samedi 10 décembre 2016

Revelação e conhecimento


Faculdade Teológica Batista de São Paulo

Apologética Cristã

REVELAÇÃO E CONHECIMENTO

Prof. Dr. Jorge Pinheiro

São Paulo, 5 de abril de 2006


I. CONCEITOS GERAIS

Filosofia – é a busca séria e organizada dos significados universais da existência humana e afins. É o conhecimento das funções do significado e de suas categorias.

Religião – é uma ação humana, cultural e relativa. 

Revelação – é uma ação divina, absoluta e singular. É a irrupção do Incondicionado no mundo do condicionado, convertendo-se numa esfera, junto com outras esferas, naquilo que chamamos religião. Dá-se num processo cultural.

Teologia – é a apresentação normativa e sistemática da realização concreta do conceito de revelação. É o conhecimento da revelação. É uma palavra sobre Deus.

Metafísica – é uma função [quantidade cujo valor depende do valor de outra ou de outras quantidades variáveis] independente da mente. É uma atitude religiosa em direção ao Incondicionado. É uma função do espírito. Necessita da crítica da filosofia da religião.

Filosofia da religião – é a teoria da função religiosa e de suas categorias.

Mito – tradição alegórica explicativa de um fato natural, histórico ou filosófico. Mistério. Enigma. Mitologia é a história das divindades do mundo antigo.

Revelação natural – é a manifestação de Deus, feita a todas as pessoas, em todos os tempos. É objetiva, mas de utilidade limitada na transmissão de conhecimento sobre a existência e o caráter de Deus. Tomás de Aquino e os tomistas desenvolveram a doutrina de que “a mente racional, ajudada pela analogia da existência de Deus e do homem, e da lei da causa e do efeito, é capaz de comprovar a existência de Deus e a infinidade de sua perfeição”.

Teologia natural – partindo da revelação natural considera que através da razão as verdades a respeito de Deus podem ser apreendidas nas coisas criadas, na natureza, no homem, no mundo. A teologia natural faz parte da dogmática católica desde 1870, com o Concílio do Vaticano I – “Constituição Dogmática sobre a Fé Católica” --, que afirmou que Deus se revelou de duas maneiras: natural e sobrenatural. Segundo o neotomismo, e aqui citamos Etienne Gilson e Jacques Maritain, “Deus certamente pode ser conhecido a partir das coisas criadas por meio da luz natural da razão humana”. Karl Barth se opôs duramente à postura católica, apresentando a teologia (religião) natural como a grande inimiga da fé verdadeira, rejeitando a “analogia do ser” como um pulo injustificável e não uma dedução da Criação para o Criador. Partindo de Kant – “a razão não pode comprovar a verdade religiosa” --, Schleiermacher e Barth são os fideístas mais expressivos do pensamento protestante nos séculos 19 e 20.

II. Cristologia: TEMOS A MENTE DE CRISTO

Textos: Jó 42:1-6 e I Coríntios 2: 6-16

O que é conhecimento?

1. A centralidade da revelação                                                                            
Jesus Cristo é a centralidade da revelação.

Nós cristãos temos quatro doutrinas básicas:
      criação (criados para pensar),
      revelação (a natureza visualizada e as Escrituras verbalizadas ou pensando os                          pensamentos de Deus),
      redenção (o Verbo se fez carne e pagou o preço) e
      juízo (julgados por nossa obediência).

A redenção
1. Produz salvação eterna.
2. Reconstitui a imagem divina no homem. Efésios 3:14-19.
3. Exige a proclamação da boa nova.

É o momento maior da soberania de Deus.
E também a loucura da pregação porque bate de frente com a auto-suficiência humana.

2. A mente vazia                                                                                                
ou falta de compreensão da centralidade da redenção leva a três outras centralidades:
1. ritualismo
2. violência social
3. a experiência e a emoção

Todos seres humanos somos confrontados por desafio ético:
pensar e agir conforme  o conhecimento que temos.

3. A mente cristã                                                                                                

1. Adoração. Deus é Senhor da natureza, Senhor das nações, Senhor que se revela através de atos concretos, Senhor que cria e mantém o universo, redime e preserva seu povo. Seu ato mais poderoso é o nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. É Deus presente, Espírito Santo.

