vendredi 28 décembre 2018

Cosmovisão, fé e práxis

Estudo Interreligioso
Prof. Dr. Jorge Pinheiro


Primeiro debate: 
COSMOVISÃO, FÉ E PRAXIS

1a parte


Introdução às cosmovisões

A. O que é cosmovisão? Realidade e estruturas conceituais. Consciência e omissão. A definição de Deus nos dá o elemento central de uma cosmovisão. Toda cosmologia leva a princípios e valores da vida.

B. Existe uma cosmovisão cristã?

Qual é a sua base? Deus infinito (Sl.25:14; Is. 43:10; Sl. 90:2), pessoal (Ex.3:14-15; Is. 55:8-9; Sl.135:5-6), criador (Gn.1:1; Sl.148:3-5, 33:6-9; Hb. 11:3), sustentador do universo (Sl.14:20, 147:8-9; Ne. 9:6), amor (Lm.3:22-23; Jo.3:16; Rm 5:8) e santo (Hc.1:13; Sl. 5:4; Jr. 9:23-24). Único (Dt. 6:4-5; Is. 45:5-6) e plural (Mt.11:27; Jo.17:5; 15:26; At.1:8, 2:1-4).


C. A Trindade e a unidade/diversidade do universo.


Deus criador: João 1:1-3; Rm.11:36; Cl.1:16-17, Hb. 1:2, 11:3; Tertuliano (Adversus Praxean), Zwinglio (Bromiley, G.W., Zwingli and Bullinger, Londres, SCM Press, 1953, p.249). Unidade/diversidade; determinismo/individualidade (Alan Pieratt, “Pensando no Céu”, in Imortalidade, Shedd e Pieratt, SP, EVN, 1992, pp.231-245).


Bibliografia


Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, págs. 15-23.
Horrell, J. Scott, Uma Cosmovisão Trinitariana, Vox Scripturae, volume IV, No 1, pág. 55-77.
Pieratt, Alan, Pensando no Céu, in Imortalidade, Shedd, R e Pieratt, A., SP, EVN, 1992, pp.223-245. 


Ateísmo


A. Quais as bases fundamentais do ateísmo e do agnosticismo radical? Deus não existe [1]. É impossível saber.


B. Como um filósofo ou cientista ateu ou agnóstico radical responderia a estas três perguntas: (1) por que o universo existe? (2) por que o homem existe? (3) qual é o papel do indivíduo no universo? As opiniões de Friedrich Nietzsche [2] e Jean Paul Sartre [3].


C. Comunismo, existencialismo [4] e humanismo [5]: respostas que deixam a desejar. Deus não existe? Que certeza é essa? Um novo panteão: utopias e angústias.


Bibliografia: Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, págs. 39-43.

Panteísmo


A. O que é panteísmo? [6] Infinitude e impessoalidade. Universo/aparência. Nada existe além do que se vê e toca (aparência). Só o presente existe.


B. Qual é a posição panteísta em relação ao universo, à vida espiritual e à morte?


C. Qual as características do panteísmo hindu? A fala de Brahman no Bhagavad Gita. O panteísmo na filosofia européia (Spinoza / Deus é pensamento e extensão; Hegel / Deus é história e consciência). O panteísmo na teologia moderna (Tillich e John Robinson / Deus é profundeza; Teilhard de Chardin / Deus, através da evolução, es tará em todos). A teologia da morte de Deus: T. Altizer [7] e William Hamilton [8].


Bibliografia
Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, SP, EVN, págs. 45-58. 


Teísmo


A. Quais os conceitos que norteiam o teísmo?


B. Por que não somos judeus, nem muçulmanos [9]? Unitarianismo. Determinismo. Cabalismo (Sefer Ietzirá, in Guinsburg, J., Do Estudo e da Oração, São Paulo, Perspectiva, 1968 pp. 563-566). Sufismo (Al-Junaíde).


C. Em que sentido o cristianismo trinitariano é superior ao teísmo judaico e muçulmano; ao deísmo/agnosticismo filosófico (Thomas Hobbes) e ao misticismo (hippies, Beatles, Nova Era)? Ex 33:18-23, 34:5-7; Is 6:1-5; Ez 1:26-28; Jr 9:23-24; Jo 1:18, 14:8-10; Ap 1:12-17; I Pe 1:8.


