O azeite derramado sobre a água aflora a superfície. A água vertida sobre o azeite submerge debaixo deste. Movem-se segundo o seu peso e dirigem-se para o lugar que lhes compete. As coisas que não estão em seu lugar próprio, agitam-se, mas quando o encontram, ordenam-se e repousam". (Agostinho, pp. 291-292.)
Este texto não é somente belo. Mil e trezentos anos antes de sir Isaac Newton, Agostinho intuia que há coisas tão leves, que sobem, ao invés de cair. E que todas as coisas só encontram o repouso quando estão no lugar que deveriam estar. E escreve um dos mais belos textos sobre o amor:
"O meu amor é o meu peso. Para qualquer parte que eu vá, é ele quem me leva. O Vosso dom inflama-nos e arrebata-nos para o alto. Andamos e partimos. Fazemos ascensões no coração e cantamos o cântico dos degraus.
"É o Vosso fogo, o Vosso fogo benfazejo que nos consome, enquanto vamos e subimos para a paz da Jerusalém celeste. Regozijei-me com aquilo que me disseram: iremos para a casa do Senhor. Lá nos colocará a boa vontade, para que nada mais desejemos senão permanecer ali eternamente". (Agostinho, p. 292).
Para Agostinho, todo conhecimento é uma forma de amor. Só se ama aquilo que se conhece. E, a busca do conhecimento pressupõe sempre um conhecimento prévio. Para entender o pensamento de Agostinho sobre o amor é bom lembrar que ele vê Deus como unidade plena, viva e guardando dentro de si a multiplicidade. Em Deus há três pessoas consusbstanciais: Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai é a essência divina em sua profundidade insondável. O Filho é o logos, o verbo, a razão e a verdade, através da qual Deus se manifesta. O Espírito Santo é o amor, mediante o qual Deus dá nascimento a todos os seres.
É por isso que Agostinho diz: "As três coisas que digo são: existir, conhecer e querer. Existo, conheço e quero. Existo sabendo e querendo; sei que existo e quero; e quero existir e saber.
"Repare, quem puder, como a vida é inseparável nestes três conceitos: uma só vida, uma só inteligência, uma só essência, sem que seja possível operar uma distinção que, apesar de tudo existe". (Agostinho, p. 293).
Assim, para Agostinho, o amor encontra o seu objeto no mesmo lugar que a razão o descobrira: no mais íntimo da alma, onde a memória se abre para Deus e onde mora a verdade. Na doutrina de Agostinho, a metafísica é inseparável da ética.

A influência platônica
O pensamento de Agostinho sobre o amor tem uma base ética, que vem de Platão. Para o sábio grego, o conhecimento consiste numa vitória da inteligência sobre os sentidos. O filósofo será tanto maior quanto mais se distancia do passageiro, para se apegar as realidades inteligíveis.
"Eles, os filósofos genuínos, desde os anos juvenis, não sabem o caminho da ágora, nem onde fica o dicastério, ou a sala do senado, ou o lugar onde se tratam dos negócios da cidade. Não escutam, nem lêem os decretos e as leis proclamadas ou escritas. Nem sequer em sonhos participam das facções e nas hetairias, que porfiam na eleição dos magistrados, nas assembléias, nas ceisas ou nos festins (...) nem prestam as suas lascivas seduções". (Nery, Pe. J. de Castro, Evolução do Pensamento Antigo, Ed. Livraria do Globo, Porto Alegre, 1944, p. 88).
Mas como procurar, quando se desconhece o que se procura? Sócrates já havia observado: "Não buscarias, se já não tivesses achado". Assim, saber é, na maioria das vezes, recordar.
Trabalhando com conceitos órficos e pitagóricos e com a mística do panteão grego, Platão propõe que o corpo é um túmulo e que se torna necessário um trabalho de purificação interna para expiar a sua queda do Olimpo. Em "Górgias", descreve o tempo de Cronos, quando os homens ainda eram julgados por um processo muito primitivo, em carne e osso. Plutão reclamava que os homens vinham cheios de beleza, muitos títulos, muitas jóias. Com isso, passavam até os assassinoa, ladrões e tiranos. Então, Zeus ordenou que deveriam ser julgados sem corpo.
É verdade que foi breve a passagem de Platão pela mitologia grega, mas sem dúvida alguns conceitos permaneceram e estão ligados a sua formulação sobre moral. Assim, a terra onde moram temporariamente os mortais, é apenas uma sombra comparada a outra. Os bem-aventurados estão lá em cima, nos céus, um lugar puro e ternamente agradável. Dessa forma, Platão defende a tese da imortalidade da alma, usando para isso argumentos da psicologia especulativa. Para ele, as reminiscências pressupõem que as almas estivessem existido antes. Daí, chega à conclusão de que se a alma é imortal, ela está ligada às realidade inteligíveis, pois estas são imateriais, imutáveis e incorruptíveis. Logo, a alma, por sua origem divina, também é imortal. E o corpo, pobre corpo, é um túmulo.
Mas, o que impele a alma em direção ao bem? O amor. Não o sexo, que se funda na beleza
dos corpos, mas se nutre da formosura da alma. No "Banquete", Platão parte do desejo sexual para chegar a forma divina de amor, que gera virtudes e pensamentos imortais.
Na "Dialética", declara que são verdadeiras apenas as coisas imutáveis, necessárias e eternas. Essas verdades são as idéias, que estão acima do tempo e do espaço, e que só podem ser conhecidas pelo discurso, cujo tipo está nas provas matemáticas, e também pela intuição, que atinge os puros inteligíveis sem usar imagens.
Todas as idéias são dependentes da Idéia Suprema, que é o Bem. Para Platão, a moralidade humana consiste em imitar a Idéia Suprema, fonte da felicidade.
A virtude, que é a harmonia das faculdades humanas, é o meio para se chegar ao Bem. O homem, para Platão, é formado por uma alma trina: racional, que mora na cabeça; irascível, que mora no peito; e concupiscível, que mora no ventre. A virtude também se divide em três: a sabedoria, que domina a alma racional; a fortaleza, que robustece a alma irascível; e a temperança, que domina a alma concupiscível.
No entanto, só a alma racional é espiritual e imortal. É espiritual porque move o corpo, mas é diferente dele. E é imortal porque participa das idéias eternas.

