Faculdade Teológica Batista de São
Paulo
Apologética Cristã
REVELAÇÃO E CONHECIMENTO
Prof. Dr. Jorge Pinheiro
São Paulo, 5 de abril
de 2006
I. CONCEITOS GERAIS
Filosofia
– é a busca séria e organizada dos significados universais da existência humana
e afins. É o conhecimento das funções do significado e de suas categorias.
Religião
– é uma ação humana, cultural e relativa.
Revelação
– é uma ação divina, absoluta e singular. É a irrupção do Incondicionado no
mundo do condicionado, convertendo-se numa esfera, junto com outras esferas,
naquilo que chamamos religião. Dá-se num processo cultural.
Teologia
– é a apresentação normativa e sistemática da realização concreta do conceito
de revelação. É o conhecimento da revelação. É uma palavra sobre Deus.
Metafísica
– é uma função [quantidade cujo valor depende do valor de outra ou de outras
quantidades variáveis] independente da mente. É uma atitude religiosa em
direção ao Incondicionado. É uma função do espírito. Necessita da crítica da
filosofia da religião.
Filosofia
da religião – é a teoria da função religiosa e de suas categorias.
Mito
– tradição alegórica explicativa de um fato natural, histórico ou filosófico.
Mistério. Enigma. Mitologia é a história das divindades do mundo antigo.
Revelação
natural – é a manifestação de Deus, feita a todas as pessoas, em todos
os tempos. É objetiva, mas de utilidade limitada na transmissão de conhecimento
sobre a existência e o caráter de Deus. Tomás de Aquino e os tomistas
desenvolveram a doutrina de que “a mente racional, ajudada pela analogia da
existência de Deus e do homem, e da lei da causa e do efeito, é capaz de
comprovar a existência de Deus e a infinidade de sua perfeição”.
Teologia
natural – partindo da revelação natural considera que através da razão
as verdades a respeito de Deus podem ser apreendidas nas coisas criadas, na
natureza, no homem, no mundo. A teologia natural faz parte da dogmática
católica desde 1870, com o Concílio do Vaticano I – “Constituição Dogmática
sobre a Fé Católica” --, que afirmou que Deus se revelou de duas maneiras:
natural e sobrenatural. Segundo o neotomismo, e aqui citamos Etienne Gilson e
Jacques Maritain, “Deus certamente pode ser conhecido a partir das coisas
criadas por meio da luz natural da razão humana”. Karl Barth se opôs duramente
à postura católica, apresentando a teologia (religião) natural como a grande
inimiga da fé verdadeira, rejeitando a “analogia do ser” como um pulo
injustificável e não uma dedução da Criação para o Criador. Partindo de Kant –
“a razão não pode comprovar a verdade religiosa” --, Schleiermacher e Barth são
os fideístas mais expressivos do pensamento protestante nos séculos 19 e 20.
II.
Cristologia: TEMOS A MENTE DE CRISTO
Textos:
Jó 42:1-6 e I Coríntios 2: 6-16
O
que é conhecimento?
1.
A centralidade da revelação
Jesus
Cristo é a centralidade da revelação.
Nós
cristãos temos quatro doutrinas básicas:
criação (criados para pensar),
revelação (a natureza visualizada e
as Escrituras verbalizadas ou pensando os pensamentos
de Deus),
redenção (o Verbo se fez carne e
pagou o preço) e
juízo (julgados por nossa
obediência).
A
redenção
1.
Produz salvação eterna.
2.
Reconstitui a imagem divina no homem. Efésios 3:14-19.
3.
Exige a proclamação da boa nova.
É
o momento maior da soberania de Deus.
E
também a loucura da pregação porque bate de frente com a auto-suficiência
humana.
2.
A mente vazia
ou
falta de compreensão da centralidade da redenção leva a três outras centralidades:
1.
ritualismo
2.
violência social
3.
a experiência e a emoção
Todos
seres humanos somos confrontados por desafio ético:
pensar
e agir conforme o conhecimento que
temos.
3.
A mente cristã
1.
Adoração. Deus é Senhor da natureza, Senhor das nações, Senhor que se revela
através de atos concretos, Senhor que cria e mantém o universo, redime e
preserva seu povo. Seu ato mais poderoso é o nascimento, a vida, a morte e a
ressurreição de Jesus Cristo. É Deus presente, Espírito Santo.
2.