Bibliografia

Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1985, parte um: Indagações sobre Deus, o homem e o universo... Págs. 9 - 67.
Green, Michael, Mundo em Fuga, SP, Vida Nova
Little, Paulo, Você Pode Explicar sua Fé?, SP, Mundo Cristão, 1972
Pinnock, Clark, Viva Agora, Amigo, Atibaia, Fiel
Sproul, R. C., Razão para Crer, SP, Mundo Cristão, 1991, capítulo 7, “Não Há Deus”, pág. 75; capítulo 6, “Não Preciso de Religião”, pág. 63; capítulo 4, “O Cristianismo É Uma Muleta Para os Fracos”, pág. 43. Stott, John R. W., Cristianismo Básico, SP, Vida Nova


2a parte

COMUNICANDO A VERDADE


A defesa racional da fé cristã



A1. O emprego da Apologética (I Pe 3:15, defesa verbal; II Co 7:11, resposta contestação; Atos 22:1, 25: 16, I Co 9:3, Fp 1:7, 1:16, II Tm 4:16).

A2. A fé e os fatos. Como essas duas realidades se completam no cristianismo. Conforme Clark Pinnock, mente e coração devem conhecer juntos [10].

A3. A fé é cega? Mt 22:37. Podemos ter uma fé inteligente? II Tm 1:12, Jo 8: 32. O que é uma fé objetiva? Qual o seu fim? A que se destina?, como diria Caetano Velloso. I Co 15:14. Cristo e a ressurreição. Cristo histórico e teologia sistemática.


B1. João, Pedro, Mateus, Tiago, Marcos, Paulo, Lucas. Por que esses homens são tão importantes? II Pe 1:16. Qual a diferença entre mito e história?

B2. O que é uma testemunha histórica? Você já ouviu falar em Mi Lai, uma aldeia do Vietnã? Qual o poder de uma testemunha ocular? O que dizem João, Lucas, Paulo e Pedro sobre isso? I Jo 1:1-3; Jo 20:30-31; Lc 1:1-3; At 1:1-3, 1:9, 10:38-42; I Co 15:6-8; I Pe 5:1.

B3. Cuidado com os preconceitos. O que afirma Millar Burrows, professor da Universidade de Yale e especialista nos Rolos de Qumran, in Montgomery, John W., History and Christianity, Downers Grove: Inter-Varsity, 1972, sobre ceticismo e investigação histórica? O que é história? Em que se baseia a cientificidade da história? Que relação isso tem com documentação e testemunhos?


C1. Qual a diferença entre provas históricas, verdade absoluta e probabilidade histórica? Em que sentido podemos contestar Hume, de que a história não nos apresenta a verdade absoluta?

C2. Fatores subjetivos que impedem uma análise histórica objetiva: ignorância consciente (Rm 1:18, 23); orgulho (Jo 5:40-44); opções morais (Jo 3:19-20).

C3. Duas opções: o ateísmo de Aldous Huxley ( “...a filosofia da ausência de sentido foi basicamente um instrumento de libertação, tanto sexual, como política”) e o teísmo de Pascal (“As provas em favor da existência de Deus e do seu poder são mais do que suficientes...”). Jo 7:17 “Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se falo por mim mesmo”.


Singular e Plural

McDowel, Josh, Evidência que exige um veredicto, São Paulo, Candeia, 1992, A Bíblia, eu acredito nela...capítulos 1, 2 e 3. Págs. 19 - 48.


A1. Tecnicamente, por que a Bíblia é diferente? Qual o sentido da pluralidade tempo, escritores, classes sociais e atividades profissionais, condições e circunstâncias históricas, continentes e regiões geográficas, idiomas?

A2. Em termos editoriais, que importância tem para a apologética dados como sobrevivência e quantidade de manuscritos, circulação e tiragem, traduções, e sobrevivência às perseguições e críticas?

A3. Pluralidade de assuntos e influências no campo da história, profecia e literatura. A verdade como padrão de qualidade.


