mercredi 19 juillet 2017

Cristo e a revolução no Brasil

CRISTO E O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO

A propósito dos 500 anos da Reforma Protestante
Uma releitura da Conferência do Nordeste/1962

IV Reunião de Estudos
Setor de Responsabilidade Social da Igreja
Conferência Evangélica do Brasil

Jorge PINHEIRO
SÃO PAULO, SETEMBRO, 2000


SUMÁRIO

A Igreja em diálogo 
Igreja e responsabilidade social
Fontes

OS CAMINHOS DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA

Mudanças sociais da história contemporânea 
Resistência à mudança social no Brasil 
O Nordeste no processo revolucionário brasileiro
A missão total da Igreja numa sociedade em crise

A CRISTOLOGIA DA REVOLUÇÃO

Cristo e o processo revolucionário brasileiro
Cristo – A única solução para os problemas do Brasil
Donde ...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREVIATURAS:

CN = Conferência do Nordeste
CIS = Comissão de Igreja e Sociedade
CEB = Conferência Evangélica do Brasil
C-PRB = Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro


Para o estudioso do ecumenismo no Brasil e das conferências realizadas pelos protestantes no século vinte, em nosso país, salta aos olhos a peculiaridade da Conferência do Nordeste, em 1962. 

Talvez até, mais do que saltar aos olhos tal peculiaridade, pode ser um choque deparar-se com tal politização. Já a partir do próprio nome, Cristo e o processo revolucionário brasileiro, o estudioso é levado a perguntar: O que está acontecendo aqui? 

É nossa intenção, neste estudo, levar o leitor a fazer uma pequena viagem pelos documentos que traduzem esta preocupação com as possibilidades do socialismo no início da década de 60, que para os expositores e, muito possivelmente, para os participantes e ouvintes, podia ir de um reformismo à maneira sueca, quando se apresenta como instrumento de leitura da situação brasileira um economista como Gunnar Myrdal, à proposta bolchevista, com a formação do partido revolucionário e sovietes por fábricas, segundo proposta de Paul Singer. 

Para o cientista da religião deparar-se com os documentos da Conferência do Nordeste, tanto os de preparação como os propriamente gerados pela conferência, é um momento sublime diante da história do protestantismo brasileiro. É um lavar a alma ao constatar as contextualizações e reflexões que tal protestantismo, já mestiço e mulato, procura encontrar para o país como leitura do cristianismo que professa.

Fica claro para o estudioso que tal situação não está acontecendo por combustão espontânea, mas que nosso protestantismo estava sendo bombardeado pelo contexto da situação mundial, pelas pressões das mobilizações dos trabalhadores brasileiros, no campo e na cidade, e também pelo caminhar à esquerda que vinha realizando, aos trancos e barrancos, a Igreja Católica.

A grande mudança se dará a partir dos anos 50. A doutrina social da Igreja Católica Romana, que tem como ponto de partida Leão XIII, começou a tomar corpo no Brasil nos anos 50. É dessa época a fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / CNBB (1952), que teve Dom Hélder Câmara como seu primeiro secretário-geral; a reestruturação da Ação Católica, que englobava a Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Estudantil Católica (JEC) e a Juventude Universitária Católica (JUC), sob uma ênfase espiritual e evangelizadora.

Mas nos anos 1960, a JUC engaja-se no processo político, rebela-se contra os bispos diocesanos e alia-se a organizações de esquerda não-católicas. Nosso querido Betinho, o Herbert José de Souza, homem preocupado com a fome e a miséria no Brasil, por exemplo, em 1962 era líder da JUC, e no correr dos anos 60 transformou-se num dos expoentes da Ação Popular, um dos partidos políticos mais ativos de toda a esquerda, oriundo da JUC e da JOC. É interessante notar que em abril de 1962, a 5a Assembléia do Episcopado apoiou as reformas de base de João Goulart e, no ano seguinte, com base na encíclica Pacem in terris (1963), de Pio XII, exigiu a participação das ‘massas populares’ no processo de desenvolvimento. Nos anos 63/64, três encíclicas eram discutidas dentro e fora da Igreja, e amplamente analisadas pela imprensa brasileira: Rerum novarum, de Leão XIII, Mater et magistra e Pacem in terris, as duas últimas de Pio XII. E foram elas que formaram a primeira base teórica da moderna esquerda cristã brasileira.

Desde 1961, o clero católico estava dividido em três tendências: conservadora, reformista e revolucionária. A ala conservadora era liderada pelo cardeal dom Jaime Câmara, arcebispo do Rio de Janeiro, por dom Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre, e por dom Eugênio Siguad, autor de Reforma Agrária, questão de consciência. 

A ala reformista estava sob a direção do cardeal dom Carlos Carmelo Mota, arcebispo de São Paulo, de dom Hélder Câmara, bispo auxiliar do Rio de Janeiro e depois arcebispo de Olinda e Recife, de dom José Távora, arcebispo de Aracaju, e de dom Serafim, arcebispo de Natal. Aliados aos reformistas estavam os dominicanos e uma grande parte do clero secular, que procurava uma ligação maior com as organizações de classe e os sindicatos. Junto a eles, atuava a Ação Católica, que englobava a JEC/JUC e a Juventude Operária Católica.

O setor revolucionário era liderado por dom Jorge Marcos, bispo de Santo André, e por vários padres, entre os quais podemos citar Pe. Francisco Lage, de Belo Horizonte, Pe. Ruas, de Manaus, Pe. Almery e Pe. Senna, do Recife, Pe. Alípio de Freitas, que junto com Julião, dirigiu as Ligas Camponesas, Pe. Aloísio Guerra, autor de A Igreja está ao lado do povo?, Frei Josaphat, diretor do jornal Brasil Urgente e dom Padim, assistente da Ação Católica. 

Em 1961, quando esteve no Brasil, Frei Cardonnel, intelectual dominicano francês, lançou as bases para a organização da esquerda católica. “Depois de oito meses no Brasil, penso que o primeiro problema, o mais urgente, é a luta contra a miséria (...). Impugnar esta luta em nome do perigo comunista representa a pior das hipocrisias”. Por causa de seu pronunciamento, foi mandado de volta à França, mas sua pregação deu origem à Ação Popular. 

Do lado protestante, desde 1950, setores mais preocupados com a questão social vinham se preparando para uma tomada de posição. Assim, o reverendo Benjamin Moraes, presidente da Comissão de Igreja e Sociedade da CEB, dirá na I Reunião de Consulta sobre a Responsabilidade Social da Igreja, em novembro de 1955: 

Estamos convencidos de que não basta à obra de evangelização dizer apenas que ‘somos salvos mediante a fé no sangue expiador de Jesus Cristo’. Esta verdade, que aceitamos sem reversas, é básica. Mas é indispensável completar a obra de evangelização ensinando tudo o que essa verdade quer dizer na vida prática... E a Bíblia, a santa e eterna palavra de Deus, ensina-nos a viver tudo o que a aceitação daquela verdade implica no trato diário dos problemas humanos.

Fruto desse encontro realizado em São Paulo, a Comissão de Igreja e Sociedade proporá aos evangélicos “organizar conselhos evangélicos de orientação social, política e econômica, de caráter permanente e interdenominacional”, “promover cursos de estudos e divulgação sobre assuntos políticos, econômicos e sociais” e “estimular os evangélicos a participarem da vida política do país por meio de filiação partidária”.

Em relação aos católicos, as recomendações eram “promover o encontro de elementos evangélicos e católicos romanos para o estudo de problemas sociais e políticos comuns, não obstante as dificuldades que possam aparecer” e colaborar com “associações e elementos católicos romanos na obra de assistência social”. 

Em relação ao comunismo, diz que a Igreja evangélica deve aceitar “o desafio da realidade social reinante e realizar uma contribuição para resolver os graves problemas do mundo atual”. E como medidas práticas sugere a formação de líderes que atuem na vida social e política do país, o incremento de programas de serviço social e a orientação dos operários crentes para que atuem ativamente nos movimentos sindicais.

É interessante notar, que o documento foi aprovado 40 delegados que representavam não oficialmente doze igrejas e organizações: batistas, Evangélica Armênia, Evangélica Fluminense, Episcopal, Igreja Cristã, Luterana, Metodista, Presbiteriana, Presbiteriana Independente, Confederação Evangélica do Brasil, Conselho Mundial de Igrejas e União Cristã de Estudantes do Brasil. Dos presentes, 19 eram pastores e 21 leigos.

Em 1962, a forte presença de governos nacionalistas na África e Ásia, a revolução cubana e as mobilizações sociais no Brasil vão aprofundar a politização da Igreja evangélica, levando à realização da Conferência do Nordeste, momento único na história do protestantismo brasileiro.

Igreja em diálogo franco e aberto

A Conferência do Nordeste – Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro aconteceu em julho de 1962 no Recife e abriu importantes discussões no mundo cristão evangélico acerca da responsabilidade social da Igreja. 