A fé racional. Tem por base o caráter e as promessas de Deus. É uma confiança
racional, que nasce de uma profunda reflexão e leva à constatação de que Deus é
digno de crédito. Mas, de maneira nenhuma, lança fora a vontade, a afetividade,
a personalidade, as ações, obras e experiências humanas enquanto componentes e
realidades da fé.
3.
A busca da santidade. Consiste em levar uma vida digna, que agrade a Deus. Não
basta saber o que devemos ser, temos que resolver, em nossas mentes, atingir o
objetivo. A batalha é ganha nas mentes.
Tudo isso solidamente soldado,
amarrado pelo amor.
III. REVELAÇÃO, INSPIRAÇÃO E CERTEZA
“O homem
deve tomar a melhor e a mais incontestável das teorias humanas e usá-las como a
jangada sobre a qual ele possa navegar, ainda que não sem risco, se é que ele
não pode achar alguma palavra de Deus que possa conduzi-lo com mais certeza e
segurança”.
Platão, Phaedo, 85b.
“Lâmpada para os meus pés é a tua
palavra e luz para os meus caminhos”.
Sl 119.10
“A Palavra é um leão. Deixe-a
solta!”
Martin Lutero
“As Escrituras são os óculos que
nos permitem focalizar as coisas, e sem as quais tudo será confuso”.
João Calvino
Revelação
é o ato de desvendar, descobrir. Na teologia, é a comunicação de Deus e da sua
mensagem para o homem, e inclui tanto o ato, como o conteúdo resultante. É uma
ação divina, absoluta e singular.
A revelação é geral e particular.
Revelação
geral é a automanifestação de Deus a todos os homens, em todos os lugares, por
meio de Sua criação. Os meios da Revelação geral incluem a natureza (Sl 19.1-6;
Rm 1.19-20), a providência (Mt 5.45; At 17.24-28; Rm 8.28), a preservação do
universo (Cl 1.17), e personalidade humana: consciência moral (Gn 1.26; Rm
1.32-2.16) e a razão (Rm 1.20-22.25).
Revelação particular e especial é
a automanifestação de Deus para certas pessoas, em tempos e lugares definidos,
a fim de que tais pessoas entrem num relacionamento redentor com ele. A Palavra
registrada nas Escrituras e o Logos são os dois momentos da revelação especial
de Deus ao homem.
Conceitos de Revelação na
história da teologia
1.
É doutrina (ensino proposicional) para Agostinho, Tomás
de Aquino, Lutero e Calvino.
2.
É a própria História para Pannenberg e Moltmann.
3.
É experiência interna para Schleiermacher, Ritschl,
Theilhard de Chardin.
4.
É encontro existencial para Barth e Bultmann.
5.
É nova consciência para Hick, Rahner e Boff.
Atitudes e perspectivas relativas
às Escrituras e à revelação
1.
Racionalismo e liberalismo – O racionalismo define como
critério de verdade a lógica dedutiva, em especial a matemática. Spinoza
(filósofo iluminista como Descartes, Leibniz e Kant) rejeitava a natureza
proposicional da revelação especial nas Escrituras e a sua verdade em matéria
de doutrina e fé. Foi um precursores de Hume e dos deístas ingleses que rejeitavam
os milagres. Já o liberalismo procura adaptar a revelação à cultura e às formas
de pensar modernas. Rejeita a autoridade das Escrituras pela “essência do
cristianismo”, que na maioria das vezes podemos traduzir como um proposta ética
para a sociedade. Além disso, centra sua teologia na imanência de Deus,
resvalando muitas vezes, por causa dessa pressão imanentista, no panteísmo.
2.
Seitas, misticismo e espiritismo – há uma outra
autoridade acima da Bíblia. Pode ser uma pessoa ou livro. A experiência é a autoridade
final.
3.
Catolicismo romano – a tradição da instituição é a
maior autoridade.
4.
Neo-ortodoxia – a Palavra está nas Escrituras, mas as
Escrituras não são necessariamente a Palavra. A Bíblia não deve ser confundida
com a Palavra. É um documento humano e torna-se a Palavra de Deus somente à
medida que o Espírito Santo dá testemunho dela.
Para
a teologia evangélica a Bíblia é a autoridade final no que se refere a doutrina
e prática cristã. As Escrituras têm absoluta autoridade e sua inspiração é
verbal, plena, confluente e verdadeira.
IV. A fé enquanto conhecimento
Muita gente
considera o conhecimento como algo meramente racional. Teologicamente,
conhecimento é fé (Hb 11.1), assim aqueles que consideram o conhecimento como
processo puramente racional, também vêem a fé como puramente racional. Excluem
assim a vontade, o afeto, a personalidade, a ação humana, as obras e as
experiências de sua compreensão de fé.