2. A fé racional. Tem por base o caráter e as promessas de Deus. É uma confiança racional, que nasce de uma profunda reflexão e leva à constatação de que Deus é digno de crédito. Mas, de maneira nenhuma, lança fora a vontade, a afetividade, a personalidade, as ações, obras e experiências humanas enquanto componentes e realidades da fé.

3. A busca da santidade. Consiste em levar uma vida digna, que agrade a Deus. Não basta saber o que devemos ser, temos que resolver, em nossas mentes, atingir o objetivo. A batalha é ganha nas mentes.

Tudo isso solidamente soldado, amarrado pelo amor.

III. REVELAÇÃO, INSPIRAÇÃO E CERTEZA


“O homem deve tomar a melhor e a mais incontestável das teorias humanas e usá-las como a jangada sobre a qual ele possa navegar, ainda que não sem risco, se é que ele não pode achar alguma palavra de Deus que possa conduzi-lo com mais certeza e segurança”.
Platão, Phaedo, 85b.

“Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e luz para os meus caminhos”.

Sl 119.10

“A Palavra é um leão. Deixe-a solta!”

Martin Lutero


“As Escrituras são os óculos que nos permitem focalizar as coisas, e sem as quais tudo será confuso”.

João Calvino

Revelação é o ato de desvendar, descobrir. Na teologia, é a comunicação de Deus e da sua mensagem para o homem, e inclui tanto o ato, como o conteúdo resultante. É uma ação divina, absoluta e singular.

A revelação é geral e particular.

Revelação geral é a automanifestação de Deus a todos os homens, em todos os lugares, por meio de Sua criação. Os meios da Revelação geral incluem a natureza (Sl 19.1-6; Rm 1.19-20), a providência (Mt 5.45; At 17.24-28; Rm 8.28), a preservação do universo (Cl 1.17), e personalidade humana: consciência moral (Gn 1.26; Rm 1.32-2.16) e a razão (Rm 1.20-22.25).

Revelação particular e especial é a automanifestação de Deus para certas pessoas, em tempos e lugares definidos, a fim de que tais pessoas entrem num relacionamento redentor com ele. A Palavra registrada nas Escrituras e o Logos são os dois momentos da revelação especial de Deus ao homem.

Conceitos de Revelação na história da teologia
1.     É doutrina (ensino proposicional) para Agostinho, Tomás de Aquino, Lutero e Calvino.
2.     É a própria História para Pannenberg e Moltmann.
3.     É experiência interna para Schleiermacher, Ritschl, Theilhard de Chardin.
4.     É encontro existencial para Barth e Bultmann.
5.     É nova consciência para Hick, Rahner e Boff.

Atitudes e perspectivas relativas às Escrituras e à revelação

1.     Racionalismo e liberalismo – O racionalismo define como critério de verdade a lógica dedutiva, em especial a matemática. Spinoza (filósofo iluminista como Descartes, Leibniz e Kant) rejeitava a natureza proposicional da revelação especial nas Escrituras e a sua verdade em matéria de doutrina e fé. Foi um precursores de Hume e dos deístas ingleses que rejeitavam os milagres. Já o liberalismo procura adaptar a revelação à cultura e às formas de pensar modernas. Rejeita a autoridade das Escrituras pela “essência do cristianismo”, que na maioria das vezes podemos traduzir como um proposta ética para a sociedade. Além disso, centra sua teologia na imanência de Deus, resvalando muitas vezes, por causa dessa pressão imanentista, no panteísmo.

2.     Seitas, misticismo e espiritismo – há uma outra autoridade acima da Bíblia. Pode ser uma pessoa ou livro. A experiência é a autoridade final.

3.     Catolicismo romano – a tradição da instituição é a maior autoridade.

4.     Neo-ortodoxia – a Palavra está nas Escrituras, mas as Escrituras não são necessariamente a Palavra. A Bíblia não deve ser confundida com a Palavra. É um documento humano e torna-se a Palavra de Deus somente à medida que o Espírito Santo dá testemunho dela.

Para a teologia evangélica a Bíblia é a autoridade final no que se refere a doutrina e prática cristã. As Escrituras têm absoluta autoridade e sua inspiração é verbal, plena, confluente e verdadeira.