Segundo o documento da Conferência, “a preocupação da Igreja pelo homem e, portanto, pela sociedade na qual ele vive, não pode eximir-se do diálogo tantas vezes incômodo com os ‘poderes deste mundo’. A presença das forças seculares é tão dinâmica, as formas que ideologias materialistas vão tomando têm aparências de tal modo espiritual, que a presença dos cristãos por vezes parece diluída e a sua participação no mundo não chega a firmar bases de uma ação que ultrapasse a esfera individual. E isto, no mundo de hoje, é grave. A sociedade contemporânea está constituída de grupos organizados, pequenos e grandes – partidos, sindicatos, associações, ligas, entidades de todos os tipos e formas – que hoje falam coletivamente e refletem a grande divisão social e política da atualidade. Se queremos, como cristãos, agir e influenciar no mundo, devemos entrar nas estruturas existentes e dialogar com o homem dentro delas”. 

A Conferência do Nordeste foi um esforço no sentido de levar a Igreja a falar a linguagem das reformas e a encontrar-se com a sociedade brasileira. Foi um esforço para compreender e interpretar o movimento socialista, que se fazia manifesto nas mobilizações de operários, camponeses e setores médios da sociedade brasileira.

A Conferência foi uma experiência até então inédita em terras brasileiras. Cristã, evangélica, contou com a participação de 167 delegados de dezessete Estados, que representaram dezesseis denominações. Experiência e diálogo, essas suas palavras traduzam o sentimento dos que se fizeram presentes, já que os acontecimentos que eletrizavam o setor industrial, rural e estudantil precisavam ser examinados à luz da fé cristã. Mas, ao mesmo tempo, essa análise deveria traduzir encontro e diálogo com aqueles que se encontravam nas “esferas onda a luta de cada dia se manifesta em toda a sua potencialidade”. 

A Conferência, logo de início, definiu como centralidade da Igreja o desafio de proclamar a soberania de Cristo, esclarecendo que a tentativa de análise da “situação presente” não significa que cabe à Igreja adotar um sistema político ou social.

Aceitamos os técnicos e necessitamos deles para melhor compreender os fatos; compartilhamos e dialogamos, sem medo e sem complexos, com as próprias forças que negam o senhorio de Jesus Cristo. Mas nós o fazemos como Igreja, sob o peso do ministério da Encarnação, evento supremo e definitivo da História. Em obediência sabemos que os novos esforços têm sentido e lugar na história do Brasil de hoje e no momento internacional que atravessamos. 

Os nomes escolhidos para o estabelecimento inicial do diálogo na Conferência do Nordeste foram os mais representativos da Igreja e da intelligentsia brasileira, que terem continuidade aos trabalhos abertos na Conferência através da realização de grupos de estudos.

O contexto da Conferência do Nordeste pode ser mais bem apreendido através da leitura das palestras e trabalhos, que traduzem o encontro entre o teólogo e os especialistas nas diferentes áreas das ciências humanas, e o teólogo e o desafio da esquerda socialista.

Igreja e responsabilidade social

Em abril de 1962, o pastor Ernst Schilieper proferiu palestra na Reunião de Consulta sobre Igreja e Sociedade, promovida pelo Setor de Responsabilidade Social da Igreja, em Umuarama [PR], depois que foi aprovado um plano de estudo e ação para os cinco anos seguintes. Nesta reunião, apresentou alguns parâmetros para balizamento da Conferência do Nordeste, assim como sua visão sobre a responsabilidade social da Igreja.

A sociedade a que nos referimos é a sociedade humana, é o homem em seu convívio como os outros homens. A Igreja não pode desinteressar-se pelos homens porque é a Igreja daquele que, por amor, se tornou irmão de todos os homens; a Igreja é responsável e isso quer dizer: ela é chamada a responder e a corresponder, em toda a sua atuação, a esse determinado fato, que é o fato central do evangelho: a encarnação de Deus. Deus se tornou homem – e deste fato emana a responsabilidade da Igreja pelo homem, pelo homem em todas as relações de sua existência. 

O argumento de Schilieper é de que a encarnação de Deus não pode ser olhada como argumento ideológico, mas como fato histórico, e é essa história da vida, morte e ressurreição de Jesus que deve ser tomado com critério de toda a atuação da Igreja. É daí que nasce a responsabilidade social da Igreja, como resposta em atos concretos à situação onde ela, Igreja, está colocada. 

E por essa mesma razão a Igreja é impedida de gloriar-se perante o Senhor ou perante o mundo de sua atuação; é-lhe vedado, igualmente, menosprezar o que é feito neste terreno por outros. Também o Estado tem o seu mandato de Deus, e é sua tarefa favorecer o bem e impedir o mal, estabelecer as normas da vida humana, por meio da lei e do poder. É ao Estado que compete essa tarefa. Mas, por isso, a Igreja não deixa de ser responsável. Os seus meios, contudo, são outros. Ela atua essencialmente por meio da palavra, a palavra pregada, a qual tem a promessa de não voltar vazia, mas de fazer e executar aquilo para o que foi enviada... A situação social da Igreja só será legítima, e não intromissão em terreno alheio, se for a resposta daqueles que ouviram a palavra, resposta por meio da qual testemunham perante o mundo, em atos concretos e visíveis, o que lhes foi dado em Cristo. Cristo morreu não só por mim, mas pelo outro, por todos. Por isso, o outro nunca será apenas objeto de nossa caridade, ao qual por piedade damos um pouco do muito que nos foi confiado; o outro só nos pode ser homem, irmão, pelo qual Cristo deu a sua vida.

Embora possa parecer para nós hoje, no alvorecer do século 21, que a constatação de Schilieper é óbvia, ela traduz a leitura que a crise da modernidade não pode ser escondida embaixo do tapete. É um chamado a encarar a explosiva realidade que o mundo está atravessando e dar à Igreja um sentido histórico que transcende as paredes do templo e a compreensão da salvação como processo solitário e exclusivamente individual. 

Tal exposição insere na discussão uma brilhante análise de Karl Barth, quando apresenta as relações entre a Igreja e o Estado não como problema jurídico de relações institucionais, mas encontro dialético entre comunidades que se sobrepõem, que têm um mesmo centro de autoridade. Seguindo muito possivelmente as reflexões do Agostinho de As Duas Cidades e as Barth, quando apresenta seu pensamento social e faz um chamado à “presença da comunidade cristã no exercício de sua co-responsabilidade política”, Schilieper completa:

Mas, como tudo o que faz, a Igreja será modesta. Sabe que não lhe foi dada a promessa de serem os cristãos necessariamente os melhores técnicos, políticos, ou economistas. E sabe que não se pode entregar a um cego ativismo que vive da ilusão de que com a força humana poderia transformar o mundo, poderia vencer o sofrimento, a aflição, os poderes do mal. E, no entanto, somos chamados a agir e lutar. Mas essa luta só pode ser feita na certeza de que já foi conquistada a vitória sobre os poderes do mal e da injustiça. De Deus é a vitória, e Ele não deixa o mundo que é seu, não deixa os homens entregues a si mesmos. Deus está no mundo, dele é a vitória, é todo o poder. Mas, que sentido então pode ter ainda lutar aqui na terra contra a aflição, a injustiça, a opressão? A resposta só pode ser: justamente porque Deus está presente no mundo, tanto mais somos chamados a fazer a sua vontade, contida no grande mandamento: ‘Amarás ao Senhor teu Deus e amarás ao teu próximo’.

Assim, para o pastor Schilieper, a caritas não pode limitar-se exclusivamente à esfera privada, pois o mandamento exige uma atuação responsável também no terreno político e social. Não cabe à Igreja, porém, pregar a revolução, mas também não pode fugir aos desafios da realidade. Ao contrário, por seu posicionamento histórico deve posicionar-se e “erguer sinais da realidade de Deus”. 

A Igreja não tem uma solução pronta para os problemas da vida social. Mas ela tem, para todos os setores da vida humana, este grande mandamento, pelo qual somos chamados a erguer sinais – mais não podemos fazer –, erguer sinais, em meio deste nosso mundo, que de tradições estarrecidas e de fanatismo ideológico só pode morrer, erguer sinais da realidade de Deus, de seu reino, de seu amor – confiando onde, com nossas forças depararmos com barreiras intransponíveis, que Cristo as há de vencer, por Ele em todo o caso cumprirá a sua promessa: bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça – porque eles serão fartos.

Tais reflexões teológicas, onde vemos a chama do pensamento barthiano, nortearão os trabalhos da Conferência do Nordeste.

Por sua importância, já que permanece como marco da Igreja evangélica brasileira, é de nosso interesse analisar neste trabalho, basicamente, três questões: 

• Qual o papel da Igreja numa sociedade em crise? 
• Como é Cristo a solução para os problemas brasileiros?
• Que tipo de ecumenismo a Conferência do Nordeste traduz? 

Fontes

Essa releitura da Conferência do Nordeste será estudada, basicamente, através de três blocos de trabalhos publicados pela Confederação Evangélica do Brasil: os estudos da I Reunião de Consulta sobre a Responsabilidade Social da Igreja, realizada de 15 a 18 de novembro de 1955, e publicado em março de 1956; os documentos preparatórios da Conferência do Nordeste, em especial os textos de Celso Furtado e de Joaquim Beato; e os dois cadernos, Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro, publicados em 1962.

