lundi 14 décembre 2015

As raízes do trotskismo brasileiro

As raízes do trotskismo brasileiro
Jorge Pinheiro, PhD


Ao estudar o socialismo democrático do PSB somos levados a analisar a presença trotskista no Brasil e suas correlações com o PSB e com um homem que marcou o pensamento trotskista brasileiro, Mário Pedrosa. 

As raízes do trotskismo brasileiro encontram-se nos enfrentamentos internos do Partido Comunista da União Soviética e na Terceira Internacional. A oposição de León Trotski a Josef Stálin, na década de 1920, determinou a reconfiguração do movimento comunista internacional com a formação da Oposição Internacional de Esquerda e, posteriormente, a Quarta Internacional, em 1938, proposta como partido mundial da revolução. Através da criação de seções nacionais e da implementação da teoria de que a revolução é permanente e mundial ou não será, e do Programa de Transição, Trotski acreditou que poderia criar um movimento que teria condições de lutar contra o capitalismo, contra a social-democracia, contra o stalinismo e a proposta de “socialismo em um só país”, feita por Stálin.

Karepovs e Marques Neto resgataram a trajetória dos trotskistas brasileiros das origens até o ano de 1966. O trotskismo durante esses anos se caracterizou por reunir pequenos grupos de militantes, sem inserção no movimento operário e de massas, composto principalmente por intelectuais e estudantes. Contudo, ficou conhecido por sua radicalidade e capacidade de interpretar a realidade social brasileira. Segundo os autores, isto permitia aos trotskistas “enunciar realidades que escapavam a outras organizações políticas contemporâneas”.[1] O trotskismo contribuiu ainda para romper com o monolitismo do partido único, dando um caráter pluralista à historia do movimento operário e fornecendo chaves teóricas para a discussão dos impasses e derrotas dos projetos da esquerda.

No Programa de Transição, base do pensamento político do grupo de Mário Pedrosa, Trotski analisa o que chama de “as premissas objetivas para uma revolução socialista”. Para ele, a situação política mundial caracterizava-se pela crise histórica da direção do proletariado, e a premissa econômica da revolução proletária alcançara o ponto mais elevado atingido sob o capitalismo. 

As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer. As novas invenções e os novos progressos técnicos não conduzem mais a um crescimento da riqueza material. As crises conjunturais, nas condições da crise social de todo o sistema capitalista, sobrecarregam as massas de privações e sofrimentos cada vez maiores. O crescimento do desemprego aprofunda, por sua vez, a crise financeira do Estado e mina os sistemas monetários estremecidos”. 

As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer. Sem vitória da revolução socialista no próximo período histórico, toda a civilização humana está ameaçada de ser conduzida a uma catástrofe. Tudo depende do proletariado, ou seja, antes que nada, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária.[2]

Em entrevista aos seus camaradas do Socialista Workers Party, dos Estados Unidos, realizada no México, Trotski explicou como via esta questão da crise da direção revolucionária. Disse que a consciência de cada classe social está determinada por condições objetivas, pelas forças produtivas, pelo estado econômico do país, mas que essa determinação não se realizava de forma mecânica. 

A consciência, em geral, atrasa-se; atrasa-se em relação ao desenvolvimento econômico e esse atraso pode ser mais ou menos acentuado. Em tempos normais, quando o desenvolvimento é lento, quando as coisas progridem a pouco e pouco, esse atraso não pode ter conseqüências catastróficas. Em larga medida, esse atraso significa que os trabalhadores não estão à altura das tarefas impostas pelas condições objetivas. Numa altura de crise em contrapartida, esse atraso pode ser catastrófico”. [3]

Diante desse dilema, Trotski se perguntou se deveria adaptar o programa à situação objetiva ou à mentalidade dos operários? E, partindo do que chamou de “as três condições para uma nova sociedade” explicou aos camaradas do SWP a importância de um programa de transição nas mãos na vanguarda revolucionária:

A primeira condição para uma nova sociedade é que as forças produtivas estejam suficientemente desenvolvidas para dar à luz um nível superior. As forças produtivas estarão suficientemente desenvolvidas para isso? Sim, estavam suficientemente desenvolvidas no século 19, não tanto como nos nossos dias, mas suficientemente. Hoje, especialmente nos Estados Unidos seria muito fácil a um bom estatístico demonstrar que se as forças produtivas americanas fossem libertadas, poderiam ser duplicadas e triplicadas mesmo atualmente. Penso que os nossos camaradas deveriam fazer observações estatísticas desse tipo. 