B1. Pluralidade de material e técnicas empregadas em sua confecção: pedras, tabletes de argila, óstraco, papiro, pergaminho, velino. Rolos e códice. Escrita uncial e minúscula carolina.

B2. A singularidade do cânon. O cânon hebraico - (lei, profetas e escritos) . O testemunho de Jesus (Lc.24:44, Jo.10:31-36, Lc.11:51); do prólogo do deuterocanônico Eclesiástico, de ben Sirac (Eclo. Pról.1-34); de Josefo, do Talmud (Tosefta Yadim, Seder Orlam Rabba, Talmud Babilônico/Sanedrim), de Melito e Eusébio.

B3. Ben Zakkai e as objeções farisaicas a Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos e Ester. A decisão do debate de Jamnia.


C1. Apócrifos do Antigo Testamento. Literatura de sabedoria, nacionalista e apocalíptica. Importância histórica e literária. Filo, Josefo, Jesus, os apóstolos, os rabinos reunidos em Jamnia e os pais da igreja não os consideraram escrituras reveladas. O Concílio de Trento (1546), a Contra-Reforma e os apócrifos.

C2. O Novo Testamento - Os critérios para determinar a inspiração de cada livro. Ef. 2:20, Jo. 16:13, At.2:42: a autoridade apostólica. Por que definir um cânon? Quem foi Marcião? O que estava acontecendo nas igrejas orientais? O que representava o edital de Diocleciano (303 d.C.)?

C3. A defesa: Inácio (50-115 d.C.), Justino Mártir (100-165), Policarpo (115), Irineu (180), Atanásio de Alexandria. O Sínodo de Hipona (393), sob o bispado de Agostinho, e o III Sínodo de Cartago.


História e Arqueologia


Bibliografia
McDowel, Josh, Evidência que exige um veredicto, São Paulo, Candeia, 1992, A Bíblia, eu acredito nela...capítulo 4. Págs. 49 - 93.


A1. Novo Testamento: testes bibliográficos, número de cópias e dados comparativos com outros textos antigos. Cronologia dos manuscritos e métodos de datação. Versões e utilização pelos pais da igreja.

A2. Antigo Testamento: os talmudistas, os massoretas, o testemunho de Flávio Josefo, os rolos do Mar Morto e a Septuaginta. O texto samaritano, os targuns, o mishná, os guemarás, o midrash e a sêxtupla de Orígenes.

A3. Aristóteles e o conceito do benefício da dúvida. A datação das fontes primárias.


B1. Evidências externas. Eusébio, em História Eclesiástica; Papias; Irineu em Contra as heresias III, Policarpo e Flávio Josefo em Antigüidades XVIII 5:2 sobre João Batista.

B2. Rowley, Albright e Montgomery analisam as provas arqueológicas. Paolo Matthiae, Giovanni Petinato e os 17 mil tabletes de Ebla.

B3. Sir William Ramsey e o trabalho de Lucas. Erasto, o tesoureiro de Corinto (Rm 16:23), a assembléia em Éfeso (At. 19:23+), o pátio da Torre Antônia, o poço de Betesda.


C. Por que usar dois pesos e duas medidas em relação às Escrituras e à literatura da antigüidade?


Roteiro para o primeiro debate apologético


1. FÉ CRISTÃ E HISTÓRIA


a. Fé cristã = fé objetiva / que tem um objeto / Cristo = fé como relacionamento.

b. Diferente do conceito filosófico / fé subjetiva.

c. Cristo da fé / Jesus histórico.


Conclusão: Maria e José, o nascimento de Jesus, seu ministério, sua morte e ressurreição aconteceram na dimensão espaço/temporal da história.


2. MITOLOGIA, MILAGRES E HISTÓRIA


Por que os não/crentes afirmam que a Bíblia é um livro de mitos?


a. Porque tem relatos de milagres.
b. Porque apresenta histórias como a do dilúvio e outras.
c. Por causa da semelhança entre os eventos da vida de Jesus e os dos deuses da mitologia grega.


Conclusão: a questão da possibilidade do milagre envolve questões de análise literária (quando aceitamos sua possibilidade) e de âmbito da filosofia da natureza e história (quando não aceitamos a sua possibilidade). Ver a diferença entre os milagres cristãos e os milagres gnósticos.