DATA AUTOR TÍTULO 

1955 CEB/CIS, Estudos sobre a responsabilidade social da igreja
1962 Almir dos Santos, Cristo e o processo revolucionário brasileiro
1962 Celso Furtado, Reflexões sobre a pré-revolução brasileira 
1962 Celso Furtado, O NE no processo revolucionário brasileiro
1962 Edmundo K. Sherrill, A missão total da Igreja numa sociedade em crise
1962 Ernst Schilieper, A Igreja e a sua responsabilidade social
1962 Gilberto Freire, O artista: servo dos que sofrem
1962 João Dias de Araújo, A revolução do reino de Deus
1962 Joaquim Beato, Ideologia cristã como base para a ação social da Igreja
1962 Joaquim Beato, Os profetas em épocas de transformações políticas e sociais 
1962 Juarez R. B. Lopes, Resistências à Mudança Social no Brasil
1962 Paulo Singer, Mudanças Sociais na História Contemporânea
1962 Sebastião G. Moreira, Cristo, a Única Solução para o Brasil
1962 Grupo de Estudo, Fronteira econômica, Grupo Urbano
1962 Grupo de Estudo, Fronteira econômica, Grupo Industrial
1962 Grupo de Estudo, Fronteira econômica, Grupo Rural
1962 Grupo de Estudo, Fronteira cultural, Grupo Educacional
1962 Grupo de Estudo, Fronteira cultural, Grupo de Arte e Com.
1962 Grupo de Estudo, Fronteira estudantil, Grupo Estudantil
1962 Curt Kleemann, Encerramento da Conferência do Nordeste
1962 Apêndice, Cidadania responsável nas situações históricas

OS CAMINHOS DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA

Ao analisar a realidade brasileira, o reverendo Almir dos Santos considera que três questões devem ser levadas em conta para a compreensão daquilo que se convencionou chamar de processo revolucionário brasileiro. 

A primeira delas, a revolta generalizada do homem contra a atual situação em que vive grande parte da população. Por isso, afirma, a “revolução social está em andamento, e é um grito de revolta, no bom sentido, de uma população que desperta para a consciência de que a miséria não é uma situação inelutável, de que a pobreza não é um quinhão distribuído por Deus com endereço próprio a seus filhos”. 

A segunda característica desse processo revolucionário é a luta contra o subdesenvolvimento, e citando Tomás de Aquino, afirma que “há um mínimo de condições exigidas para a prática da virtude”. Assim, a existência de vidas em condições desumana, injusta, inferiores leva o homem à prática de atos contrários aos padrões morais.

E como terceira característica, o fato de que o Brasil está querendo definir sua identidade enquanto nação. “Não queremos permitir que ninguém nos venha dizer como nós devemos andar. Se isso é pecado, amigos e irmãos, todas as nações do mundo estão em pecado. E nenhuma delas teria realmente a ousadia de moralmente nos atirar a primeira pedra. Chegou o momento em que nós brasileiros sentimos na consciência todo nosso dever. Queremos escrever a nossa história com o nosso próprio papel”. 

É interessante notar que o discurso de Almir dos Santos foi feito diante de um auditório que tinha entre os presentes o próprio governador do Estado de Pernambuco, Cid Sampaio. A tônica nacionalista de esquerda é clara na fala de Almir dos Santos, mas chama a atenção um detalhe peculiar, ele faz questão de dizer que é brasileiro de quarta geração, com índios e caboclos pelo lado materno e, remotamente, sangue africano, pelo lado paterno.

Essa necessidade de reafirmar sua brasilidade reflete muito mais que um desejo pessoal de definir origens. O discurso de Almir dos Santos está preocupado com a identidade nacional, na qual para ele estão inseridos os evangélicos, não somente como pessoas, individualidades, mas como parte da realidade social que forma esta nacionalidade.

Dessa maneira, a preocupação aparentemente particular e pessoal do reverendo com suas origens transborda numa declaração de fé que deve ser ouvida por todos, a partir do próprio governador presente: “Queremos ser brasileiros, conduzir os destinos da nossa pátria como melhor nos aprouver. Se errarmos, não seremos os primeiros. No entanto, se acertarmos aí estará a recompensa pela vitória”. 

Mudanças sociais na história contemporânea

Chama a atenção da conferência a coragem de seus organizadores em terem entre seus palestrantes marxistas conhecidos e reconhecidos. Entre eles está Paul Singer, economista e cientista que proferiu uma palestra marcante. Metodologicamente marxista-leninista, abordou em sua fala os marcos que considerava fundamentais para a ruptura do país com o subdesenvolvimento e o deslanchar de uma efetiva industrialização.

Discorreu sobre o processo de industrialização capitalista, desde o seu início na Inglaterra. Mostrou como a colonização de regiões do globo, como a da Índia, por exemplo, significou uma drenagem de riquezas e um processo de acumulação para a Europa Ocidental. 

Falou sobre a revolução russa, a expropriação dos meios de produção e a formação de um parque industrial estatal. “O fato mais significativo (...) e que é realmente não apenas parte de nossa história contemporânea, mas que a meu ver, abre a história contemporânea, separa a história contemporânea da história anterior, é a revolução russa, a revolução que aconteceu em outubro de 1917”. 

Sem ser a favor ou contra, é preciso reconhecer que ela desempenha nesse quadro o papel divisor de águas. Ela, pela primeira vez, instituiu um outro sistema, o qual acabou se estendendo a uma parte considerável dos países a que faz concorrência e se mostra como alternativa à primeira forma histórica de realizar o processo de industrialização. Objetivamente parece-me, portanto, que é o estudo da revolução russa, nos seus aspectos mais gerais, que poderá nos mostrar de que maneira é possível, talvez corrigindo erros ou excessos, dando voltas ou não, superar alguns dos problemas que foram causados pela forma como se deu a industrialização através do sistema capitalista.

Sem dúvida, o processo foi acompanhado de aspectos dos mais condenáveis. Durante este período toda a Rússia passou por um regime político que se pode, por vezes, denominar de ditadura terrorista. As liberdades individuais foram restritas ao mais alto grau. Não somente a liberdade de pensamento, a liberdade de reunião, a liberdade política, mas a própria liberdade de pesquisa científica foi estrangulada. A liberdade de criação artística foi extremamente cerceada. E esta contradição em si, entre um país que consegue superar os piores obstáculos para seu desenvolvimento econômico e ao mesmo tempo aniquila muitos dos mais importantes valores e conquistas da civilização moderna. É que me parece ser o problema mais importante das mudanças sociais do mundo contemporâneo. Porque o que nós assistimos atualmente é na verdade a aplicação das lições da revolução russa, inclusive dos seus mais graves erros, pelo povos coloniais ou que eram economicamente coloniais.

Ao destacar tais aspectos negativos da revolução russa, entre eles a restrição das liberdades individuais [de pensamento, de reunião, política e inclusive de pesquisa científica], analisou, como fazem os marxistas, tal questão desde um ponto de vista de classe, argumentando que para a maioria das sociedades novas, e aí incluiu Cuba, é preciso restringir a liberdade da minoria, já que para a maioria tal liberdade está fora do alcance da consciência de suas necessidades. Ele próprio, esclareceu que esse argumento não soluciona o problema, mas desmistifica o “problema na sua colocação formal”.

Afirmou que para a construção dessas novas sociedades são necessárias duas novas instituições: o partido revolucionário e os conselhos de fábrica. Descreveu o partido revolucionário como a instituição que organiza a revolução e que depois de tomar o poder se transforma num instrumento político que dá continuidade ao processo revolucionário. 

O partido revolucionário é como estrutura, provavelmente, transitório, mas exatamente na sua transitoriedade ele mostra, a meu ver, peque indício do que será, no futuro, a participação do homem na vida política de seu país. Não uma participação passiva, de eleitor coagido quase a votar, obrigado, multado se não vota, mas um indivíduo que conscientemente decide tomar posição face aos problemas políticos e deseja participar de sua decisão a partir do início de sua discussão.

Sobre os conselhos de fábrica, contou a experiência iugoslava e polonesa. Considerou que tais conselhos (sovietes), por serem formados por trabalhadores, indicam caminhos que desalienam o processo de produção.

Terminou sua palestra fazendo uma profissão de fé na revolução socialista, já que, para ele, este é o desejo das amplas massas em todo o mundo.

Gostaria de terminar esta palestra chamando a atenção para o fato de que as transformações sociais no mundo contemporâneo é um problema de solução difícil e geralmente de solução revolucionária. Isto significa que, com todos os defeitos que tem, é um processo desejado pela esmagadora maioria da população de todos os países e que tem que se dar na luta contra interesses criados e contra muitas vezes a falta de consciência dos que querem chegar até lá mas não sabem como. É um processo portanto de luta política. O que é preciso é entender que este processo de luta política em si tem hoje perspectivas não somente de criar indústrias, de criar condições de satisfazer as necessidades materiais da grande maioria da população, mas que dentro está se criando uma nova sociedade, e ela em si poderá, conforme for constituída, levar à solução de muitos problemas ou à criação de novos, talvez mais graves do que os da sociedade pré-capitalista. Seja como for, hoje há a possibilidade de começar a se solucionar o problema fundamental, que é o problema do homem se relacionar com a natureza através do processo de produção, de forma a encontrar a si próprio no processo, dominando-o conscientemente e não como objeto de um mercado que lhe é impessoal e estranho, ou como objeto de máquina que o emprega como seu apêndice.