A influência de Paulo e da tradição cristã
As epístolas de Paulo, assim como a tradição cristã fizeram parte da vida de Agostinho. Não podemos esquecer que ele se converteu ao ler Romanos 13. É interessante notar que, em seu livro XIII das Confissões, Agostinho cita Paulo - que chama de Apóstolo com maiúscula - 54 vezes, diretamente. Enquanto, em ordem decrescente, os livros seguintes mais citados são Salmos (31 vezes), Isaías (6 vezes) e Mateus (6 vezes). As demais citações bíblicas estão abaixo desses números.
Em textos que lembram I Cor l3 e também a primeira epístola de João, Agostinho diz que "o amor é a própria essência do homem, e por isso ele não encontra repouso enquanto não encontrar o seu lugar". (Boehner, Philotheus/ Gilson, Etienne, S. Agostinho, Mestre do Ocidente in História da Filosofia Cristã, Vozes, Petrópolis, 1988, pp. 164-168).
Assim, para ele o amor é a alegria ontológica mais profunda, e seria uma insensatez querer separar o homem de seu amor. O problema consiste, então, não em relação ao amor como tal, mas unicamente ao objeto do amor. "Porventura, se vos diz que não deveis amar coisa alguma? De modo algum! Imóveis, mortos, abomináveis e miseráveis: eis o que seríamos se não amássemos. Amas, pois, mas atende ao que é digno do teu amor". (Boehner & Gilson, pp. 164-168.
O problema central da moralidade é, portanto, para Agostinho - e aqui ele traduz toda a tradição cristã -, o da reta escolha das coisas a serem amadas. O amor consiste, principalmente, num peso interior, que atrai o homem para Deus. Amar sinceramente o outro significa amá-lo como a nós próprios, o que só é possível num plano de igualdade: quer elevando-o ao nosso nível, quer elevando-nos ao plano da pessoa amada.
Entre o amor a Deus e o amor ao homem há um elemento comum: o amor ao bem. Portanto, o amor sempre terá por objeto o ser e o bem. É justo que amemos o próximo como a nós próprios, pois, enquanto bem ele se encontra no nosso nível.
Amar a Deus, porém, é amar o bem como tal. Já não pode haver igualdade entre o amante e o amado. Para amar a Deus, convenientemente, devemos amá-lo de modo absoluto, com desigualdade. Ou seja, amá-lo mais que a nós próprios. De modo absoluto: sem esperar retribuição e sem comparação. A tradição cristã das testemunhas martirizadas estavam perto demais da vida de Agostinho, de forma que falar desse amor por Deus não era apenas exercício teológico.
De todas as maneiras, para o bispo de Hipona esse processo não significava aniquilamento do eu, pois, no amor a Deus, esquecer-se equivale a encontrar-se e perder-se a ganhar-se.
Assim, segundo a tradição apostólica e cristã, tomada por Agostinho, para entrar na plena posse do bem perfeito é necessário que o homem abdique de si próprio. Essa entrega plena a Deus, que assegura a posse de seu objeto, é o amor.
O amor não é apenas o coração da moralidade, é a própria vida moral. O começo do amor é o começo da justiça, o progresso no amor é o progresso da justiça, a perfeição do amor é a perfeição da justiça. Dominado pelo amor, o homem cumpre cabalmente a lei divina. Amar e fazer o bem tornam-se sinônimos.