IV. A fé enquanto conhecimento

Muita gente considera o conhecimento como algo meramente racional. Teologicamente, conhecimento é fé (Hb 11.1), assim aqueles que consideram o conhecimento como processo puramente racional, também vêem a fé como puramente racional. Excluem assim a vontade, o afeto, a personalidade, a ação humana, as obras e as experiências de sua compreensão de fé.
Tal abordagem nos levam a fazer três perguntas, que elucidarão a relação entre revelação e conhecimento.

1.             Qual é a natureza da fé?
2.             A fé vem antes ou depois do arrependimento?
3.             A fé vem antes ou depois da regeneração?

1.             Respondendo ao primeiro questionamento, consideramos que a fé depende de uma opção da pessoa e que é um estado do coração. Vejamos porque: Tomando por base alguns textos (Rm 10.9-10; 1 Jo 5.1; Jo 5. 38-40, 42, 44; 2 Ts 2.10; At 8. 37) podemos dizer que a fé (1) é um dever e, portanto, a vontade está incluída; (2) que é uma graça entregue pelo Espírito Santo (1 Co 13), e sendo graça não está limitada ao intelecto; (3) que dá glória a Deus e não se dá glória a Deus só com a razão, já que envolve toda a personalidade humana; (4) expressa-se em termos de afeto (2Ts 2.10). Ora receber inclui afeto, implica assim em engajamento de afetividades (Rm 10.9-10); (5) a falta de fé está ligada a uma disposição moral (Jo5; Jo 8.33+; Hb 3; Ef 4.17). A incredulidade é um estado do coração, não é um erro enquanto abordagem meramente racional.

2.             Em relação à segunda questão, consideramos que se não houver arrependimento não há fé verdadeira. João ,o batista, pregava o batismo do arrependimento. Ver também o chamado de Jesus em Mc 1.15; Lc 24; e a experiência da igreja primitiva em At 2.37-38; 3.19; 5.31; 20 e 26.18.

3.             Quanto ao terceiro questionamento consideramos que sem regeneração não há fé. Os textos que nos levam a pensar assim são 1Co 2.10-16, 1Co 12.3; a experiência de Nicodemos (Jo 3) e Rm 8.7.
Assim, a compreensão da fé ou do conhecimento da revelação com opção do coração, arrependimento e regeneração elimina idéia de que podemos conhecer exclusivamente através de processos racionais. Por isso dizemos que o processo de conhecimento da revelação está ligado à obediência, que em última instância é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana, arrependimento e regeneração de vida (veremos mais a frente o exemplo de Abraão).

V. Símbolo e signo


A revelação não pode ser identificada apenas como expressão do Criador, nem somente com os estados que provoca nos sujeitos receptores. Cada estado de consciência subjetiva tem algo de individual e momentâneo que o torna inapreensível e incomunicável em seu conjunto, mas a revelação está destinada a servir de intermediário entre seu autor e a comunidade.

A linguagem enquanto representação da revelação no mundo sensível, sem nenhuma restrição, é acessível à percepção de todos. Mas, ainda assim, não podemos reduzir a revelação à linguagem, pois acontece que a revelação, deslocando-se no espaço e no tempo, muda de aspecto e reformata conteúdos: tais mudanças tornam-se palpáveis, por exemplo, quando comparamos os conteúdos originais de nephesh com os conteúdos transmitidos pela psiquê da cultura grega.

A linguagem traduz na maioria das vezes apenas o significante, ao qual na consciência da comunidade corresponde uma significação, dada pelo que têm de comum os estados subjetivos provocados pela linguagem nos membros da comunidade.

Além desse núcleo central, pertencente à consciência da comunidade há em todo ato de percepção da revelação elementos psíquicos subjetivos, que podem ser entendidos como fatores associativos de percepção emocional e estética. Tais elementos subjetivos podem, por sua vez, ser objetivados, mas somente na medida em que sua qualidade geral ou sua quantidade são determinadas pelo núcleo central, situado na consciência da comunidade. Assim, por exemplo, o estado de nephesh, subjetivo, que acompanha em não importa qual pessoa a percepção de uma revelação específica – como a circuncisão da comunidade liderada por Abraão – é de um gênero inteiramente diverso daqueles estados que a circuncisão em si evoca.

Quanto às diferenças qualitativas, é evidente que a quantidade de representações e emoções subjetivas é mais considerável numa revelação em construção do que naquela que já foi conscientizada coletivamente. O primeiro momento da construção da revelação deixa a cargo do homem imaginar quase toda a contextura do tema, enquanto que a revelação conscientizada pela comunidade suprime quase por completo a liberdade de suas associações subjetivas pela enunciação concisa.