Resistência à mudança social no Brasil

Se Paul Singer olha o processo revolucionário brasileiro a partir da metodologia marxista-leninista, outros palestrantes apresentam abordagens diferentes. Para Juarez Rubem Brandão Lopes, por exemplo, a questão fundamental consiste em entender com se dão as resistências contra a mudança. Para ele, estas resistências se fazem presentes na própria dualidade da estrutura social brasileira. Partindo das análises de Celso Furtado e de Jacques Lambert, sociólogo francês, considera que existem duas sociedades que formam este país chamado Brasil. Uma arcaica e tradicional e uma nova, em transformação. Assim, para o professor, o Brasil não enfrenta um problema de subdesenvolvimento, mas outro, mais complexo, que ele chama de “desenvolvimento parcial”.

Cita Franklin de Oliveira ao fazer um balanço sobre os desníveis entre esses dois brasis e parte das análises do livro Teorias Econômicas e Regiões Subdesenvolvidas, de Gunnar Myrdal, recém lançado no Brasil. E dá razão ao economista sueco, quando este considera que o subdesenvolvimento é causa do próprio subdesenvolvimento, ou seja, que ele é cumulativo num processo inverso, empurra para trás.

Assim, para Brandão Lopes, a resistência à mudança no Brasil localiza-se predominantemente na natureza patrimonialista do Brasil arcaico, já que essa estrutura social se opõe aos efeitos dos focos de desenvolvimento. Para ele, essas zonas rurais claramente tradicionais – partes do Nordeste e outras regiões -- só podem ser mudadas através mutação súbita, de reforma agrária radical.

Para as zonas rurais já penetradas pelo capitalismo, porém, a desapropriação de terras ou a reforma agrária são propostas utópicas, aí a solução realista é a sindicalização dos trabalhadores rurais.

A partir da defesa do sindicalismo rural, que arranca da solidariedade tradicional, comunal, em direção à solidariedade de classe, Brandão Lopes chega ao sindicalismo que no início dos anos 60 surgia na periferia industrial de São Paulo.

No Brasil novo temos também a mesma possibilidade de desenvolvimento sindical. Assistimos no Brasil ao desenvolvimento de uma legislação trabalhista e de uma estrutura sindical, em boa parte, sob controle do Governo e mais recentemente, nos últimos dez anos, estamos vendo o início da desintegração do controle governamental sobre essa estrutura sindical (...). Há greves em São Paulo que são incontroláveis, embora outras permaneçam sob controle do Governo. Porque algumas delas são incontroláveis? Fundamentalmente parece-me que há dois tipos de fatores que levam a uma perda do controle do Governo sob os sindicatos. Primeiro, o desenvolvimento da solidariedade operária (...). Vindos em grande número do Brasil arcaico, não se identificam com as condições de operário, e orientam-se, psicologicamente, para fora da estrutura industrial. Em algumas situações, porém, surge uma solidariedade que não é comunal ou tradicional, é de classe. Os operários que estão nesse caso são ainda em muito pequeno número, mesmo nas grandes capitais como São Paulo (...). Outro fator responsável pelo enfraquecimento do Governo sobre os sindicatos é o fato de muitos grupos reorganizados estarem procurando manipular os sindicatos (...). Partidos políticos, os industriais, etc. têm igualmente procurado estabelecer contatos com elementos sindicais. Ora, na medida em que se multiplicam os grupos que competem pelo controle sindical, surgem condições para liberdade de ação do sindicato. Nesse sentido, me parece que uma das principais possibilidades para vencer as resistências à mudança social e econômica é o desenvolvimento extremamente rápido que pode ocorrer daqui por diante no sindicalismo brasileiro.

Essa visão, que na época traduzia uma proposta reformista, principalmente quando se refere ao campo, não era muito bem vista por grande parte da esquerda brasileira, mas é a sugestão que Brandão Lopes apresenta. Ele busca, através dela, localizar pontos de atuação estratégica e brechas na estrutura arcaica que possibilitem ações que acelerem as transformações sociais. Comunistas e trotskistas centrarão suas ações políticas a partir daí. Os primeiros procurando ocupar a direção dos sindicatos e os segundos criando oposições sindicais que se oponham ao peleguismo reinante. No ABC paulista e em São Paulo, a luta entre pelegos e comunistas versus trotskistas politizará o movimento sindical possibilitando com o passar dos anos a formação de uma liderança sindical antipelega e classista. 

O Nordeste no processo revolucionário brasileiro

No início dos anos 60, o Nordeste era visto como reserva histórica e social da revolução brasileira. Por isso, não por acaso, uma das palestras enfoca o nordeste através de um de seus principais tradutores naquele momento, Celso Furtado. 

Se para Francisco Julião, “a etapa atual da luta revolucionária no Brasil é socialista. (...) A burguesia nacional é vacilante e tende a compromissos com o imperialismo” , para Celso Furtado, o grande desafio é promover a industrialização dessa região do país.

Se para Julião, as ligas camponesas são organismos diretores da revolução [cerca de 40 mil só Pernambuco, em meados de 1962], para Celso Furtado a transformação virá através da capitalização do campo, do direcionamento de investimentos e da construção de sindicatos. E para explicar isso, ele faz uma sociologia da seca: 

O que ocorre na verdade com a seca é que, se temos em conta, por exemplo, que a renda global está formada pela pecuária, pelo algodão e pelos gêneros alimentícios, observa-se que a redução da renda global se concentra nos gêneros alimentícios; esse colapso de renda recai totalmente sobre a parte mais pobre da população, que é o pequeno produtor. A economia está organizada de tal forma que o mais fraco tem de levar o maior golpe; numa economia capitalista mais avançada quando vem a crise, e se fecha a fábrica, perdem todos. O dono da fábrica vai para a falência, e o operário fica na rua gritando. Mas aqui não. Aqui é muito mais inumano, porque quando vem a seca o que fazem geralmente os donos do algodão é o seguinte (eu sei porque meu avô era dono de plantações e eu vivi tudo isto): chamam o morador e dizem: ‘fulano, você está ruim, não choveu até agora, você precisa dar um jeito na sua vida; está aqui a sua folha, você tem tanto de algodão, eu vou lhe pagar este algodão, deixa o algodão por minha conta e trate de se arranjar. O governo vai abrir frente de trabalho em tal lugar e você vai se arranjando’. Aí o morador vende o algodão dele na folha, pega aquela quantia, põe no bolso e é o dinheirinho que el tem para deslocar-se, para não morrer de fome no dia seguinte. Ele sai então para encher a sua mochila e vai embora, porque quando chega neste ponto ele já plantou duas vezes ou três e já perdeu as sementes. A situação torna-se então muito difícil.

Celso Furtado faz questão de se colocar no campo da revolução. Caracteriza a situação do país como pré-revolucionária, mas não quer a revolução socialista como propõe Julião. Para Celso Furtado isso seria o pior, ele crê que o governo de João Goulart através da Sudene pode fazer muito pelo Nordeste. E esta é a reforma que propõe:

Nós estamos no Nordeste tipicamente diante de um sistema econômico-social que tende, na sua própria dinâmica de crescimento, a criar problemas crescentes para ele mesmo, e a isto é que nos chamamos uma sociedade que tende, ela mesma, a uma revolução. E é por isso que eu tenho dito muitas vezes que nós vivemos o período pré-revolucionário. Muita gente pensa que é uma frase, que queremos apenas dizer que a situação é grave. Afirmo-lhes que não. Se nós continuarmos, mesmo atuando muito bem, com a maior boa vontade do mundo, eu, como superintendente da Sudene, com as centenas de técnicos que temos hoje, rapazes idealistas que se matam no trabalho e que estão aí por tudo, levando tudo isso para diante, nós não evitaremos o pior. Isto é o que temos consciência claramente hoje em dia. 

O que se observou foi o seguinte: em 58/59, os dois anos anteriores à Sudene, a média de investimentos privados no Nordeste sobre o total do Brasil era de 1,2% (tenham os senhores em conta que a população do Nordeste é de 30% da população do Brasil). Nos dois anos, os primeiros dois anos da Sudene, 60/61, subiu de 1,2% para 5,4%. Estou falando de um número relativo: a porcentagem sobre o total subiu, mas como o total está crescendo, significa que os investimentos privados no Nordeste do setor industrial cresceram com velocidade três vezes maior do que no sul do Brasil. Ora, o sul do Brasil está em disparada, portanto houve um autêntico boom industrial no Nordeste. 

E o economista termina sua palestra fazendo um alerta. Reafirma a existência de uma situação pré-revolucionária, e diz que tanto ele quanto o governo estão empenhados em resolver o problema humano no Nordeste, mas, “ou nós fazemos as mudanças em tempo útil, ou elas virão por cima de nossas cabeças”. 

A missão total da Igreja numa sociedade em crise

Diante de tal situação, qual a missão da Igreja? Será possível uma resposta coerente, global, que apresente um norte para o problema brasileiro? O bispo Edmundo Knox Sherrill tentará uma resposta.

Para ele, a situação brasileira se insere num contexto mundial, que considera fruto das transformações sociais e dos imperativos morais e religiosos decorrentes da ampla utilização da ciência moderna aos meios de produção. Em última instância, para Knox Sherrill, a técnica é boa pois modifica as condições de vida das massas em todos os continentes, mas, paradoxalmente, virou o mundo de ponta cabeça.

Knox Sherrill afirma que há um processo revolucionário em marcha, já que não é mais possível tolerar a pobreza, a doença, o analfabetismo. Por isso, é imperativo que os evangélicos se associem positivamente ao processo histórico e revolucionário.