Conclusão
Esse amor pregado por Agostinho chegará à plena realidade com seu trabalho A Cidade de Deus. O império está sendo ameaçado, Roma sitiada acusa os cristãos por esta decadência política. E a discussão teológica dos anos anteriores, sobre a relação dialética entre o poder do Espírito e a majestade do amor, cria carne e vira praxis. Agora, como profeta preocupado com o destino da igreja no século presente, o bispo de Hipona clama:
"Dois amores construíram duas cidades: o amor de si próprio em detrimento de Deus e o amor de Deus em detrimento de si próprio. Uma delas glorifica-se em si mesma e mendiga sua glória junto aos homens, a outra glorifica-se no Senhor. Deus, testemunha de sua consciência, é a maior glória da outra cidade".(Hamman, A., Santo Agostinho e Seu Tempo, Ed. Paulinas, São Paulo, 1989, p. 307).
Dessa maneira, o que era pessoal nas Confissões toma uma dimensão universal na Cidade de Deus. O amor de Deus abarca toda a humanidade. Aliás, quando as pessoas, vivendo a decadência daqueles momentos, diziam que os tempos eram maus, Agostinho replicava: "Os tempos são aquilo que nós somos. Não há bons tempos, há somente boas pessoas". (Hammam, p. 308.)
Essa relação entre amor e cidade de Deus, para Agostinho está ligada ao caráter errante da vida cotidiana.
"Todo homem vaga e procura. O que procura ele? Busca descanso, procura felicidade. Não há ninguém que não procure ser feliz. Pergunta a um homem qualquer o que ele deseja, e te responderá que procura a felicidade. Mas os homens não conhecem a estrada que leva à felicidade, nem o lugar onde a encontrar. Por isso é que eles vagam. Cristo recolocou-nos na boa estrada, no caminho que leva à pátria. Como caminhar? Ama, e correrás. Quanto mais fortemente amares, mais depressa correrás em direção à pátria". (Hammam, p. 309.)
Assim, o amor em Agostinho toma uma conotação universal, dentro da mais pura tradição paulina. Por isso, finalizamos este trabalho com um pensamento chave do pastor de Hipona:
"Se quiseres saber qual é a cidade e a que chefe obedeces, escruta teu coração e examina teu amor. É o amor que identifica os homens e constrói as cidades. É pelo amor que seremos julgados".(Hammam, p. 307).

O ESPÍRITO SANTO À LUZ DE UMA TEOLOGIA LUTERANA REFORMADA

Pneumatologia
O ESPÍRITO SANTO À LUZ
DE UMA TEOLOGIA LUTERANA REFORMADA

por Sergio Moreira dos Santos

Prolegômenos
Robert W. Jenson é professor de teologia sistemática na Luther Northwestern Theological de St. Paul – Minnessota – EUA.

O presente artigo tem como pretensão analisar o “Locus 8 – O Espírito Santo”, escrito por Jenson em colaboração para o livro “Dogmática Cristã”, onde, além de autor, é co-editor com Carl E Bratten, da edição original de 1984 com título Christian Dogmatics – Philadelphia – EUA. A edição em português é de 1995, co-editado pela editora Sinodal e IEPG (Instituto Ecumênico de Pós-Graduação) da Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.
Jenson trabalha sobre o assunto, ou como o próprio autor define “o fenômeno” Espírito em cinco blocos: introdução; no primeiro bloco trata sobre O Espírito que falou pelos profetas (onde define o Espírito da sua atuação no Antigo Testamento, no Novo Testamento e através dos credos); no segundo bloco ele propõe sua soteriologia pneumatológica (tratando da graça, justificação e predestinação); no terceiro bloco o autor fala do discurso (palavra) sobre o Espírito como auto-interpretação da igreja (propõe uma cristologia eclesial e trabalha o tema Espírito e seu relacionamento com Deus, com a letra, com a palavra e com a historia), e no ultimo bloco trata do Espírito Cósmico (a sua universalidade onde trabalha a lógica da pneumatologia cósmica, a liberdade da historia, a espontaneidade do processo natural culminando na beleza de todas as coisas).