É desta maneira que, indiretamente, através do núcleo pertencente à consciência da comunidade que os conteúdos subjetivos do estado psíquico do sujeito perceptor adquirem um caráter objetivamente semiológico, similar ao que têm as significações acessórias de uma palavra. Ao negarmos a relação existente entre a revelação com um estado psíquico subjetivo rejeitamos a realidade estética da revelação. Sem esses conteúdos emocional e estético a revelação pode no máximo atingir uma objetivação indireta na qualidade de significação acessória potencial.  Porém, não podemos dizer que esses conteúdos emocional e estético fazem necessariamente parte da percepção da revelação, mas, sem dúvida, no processo progressivo da revelação há épocas em que esses conteúdos tendem a reforçá-la, assim com há outras épocas em que perdem força ou mesmo, aparentemente, desaparecem.

É no contexto dos fenômenos sociais que a revelação, enquanto fenômeno social distintivo, é capaz de caracterizar e representar época e história. Por isso, não podemos confundir história da revelação com história da cultura, pois a história humana acontece como subconjunto da história da revelação. É verdade que a relação entre revelação e contexto social muitas vezes nos parece mal amarrada. Quando dizemos que a revelação visa a transformação definitiva do contexto social, não afirmamos com isso que ela coincide necessariamente com ele, mas que como signo, tem sempre uma relação indireta com o contexto social, mesmo enquanto metáfora. Assim, da natureza semiológica da revelação decorre que jamais uma revelação dada deve ser explorada como documento histórico ou sociológico sem interpretação prévia de seu valor documentário ou da qualidade de sua relação com o contexto dados fenômenos sociais.

Dessa maneira, o estudo objetivo dos fenômenos da revelação deve considerar cada revelação em particular como um signo composto de símbolo sensível; de uma significação ou percepção estética e emocional depositada na consciência da comunidade; e de uma relação com a realidade significada, relação esta que visa o contexto social. O segundo desses componentes contém a estrutura propriamente dita da revelação.

Ao lado da função de signo autônomo, a revelação tem ainda a função de signo comunicativo. Assim, uma revelação dada – voltemos ao exemplo da circuncisão da comunidade dirigida por Abraão – não funciona somente como revelação, mas também como fala que exprime um estado da nephesh, pensamento, emoção, etc. A revelação tem portanto uma dupla função semiológica, autônoma e comunicativa. Por isso, vemos aparecer no movimento progressivo da revelação a antinomia dialética da função de signo autônomo e de signo comunicativo. A história da aliança (Gn 15, Gn 17, etc.) oferece exemplos expressivos dessa verdade.

VI. Significado e significante

No processo da revelação podemos distinguir vários elementos que se sobrepõem e se completam. Dentre eles, o mais fascinante é a questão do significado e do significante. A revelação dá-se através de um processo de adequação histórica. Entretanto esse conhecimento não demanda unicamente a apreensão de uma determinada realidade. Faz-se necessário que esta realidade seja apreendida de uma determinada maneira, consoante a uma construção de análise e síntese.

Como premissa fundamental temos que reconhecer uma justaposição entre conhecimento intuitivo e conhecimento discursivo. O conhecimento intuitivo faz-se a partir das condição para que ele se processe, imediatamente, frente a uma determinada realidade, ao passo que o discursivo requerer passar de algo conhecido, através de uma série de juízos, à apreensão do ainda não apreendido. Ao primeiro processo chamamos sintético e ao segundo analítico.

A revelação não se dá simplesmente como processo de adequação da mente humana ao novo que lhe é apresentado. Impõe-se que o novo, inerente ao processo cognoscitivo, tenha um significado. Uma relação de significado em que o homem opera como ser significante e o novo como ser significado. Desta forma, a revelação não se processa entre realidades ahistóricas, mas em relação espacial e temporal, que exige, para que a interação homem/realidade se estabeleça, de que haja algo maior, alguma coisa além de ambos, não causal, mas essencial.

No processo da revelação, o homem se encontra em processo de construção, já que não é pleno senhor do processo. É um ser colocado no tempo e no espaço, que estabelece relação com a realidade que o cerca dentro do processo cognoscitivo enquanto dimensão humana e histórica.