Para ele, mesmo discordando das medidas tomadas, o cristão não pode divorciar-se da luta pela justiça. E essa luta traduz ao nível do real, atributos do próprio Deus, já que ele criou o homem como mordomo e não dono do mundo. Esse Deus redentor e santificador lança sobre nós o desafio do mundo, já que é impossível adotar a criança da manjedoura e esquecer a mortalidade infantil, colocar-se sob a cruz e olvidar os injustiçados e abandonados.

Por isso, o bispo Knox Sherrill faz um chamado ecumênico à universalidade sacramental. “Vivemos num universo sacramental, em que coisas materiais são portadoras do soberano Espírito. O homem que Deus fez do pó da terra é imagem e semelhança do Seu Criador, pois é uma união do espírito e da carne, criado para ter consciência de sua origem divina, para ouvir, compreender e obedecer a palavra de Deus e para participar de uma destino eterno. (...) Todo o significado da vida humana se relaciona com esta obra divina, universal no seu alcance e sacramental na sua forma. (...) A função principal da Igreja é sacerdotal, é ser o elo, a ponte entre o mundo e Deus, o lugar de encontro onde os homens procuram o Criador e onde o Espírito Santo atinge os homens”.

É interessante ver que sua proposta ecumênica traduz uma realidade que estava sendo vivenciada por religiosos que atuavam nas organizações de classe e sindicatos. Os depoimentos que seguem deixam claro esta verdade.

A minha tarefa básica é a reconciliação, que deve prescindir de religião, e levar as pessoas a uma maior autenticidade (...). É uma ação sem manchetes, sem fachadas; não pretendo trabalhar nas cúpulas: acredito nas coisas de base (...). Nunca fui escolhido pelo bispo, nem acho isso importante. Fui escolhido pelo povo, os estudantes com quem convivo diariamente (...). Mantenho entre a juventude um contato permanente com pessoas de outras crenças e religiões: protestantes, judeus, espíritas e ateus. A missa que celebro é ecumênica; mesmo os que não são cristãos se sentem de tal maneira a comungar também (...). Os setores de esquerda apenas se opõem aos cristãos que não têm uma fé comprometida com a vida.

Também entre os operários urbanos há participação protestante, pelas finalidades ecumênicas amplas do movimento: ‘Nas fábricas procura-se a promoção dos trabalhadores e aí não se distingue religião. A atuação é diferente, sobre todos, para que assumam suas tarefas. (...) Há protestantes colaborando nas reivindicações e também no esforço de refletir no plano humano a partir da fé. Existem protestantes em nossas equipes de Ação Católica.

A Conferência do Nordeste traduz assim a busca de um sentido de missão que perpassa o conjunto da jovem intelectualidade brasileira e da juventude cristã em particular.

A juventude cristã vinha participando ativamente do processo de democratização e desenvolvimento do país, antes do golpe militar de 1964. Nesse tempo, membros dessa juventude ocupavam postos-chave nas Universidades, na direção de setores operários, profissionais e estudantis, e mesmo no governo do Presidente João Goulart. 

Esse sentido de missão traz a ideologia para dentro das igrejas e comunidades cristãs, mas nesse momento e essa é uma tradução correta da Conferência do Nordeste, mais do que dividir, une e dá uma coesão às aspirações de apresentar ao povo brasileiro um cristianismo vivo e participante. E o mais interessante que isso se dá enquanto projeto ecumênico que nasce de baixo para cima. Surge como anseio revolucionário, unindo corações e mentes.

Concluímos que no Recife há uma clara e explícita vinculação político-ideológica dos entrevistados com o projeto de mudança social. As entrevistas do Nordeste são indícios muito nítidos de um compromisso com a história. E a divisão entre projetos de intervenção na realidade não se faz tanto entre os que atuam nas cúpulas e nas bases, entre clérigos e leigos, entre os que restringem sua visão a uma elite eclesiástica e os que se propõem a atingir o povo. De fato, parece que todos procuram atingir o povo do Nordeste, e a divisão se processa mais em termos de que projeto se pretende propor – de um lado, um projeto que questiona e se opõe ao status quo; e de outro, um projeto que se apóia no status quo e propõe a sua reforma. 

A CRISTOLOGIA DA REVOLUÇÃO
Cristo e o processo revolucionário brasileiro

Se a Igreja coloca-se na brecha social e considera fundamental participar do processo revolucionário, sobre que bases a Conferência do Nordeste procura apresentar uma Cristologia da revolução? Aqui texto e vida formarão uma totalidade gerando uma ética de luta contra a exclusão social

Visitei na cidade do Recife um estabelecimento que merece toda a nossa simpatia, todo nosso apoio, toda nossa admiração, a Casa da Criança, e ali pude ver em pequenas camas tipo maca, crianças desidratadas, subnutridas, recebendo os recursos que a medicina pode dar e os recursos que os poderes públicos podem oferecer, para ver se ainda se salva da morte prematura um punhadinho de irmãos nossos; e perguntei para a enfermeira: ‘Duas numa cama?’. E ela respondeu: ‘O Sr. Veio aqui num dia que está mais folgado, há dias aqui de ter três’. Amigos, certa vez em Minhas, eu deveria fazer, como pastor, ofício fúnebre de um enterro: morrera uma criança. Daí a uma semana morreu outra. Daí há 15 dias morreu outra na mesma família. Na primeira vez eu procurei confortar aquela família dizendo que era a vontade de Deus. Mas da terceira eu não disse isso. Passei uma exortação na família e falei sobre as condições em que viviam os colonos do fazendeiro em cuja fazenda aquilo estava se verificando dia a dia.

A vida é o primeiro passo para a construção de uma Cristologia da revolução. E na seqüência, o Reverendo Almir dos Santos passa a trabalhar com o texto de Lucas 4. 16-21. É um trecho conhecido pelos evangélicos, pois apresenta o programa ministerial de Jesus. E no texto destaca os quatro pontos programáticos de Jesus Cristo: anunciar uma nova ordem aos pobres; proclamar a libertação aos deserdados; restaurar a vida dos que estão sendo ceifados pelas enfermidades; e apregoar o ano aceitável do Senhor.

Este quadro de miséria, de enfermidades, da falta de recursos que nos estão ceifando milhares de vidas é a verdade inegável diante dos nossos olhos. E Jesus disse que ele veio para trazer libertação aos cegos, apenas uma enfermidade que ele tomou como símbolo para este fenômeno das enfermidades que ceifam. Jesus também veio para por em liberdade os oprimidos. Os três primeiros itens do programa de Jesus se referem aos aspectos da vida material, econômica e social. 

Ora, se os três primeiros itens do programa se referem aos aspectos materiais da vida humana, sobre o que trata o quarto item? Ao compromisso, a opção por estar na trincheira ao lado daqueles que lutam por dignidade. E aí daqueles que por omissão ou interesses fugirem a este posicionamento exigido pelo próprio Cristo.

Diante do Brasil de hoje há um dilema, um dilema terrível do qual eu gostaria de escapar. O dilema que eu gostaria de não vos anunciar nesta hora, meus irmãos e amigos brasileiros, é o dilema de escolher entre o ano aceitável do Senhor ou o dia da vingança do nosso Deus. O dia em que a sua justiça há de ser estabelecida sobre as injustiças humanas. O presidente Kennedy interpretou de maneira muito clara este texto, se bem que talvez não o tivesse em mente: ‘Aqueles que se rebelam contra a revolução pacífica da justiça serão responsáveis amanhã pela revolução injusta que pode vir’.

Aqui, à maneira protestante, são lançadas as sementes para uma Cristologia da revolução, ecumênica e universal. A esta exposição de Almir dos Santos devemos juntar mais duas análises que caminham na mesma direção: a do Reverendo Joaquim Beato sobre o profetismo em Israel e a do Reverendo João Dias de Araújo sobre Reino de Deus.

O Reverendo Joaquim Beato tira dez conclusões de seu estudo sobre o profetismo. Para os profetas, (1) religião era interpretação da condição humana à luz do propósito de Deus; (2) eram porta-vozes de Deus para condições específicas; (3) eram homens de ação; (4) homens de seu povo e de seu tempo; (5) exerciam uma ação política à luz do seu entendimento do destino de seu povo; (6) o propósito básico de sua pregação social era o pacto; (7) consideravam justiça e juízo, amor e integridade mais importantes que a estrutura política, a religião organizada e a organização e instituições econômicas da nação; (8) seu compromisso era com Deus; (9) seu Deus entrava na luta pela justiça social, era o grande aliado dos injustiçados e expoliados. (10) Hoje, mais uma vez, os profetas aceitariam o desafio que temos que enfrentar nestes dias.

A palestra do Revendo João Dias de Araújo, A Revolução no Reino de Deus, tem um subtítulo bastante claro e contundente: Conteúdo revolucionário do ensino de Jesus sobre o Reino de Deus.

Depois de discorrer sobre a teologia do Reino de Deus, que tem, para ele, por princípio fundante o homem, destaca sete aspectos centrais desse reino: (1) é humanista, já que o alvo do reino é colocar o homem e a sociedade sob a soberania de Deus; (2) tem ação evangelizadora, já que sua missão é proclamar ao mundo a soberania e o governo de Deus sobre a realidade; (3) evangelizar é humanizar, pois a obra de Cristo foi levantar o homem, restaura-lo em todos os sentidos e em todas as suas implicações existenciais; (4) é social, pois na Bíblia não existe homem solitário, mas solidário; (5) Deus é pai, não é chefe tirano, arbitrário, nem déspota sanguinário; (6) espírito familiar, cooperativista, comunista, pois o reino de Deus é de fato uma família; (7) reino de justiça, por isso é um reino revolucionário. 