INTRODUÇÃO
Jenson define o Espírito como fenômeno universal na experiência humana e universalmente observado, ou seja, na palavra de Jenson o espírito é autotranscendência ; a vivacidade de toda vida é justamente sua origem e seu fim de além de si própria. Com isso o Espírito é um ser pessoal, criativo, participativo, presente para o outro e no outro e o deixa como é. O Espírito interfere na vida, a humanidade é Espírito.
Dessa forma nenhum modo de vida humana está tão preso à tradição ou entorpecido que não seja um vento soprado a nós por nós, para escapar da própria apreensão e que não experimentamos isso em nós mesmos.
De forma, Jenson afirma Deus se for o Deus dos vivos e não dos mortos, deve ser espírito tão certamente que todos os demais espíritos são, diante dEle, não-espírito, “carne” (Is 31.3). O fato de que nós também somos espíritos torna possível que Deus esteja presente conosco como espírito. É fundamental salientar que na Escritura Deus seria Deus mesmo que não houvesse outros espíritos e que a realidade deste Deus como espírito constitui justamente essa independência.
Jenson diz que, ao falar a uma congregação sobre Deus, enfrentaremos mais cedo ou mais tarde a pergunta em relação a importância ao ‘Espírito’, e, ao aprofundarmos nisso, descobriremos que o que se quer de fato é uma análise da experiência religiosa, um empreendimento que, em si, é perfeitamente legítimo e necessário.
Cabe salientar que quando o Novo Testamento chama de “Espírito” é o “espírito de Javé”, distinto e independente, o Espírito particular de Jesus e seu Pai, distinto de nós como nós somos um do outro. E o modo da presença deste Espírito Santo junto a outros espíritos é sempre o do Criador em relação às criaturas.

I - O ESPÍRITO QUE FALOU PELOS PROFETAS
Para entender a experiência cristã do Espírito e o ensinamento cristão a respeito dele, o ponto de partida sucinto é o relato neotestamentário de Pentecoste, não a história do vento, das chamas e de um milagre lingüístico, mas a interpretação bíblica que se segue e por causa da qual Lucas narra história (At 2.16-33). Na igreja primitiva, os fenômenos religiosos ocorridos nas reuniões dos discípulos do Senhor recém-ressuscitado foram interpretados como o cumprimento de um tema fundamental da vida de Israel: A Vinda do Espírito de Javé para constituir profetas.
Através de toda a escritura hebraica, “ruah Javé” mantém seu impacto original. O Espírito é experienciado como uma força transcendente que põe em movimento, para criar ou derrubar, quer na natureza, quer na sociedade, isto é verdade em especial nos documentos que expressam diretamente a vida religiosa. Na tradição narrativa de Israel, o Espírito é sobretudo o poder de Deus que atua sobre e através da liderança carismática de Israel.
Segundo Jenson decisivo para nós é o fato de que a Vinda do Espírito para evocar a ação política é regularmente justaposta à sua vinda para evocar a profecia. Só compreendemos a importância da correlação entre o Espírito e a palavra se nos lembrarmos de uma característica decisiva da própria palavra profética; não se trata meramente de uma palavra sobre o futuro, mas de uma palavra que cria futuro. Sl 33.6, a palavra do Senhor é terminus technicus, designando a palavra profética. Assim os reis temiam os profetas arcaicos porque seus oráculos não apenas prediziam a vitória ou derrota mas também faziam com que elas ocorressem. O Espírito é liberdade para a palavra que abre o futuro e o poder desta palavra.
A vinda e a presença do Espírito, características dos anunciadores da promessa se tornaram também conteúdo da promessa. Isto não requer nenhuma outra explicação inicial além da idéia básica de Espírito. Visto que o Espírito é poder de Deus como vida de Israel, uma promessa de vida nova para Israel precisa ser uma promessa de uma nova Vinda do Espírito. Mas tal promessa não será anunciada até que for a nova vida que precisa ser prometida, até que a esperança de Israel tiver se tornado não meramente esperança de ter boa sorte em termos históricos, mas esperança de ser liberto da morte, até que sua esperança tenha tido que se tornar escatológica.
Na profecia pós-exílica afirmam-se, em princípio, as conexões. Deve haver uma esperança escatológica exatamente porque Deus é o doador do Espírito e por isto o Deus da Vida, e não da morte (Is 57.16). E a presença do Espírito é a união das promessas feitas pelos atos passados de Deus com seu triunfo final (Ag. 2.4-8). O Espírito é a realidade presente, em ambos os sentidos, do poder escatológico de Deus. O Espírito é ao mesmo tempo a garantia e o objeto da esperança final. Disto resulta duas sínteses: a messiânica – que, no final, haverá vida triunfante porque o povo de Deus será reunido por e em redor de um último profeta, um portador final do Espírito. A outra síntese é comunitária – no final a morte será vencida porque todos os integrantes do povo de Deus serão profetas, portadores da vida. A esperança da vinda de uma nação de profetas surge tarde na história de Israel e é rara, mas, quando aparece, é com força total.
Nos sinóticos, o Espírito Santo significa apenas o Espírito da profecia. O Espírito inspira pronunciamentos e produz arrebatamento. Mas também a realidade criadora de vida do Espírito aparece no uso dos evangelhos – notavelmente, porém, só em contextos ligados de modo estreito à obra profética do Espírito. Essa linguagem tradicional se concentra quase totalmente em referencias à pessoa de Jesus. Há três grandes centros de linguagem a respeito do Espírito na narrativa dos evangelhos: O Batismo de Jesus (que todos evangelhos descrevem como uma descida do Espírito); O Nascimento de Jesus (Deus cria esta criança de modo direto como algo completamente novo); e, As Obras de Jesus (curas de vida, no Espírito de Deus). Em Lucas essas percepções da comunidade primitiva são elaboradas teologicamente.
Duas características são constantes e decisivas deste Espírito profético: o Spiritus Creator, ou seja, o sopro da vida que ressuscita os mortos e pode até dar a vida a uma estátua. O Espírito é o oposto ontológico da morte, tanto Cristo quanto nós morremos “pela carne” mas ressuscitamos “pelo Espírito”. A inspiração por este Espírito é invariavelmente entendida de modo cristológico. A segunda é o batismo. A convicção de que todos os batizados possuem o Espírito precisa significar ou que todos os membros da congregação são explicitamente profetas ou que a experiência e a compreensão da possessão do Espírito incluem fenômenos diferentes da profecia manifesta.
Paulo, segundo Jenson, dá dois passos em relação ao Espírito. Primeiro ele separa de fato, aquilo que constitui a atividade profética em “dons” distintos, de maneira que haja pelo menos um dom para cada crente, até para o menos extático. Segundo, ele identifica o traço comum que qualifica todos estes como dons do Espírito afirmando que se trata de contribuições para o “bem comum”, de “edificação” da comunidade e sua unidade. O Espírito é o poder da ressurreição tanto agora quanto eternamente.
Além disso, temos a pneumatologia patrística, que se localiza nas mesmas áreas como no Novo Testamento: profecia e batismo. O Espírito inspira a palavra, cria a igreja, é dado por ocasião do batismo, vence a morte e é uma antecipação da vida final.