3. FATOS (testemunhas e documentação) E SOBRIEDADE


Testemunhas oculares


I João 1:1-3 “...o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam ...o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros...” Escrita em Éfeso (depois de Patmos), em 90 A.D.


Lucas 1:1-3 “...visto que muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, conforme nos transmitiram os que desde o princípio foram deles testemunhas oculares ... a mim me pareceu bem, depois de acurada investigação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito...” Escrita em Cesaréia, em 60 A.D.


I Coríntios 15:6-8 “...Depois Jesus foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maioria vive até agora, porém alguns já dormem. Depois foi visto por Tiago, mais tarde por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora do tempo”. Escrita em Éfeso (16:8), em 56 A.D.


Documentação sobre a historicidade de Jesus e do N.T.


a. Vinte e sete documentos do N.T. - Nenhum personagem histórico tem uma bibliografia contemporânea tão extensa e minuciosa.


b. Os pais da igreja (pág. 65/ Evidência...)


Policarpo (70-156), discípulo de João, bispo de Esmirna

Clemente de Alexandria (150-212) faz 2.400 citações do Novo Testamento

Orígenes (185-253) faz 18 mil citações do N.T..


c. Fontes não/cristãs (págs. 104):


Cornélio Tácito (nascido em 52-54 A.D.), historiador romano, ao escrever sobre o reinado de Nero em Anais XV, 44: “...De modo que para acabar com os rumores, acusou falsamente as pessoas comumente chamadas de cristãs, que eram odiadas por suas atrocidades, e as puniu com as mais terríveis torturas. Christus, o que deu origem ao nome cristão, foi condenado à morte por Pôncio Pilatos, durante o reinado de Tibério.”

Luciano de Samosata, em O Peregrino Passageiro diz: “... o homem que foi crucificado na Palestina porque introduziu uma nova seita no mundo... Além disso, o primeiro legislador dos cristãos os persuadiu de que todos eles seriam irmãos uns dos outros, após terem finalmente cometido o pecado de negar os deuses gregos, adorar o sofista crucificado e viver de acordo com as leis que ele deixou...”.

Flávio Josefo, Antigüidades XVIII, 33 (texto questionado/ início do século 2): “...por esta época surgiu Jesus, um homem sábio, se é que é correto chamá-lo de homem, pois operava obras maravilhosas, e era um mestre que fazia as pessoas receberem a verdade com prazer. Ele congregou junto a si muitos judeus e muitos gentios. Ele era o Cristo, e quando Pilatos, por sugestão dos principais líderes dentre nós, condenou-o a cruz, aqueles que desde o início o amavam não o largaram. Pois ele tornou a aparecer-lhes vivo ao terceiro dia, tal como os profetas de Deus haviam predito essas mais dez mil outras coisas a seu respeito. E a tribo dos cristãos, que tem esse nome devido a ele, existe até hoje”.


Os talmudes judeus


Talmude Babilônico: “...e penduraram-no na véspera da Páscoa”. Ben Pandera ou ben Pantere (filho de uma virgem). Trocadilho com a palavra grega panthenos (virgem).

Talmude Babilônico, Sanhedrim 43a: “Na véspera da Páscoa eles penduraram Yeshu de Nazaré e antes disso, durante quarenta dias o arauto proclamou que Yeshu de Nazaré ia ser apedrejado “por prática de magia e por enganar a Israel e fazê-lo desviar. Quem quer que saiba algo em sua defesa venha e interceda por ele. Mas ninguém veio em sua defesa e eles o penduraram na véspera da Páscoa”.

Livro da História Dirigida por Todas as Virtudes, Coroada com Várias Filosofias e Bendita pela Verdade do Conhecimento: “Nessa época havia um homem sábio chamado Jesus. Seu comportamento era bom, e sabia-se que era uma pessoa de virtudes. Muitos dentre os judeus e de outras nações tornaram-se seus discípulos. Pilatos condenou-o à crucificação e à morte. E aqueles que haviam sido seus discípulos não deixaram de segui-lo. Eles relataram que Ele lhes havia aparecido três dias depois da crucificação e que Ele estava vivo. Dessa feita, talvez Ele fosse o Messias, sobre o qual os profetas relatam maravilhas”.