O Reverendo Joaquim Beato conclui de forma contundente:

O Cristianismo e a Reforma são duas das grandes revoluções da história. São na verdade a mesma revolução. A primeira fecha a velha ordem das coisas, a segunda começa a nova ordem. São palavras do grande historiador d’Aubigné. A revolução do Reino de Deus foi inaugurada há dois mil anos atrás com a presença de Jesus Cristo e continua alvoroçando o mundo. O que nós cristãos precisamos fazer hoje é, através de nossas vidas, dar mais oportunidades para o desencadear dessa revolução vitoriosa.

Como filhos do Reino de Deus somos parte da rebelião dos tempos atuais. Devemos estar na vanguarda dos movimentos de transformação do mundo contemporâneo. O clima revolucionário do século XX é percebido através da revolução marxista-leninista, da revolução do proletariado, da revolução racista, da revolução nacionalista, da revolução da autodeterminação, etc. Dentro desse vulcão em ebulição está operando a revolução do Reino de Deus, isto é, a soberania de Deus sobre a história, dando a diretriz segura para a humanidade no presente e no porvir.

Assim, teologicamente a Conferência do Nordeste passa de uma cristologia da revolução e caminha para uma teologia da revolução. Mas, ao contrário do que acontecerá anos mais tarde, não toma como pedra de esquina o marxismo. Ao contrário, vai procurar garimpar os elementos basilares de uma metodologia na leitura da Bíblia, mas em franco diálogo com todos os setores da sociedade, inclusive marxistas.

A Conferência do Nordeste deixa claro para seus participantes que Cristo está no processo revolucionário brasileiro. E que junto a ele devem estar os seus seguidores.

Cristo – A única solução para os problemas do Brasil

Por tudo isso, a conclusão é óbvia, embora não seja fácil. E coube ao Reverendo Sebastião Gomes Moreira apresenta-la. Ele a sintetizou com a leitura de Mateus 7.12: “Aquilo que vos quereis que os homens vos façam, fazei-lhes vós a eles”.

Mostrou os problemas.

Vivemos numa terra imensamente rica e somos imensamente pobres. Possuímos tudo e não temos quase nada. Não é, porém, para desesperar.

Não basta atacar o mal pela rama, pelos efeitos – é preciso ir à causa – ataca-lo na sua origem. É preciso reconhecer-se que há uma crise moral gerando tudo isso que aí está. Há um charco podre, impregnando, o ambiente de miasmas de morte. 

Apresentou a solução.

Uma sociedade que é o resultado da interferência de Cristo na sua constituição pode enfrentar o futuro com inteira confiança, e a pátria que ela integra pode estar segura do seu grande destino.

E concluiu dizendo que os cristãos, conforme disse o Mestre, devem buscar em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça e a partir daí podem estar certos de que o Cristo cumprirá com toda a fidelidade as suas promessas, quer para o tempo presente, quer para o futuro escatológico.

Donde ...

Neste Encontro do Nordeste, que reuniu 167 delegados de dezessete Estados, representando dezesseis denominações, o cristianismo reformado brasileiro, de maneira ecumênica, caminhou em direção ao diálogo na procura de orientação para uma presença efetiva na fronteira cultural, econômica e política. 

Teologicamente, fez a proclamação da soberania de Jesus Cristo, depositando sobre os ombros da Igreja a tarefa de aceitar o desafio do momento, a fim de demonstrar a evidência da ação de Deus no mundo.

Mas, alertou à Igreja para o perigo de, em meio às rápidas transformações sociais, ficar atrás em seu pensamento social e pregar um evangelho que não seja compreensível e adequado às necessidades do sociedade em mudança.

Como disse o Reverendo Curt Kleemann, na sua fala de encerramento do Encontro: 

Aprendemos muita coisa. Aprendemos, por exemplo, que o velho mundo, com todas as suas estruturas tradicionais, está passando e passando rápido diante de nossos olhos. Aprendemos também que embora o mundo passe, a Igreja permanece e tem permanecido porque as portas do inferno não prevalecem e nem prevalecerão contra ela. Aprendemos ainda, prezados irmãos, que embora a Igreja seja veículo de uma mesma verdade, e que esta verdade é eterna, a Igreja é aquele veículo, por assim dizer, transitório na história, e que deve reinterpretar o evangelho e a verdade que nos foi revelada em Jesus de acordo com a necessidade de cada época.

Há poucos anos, durante a escravatura, a Igreja que não reinterpretou o amor de Deus pela libertação dos escravos, não reinterpretou o amor revelado de Jesus. E hoje este mesmo amor talvez tenha uma outra dimensão. Não temos mais escravatura, mas temos outra forma, outras possibilidades de expressa-lo, e a Igreja, que é este elemento transitório na historiam precisa reinterpretar esta verdade eterna, não de acordo com o século passado, mas com os dias de hoje. 

Estamos gratos a Deus porque daqui por diante, prezados irmãos, nós temos que adotar novos caminhos, novas perspectivas, novas idéias para arrancadas missionárias de sentido mais profundo, talvez mais horizontal do que vertical, para que possamos assim nos identificar com os tremendos problemas de nossa terra. E embora – isto eu quero deixar bem claro – esta nossa orientação deva ser nova, a nossa inspiração é tão velha quanto a Bíblia, e é lá na Bíblia que nós encontramos as bases de nossa renovação espiritual. 

Quase quarenta anos depois do Encontro do Nordeste – Cristo e o processo revolucionário brasileiro podemos dizer que nós também aprendemos muito e que temos uma dívida para com aqueles irmãos-companheiros que ousaram falar de assuntos até hoje polêmicos.

É uma dívida da Igreja evangélica brasileira, já que grande parte dos problemas sociais, econômicos e políticos analisados não foram resolvidos, o que nos coloca de novo diante do mesmo desafio que aqueles cristãos se colocaram: como respondemos a esta revolução que corrói nossas entranhas e desafia eticamente nosso cristianismo?

Mas as perguntas que nos fizemos no início desse trabalho foram respondidas. O papel da Igreja numa sociedade em crise é seguir os passos de Jesus Cristo, revolucionário por excelência, amante apaixonado dos deserdados da terra. Cristo é a solução para os problemas brasileiros porque sob sua soberania está nossa ação política, a favor do homem, na revolução permanente do Reino de Deus. E neste que fazer, o fazemos todos, juntos a partir de nosso atuar transformador. Esse é o ecumenismo que a Conferência do Nordeste traduz.

Exatamente por isso a Conferência do Nordeste – Cristo e o processo revolucionário brasileiro nos dá paradigmas para o ser cristão hoje, num país tão massacrado pela desigualdade e pelo arbítrio.

E terminamos este trabalho com um pensamento do Reverendo Kleemann:

“A revolução que Jesus tinha em mente possuía um sentido mais amplo, era a revolução do Reino de Deus”.

A Deus toda a glória!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOFF, Leonardo, Teologia do Cativeiro e da Libertação, Petrópolis, Vozes, 1980.
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YODER, John Howard, A política de Jesus, SL, Sinodal, 1988.
MÍGUEZ BONINO, José, Rostros del Protestantismo Latinoameri-cano, Buenos Aires, Nueva Creación, 1995.
KRISCHKE, Paulo José, A Igreja e as Crises Políticas no Brasil, Petrópolis, Vozes, 1979.
RICOEUR, Paul, Interpretação e Ideologias, RJ, F. Alves, 1990.
TILLICH, Paul, A Era Protestante, SBC, Ciências da Religião, 1992.
TORRES, Camilo, Cristianismo e Revolução, SP, Global Ed., 1981.
WEBER, Max, A ética protestante e o espírito do capitalismo, SP, Pioneira, 2000.

APOSTILA / ARTIGOS / REVISTAS 

PINHEIRO, Jorge, A Igreja Cristã: Dois mil anos de paixão, SP, FTBSP, Apostila, 1996.
RAISER, Konrad, Utopia e responsabilidade: mensagem à Consulta do Jubileu, in Ecumenismo, SBC, Estudos de Religião 14, julho de 1998.
RIVERA, Dario Paulo Barrera, Tradição, memória e posmodernidade, in Estratégias religiosas na sociedade brasileira, SBC, Estudos de Religião 15, dezembro de 1998.








O diálogo ecumênico hoje no Brasil

A propósito dos 500 anos da Reforma
O DIÁLOGO ECUMÊNIICO HOJE NO BRASIL
Uma proposta aos cristãos brasileiros

Por JORGE PINHEIRO, PhD


O diálogo ecumêniico visa abrir a discussão entre os cristãos. É um movimento que não objetiva proferir uma palavra de unificação para as confissões denominacionais cristãs, mas objetivar um trabalho que hoje deve estar voltado para a dignificação do excluído no Brasil

Dentro desse espírito, a primeira entidade criada no Brasil foi a Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) no ano de 1973. Teve como objetivo promover a justiça social sem discriminação de qualquer tipo, inclusive religiosa. Apoiaram a CESE, as confissões Metodista, Brasil para Cristo, Episcopal Anglicana, Presbiteriana Unida, Católica Romana, Evangélica de Confissão Luterana e Siriana Ortodoxa.