II - SOTERIOLOGIA PNEUMATOLÓGICA
Jenson declara que a salvação, a justificação, a graça sacramental, a fé, a predestinação etc. foram os temas que fascinaram os pensadores ocidentais, e não tanto a trindade divina ou a união hipostática. Isto é, o trabalho teológico do Ocidente tem se voltado principalmente para o terceiro artigo.
Em contrapartida, a igreja latina tinha preocupações mais práticas , Tertuliano por exemplo, declara: “todo homem deve prestar satisfação a Deus na mesma questão em que o ofendeu”. O cristianismo latino se traduziu numa justiça pelas obras. Agostinho juntou as preocupações práticas da Igreja latina com a doutrina de Deus e de suas obras transformadoras desenvolvidas no Oriente que foi criado o cristianismo ocidental como o conhecemos, em que a preocupação é justamente o efeito prático da realidade viva de Deus em nossa vida. Antes da reforma, no entanto, este empreendimento teológico foi encetado não como doutrina do Espírito, mas como uma doutrina da graça.
A doutrina da trindade elaborada pelos pais gregos conceptualizou a relação criativa de Deus com seu povo fiel de uma maneira especificamente bíblica. Para Agostinho, as três pessoas, em relação a nós, são indistinguíveis quanto à sua função. Assim, Agostinho não tinha mais condições de conceptualizar a relação salvífica entre Deus e as criaturas dizendo que o Pai e o Filho estão presentes de forma transformadora no Espírito, como o fizeram os gregos que deram origem ao trinitarismo. Tendo obstruído assim a compreensão especificamente cristã da relação de Deus com os fiéis, Agostinho acabou se posicionando como é de costume na religião cultural do Ocidente: de um lado está Deus, concebido como uma entidade sobrenatural que age sobre nós de maneira causal; de outro lado estão, entre nós, os resultados desta causalidade. Na tradição latina subseqüente, tanto Deus quanto os objetos desta causalidade são, por conseguinte, interpretados de acordo com esse esquema: eles são “substâncias”, entidades fundamentalmente auto-sustentadoras e auto-suficientes, que “atuam” uma em relação à outra, sendo que o resultado dessa ação é, em nós, um habitus, uma disposição adquirida para portar-nos e reagir em obediência à vontade de Deus.
Tomás de Aquino declara que a graça pode ser entendida em dupla acepção: como auxilio divino que nos move a querer e agir retamente, e como um dom habitual (habituale donum) que Deus infunde. Segundo Jenson isto cria ou leva ao problema da cooperação entre o Deus gracioso e a criatura agraciada. O problema tem sido crucial em toda teologia ocidental. Aquino continua dizendo que a graça como uma qualidade divina é uma qualidade dos fiéis tomadas em conjunto, é dividida por uma distinção que o divide em operante e cooperante. Pois a operação que produz o efeito pelo qual a nossa alma é movida e não motora, pois só Deus é quem move; e tal é a graça operante. Porém não só Deus, mas também à alma é atribuída a operação causadora do efeito pelo qual a nossa alma é motora e movida; e tal é a graça cooperante. Deus é o único agente da salvação, mas não existe nenhuma maneira em que uma vontade possa ser “movida” autenticamente a não ser que ela própria também queira.
Além disso, quando se compreende a relação salvífica entre Deus e os crentes como a causalidade de uma substância em relação à outra, a salvação é necessariamente entendida como um processo. Isto é a graça é compreendida como a causa primária de uma seqüência de evento, dos quais cada um precisa acontecer para que o próximo se torne possível. A tradicional doutrina da graça é uma estrutura de justificação pelas obras alojada no centro da preocupação e realização teológica principal da Igreja Ocidental.