A segunda condição: tem que haver uma classe progressiva que seja suficientemente numerosa e que tenha influência econômica suficiente para impor a sua vontade à sociedade. Essa classe é o proletariado. Ela deve representar a maioria da nação, ou ter a possibilidade de dirigir a maioria. 

A terceira condição é o fator subjetivo. Essa classe tem que compreender a posição que ocupa na sociedade e possuir as suas próprias organizações. É a condição que falta atualmente do ponto de vista histórico. Do ponto de vista social não é somente uma possibilidade, mas uma necessidade absoluta no sentido em que será ou o socialismo ou a barbárie. Essa é a alternativa histórica. [4]

Concluiu, então, que esse era um programa científico por estar baseado numa análise objetiva da situação, mas que, possivelmente, não pudesse ser compreendido no seu conjunto pelos operários, por isso “seria muito bom que a vanguarda o compreendesse no próximo período”.[5]

É neste contexto de luta política e teórica que Mário Pedrosa e seus camaradas assumem a tarefa de construir a alternativa trotskista no Brasil e posteriormente participam da formação do Partido Socialista Brasileiro. O grupo dirigido por Mário Pedrosa, estruturou-se ao redor do jornal Vanguarda Socialista, e teve influência na dimensão sindical do projeto do PSB, que combinou o objetivo da unidade com a liberdade de escolha da forma de organização pelos trabalhadores. 

Exemplo disso é que o autogoverno dos trabalhadores fez parte do projeto de cidadania do PSB.[6] Mas, o PSB não sofreu apenas influências do trotskismo. Segundo Vieira[7], no PSB mescla-se o socialismo democrático, desvinculado da tradição stalinista, um socialismo inspirado no pensamento de Rosa Luxemburgo e uma concepção liberal do Estado e da sociedade.

As idéias trotskistas, plantadas na política brasileira por Mário Pedrosa e seus companheiros, influenciaram centenas de jovens militantes das gerações seguintes. Assim, o trotskismo esteve presente, vinte anos depois, na resistência à ditadura militar, na composição de partidos clandestinos de esquerda, entre os quais devemos citar a Convergência Socialista e o Partido Operário Comunista-POC, e na própria formação do PT. Nos tornamos amigos de Mário Pedrosa à época de nosso primeiro exílio, no Chile, durante o governo do presidente Salvador Allende. 

E foi sob a liderança intelectual de Mário Pedrosa que, junto a outros companheiros, formamos o Grupo Ponto de Partida, pequena organização trotskista no exterior, que deu origem ao Grupo Liga Operária. Este, por sua vez, a partir de sua atuação clandestina em fábricas do ABC paulista, caminhou para a formação do Movimento de Convergência Socialista. 


Notas

[1] Dainis Karepovs e José Castilho Marques Neto, in Marcelo Ridenti e Daniel Aarão Reis Filho, O Marxismo no Brasil, vol. III, Campinas, Ed. da Unicamp, 1991, pp. 103-104. 
[2] León Trotski, O Programa de Transição, html por José Braz para Marxists Internet Archive, cedido pela Juventude do PSTU. Site: www.marxists.org/portugues/Trotski/1938/09/03_programadetransicao/ (Acesso em 14.10.2004). 
[3] León Trotski, “A Agonia do capitalismo”, entrevista com membros dos Socialist Workers Party, SWP, México, 1938. Site: www.pco.org.br /biblioteca/partido/programa.htm (Acesso em 14.10.2004). 
[4] León Trotski, “A Agonia do capitalismo”, entrevista citada. 
[5] León Trotski, “A Agonia do capitalismo”, entrevista citada. 
[6] Cláudio Nascimento, “Autogestão e economia solidária”, in Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária, Instituto de Filosofia da Libertação, Milênio. Site: www.milenio.com.br/ifil/rcs/biblioteca/nascimento.htm (Acesso em 20.12.2005). 
[7] Margarida Luiza de Matos Vieira in História do Marxismo no Brasil, Marcelo Ridenti e Daniel Aarão Reis Filho (orgs.), vol. V, capítulo 4, Campinas, Ed. da Unicamp, 1991, pp. 181-182.