Shlomo Pines e David Fluser / Documentação Sobre Cristo: Pesquisadores Israelenses Descobrem Documentos que Acreditam Confirmar a Existência de Jesus, matéria divulgada pela agência de notícias do New York Times, 13/2/1972.


4. MITOLOGIA, CIÊNCIA E CONTRADIÇÕES


Conclusões


a. Ovídio em Metamorfose fala de deuses (criaturas meio homem/ meio animais) que morrem e se levantam. Ressurreição. Atitude científica: pesar as semelhanças e diferenças.


Diferença fundamental: perspectiva radicalmente diferente em relação à perspectiva histórica. O mito não se situa dentro da estrutura histórica. O mito é ahistórico. O estilo literário bíblico é totalmente diferente da estilo literário mítico.


Da mesma maneira, a diferença entre os milagres cristãos é a sua historicidade e sua sobriedade, ao contrário, por exemplo, dos milagres gnósticos.


A ressurreição de Jesus é o milagre maior de toda a Bíblia. Jesus é a centralidade de nossa fé, sua morte e ressurreição o centro de seu ministério salvífico. Ver a apologética de Paulo em Atos 17: 18-34.


b. A história judaico-cristã difere do conceito grego. Para os hebreus a história é linear, progressiva, e acontece no dia de hoje, por isso a necessidade de registrar, documentar. Deus revela-se na história, daí a sua importância. Para os gregos a história é circular, repete-se como as estações da natureza. Os grandes historiadores gregos, como Heródoto, não têm a objetividade dos escritores bíblicos.


c. A Bíblia não é um texto científico (a ciência moderna tem menos de duzentos anos), mas descreve o mundo como aparece a olho nu. Descreve a natureza de uma perspectiva fenomenológica. Não é uma manual científico. Sua centralidade está em Deus e sua obra redentora.


d. Relatos diferentes não significam relatos contraditórios, mas perspectivas diferentes ou intenção de realçar aspectos diferentes de um mesmo acontecimento.


e. A moderna pesquisa histórica apoia a credibilidade bíblica. Descobertas como Qumran, Ebla, Amarna, confirmam informações e fatos históricos descritos pela Bíblia.


f. A fé cristã nas Escrituras está fundamentada numa construção de raciocínio que tem Cristo como centro. Tem base revelacional (revelação especial), mas acontece dentro da história, como fato histórico. É linear, progressiva, ascendente e aponta sempre para a inerrância das Escrituras. Esta inerrância deve ser entendida enquanto processo revelacional dentro da história e da vida do homem salvo por Cristo.


A revelação está dada. O texto foi inspirado. Mas nosso conhecimento do fato histórico e consequentemente nossa compreensão e interpretação do texto é progressiva e ascendente. É uma construção.


Bibliografia

McDowell, Josh, Evidência que Exige um Veredicto, SP, Candeia, 1992
Sproul, R. C., Razão para Crer, SP, Mundo Cristão, 1991



3a parte

A POSIÇÃO CATÓLICA


Análise católica da Encíclica Fé e Razão, de João Paulo 2o


No coração de cada homem existem algumas questões que estão para além de qualquer diferença de cultura, nacionalidade, raça ou religião: «Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? Por que existe o mal? O que é que existirá depois desta vida?» (n.º 1). É sobre a base desta experiência fundamental que o homem constrói a sua vida e lhe dá sentido.

A décima terceira encíclica de João Paulo II está situada no mesmo comprimento de onda destas questões fundamentais, às quais dá a sua resposta fundamentando-a na verdade da fé em Jesus Cristo. À distância de mais de 100 anos da encíclica Æterni Patris de Leão XIII (4 de Agosto de 1879), Fides et ratio propõe novamente o tema da relação entre a fé e a razão, entre teologia e filosofia.

A Encíclica possui todas as características para ser considerada um documento «histórico». Por que deveria a fé ocupar-se da filosofia e por que é que a razão não pode prescindir do contributo da fé? As perguntas colocadas por João Paulo II não ficam sem resposta. E não são colocadas como mero exercício especulativo - o tema, à primeira vista, poderia induzir a esta interpretação - mas têm um caráter profundamente existencial, porque determinam os comportamentos das pessoas. Fides et ratio é motivada por uma situação cultural já insustentável, que levou ao extremo a separação entre fé e razão.