De acordo com Jenson foi exatamente essa perversão que tornou a reforma necessária. A reforma foi um protesto contra toda maneira de pensar e proclamar a fé, e contra as estruturas correspondentes das liturgias ocidentais medievais da penitência e da Ceia. Assim, uma conseqüência imediata da descoberta de Lutero foi a recuperação do discurso bíblico é pré-agostiniano sobre o Espírito, uma capacidade quase extraordinária de simplesmente falar e escrever a linguagem bíblica e patrística sobre o Espírito.
A mera substituição do termo ‘graça’ por ‘obra do Espírito Santo’, como os teólogos que seguiram Lutero passaram a fazer regularmente, não é , no entanto, uma garantia de que a antiga perversão tenha sido superada. O pietismo luterano ortodoxo transformou-se numa fixação tradicional de uma seqüência normal na experiência cristã. Começando com a proposição, ortodoxa em termos de descrição, de que a ‘imputação da justiça de Cristo’ é prometida apenas ao “arrependimento não-fingido”. A calamidade se completa então com alguém como August Hermann Francke, que, apesar de toda a sua apropriada insistência luterana em afirmar que o evangelho sempre é decisivo, determinou de maneira categórica que o evangelho simplesmente não pode ser ouvido até que a ‘batalha do arrependimento’ tenha terminado, fazendo a terminação da batalha depender da sinceridade e persistência do penitente.
O que se faz necessário em face de toda a doutrina tradicional da graça é um deslocamento total no discurso pneumatológico, passando desse ponto de observação da terceira pessoa, de uma tentativa de descrever um processo entre Deus e a criatura, para um local dentro da execução da proclamação e do ensino na primeira e segunda pessoas.
A pneumatologia deve tornar-se uma reflexão hermenêutica, reflexão sobre o discurso cristão feita durante seu decorrer, como parte do que esse discurso realiza, reflexão sobre como falar o evangelho feita internamente a esse falar – o que nos leva ao segundo modo teológico da Reforma: o dogma proposto da ‘justificação somente pela fé’. A doutrina da justificação da Reforma não é uma nova tentativa de descrever um processo da graça. A doutrina é, antes, uma instrução hermenêutica para pregadores, mestres e confessores: falem de Cristo e da vida de sua comunidade de tal maneira que a justificação para aquela vida aberta por suas palavras seja do tipo que é apreendido pela fé e não do tipo constituído em obras.
Chamamos a doutrina reformatória da justificação de ‘proposta dogmática’. Se descrevêssemos a asserção central da Confissão de Ausburgo, a justificação somente pela fé, simplesmente como um dogma, excluiríamos da Igreja verdadeira a maior parte do cristianismo ocidental que não aceitou a asserção.
Jenson lembra que a instrução não deve induzir à conversão ou manipular para consegui-la mediante nosso discurso; a conversão dos ouvintes precisa realizar-se como o próprio ato de anúncio do evangelho. A conversão é uma mudança na situação de comunicação dentro da qual toda pessoa vive.
Outro ponto enfatizado por Jenson é a predestinação, onde ele afirma que a predestinação é simplesmente a doutrina da justificação formulada na voz ativa. Se mudamos: “somos justificados somente por Deus” do passivo para o ativo, obtemos: “somente Deus nos justifica”. Nenhum pensamento cristão, nem mesmo um pensamento remotamente cristão, pode evitar uma doutrina da predestinação. Se o Deus da Bíblia existe, não pode haver qualquer coisa parecida com o livre-arbítrio (liberum arbitrium) da discussão tradicional.
Deus não apenas ordena absolutamente minha salvação na palavra cristológica dirigida a mim: como Criador ele ordena absolutamente todos os eventos. O falar do evangelho é o evento da predestinação pelo fato de que o evangelho concede aquilo de que fala, mas esta eficácia escatológica do evangelho é o Espírito. Devemos parodiar Barth: o Espírito Santo é o Deus que elege.
Só Deus ordena todas as coisas’ é um corolário necessário do mesmo.