A tradição democrática do PSB -- quarta parte

A tradição democrática do PSB -- quarta parte
Jorge Pinheiro, PhD


O programa do PSB consistia de doze pontos que sintetizavam o tipo de sociedade projetada pelo partido. A propriedade deveria ser gradualmente socializada, passando para a mão dos trabalhadores, a partir da ação parlamentar. O mesmo deveria acontecer com a terra que, nos casos de latifúndio, seria transformada em propriedade coletiva. Os itens que tratam da democratização, da organização do trabalho, da saúde e de educação, da organização política do Estado, do crédito, das finanças públicas, reforçam esta busca de transformação da sociedade. Diante da impossibilidade imediata de aplicação desses pontos programáticos, foram formulados nove pontos de transição, que partindo da ação imediata deviam levar às condições para a implantação do programa socialista. Assim as reivindicações transitórias propunham um programa de nacionalizações de bens, empresas, energia, terra, de adequação do crédito, do estímulo ao cooperativismo, da autonomia sindical, de aperfeiçoamento da democracia e da implantação de mecanismos de saúde pública e educacional que respondessem às necessidades do País.

No Congresso que elaborou a Constituição de 46, de composição predominantemente conservadora, a Esquerda Democrática, com dois parlamentares, Hermes Lima e Domingos Velasco, defendeu a reformulação da estrutura agrária, a liberdade partidária e sindical e denunciou a pressão policial sobre entidades populares. No movimento sindical, os socialistas defenderam a autonomia sindical sem o controle estatal. Foram favoráveis à unidade sindical, desde que decidida pelos trabalhadores e não uma unicidade definida por lei. Alguns militantes levantaram-se contra o imposto sindical e outros o admitiram desde que gerido pelos sindicatos. Mesmo sendo oposição às concepções e práticas do PCB, a Esquerda Democrática colocou-se na defesa de sua existência legal e dos mandatos de seus parlamentares sob os princípios da inviolabilidade do mandato popular, a independência da Câmara dos Deputados e a inconstitucionalidade da medida. É interessante notar que desenvolveram a combinação dos princípios democráticos, incluindo a convivência com a diferença. 

Em abril de 1947, a segunda convenção do Partido da Esquerda Democrática resolveu pela sua transformação em Partido Socialista Brasileiro. Os objetivos eram os de definir com clareza seu socialismo e retirar os trabalhadores dos cultos ao chefe Luís Carlos Prestes, do PCB, e ao caudilho Getúlio Vargas, do PTB.

Plínio Mello, jornalista nos anos 1940, contou, em entrevista à revista Teoria e Debate, que deixou a diretoria do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo em 1947. Desde 1945, quando caiu a ditadura do Estado Novo, ele acompanhou o processo de reorganização partidária, integrando a Esquerda Democrática. Na sua II Convenção Nacional, em abril de 1947, a Esquerda Democrática transformou-se no Partido Socialista Brasileiro (PSB). Assim, muitos dos militantes trotskistas dos anos 30, no Brasil, passaram às fileiras do PSB: João da Costa Pimenta, Aristides Lobo, Fúlvio Abramo, Febus Gikovate, Mário Pedrosa, com o jornal Vanguarda Socialista,[1] e Plínio Mello, que foi um dos promotores da mudança do nome da Esquerda Democrática para Partido Socialista. Plínio Mello foi secretário-geral do PSB de São Paulo.[2]


Notas

[1] Alexandre Hecker, Socialismo sociável, história da esquerda democrática em São Paulo (1945-1965), op. cit., p. 10-11. 
[2] Plínio Mello, entrevista de Dainis Karepovs, Valentim Facioli, José Castilho Marques, Teoria e Debate nº 7, jul/ago/set 1989.