Tal
abordagem nos levam a fazer três perguntas, que elucidarão a relação entre
revelação e conhecimento.
1.
Qual é a natureza da fé?
2.
A fé vem antes ou depois do arrependimento?
3.
A fé vem antes ou depois da regeneração?
1.
Respondendo ao primeiro questionamento, consideramos
que a fé depende de uma opção da pessoa e que é um estado do coração. Vejamos
porque: Tomando por base alguns textos (Rm 10.9-10; 1 Jo 5.1; Jo 5. 38-40, 42,
44; 2 Ts 2.10; At 8. 37) podemos dizer que a fé (1) é um dever e, portanto, a
vontade está incluída; (2) que é uma graça entregue pelo Espírito Santo (1 Co
13), e sendo graça não está limitada ao intelecto; (3) que dá glória a Deus e
não se dá glória a Deus só com a razão, já que envolve toda a personalidade
humana; (4) expressa-se em termos de afeto (2Ts 2.10). Ora receber inclui
afeto, implica assim em engajamento de afetividades (Rm 10.9-10); (5) a falta
de fé está ligada a uma disposição moral (Jo5; Jo 8.33+; Hb 3; Ef 4.17). A
incredulidade é um estado do coração, não é um erro enquanto abordagem
meramente racional.
2.
Em relação à segunda questão, consideramos que se não
houver arrependimento não há fé verdadeira. João ,o batista, pregava o batismo
do arrependimento. Ver também o chamado de Jesus em Mc 1.15; Lc 24; e a
experiência da igreja primitiva em At 2.37-38; 3.19; 5.31; 20 e 26.18.
3.
Quanto ao terceiro questionamento consideramos que sem
regeneração não há fé. Os textos que nos levam a pensar assim são 1Co 2.10-16,
1Co 12.3; a experiência de Nicodemos (Jo 3) e Rm 8.7.
Assim, a
compreensão da fé ou do conhecimento da revelação com opção do coração,
arrependimento e regeneração elimina idéia de que podemos conhecer
exclusivamente através de processos racionais. Por isso dizemos que o processo
de conhecimento da revelação está ligado à obediência, que em última instância
é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana,
arrependimento e regeneração de vida (veremos mais a frente o exemplo de
Abraão).
V. Símbolo e signo
A revelação não pode ser
identificada apenas como expressão do Criador, nem somente com os estados que
provoca nos sujeitos receptores. Cada estado de consciência subjetiva tem algo
de individual e momentâneo que o torna inapreensível e incomunicável em seu
conjunto, mas a revelação está destinada a servir de intermediário entre seu
autor e a comunidade.
A linguagem enquanto representação
da revelação no mundo sensível, sem nenhuma restrição, é acessível à percepção
de todos. Mas, ainda assim, não podemos reduzir a revelação à linguagem, pois
acontece que a revelação, deslocando-se no espaço e no tempo, muda de aspecto e
reformata conteúdos: tais mudanças tornam-se palpáveis, por exemplo, quando
comparamos os conteúdos originais de nephesh com os conteúdos transmitidos pela
psiquê da cultura grega.
A linguagem traduz na maioria das
vezes apenas o significante, ao qual na consciência da comunidade corresponde
uma significação, dada pelo que têm de comum os estados subjetivos provocados
pela linguagem nos membros da comunidade.
Além desse núcleo central,
pertencente à consciência da comunidade há em todo ato de percepção da
revelação elementos psíquicos subjetivos, que podem ser entendidos como fatores
associativos de percepção emocional e estética. Tais elementos subjetivos
podem, por sua vez, ser objetivados, mas somente na medida em que sua qualidade
geral ou sua quantidade são determinadas pelo núcleo central, situado na
consciência da comunidade. Assim, por exemplo, o estado de nephesh, subjetivo,
que acompanha em não importa qual pessoa a percepção de uma revelação
específica – como a circuncisão da comunidade liderada por Abraão – é de um
gênero inteiramente diverso daqueles estados que a circuncisão em si evoca.
Quanto às diferenças
qualitativas, é evidente que a quantidade de representações e emoções
subjetivas é mais considerável numa revelação em construção do que naquela que
já foi conscientizada coletivamente. O primeiro momento da construção da
revelação deixa a cargo do homem imaginar quase toda a contextura do tema,
enquanto que a revelação conscientizada pela comunidade suprime quase por
completo a liberdade de suas associações subjetivas pela enunciação concisa.