III - DISCURSO SOBRE O ESPÍRITO COMO AUTO-INTERPRETAÇÃO DA IGREJA
Nesta altura Jenson entra no terceiro bloco que trata do Espírito e a Igreja. Lembra-nos que a pneumatologia funciona como uma cristologia eclesial, toda comunidade tem espírito, portanto, a minha vida também é, ela própria espírito. A igreja, assim como qualquer comunidade, tem um espírito. E como a igreja simplesmente é os discípulos de Jesus, seu espírito e o Espírito de Jesus são idênticos. O ponto crucial é a prometida vinda do Espírito em termos materiais na linguagem do poder e dos sinais de Mateus e Marcos, explicitamente por Lucas.
O fato de sermos comunidade de Jesus define a Igreja. Quando a igreja se defronta com decisões e problemas que fazem refletir sobre o seu próprio propósito e caráter, ela deve refletir cristologicamente e interpretar a si própria à luz do fato e da identidade do Jesus ressurreto; a Igreja desenvolve necessariamente uma espécie de cristologia eclesial.
Cada comunidade possui espírito, de fato um espírito. E cada comunidade tem algum deus. Inversamente, o espírito de uma comunidade é ou o espírito de seu deus, ou um dinamismo ameaçador e misterioso – talvez demoníaco. Assim a comunidade se confronta com a transcendência, e a transcendência aparecerá ou como a defesa da comunidade contra o espírito que assim a desorienta, ou como a própria desorientação. A igreja reivindica ser estabelecida como comunidade pelo cumprimento da esperança final de Israel em relação ao Espírito. Assim a identidade de Deus e Espírito é obrigatória também para a Igreja. Só mais um fator determinante deve ser lembrado: na igreja há um termo médio. O Espírito é o Espírito de Jesus; o Pai é o Pai de Jesus; e assim o Pai e o Espírito são um só Deus. A unidade de Deus e do Espírito é trinitária. Na Igreja, o Pai é o estar dado de Deus e o Espírito é a futuridade de Deus; e estes se opõem apenas pelas maneiras diferentes em que cada um é o único e mesmo Deus.
O Espírito da Igreja deve estar sujeito à letra sobre Cristo e justamente assim ser o Espírito livre de Cristo. Compreender e praticar essa dialética é uma tarefa pneumatológica essencial e permanente da Igreja. A identificação de Deus e Espírito e de Cristo e Espírito por Israel e pela igreja é simultânea com a identificação de palavra e Espírito e dependente dela.
Onde há comunidade, aí há comunicação. E ou a palavra é, ela própria, espírito, ou então é resistência ao espírito; inversamente, ou o espírito é a palavra, ou então subverte a palavra. A palavra é, em todo caso, a realidade de nossa relação uns com os outros e assim com o futuro; é pela linguagem que temos um mundo, de sorte que possivelmente nos encontremos nele. A missão da igreja só pode ser descoberta num ato de linguagem, de interpretação.
Jenson chega a afirmar que não pode haver dúvida quanto à opção da Igreja. Ninguém entra na Igreja ou recebe seu espírito a não ser pelo Batismo, isto é, historicamente, por um evento na vida da pessoa. Mesmo a prática do batismo de infantes não muda isso; ela apenas reconhece que o nascimento num lar que já está sob a disciplina da Igreja pode implicar um direito de iniciação.
O Espírito é a liberdade ilimitada de Jesus, libertada pela ressurreição. O que as pessoas fazem em sua liberdade é história. Assim também no caso de Jesus: o Espírito é a liberdade de Jesus efetuar realidade histórica. O Espírito é exatamente o contrário de uma libertação da história, ou de uma esfera de ser além da história. O Espírito é precisamente a liberdade de Jesus de ser pão e vinho, de viver em nossas congregações historicamente efetivas.