Em 1982, seguindo preocupação semelhante, mas procurando estabelecer um diálogo mais teológico, foi criado o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) uma associação de “igrejas fraternas que confessam o Senhor Jesus Cristo como Senhor e Salvador, segundo as escrituras...”.

O estatuto do CONIC declarava que "o amor de Deus, a confissão de fé comum e o compromisso com a missão impulsionam as igrejas membros a uma comunhão mais profunda e a um testemunho comum do Evangelho no Brasil, no exercício do amor e do serviço ao povo. Respeitadas as diferenças eclesiológicas, as igrejas membros se conhecem convocadas por Cristo à unidade de Sua Igreja, na certeza da atuação do mesmo Cristo e de Seu espírito nelas e através delas".

Internacionalmente, uma das entidades mais expressivas do diálogo ecumêniico é o Conselho Mundial de Igrejas (CMI). No Brasil, estão filiadas ao CMI, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, a Igreja Presbiteriana Unida, a Igreja Reformada na América Latina, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil e a Igreja Metodista do Brasil.

Outras entidades, em nosso país, buscam o diálogo ecumêniico, como o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) fundado em 1974, que tem como objetivo analisar a conjuntura brasileira, fundamentando-se na reflexão teológica.

A Associação dos Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE), fundada em 1961, procura apoiar a formação de pastores e ministros de forma contextualizada, buscando diminuir a dependência das teologias estrangeiras. Temos ainda o Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI) e outros centros e associações em caráter regional e nacional que buscam trabalhar a questão pastoral, racismo, juventude, união de mulheres, comunicação etc.

Numa perspectiva prática, existem comissões bilaterais de diálogo. Em São Paulo a Arquidiocese Católica criou em 1977 a Comissão de Diálogo Ecumêniico (CEDRA).

A aproximação entre igrejas protestantes, ao nível de cooperação em atividades sócio-políticas, tem implicado em cooperação interconfessional de igrejas e pastores, que se unem para patrocinar conferências nacionais e internacionais.

O diálogo ecumêniico no Brasil tem particularidades, por conta da exclusividade da maioria das igrejas protestantes históricas e por conta das dificuldades encontradas quando se trata do relacionamento com a Igreja Católica Romana, especialmente nas categorias mais baixas do presbitério brasileiro, agravando-se mais ainda quando se chega ao laicato.

Diante desta realidade o diálogo ecumêniico no Brasil constitui um desafio para os cristãos. Porém não podemos deixar de considerar que a igreja cristã no Brasil nunca falou e agiu tanto em termos de busca do diálogo, quanto se faz no momento.

Pão, terra e justiça social

Acreditamos que o diálogo ecumêniico no Brasil deve partir da defesa da vida de deserdados e excluídos, por isso propomos, como ação conjunta dos cristãos, a defesa de uma ética da responsabilidade social, que denuncie a exclusão e se mobilize pela transformação das estruturas sociais e políticas da sociedade brasileira que geram exclusão social.

Nossa análise parte de uma visão reformada e acreditamos que assim fazendo oferecemos ao conjunto dos cristãos brasileiros uma perspectiva que enriquece a discussão no que se refere a proposição de ações conjuntas para a transformação solidária de nosso país. 

Em 1974, quatro mil delegados, representando o cristianismo reformado de quase todos os países do mundo, reuniram-se na cidade de Lausanne, na Suíça, no Congresso Internacional de Evangelização Mundial. Desse conclave resultou uma série de documentos sobre a evangelização do mundo no final de século, assim como de temas intrinsecamente ligados a ela.

O congresso desmembrou-se, anos mais tarde, em reuniões regionais, que analisaram e desenvolveram temas não definidos no chamado Pacto de Lausanne. Para o cristianismo reformado a reunião de Lausanne tem um significado normativo e prático, já que a partir de definições teológicas abrangentes chegou-se a propostas objetivas para a evangelização do mundo.

Passados um quarto de século da reunião de Lausanne, consideramos que suas preocupações continuam vigentes como reflexão para a práxis cristã neste início de século. Assim, partindo de documentos elaborados em Lausanne e nas consultas regionais posteriores, fizemos uma releitura dessas reflexões visando elaborar um chamado à ética cristã da responsabilidade social no Brasil.

Partimos então da atual realidade brasileira, numa rápida e abrangente análise de conjuntura, detectando as três grandes calamidades sociais que nosso país enfrenta: miséria e desemprego, estrutura agrária opressora e injustiça social generalizada.

Sem dúvida, estamos apenas arranhando problemas que necessitam um pensar mais profundo e uma práxis transformadora permanente. Mas, achamos por bem começar...

Pobres e miseráveis

Mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo vive abaixo do nível de pobreza. Ou seja, fora do mercado de consumo, sem nenhuma forma de rendimento, desamparadas, sem as condições básicas para sobreviver [Sete Milhões de Desempregados, Luís Indriunas, revista Debate e Desenvolvimento, Ano Um, Número 1, maio de 1996, pp.5 e 6]. E todos os dias milhares delas morrem de fome. Cerca de um quarto dos brasileiros, ou seja, 40 milhões de compatriotas estão nestas condições.

É importante aqui separar dois fenômenos: um é que existem aqueles que não participam do mercado de consumo e que nunca tiveram um emprego na vida, fato verificável principalmente nas áreas rurais dos terceiro e quarto mundos; o outro, é o desemprego, que se refere à perda do trabalho para aqueles que participavam do mercado de consumo. Em todo o mundo, segundo dados do Fórum Econômico de Davos, na Suíça, 800 milhões de pessoas estão nessas condições. O aumento da produtividade, o avanço tecnológico e a globalização da economia são algumas das principais causas da redução do emprego no mundo. O Brasil, além de enfrentar esse problema, precisa criar cerca de três milhões de empregos por ano. [Idem, reportagem citada, p.5].

O Brasil hoje tem uma população ativa de 70 milhões de pessoas. Deste total, mais de 10%, ou seja, 7 milhões de trabalhadores estão desempregados. Entre outubro de 1995 e março deste ano, o desemprego cresceu nas principais regiões metropolitanas do país, conforme dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos/Dieese.

Cerca de 3,5 milhões de crianças trabalham hoje no Brasil. Os filhos e filhas da exclusão e da miséria são obrigados a pegar desde cedo no batente. Os que sobreviverem à guerra pelo pão-nosso-de-cada-dia engordarão amanhã a fila infindável dos analfabetos, desnutridos, enfermos..., dos não cidadãos. [Filhos da Exclusão, João Hipper, revista Sem Fronteiras, no 238, março de 1996, pp.13-18].

O Brasil já ratificou a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina que a idade mínima para se entrar no mercado de trabalho é de 15 anos. Mas infelizmente tal legislação não é cumprida nas zonas rurais e até mesmo em determinadas áreas urbanas do país.

Falta trabalho, falta comida

O crescimento do desemprego nos grandes centros urbanos, principalmente no triângulo da produção brasileira, região dinamizadora do parque industrial do país, formado pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, está intimamente ligado à abertura indiscriminada às importações, e à inibição de investimentos em setores estratégicos, como bens de capital, máquinas, equipamentos e energia.

Acrescente-se a esta situação uma política cambial kamicase aliada a altos juros, que, conforme alerta Otávio Canuto, do Departamento de Economia da Unicamp, permite importar mais do que devíamos e exportar menos do que poderíamos, e temos como conclusão uma política neoliberal que esgota rapidamente as potencialidades do país.

Logicamente, tal situação produz concentração de poder e renda, pauperizando a classe média e produzindo um nivelamento social por baixo. É verdade que a corrupção oficial é uma das alavancas desse processo. Como exemplo de corrupção oficializada pelo governo lembramos que em novembro de 1995, o governo federal criou através da Medida Provisória 1179, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional / Proer, o que permitiu a injeção de 12 bilhões de dólares nos bancos Nacional, Bamerindus, Econômico, Caixa Econômica Federal e do Brasil. [De Olho no Porquinho, revista Veja, no 1418, 15 de novembro de 1995, pp. 32-37].

Enquanto isso, as obrigações sociais do governo, como educação e saúde, para citar apenas duas, são lançadas às calendas. Basta dizer que dos 30 milhões de crianças e adolescentes entre sete e 14 anos, cinco milhões estão fora das escolas, e 30 milhões de brasileiros não dispõem de nenhum tipo de assistência médica.

Mas se esta é a realidade dos grandes centros produtivos e das médias e pequenas cidades brasileiras, não podemos nos esquecer de outra chaga social: a lastimável situação do campo brasileiro. Apenas 1% dos proprietários de terras no Brasil detém o domínio sobre 44% dos 371 milhões de hectares de terras disponíveis para atividades agrícolas.

Desse total de terras agriculturáveis, só 3% estão divididos entre os 3,1 milhões de pequenos produtores rurais. Agora, mais uma informação chocante: 48% de toda a terra disponível para a agricultura, ou seja, 178 milhões de hectares, não são usadas para plantar, mas como pasto para gado. E do que sobra, 131 milhões de hectares recebem a designação técnica de “terras ociosas”, nelas nada se planta. [No palco da PA 150, a segunda morte de Zumbi, Moura Reis, Debate e Desenvolvimento, Ano Um, No. 1, maio 1996, p. 11]. Onde há miseráveis e desempregados, há fome.

