samedi 26 mars 2016

Exodus, filme de Otto Preminger


A sinfonia do universo

A sinfonia do universo
Jorge Pinheiro dedica à Patricia, Marcela, Paloma


No universo existem dois modos de se viver – ter o coração quente e a cabeça fria ou fazer para ver no que vai dar. Ora, não fazer dá trabalho ao contrário do que a gente pensa, e é por isso que todos somos atraídos pelo fazer. Donde inativo, inativo, ninguém é e muito menos gosta de ser taxado assim. E esses modos de fazer, nós chamamos de funções do ser, que variam conforme cada um, e acabam virando meta da vida.

Mas, ainda ao contrário do se pensa, quem faz, quem faz acaba acorrentado e por estar acorrentado torna-se inativo, pois coração e cabeça giram ao redor do que faz, do que se faz.

Mas o coração quente e a cabeça fria colocam as coisas nos seus devidos lugares. Não basta o coração quente, não basta a cabeça fria, mas juntas colocam desejos e fazeres no caminho da alegria, da justiça e da paz. Repare bem, fazer é necessário, afinal todos temos que comer, mas fazer também faz das gentes, gente. E ao fazer assim, juntos, com o coração quente, o desejo do coração solitário fica de lado, e nasce a alegria do trabalho comum. E é assim que nasce a abundância certa. É assim que nós multiplicamos e produzimos para os pequenos, os grandes, os experientes e para a própria natureza, que sempre nos chama à permuta.

E quem nos alimenta? São os deuses? Não. É o acordo solidário entre gentes e natureza, que sempre quer trocar, permutar com todos. Afinal é assim que ela vive. Ou, como diziam os antigos, animais e vegetais vivem na terra, vivem das terras, os frutos dos animais e dos vegetais são geradas pelo hálito quente da terra, mãe e útero, e pela água fria do céu, mas também pelo suor de todos nós, que é fazer e alegria.

E quem com o coração quente e a cabeça fria participa do ciclo da vida, curte os segundos deliciado e cheio de prazer, vive. Encontrou a alegria, é feliz em seu coração, e não despreza o trabalho, mas o faz com todas as forças do seu ser.

Repare, aqui há a experiência de um velho que atravessou décadas, em todo trabalho há um segredo escondido, mas este só se revela quando chega ao coração e às mãos das gentes. Pode parecer, aparecer como de um só, individual, mas quando todos sentam e juntos participam da ceia com alegria, o que era individual, na aparência, realizou a obra do fazer, atingiu o objetivo maior e o segredo se revela a todos. Assim nasce o com panus, o companheirismo solidário que faz de um, todos, do fraco, forte, e do forte de coração quente, amigo e irmão.

É verdade, não queremos estar sozinhos, sempre, existência a fora, por isso se você entendeu estas primeiras palavras, você tem que agir. E quem age assim, com o coração quente e a cabeça fria, vai ter outras gentes que desejarão segui-lo. Por isso, deixe de lado, o pensar bobo, que esquenta a cabeça e esfria o coração, que é pensar não tenho nada para fazer, não tenho nada a conquistar ... e ainda estou no trabalho.

Porque se eu for incansavelmente ativo, sem alegria e prazer, todas as gentes que olham o meu caminho, derrotadas, vão perecer. Transformei meu fazer em caos, sou um destruidor de gerações.  Os que não são sábios estão unidos entre si por seus fazeres, mas o sábio, mesmo quando aparentemente solitário, constrói o universo.

O universo é solidário e seu fundamento é o amor que liga natureza, gentes e mundos numa sinfonia em construção. E todos os fazeres possíveis estão cheios de atributos, que faz de cada um e todos, autores. Por isso, a verdade é saber que eu sou o autor, e que o bailar da sinfonia, a dança dos atributos com os atributos é o compartilhar.

E esta não é uma lei do outro, que vem de fora. Ela está dentro porque a sinfonia do universo toca no coração aquecido. E de dentro se espraia. Por isso, cuidado com a lei do outro, porque ela leva a errar o alvo. É ferrugem que corrói o ferro, força estrangeira, fumaça que cobre o fogo, fúria que guerreia no mundo, paixão que nasce do instinto. A lei do outro, estrangeira, é chama insaciável, sempre muda de forma. Os sentidos, a mente, a razão quando colocados sob a lei do outro, estrangeira, geram desordem e ignorância.

Conecta os seus sentidos, porque se os sentidos são poderosos, se a mente é mais forte do que os sentidos, se a razão é mais forte do que a mente, há algo mais forte do que a razão. É a sinfonia do universo.

Quem não entende, quem não faz assim, não faz uma boa viagem, navega triste para um porto sem esperança. Por isso, na sinfonia do universo falta uma nota ...

As gentes, eu e você precisamos bailar ao som dos instrumentos que temos e tocamos nesta sinfonia do universo. Se eu murmuro, não consigo ouvir a nota que sou, perco a harmonia. A sabedoria para ouvir e participar da sinfonia do universo é essa, não deixar que o coração esfrie, nem que em chamas mergulhe no desejo de destruição, da ira e ódio. O coração do sábio não está sob o império dos sentidos.