É desta maneira que,
indiretamente, através do núcleo pertencente à consciência da comunidade que os
conteúdos subjetivos do estado psíquico do sujeito perceptor adquirem um
caráter objetivamente semiológico, similar ao que têm as significações
acessórias de uma palavra. Ao negarmos a relação existente entre a revelação
com um estado psíquico subjetivo rejeitamos a realidade estética da revelação.
Sem esses conteúdos emocional e estético a revelação pode no máximo atingir uma
objetivação indireta na qualidade de significação acessória potencial. Porém, não podemos dizer que esses conteúdos
emocional e estético fazem necessariamente parte da percepção da revelação,
mas, sem dúvida, no processo progressivo da revelação há épocas em que esses
conteúdos tendem a reforçá-la, assim com há outras épocas em que perdem força
ou mesmo, aparentemente, desaparecem.
É no contexto dos fenômenos
sociais que a revelação, enquanto fenômeno social distintivo, é capaz de
caracterizar e representar época e história. Por isso, não podemos confundir
história da revelação com história da cultura, pois a história humana acontece
como subconjunto da história da revelação. É verdade que a relação entre
revelação e contexto social muitas vezes nos parece mal amarrada. Quando
dizemos que a revelação visa a transformação definitiva do contexto social, não
afirmamos com isso que ela coincide necessariamente com ele, mas que como
signo, tem sempre uma relação indireta com o contexto social, mesmo enquanto
metáfora. Assim, da natureza semiológica da revelação decorre que jamais uma
revelação dada deve ser explorada como documento histórico ou sociológico sem
interpretação prévia de seu valor documentário ou da qualidade de sua relação
com o contexto dados fenômenos sociais.
Dessa maneira, o estudo objetivo
dos fenômenos da revelação deve considerar cada revelação em particular como um
signo composto de símbolo sensível; de uma significação ou percepção estética e
emocional depositada na consciência da comunidade; e de uma relação com a
realidade significada, relação esta que visa o contexto social. O segundo
desses componentes contém a estrutura propriamente dita da revelação.
Ao lado da função de signo
autônomo, a revelação tem ainda a função de signo comunicativo. Assim, uma
revelação dada – voltemos ao exemplo da circuncisão da comunidade dirigida por
Abraão – não funciona somente como revelação, mas também como fala que exprime
um estado da nephesh, pensamento, emoção, etc. A revelação tem portanto uma
dupla função semiológica, autônoma e comunicativa. Por isso, vemos aparecer no
movimento progressivo da revelação a antinomia dialética da função de signo
autônomo e de signo comunicativo. A história da aliança (Gn 15, Gn 17, etc.)
oferece exemplos expressivos dessa verdade.
VI. Significado e significante
No processo da revelação podemos
distinguir vários elementos que se sobrepõem e se completam. Dentre eles, o
mais fascinante é a questão do significado e do significante. A revelação dá-se
através de um processo de adequação histórica. Entretanto esse conhecimento não
demanda unicamente a apreensão de uma determinada realidade. Faz-se necessário
que esta realidade seja apreendida de uma determinada maneira, consoante a uma
construção de análise e síntese.
Como premissa fundamental temos
que reconhecer uma justaposição entre conhecimento intuitivo e conhecimento
discursivo. O conhecimento intuitivo faz-se a partir das condição para que ele
se processe, imediatamente, frente a uma determinada realidade, ao passo que o
discursivo requerer passar de algo conhecido, através de uma série de juízos, à
apreensão do ainda não apreendido. Ao primeiro processo chamamos sintético e ao
segundo analítico.
A revelação não se dá
simplesmente como processo de adequação da mente humana ao novo que lhe é
apresentado. Impõe-se que o novo, inerente ao processo cognoscitivo, tenha um
significado. Uma relação de significado em que o homem opera como ser
significante e o novo como ser significado. Desta forma, a revelação não se
processa entre realidades ahistóricas, mas em relação espacial e temporal, que
exige, para que a interação homem/realidade se estabeleça, de que haja algo
maior, alguma coisa além de ambos, não causal, mas essencial.
No processo da revelação, o homem
se encontra em processo de construção, já que não é pleno senhor do processo. É
um ser colocado no tempo e no espaço, que estabelece relação com a realidade
que o cerca dentro do processo cognoscitivo enquanto dimensão humana e
histórica.