Um desafio ético

Como disse o teólogo Howard Snyder, não somos os primeiros cristãos a viver os tempos apocalípticos [Tive Fome, Um Desafio a Servir a Deus no Mundo, vários autores, Série Lausanne, ABU Editora, São Paulo, 1986, in Prefácio, p.5]. A igreja primitiva viveu tempos terríveis. Mas agora, no início do terceiro milênio da história cristã, somos mais uma vez desafiados. E tendemos a oscilar entre dois perigos: perder a esperança e cruzar os braços ou acreditar num clímax iminente da história humana. Em ambos os casos, caímos numa cilada, que é virar às costas para a realidade social de milhões de pessoas.

É impressionante notar, conforme dados da Global Report (revista da Word Evangelical Fellowship) de julho/agosto de 1981, que o Brasil é um dos três maiores países em população protestante em todo o mundo. E se somamos a este número a população católica, muito possivelmente o segundo maior país cristão do mundo. O que pode ter um significado estratégico para a causa da justiça social não somente em nosso país, mas em todo o continente. Mas para que isso aconteça é necessário uma compreensão da ética cristã em relação próximo.

Apocalipticismo ou acomodação, eis os dois inimigos que ameaçam o evangelho de Cristo no Brasil. O primeiro deixa o amor ao próximo para depois, e o segundo está tão desesperançado que nem o próximo consegue enxergar. Por isso, precisamos desenvolver uma ética que norteie o diálogo ecumêniico, mostrando às confissões no Brasil que não existe cristianismo sem compromisso social.

Evangelização e responsabilidade social devem andar juntas. Na história do cristianismo reformado isso aconteceu no grande despertamento na América do Norte, no movimento pietista na Alemanha e no reavivamento na Inglaterra, durante o século 18. Essas atividades geraram o surgimento de sociedades missionárias e fortes mobilizações pela abolição da escravatura e por melhores condições de trabalho nas fábricas.

Uma responsabilidade cristã

A base dessa responsabilidade social cristã parte de nossa compreensão de Deus. Ele é o Deus da justiça, é o Deus da misericórdia. Há quase três mil anos, o salmista cantava: “Ele mantém para sempre a verdade, fazendo justiça aos oprimidos, dando pão aos famintos; Iaveh liberta os prisioneiros, Iaveh endireita os curvados, Iaveh protege o estrangeiro, sustenta o órfão e a viúva; Iaveh ama os justos, mas transtorna o caminho dos ímpios” (Salmo 146. 6-9).

Os cristãos em comunidade formam a igreja, e ela é o corpo de Cristo na terra. É através da comunidade cristã que se dá o exercício terreno da graça de Deus. As oito frases de solidariedade dos versículos 7 a 9 do salmo citado são para Jesus padrão da justiça divina, conforme explica em Mateus 25:31-46. E lidas a partir do discurso de Tiago contra a riqueza corrupta e opressora (Tiago 5:1-5), transformam-se na carta magna da responsabilidade ética e social do cristão.

A seguir transcrevemos o parágrafo cinco do Pacto de Lausanne 1974 (Congresso Internacional de Evangelização Mundial), sobre Responsabilidade Social Cristã.

Afirmamos que Deus é o Criador de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela reconciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de toda forma de opressão. Sendo o ser humano feito à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade, possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos, às vezes, considerado a evangelização e a ação social mutuamente incompatíveis. Embora a reconciliação do homem com o homem não seja reconciliação com Deus, nem ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos partes do nosso dever cristão. Ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, do nosso amor para com o próximo e da nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando alguém recebe a Cristo, nasce de novo no seu reino e, conseqüentemente, deve buscar não somente manifestar como também divulgar a sua justiça em meio a um mundo ímpio. A salvação que alegamos possuir deve transformar a totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta. [Evangelização e Responsabilidade Social, op. cit., p.16].

Definida a necessidade de uma ética da responsabilidade social cristã, somos levados a estudar a viabilidade da práxis dessa atividade sociopolítica. Partindo de nossa experiência histórica podemos ver que ela se divide em dois grandes grupos: serviço social e ação social.

Por serviço social entendemos uma política para reparar situações: socorro do ser humano em suas necessidades básicas e imediatas, atividades filantrópicas, obras de caridade.

Já a ação social nos leva a procurar eliminar as causas dessas necessidades humanas, e traduz-se em atividades políticas e econômicas, buscando a transformação das estruturas da sociedade e a construção da justiça.

Logicamente, serviço e ação sociais não são excludentes. Ao contrário, são complementares. Afinal, ao lado de uma estratégia política para acabar com a miséria numa região de São Paulo, tenho que ter táticas imediatas para evitar que pessoas moram de fome, hoje. Ninguém pode esperar, sem comer, por uma política cujos frutos levam tempo para serem colhidos.

É preciso, no entanto, esclarecer que mesmo o serviço social pode ser desenvolvido sem um caráter paternalista. A formação de agências de assistência social pode e deve ter base na própria comunidade, de forma que as pessoas aprendam não somente a se ajudarem do ponto de vista econômico, mas em todo o espectro da dignidade humana. Por isso, devem ter como meta a capacitação de todos aqueles que buscam o auxílio dessas agências, fugindo do reforço à dependência e à subserviência.

Já a ação social cristã não está apenas preocupada com as pessoas, mas com as estruturas de determinada sociedade. Procura a justiça social. Assim, não está preocupada com a reabilitação dos presos (que é tarefa do serviço social), mas com a reforma do sistema penitenciário. Não está preocupada com as melhorias dos salários e condições de trabalho (que é uma atividade de serviço social ao nível do sindicato e da fábrica), mas com a transformação do sistema econômico e político, sejam eles quais forem.

Neste campo há um desafio natural, necessário, para a prática do diálogo ecumêniico no Brasil.

É importante ficar claro que nossa responsabilidade social deve levar em conta dois princípios: a justiça e a paz. Nos opomos de forma ativa à miséria e à injustiça social, mas nossa atuação deve sempre se basear na obediência ativa, que segundo Lourenço Stélio Rega [Avaliação Ética do Jeito Brasileiro. Capítulo: Como viver no Brasil e ser cristão ao mesmo tempo. Parte 3: A ética individual deve levar à ética social. FTBSP, São Paulo, 1992], é um sinônimo para desobediência civil, sempre e quando tiver por base direitos de uma comunidade.

Essa ação política foi defendida e utilizada por homens como Henry David Thoreau (1817-1862), John Ruskin (1819-1900), León Tolstói (1828-1910), Mahatma Gandhi (1869-1948) e pelo pastor batista Martin Luther King Jr. (1929-1968). Uma característica da obediência ativa ou desobediência civil é realizar sua oposição de uma maneira digna, afastando seus defensores da violência, através da ação não violenta.

Está claro que toda decisão a favor da justiça exige não somente uma decisiva postura cristã, mas coragem. Falando do momento presente, a comissão que redigiu o documento de Grand Rapids sobre responsabilidade social, dirigida por John Stott, declarou: Há ocasiões em que a igreja precisa tomar posição firme, em relação a um princípio moral, custe o que custar, pois ela é a comunidade do Servo Sofredor, que é o Senhor, e é chamada a servir e sofrer com ele. A marca autêntica da igreja não é a popularidade, mas o sofrimento profético, e até mesmo o martírio. ‘Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos’ (II Timóteo 3:12).

Eis o desafio: sem ética de compromisso social não há cristianismo e, no Brasil, corta pela raiz qualquer possibilidade prática de diálogo ecumêniico.

O desafio 

Posicionar-se no Brasil de hoje, a partir de uma ética cristã de responsabilidade social, a favor do diálogo ecumêniico implica em entender uma contradição essencial, que muito possivelmente só poderá ser resolvida em longo prazo: vivemos num país onde impera a não-ética da desonestidade e da prepotência (a ética da casa grande & senzala).

Como cristãos, entendemos que o uso ególatra de bens e posses, a corrupção, a discriminação social e a degradação humana só produzem miséria e sofrimentos. Não dizemos que o brasileiro está impossibilitado de criar e produzir coisas boas e belas, mas que sob tais condições, esta ação é efêmera.

Nossa atuação no campo social, a partir do diálogo ecumêniico, implica em entendermos esta realidade cultural brasileira e optarmos desde o primeiro momento por duas ações evangelizadoras que nos é exigida por Jesus Cristo: a educação solidária permanente e a formação de líderes conscientes de seu papel cristão e histórico.

Só assim, a construção de uma ética cristã de responsabilidade social no Brasil produzirá frutos permanentes e eternos, que florescerão através dos anos para a honra e a glória do nosso Senhor e Mestre. Por isso, não falamos de um momento, mas de um processo, que crescerá conforme cresça também a consciência ética dos cristãos brasileiros, de que fomos chamados pelo Senhor a desenvolver uma tarefa histórica, enquanto igreja, que é a de juntos com os setores éticos da sociedade transformarmos o Brasil num país onde todos tenham acesso a condições dignas de vida, à justiça social e à paz.

Soli Deo gloria!

Jorge Pinheiro
São Paulo, 21 de agosto de 2001.



Comemoração ecumênica pelos 500 anos da Reforma Protestante no Mosteiro de São Bento, 2017.