samedi 25 octobre 2014

Ética solidária e crítica social

Uma leitura a partir dos escritos socialistas 
de Paul Tillich
Jorge Pinheiro, PhD


O cristianismo é em sua essência uma experiência transcendente ao nível da materialidade humana, uma experiência que acontece em todos os tempos e em todas as situações e é em si mesma independente de formas sociais e econômicas. [1] Nesse sentido, o cristianismo não pode ser identificado com um tipo determinado de organização social, em detrimento de seu caráter transcendente e universal.

Mas, ao mesmo tempo, o cristianismo é portador de poder e oferece à humanidade uma mensagem de conhecimento, de verdade e de vida, tanto para a pessoa como particularidade, como para a sociedade como um todo. [2] Exatamente por isso, apresenta-se como capenga toda forma de cristianismo que se fecha na pura interioridade.

Também não se pode dizer que o cristianismo é um movimento que mecanicamente parte da interioridade em direção à exterioridade, apropriando-se de formas culturais ou simplesmente passando ao largo delas. Na verdade, ele dá forma às expressões culturais e, concomitantemente, toma novas formas a partir delas. Dessa maneira, o cristianismo está ligado às experiências éticas e estéticas e à correlação de formas de consciência filosófica e, logicamente, aos grandes modelos sociais e econômicos. [3] 

É verdade, que o cristianismo tem mais afinidades com determinadas formas de organização social. 


1. A ética solidária [4] leva o cristianismo a ter uma postura crítica diante da ordem social que se apóia na opressão e na exclusão social.


2. A ética solidária faz a crítica da ordem social que está erigida sobre o egoísmo econômico e político, e proclama a necessidade de uma nova ordem, na qual o sentido de comunidade seja o fundamento da organização social. [5]

3. A ética solidária denuncia o egoísmo da economia das multinacionais [6] e dos governos que servem a elas, que levam à expropriação de muitos em benefícios de poucos, e propõe uma economia onde a alegria não seja fruto do ganho, mas do próprio trabalho. E condena o egoísmo de classe, onde cada qual procura enriquecer através da exploração de seu próximo e as conseqüências desse processo, como o privilégio da educação para uma elite. 


4. A ética solidária nega também a afirmação do princípio da luta de classes e propõe a supressão das classes, o fim dos privilégios na educação e a supressão da exploração de determinados setores profissionais por outros. [7]


5. A ética solidária condena o egoísmo internacional da força e do comércio, que justifica a violência e a guerra sobre continentes, nações e povos. Assim, a ética solidária prega a submissão dos povos, sejam ricos ou pobres, à idéia do direito, e à construção de uma consciência comunitária, soldada sobre a paz, que leve a uma globalização real entre as nacionalidades. [8]

Muitos dirão que eliminar o egoísmo como forma de estímulo econômico diminuirá o desenvolvimento e reduzirá a produção. No entanto, a partir do solidarismo cristão, vemos que o ser humano não foi criado para a produção, mas a produção para suprir as necessidades humanas e que, por isso, o objetivo da ética na economia não é a produção da maior quantidade possível de bens para uma classe em particular, e sim a produção de bens necessários à vida para o maior número de pessoas. [9]


Citações


[1] Paul Tillich, Rapport au Consistoire in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p.3. 
[2] Idem, op. cit. p. 4. 
[3] Idem, op. cit., p.4. 
[4] “(...) l’ethique de l’amour introduit dans chaque forme sociale et économique un ferment de critique d’autant plus actif que l’ordre s’appuie davantage sur le pouvoir, l’oppression, l’intérêt personnel. Pour cette raison, le christianisme a pu trouver plus de parenté avec la structure de la société médiévale qu’avec celle de l’époque romaine tardive, et se lier plus étroitement à elle. Voilà pourquoi, c’est notre conviction, il doit à présent s’opposer à l’ordre social capitaliste et militariste dans lequel nous nous trouvons et dons les ultimes conséquences sont devenues manifestes avec la guerre mondiale”. Paul Tillich, Rapport au consistoire, op. cit., p. 4. 
[5] Idem, op. cit., p.4. 
[6] Tillich utiliza a expressão “économie de l’entreprise privée et du profit”, que nós optamos por atualizar, acreditando não ferir o sentido que o teólogo quer transmitir a seus leitores. Idem, op. cit., p. 4. 
[7] Idem, op.cit., p.5. 
[8] Idem, op.cit., p.5. 
[9] Idem, op.cit., p.5.