Outro pressuposto é a natureza
genética da linguagem, que se encontra em constante devir. Dessa maneira,
significado e significante estão intimamente ligados a linguagem, enquanto
revelação e construção histórica e social.
Assim, compreendemos que,
dependendo da utilização de determinado objeto ou realidade, o homem o conhece
de determinada forma, e no processo pode construir conceitos diferentes a
partir de um objeto ou realidade anteriores. Podemos inferir ao que isso
conduz. A revelação está ligada à vida do homem, já que será a própria
experiência humana que agregará valor ao objeto ou realidade antes conhecidos e
vividos. Dessa maneira, o velho vai gerar o novo, uma essência que transcende,
uma universalidade, a partir da própria experiência de vida, que teologicamente
podemos chamar de obediência ao mandamento de Deus.
Mas ainda não definimos a
importância do significado e do ser significante dentro do processo da
revelação. Se a revelação é histórica, é
importante notar que a própria revelação age sobre a vida humana, sobre a
historicidade do homem. E mais do que isso, ao definir a historicidade humana
muda o próprio meio onde o homem vive e atua. Dessa forma, a revelação cria
processos de formação, escalas de valores, normas e condicionamentos. E é aí que
reside toda a problemática da revelação enquanto conhecimento: como o homem, a
partir da revelação, pode conhecer a Deus, seu propósito e dar um sentido ao
mundo que o cerca, assim como achar o seu papel dentro de todo esse complexo?
A verdade da revelação é o
significado que uma determinada realidade tem para a comunidade e a pessoa. Há
uma construção intuitiva, quando a experiência da revelação produz uma
interação entre o homem e a divindade, sem que essa experiência necessariamente
influa no processo discursivo de conhecimento. Mas mesmo neste caso o homem não
abandona ou perde sua formação. Não deixa de ser aquilo que é: pessoa inserida
em determinada comunidade. Mesmo quando esse processo dá-se em um nível
superior, instantaneamente, sem elaboração discursiva, o homem está
condicionado pela historicidade do ser cognoscente. E dentro dessa
condicionante sempre se processa a interação homem/realidade. Aqui, sentimentos
e afetividades, que geralmente passam desapercebidos, são realçados. Isso
porque nesse momento específico determinada realidade passa a ter significado,
que mesmo não sendo inerente, exige que se lhe dê um. E nesse caso o
conhecimento da revelação faz do homem ser significante.
Assim a revelação dá ao mundo um
significado imanente. O homem, enquanto pessoa e comunidade, através da
revelação passa a estar dotado de significado, mas ao mesmo tempo este
conhecimento, este significado dado, não se dá ahistoricamente, mas dentro das
limitações de sua própria obediência.
Podemos, então, concluir que a
partir da revelação o homem é o significante da construção da comunidade, pois
através do conhecimento da revelação é ele quem historicamente pode modificar
causas e efeitos, imprimindo ao processo nova direção.
Como se processa a relação entre
significado e significante, quer no caso isolado da interação entre homem e
realidade, quer no caso de todo o processo da revelação? Vimos que dentro do
conhecimento da revelação o homem é um ser significante. Podemos, então, ver
que a escala de valores do sistema ético, oferecido pela revelação à
comunidade, é parte integrante do significado dado ao mundo pela própria
revelação. Donde, dentro de uma interação significado/significante existem
elementos dinâmicos de transformação.
O universo é o mundo do homem.
Nesse sentido, aí ele constrói seu habitat. Desta forma, através do significado
dado pelo homem à natureza, enquanto domínio e expansão, dentro de um
significado de utilização que lhe empresta, atua sobre ela, produzindo cultura
e transformação.
A revelação, enquanto relação
entre significante e significado é dialética. Pois se é ela que faz da pessoa e
da comunidade ser significante, permite ao homem e sua comunidade transferir ao
mundo que o cerca, à cosmovisão que utiliza essa mesma significação.
Ao fazer significante a realidade
que o cerca, o homem dá origem a transformações, engendra causas, e passa à
construção do futuro, já não como utopia, mas como realidade. Para viabilizar
tais transformações é necessário que transfira, enquanto comunidade, novos
significados aos processos históricos e sociais.
Através da relação estabelecida
entre significado e significante encontraremos as causas de conotações. À
circuncisão, por exemplo, a partir de determinado momento, daremos a conotação
de aliança. Assim a circuncisão é aliança, marca de um povo separado,
mandamento de Iahveh, mas só será isso quando um ser (pessoa ou comunidade) que
se torna seu significante lhe dê significado.
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