Outro pressuposto é a natureza genética da linguagem, que se encontra em constante devir. Dessa maneira, significado e significante estão intimamente ligados a linguagem, enquanto revelação e construção histórica e social.

Assim, compreendemos que, dependendo da utilização de determinado objeto ou realidade, o homem o conhece de determinada forma, e no processo pode construir conceitos diferentes a partir de um objeto ou realidade anteriores. Podemos inferir ao que isso conduz. A revelação está ligada à vida do homem, já que será a própria experiência humana que agregará valor ao objeto ou realidade antes conhecidos e vividos. Dessa maneira, o velho vai gerar o novo, uma essência que transcende, uma universalidade, a partir da própria experiência de vida, que teologicamente podemos chamar de obediência ao mandamento de Deus.

Mas ainda não definimos a importância do significado e do ser significante dentro do processo da revelação.  Se a revelação é histórica, é importante notar que a própria revelação age sobre a vida humana, sobre a historicidade do homem. E mais do que isso, ao definir a historicidade humana muda o próprio meio onde o homem vive e atua. Dessa forma, a revelação cria processos de formação, escalas de valores, normas e condicionamentos. E é aí que reside toda a problemática da revelação enquanto conhecimento: como o homem, a partir da revelação, pode conhecer a Deus, seu propósito e dar um sentido ao mundo que o cerca, assim como achar o seu papel dentro de todo esse complexo?

A verdade da revelação é o significado que uma determinada realidade tem para a comunidade e a pessoa. Há uma construção intuitiva, quando a experiência da revelação produz uma interação entre o homem e a divindade, sem que essa experiência necessariamente influa no processo discursivo de conhecimento. Mas mesmo neste caso o homem não abandona ou perde sua formação. Não deixa de ser aquilo que é: pessoa inserida em determinada comunidade. Mesmo quando esse processo dá-se em um nível superior, instantaneamente, sem elaboração discursiva, o homem está condicionado pela historicidade do ser cognoscente. E dentro dessa condicionante sempre se processa a interação homem/realidade. Aqui, sentimentos e afetividades, que geralmente passam desapercebidos, são realçados. Isso porque nesse momento específico determinada realidade passa a ter significado, que mesmo não sendo inerente, exige que se lhe dê um. E nesse caso o conhecimento da revelação faz do homem ser significante.

Assim a revelação dá ao mundo um significado imanente. O homem, enquanto pessoa e comunidade, através da revelação passa a estar dotado de significado, mas ao mesmo tempo este conhecimento, este significado dado, não se dá ahistoricamente, mas dentro das limitações de sua própria obediência.

Podemos, então, concluir que a partir da revelação o homem é o significante da construção da comunidade, pois através do conhecimento da revelação é ele quem historicamente pode modificar causas e efeitos, imprimindo ao processo nova direção.

Como se processa a relação entre significado e significante, quer no caso isolado da interação entre homem e realidade, quer no caso de todo o processo da revelação? Vimos que dentro do conhecimento da revelação o homem é um ser significante. Podemos, então, ver que a escala de valores do sistema ético, oferecido pela revelação à comunidade, é parte integrante do significado dado ao mundo pela própria revelação. Donde, dentro de uma interação significado/significante existem elementos dinâmicos de transformação.

O universo é o mundo do homem. Nesse sentido, aí ele constrói seu habitat. Desta forma, através do significado dado pelo homem à natureza, enquanto domínio e expansão, dentro de um significado de utilização que lhe empresta, atua sobre ela, produzindo cultura e transformação.

A revelação, enquanto relação entre significante e significado é dialética. Pois se é ela que faz da pessoa e da comunidade ser significante, permite ao homem e sua comunidade transferir ao mundo que o cerca, à cosmovisão que utiliza essa mesma significação.

Ao fazer significante a realidade que o cerca, o homem dá origem a transformações, engendra causas, e passa à construção do futuro, já não como utopia, mas como realidade. Para viabilizar tais transformações é necessário que transfira, enquanto comunidade, novos significados aos processos históricos e sociais.

Através da relação estabelecida entre significado e significante encontraremos as causas de conotações. À circuncisão, por exemplo, a partir de determinado momento, daremos a conotação de aliança. Assim a circuncisão é aliança, marca de um povo separado, mandamento de Iahveh, mas só será isso quando um ser (pessoa ou comunidade) que se torna seu significante lhe dê significado.