IV - ESPÍRITO CÓSMICO
Neste ponto, Jenson amplia a dimensão do Espírito, ou seja, não só particular de Israel, de Jesus e da Igreja, pois o Deus de Israel é o Criador de todas as coisas. Assim, se o Espírito Santo é Deus, o vento deste Espírito, deve soprar sobre e através de todas as coisas. No Novo Testamento, o Espírito criador é quase exclusivamente proclamado como Criador da vida nova do povo particular de Deus; mas a própria significatividade deste discurso do Novo Testamento depende das escrituras hebraicas, que evocam o Espírito como criatividade universal.
Jenson diz que na tradição parece haver três temas: o Espírito é a liberdade da historia universal; o Espírito é a espontaneidade do processo natural (com este termo Jenson, quer dizer que a realidade não é composta de coisas, mas de eventos, ou , como alguns preferem dizer, de ocasiões efetivas); o Espírito é a beleza da criação (com este termo, o espírito cósmico trata do culto, da liturgia, e o seu caráter comunitário, a beleza de todas as coisas).
Irineu afirma que, pela palavra, Deus concede a mera existência, pelo Espírito, ele transforma o que existe num “cosmo”, num todo ordenado cuja ordem é fundamentalmente uma ordem de adequação e adaptação mútua.
Jenson faz uso de Hegel para argumentar o Espírito cósmico. Segundo Hegel uma percepção central da tradição ocidental é que a realidade, no fundo, é consciente. a consciência universal pela intuição bíblica da consciência como sendo primariamente espírito. O mundo subsiste pelo fato de ser transformado, por um Deus que é – longe de uma mente estática – Espírito Vivo. Hegel formalizou a lógica desse sentido por meio de sua famosa dialética de três passos. A história é feita de tese e antítese. A história faz sentido porque exatamente de tal contradição surge uma nova tese, uma síntese.
A consciência universal evoca o mundo, o mero objeto inconsciente, como seu próprio contrário. Mas exatamente assim a Consciência encontra seu próprio Sentido – e sentido é a própria essência da consciência – nesse objeto, por meio dessa aço transformadora para realizar-se como Espírito e não mera Mente, e para realizar o mundo como história e não mero cosmo. Assim, o Espírito não apenas cria, mas também envolve o mundo; o Espírito é a liberdade da história universal. O Espírito é o ato em que Deus como Consciência supera os empates aparentemente estáticos da história, pela descoberta criativa do sentido das contradições. O Espírito é a liberdade daquilo que meramente é, e justamente assim está envolvido em alguma contradição, para a nova síntese que resultará em conflito.
Se Jesus ressurreto é Senhor, ele não é apenas Senhor da Igreja, mas sua vontade determina a história não apenas dos que crêem, e sim também de todas as nações. O senhorio específico de Cristo fora da igreja ocorre quando e onde o milagre da criatividade “sintética” hegeliana ocorre efetivamente. Vamos postular, sem ambigüidade, o primeiro, identificando a síntese histórica como ação de Jesus, como o que é possível apenas para alguém ressurreto.
Jenson, usando Hegel, chega a nossa tese: O Espírito de Jesus é a espontaneidade do processo natural.
A pneumatologia é a tentativa de explicar toda a obra de Deus como realidade comunitária entre nós. A pneumatologia é a tentativa de fazer da própria insistência de Lutero no “para nós”, como condição de todo discurso significativo sobre Deus, a vantagem desse discurso. Se a tentativa pode ter êxito, devemos julgar juntos – como uma decisão pelo Espírito.

Considerações Finais
Jenson faz um tratado pneumatológico luterano, onde a expressão inicial “a humanidade é espírito”, pode ser entendido fora do contexto luterano como uma idéia panteísta ou panenteísta. Dentro do contexto do pensamento construído por Jenson a frase simplesmente transmite a verdade da criação. Deus e o Espírito são um só.

Sergio Moreira dos Santos é Bacharel em Teologia pela FTBSP/ Faculdade Teológica Batista de São Paulo, professor da FAESP/ Faculdade Evangélica de São Paulo e Seminário Teológico Batista do Sudeste do Brasil, e Mestre em Teologia, na área de Teologia e História, pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo. São Paulo, junho de 2004.