A Encíclica deseja solicitar a quantos têm a peito a verdade e são responsáveis pelo pensamento e a cultura que procurem apontar ao essencial, sem qualquer restrição nem limite algum. A Encíclica é uma reflexão de grande densidade filosófica e teológica. Longe de assumir tonalidade de condenação, João Paulo II põe antes um sério problema que não poderá deixar de suscitar um amplo debate entre os homens de cultura: por que é que a razão se quer impedir a si mesma de tender para a verdade, enquanto ela, por sua própria natureza, está inclinada para a alcançar? Ela possui os instrumentos idôneos que lhe permitem a busca perene da verdade, não conhecendo outro limite senão a própria verdade. Apesar disso, diversos movimentos filosóficos contemporâneos, conseqüência extrema da crise atual do pensamento moderno, insistem em quererem idealizar o estado de debilidade da razão, impedindo-a de fato de ser ela mesma.

Daí derivou uma visão do homem e do mundo que privilegiou o arbítrio e o pragmatismo (cf. n.º 5), gerando um ceticismo geral, segundo o qual «tudo fica reduzido a mera opinião» e «contentam-se de verdades parciais e provisórias» (n.º 5). Já desde o Proêmio, onde aparecem sintetizados todos os temas que serão objeto da Encíclica, João Paulo II, em virtude da sua «diaconia da verdade» (nº 2), faz-se defensor da grandeza da razão. Por paradoxal que pareça, sobretudo se se olha para a história do último século, a razão encontra na fé o seu auxílio e suporte mais precioso, a aliada fiel que lhe permite de se reencontrar a si própria.

Por outro lado, a fé cristã não poderia confrontar-se por muito tempo com uma razão débil; de fato, também ela tem necessidade de uma razão que se fortalece com a verdade, para justificar a liberdade plena dos seus atos. Em última análise, o objetivo de Fides et ratio é dar novamente confiança ao homem contemporâneo (cf. nº 6). Enquanto com a Veritatis splendor - de que a presente é a continuação - o Papa tinha querido chamar a atenção para algumas verdades de ordem moral que estavam esquecidas ou deturpadas, com a encíclica Fides et ratio ele pretende tratar da própria verdade e do seu fundamento visto na sua relação com a fé. Um «dever» esse que João Paulo II sente que está muito para além de uma certamente justificada exigência.

O primeiro capítulo introduz o tema da Revelação na sua qualidade de conhecimento que é oferecido ao homem pelo próprio Deus. A Revelação, ao exprimir o mistério, convida a razão a intuir razões que ela mesma sabe não poder exaurir, mas apenas acolher.

A unidade entre o conhecimento pela razão e o conhecimento pela fé constitui o objeto do segundo capítulo. Aí se mostra como o pensamento bíblico, com base nesta unidade, tivesse garantido já a descoberta de uma via mestra para o conhecimento da verdade: a impossibilidade de prescindir do conhecimento oferecido por Deus, quando se quer conhecer plenamente o caminho que cada homem deve percorrer para dar resposta às questões fundamentais da existência.

Com o terceiro capítulo, entra-se diretamente em questões mais precisas. De fato, põe-se em evidência como o homem, pela sua razão que interroga sempre e sobre tudo, tenha a possibilidade de atingir a verdade que por sua natureza é universal, válida para todos e para sempre. Diversos «rostos» da verdade são esboçados pelo Papa, até afirmar que «pode-se definir o homem como aquele que procura a verdade» (nº 28). O nº 33 pode ser considerado um válido resumo do capítulo: «O homem, por sua natureza, procura a verdade. Esta busca não se destina apenas à conquista de verdades parciais, físicas ou científicas; não busca só o verdadeiro bem em cada um das suas decisões. Mas a sua pesquisa aponta para uma verdade superior, que seja capaz de explicar o sentido da vida; trata-se, por conseguinte, de algo que não pode desembocar senão no absoluto. (...) Chega-se [a tal verdade] não só por via racional, mas também através de um abandono fiducial a outras pessoas que possam garantir a certeza e autenticidade da verdade».

