lundi 11 juin 2018

A existência e a justiça

Detalhe da Apresentação do meu livro Kadish, vida, morte e reino, na sua nova versão, revista e corrigida, a sair em breve.

A existência e a justiça

Moshe Pinheiro, rabino italiano, que viveu em Livorno, no século XVII, foi um dos discípulos mais influentes de Shabtai Zevi, com quem estudou literatura talmúdica e cabalística (1640-1650). Este querido ancestral não apoiou as reivindicações messiânicas de Shabtai Zevi, em 1648, embora fosse seu amigo. Por volta de 1650, deixou Izmir e se estabeleceu em Livorno, onde se tornou um mestre respeitado.

Aqui seguimos reflexões dos ancestrais que nos remetem à relação entre existência e justiça. Quando recorremos ao Sefer ha Neshamá, um tratado sobre a alma humana, vemos que a palavra hebraica para vida é חַיִּים. E se lê raiim, escrita no plural, porque somos pluralidade. Ou seja, uma unidade complexa, que acontece enquanto construção, mas também porque a vida não pode ser solitária, mas solidária, comunitária. Assim, tal complexidade precisa de equilíbrio e só pode ser plenamente construída associada à justiça, que é a qualidade de ser justo, mas também preciso.

Há outra simbologia, muito interessante, que parte da compreensão do Sefer Yetzirah, o livro da criação, um dos mais velhos tratados de cosmogonia judaica, que os primeiros ancestrais atribuíram a Abraham, mas que a partir da Idade Média passou a ser visto como obra do rabino Akiva. Nessa imagem, a primeira letra da palavra em hebraico חַיִּים, lê-se da direita para a esquerda, corresponde a uma mulher sentada num trono, com uma espada na mão direita e uma balança na esquerda. Ela tem os olhos bem abertos. Seu olhar encontra o nosso como espelho. A espada voltada para cima é a espada do espírito, a palavra de Adonai, porque não temos que lutar apenas na materialidade, mas também contra as hostes espirituais da maldade. A balança representa o equilíbrio necessário entre polos opostos, e está ligeiramente desequilibrada, porque a perfeição não existe no mundo manifesto, no qual tudo oscila em maior ou menor grau. A justiça, ou seja, o equilíbrio, não é permanecer estático, mas evitar a queda para um dos lados. A mão com a qual ela segura a balança destaca quatro dedos, a diversidade de nossa humanidade: espiritual, mental, física e emocional, que se encontram com o polegar. Tal simbologia traduz uma mensagem de diversidade na unidade. 

Assim, se no corpo existissem apenas fenômenos sucessivos, sem laço que ligasse passado e presente, como explicar a associação de idéias, o hábito e a memória? Ora, é necessário admitir que existe em nós uma realidade que vai além do cérebro, mental, e se liga aos atos que praticamos. Esta realidade é a própria identidade que expressa a existência de cada um de nós. E se existe a existência, tenho que perguntar o que ela é.

Tomando como modelo a complexidade do mundo, e partindo da piedade e da sabedoria de Moshe Pinheiro, ancestral amado, prefiro dizer que devemos trabalhar algumas hipóteses -- a primeira é: só existe o corpo e o resto é extensão dele; e a segunda hipótese é: a existência vai além do corpo. E fica a questão: como combinar o arrependimento com uma indigestão?

Seguindo os ancestrais desse povo da estrela, digo que somos substância extensa, diversa, mas una, seguimos e vamos além da materialidade. A existência é essa extensão e cada pessoa tem identidade na existência. Não é uma unidade numérica, mas una apesar de complexa. Quando envelhecemos, o corpo muda, mas a identidade, em expansão permanente, permanece. Nos tornamos um ao longo do espaço e do tempo e tal construção na existência me confere identidade. Mas continue a ler ... vamos ver isso melhor no correr destas reflexões.



A nossa fraqueza é a nossa força

Quando dizemos que Yeshua é a palavra de haShem, estamos dizendo que Ele tem o poder de revelar o mistério insondável de haShem e mostrar como Ele é. Yeshua é a comunhão de haShem conosco e nos revelou que Adonai é amor, justiça e poder. É por isso que o apóstolo diz: Ninguém nunca viu Adonai. Somente o filho único, que é Yeshua e está ao lado do pai, foi quem nos mostrou quem é Adonai.

Essa é a verdade maior: Yeshua tornou-se gente para que Adonai pudesse ter comunhão conosco e assim comunicar à humanidade o seu grande amor.

A palavra continua entre nós e, na sua comunhão conosco, tem o poder de plantar a fé, converter os corações e criar um novo mundo de paz. É a palavra que nos revela os propósitos, a vontade e o amor de haShem pela humanidade.

Os três curtos diálogos de Yeshua, presentes em Lucas 9.57-62,nos falam de três candidatos a discípulos. Originalmente são três estrofes onde o texto trabalha com imagens da natureza e costumes agrícolas da época de Yeshua. Falam do reino de haShem e todos os três diálogos apresentam sempre três temas: seguir + ir + preço. 

O primeiro candidato estava disposto a seguir e ir, mas não estava disposto a pagar o preço.

E nós, aceitamos pagar o preço? Caso queiramos poder e influência, talvez seja melhor seguir as águias, que têm segurança nos cumes das montanhas, ou quem sabe seguir as raposas, que dirigem seus negócios com astúcia. O filho do homem nos oferece um ministério sofredor, é isso mesmo que desejamos? 

O segundo candidato recebe o convite para seguir. Mas quer ir para casa. Yeshua diz que ele deve ir e proclamar o reino. 

Aquele que Yeshua chama às vezes está à margem da estrada pensando: O meu pessoal faz certas exigências, e a força dessas exigências é muito grande. Yeshua não espera que eu frustre as expectativas do meu pessoal, não é? Mas é exatamente isso que Yeshua quer  que nós façamos. A proclamação do reino de haShem só tem significado quando apresenta o reino como uma realidade presente. Quem está espiritualmente morto pode cuidar de responsabilidades tradicionais, mas não tem condições de proclamar a chegada do reino. 

O terceiro candidato quer seguir e como o segundo quer ir primeiro para casa. E como o primeiro é desafiado a pagar o preço.

Aquele que não pode resolver a tensão das lealdades em conflito e vive olhando para trás para ver o que os outros estão ordenando que faça, segundo Yeshua, não está apto para o reino de haShem. O camponês distraído pode dar com o arado numa pedra, pode quebrá-lo ou cansar o boi inutilmente. O camponês distraído por lealdades divididas não será capaz de manter a harmonia, não será apenas improdutivo, mas também destruidor.

E você querido brother, quer seguir, mas primeiro ir realizar tarefas que não podem ser adiadas? Ou até aceita ir, mas acha que o preço é alto demais?  Lembre-se, nessas três curtas histórias, Yeshua está nos ensinando que quando somos pressionados por alternativas definidas, mesmo dolorosas, precisamos decidir. Eis o desafio que o Mestre nos coloca".

Trecho de Jorge Pinheiro, Kadish, vida, morte e reino, São Paulo, Fonte Editorial, 2018, pp. 56-58. 
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