O capítulo quarto traça uma profunda síntese histórica, filosófica e teológica do modo como o cristianismo entrara em relação com o pensamento filosófico antigo. Aponta-se o exemplo dos primeiros séculos, quando os Padres da Igreja, com a ajuda da riqueza da fé, «conseguiram explicitar plenamente aquilo que resultava ainda implícito e preliminar no pensamento dos grandes filósofos antigos» (nº 41). Vem depois a grande estação do período medieval com a perene atualidade do pensamento de S. Tomás de Aquino e a sua visão de uma harmonia constante entre a fé e a razão, fundada sobre o princípio de que «tudo o que é verdadeiro, dito por quem quer que seja, provém do Espírito Santo» (cf. nº 44). Mas, o aparecimento da época moderna marca um período de progressiva e «nefasta separação» entre fé e razão (nº 45), com a conseqüente mudança da missão demandada pela filosofia, até se tornar «razão instrumental ao serviço de fins utilitaristas, de prazer ou de poder» (nº 47). Daí resultou que «tanto a razão como a fé ficaram reciprocamente mais pobres e débeis» (nº 48).

O capítulo quinto apresenta, na primeira parte, as diversas intervenções do Magistério, repassando os momentos salientes relativos sobretudo ao fideísmo e ao racionalismo. Na segunda parte, põe-se em destaque como a Igreja tenha sempre estimulado a filosofia para a recuperação da sua missão originária, exemplificando-o com alguns casos que enriqueceram o pensamento filosófico, na época moderna.

O sexto e sétimo capítulo são o coração da Encíclica e constituem o contributo mais denso prestado pelo Santo Padre à questão. No capitulo sexto, Fides et ratio detém-se sobre a necessidade que as diversas disciplinas teológicas têm do saber filosófico. E neste horizonte, o Papa enfrenta com particular destaque controvérsias recentes que têm a ver com a ciência da fé. Alguns, levados pelo desejo de percorrer novas estradas do saber científico, «negam simplesmente o valor universal do patrimônio filosófico abraçado pela Igreja» (nº 69). João Paulo II entra diretamente na essência da questão, sobretudo quanto ao tema da relação com as culturas, problema este que, nos últimos anos, tem animado o debate teológico particularmente na Índia. Ele indica os critérios irrenunciáveis para que o encontro possa resultar frutuoso (cf. nº 72).

O caminho que se há de seguir na relação entre fé e razão é descrito por João Paulo II com a locução «reciprocidade circular»; isto significa que «o ponto de partida e fonte primeira terá de ser sempre a palavra de Deus revelada na história, ao passo que o objetivo final só poderá ser uma compreensão cada vez mais profunda dessa mesma palavra por parte das sucessivas gerações» (n.º 73).

O quanto seja fecunda esta estrada, demonstra-o a lista de diversos pensadores ocidentais e orientais que geraram sistemas de pensamento que perduram ainda hoje: J. H. Newman, A. Rosmini, J. Maritain, E. Gilson, E. Stein, V. Solov’ev, P. A. Florenskij, P.J. Aadaev, V. N. Losskij (cf. nº 74). Profundamente original é uma indicação que transparece da Encíclica, segundo a qual a revelação é o «ponto de enlace e confronto» (nº 79) entre a filosofia e a fé. É precisamente a partir desta centralidade que toma forma o mais denso e rico capítulo (o sétimo) de Fides et ratio. Este abre-se indicando a «via sapiencial», que se deve seguir como estrada mestra para se chegar às respostas definitivas que dão sentido à existência; assenta na capacidade natural do homem de chegar à verdade e desemboca na instância metafísica do saber.

«Uma das maiores ameaças, neste final de século, é a tentação do desespero» (n.º 91). Perante este drama, João Paulo II lança o desafio de saber passar «do fenômeno ao fundamento» (nº 83) e assim «levar os homens à descoberta da sua capacidade de conhecer a verdade e do seu anseio pelo sentido último e definitivo da existência» (nº 102). Sobre este princípio, aparece desenvolvida uma análise imparcial que mostra as limitações insuperáveis de alguns sistemas filosóficos contemporâneos que recusam a instância metafísica de uma perene abertura à verdade (cf. nº 81). Ecletismo, historicismo, cientificismo, pragmatismo, niilismo são sistemas e formas de pensamento que, não estando abertas às exigências fundamentais da verdade, não podem sequer ser assumidas como filosofias aptas para explicar a fé. «Verdade e liberdade ou caminham juntas, ou juntas miseravelmente perecem» (nº 90). 

É esta, quando se quiser, a mensagem última que brota da Encíclica. Fides et ratio é um forte brado lançado por João Paulo II para acordar a consciência daqueles que têm a peito a verdadeira liberdade do homem. Esta, afirma o Papa, poderá ser alcançada e garantida apenas se o caminho para a verdade permanecer aberto e acessível sempre, a todos e em qualquer lugar. 


4a parte

FÉ EVANGÉLICA E ECUMENISMO


[Para análise em sala de aula]


Católicos e Luteranos se reconciliam
Armando Antenore // FSP, 19/09/99

Em outubro, depois de quatro séculos de separação e de 32 anos de conversações, católicos e luteranos assinam, na Alemanha, acordo que estabelece um consenso sobre a principal questão teológica que os afastou.

O documento conjunto vai explicar de que modo as duas denominações encaram hoje a salvação—o instante em que, após a morte, os cristãos se libertariam de todos os pecados e se encontrariam com Deus na eternidade.

Quando se rebelou contra o papa Leão 10º, o monge agostiniano Martinho Lutero (1483-1546) produziu 95 teses que tratavam do tema e as tornou públicas. O gesto desencadeou o movimento da Reforma, que deu origem às igrejas protestantes.

À época, católicos defendiam que, para atingir a salvação, os fiéis deveriam praticar boas obras. Ou melhor: entregar-se às ações solidárias e respeitar um sem-número de ritos (orações, donativos, peregrinações, jejum, adoração de relíquias, etc.).

A salvação dependeria do mérito de cada cristão. Quem fizesse mais obras “somaria mais pontos” no céu.

Tal doutrina acabou gerando uma série de abusos, como a venda de indulgências. Em troca de recursos para a reconstrução da basílica de São Pedro (Roma), o papa Leão 10º oferecia a remissão total ou parcial das penas que o doador do dinheiro iria sofrer, na Terra ou no purgatório, por ter cometido pecados. As 95 teses questionavam as vendas, lançando mão de palavreado firme e direto, o que as tornava bastante compreensíveis pelos leigos. Lutero as afixou, em 1517, diante da igreja do castelo de Wittenberg (Alemanha).

Daqueles escritos brotava uma nova doutrina: a de que a salvação (ou a “justificação”) deriva da graça divina e não das obras humanas. Para o monge alemão, Deus se revelava muitíssimo generoso. Salvava os fiéis gratuitamente e por amor, sem exigir nenhuma contrapartida.

Os cristãos que desejassem alcançar o perdão dos pecados e se “justificar” necessitavam somente da fé. Suas obras não influenciariam Deus nem o coagiriam.

O monge costumava contar que formulou a doutrina com base na carta de são Paulo aos romanos. Uma frase do texto bíblico lhe chamava especialmente a atenção: “o justo viverá pela fé”.

Em janeiro de 1521, Leão 10º excomungou Lutero. No decorrer dos séculos, as duas igrejas trocaram violentas acusações. Católicos taxavam os luteranos de omissos. Diziam que se mostravam passivos diante do sofrimento alheio por não acreditarem nas boas ações. Luteranos, em resposta, insistiam que os católicos duvidavam da graça de Deus, porque impunham condições humanas para a salvação. Foi há menos de quatro décadas que as distâncias começaram a diminuir. Em 1967, criou-se a Comissão Mista Internacional Católico-Luterana, que desde então se reúne periodicamente para analisar pendências teológicas.

Há dois anos, o grupo finalizou a declaração que deverá ser assinada agora. Trata-se do primeiro documento, entre os muitos produzidos pela comissão, que receberá o aval de representantes do Vaticano e da Federação Luterana Mundial (FLM) -- a entidade que congrega 95% dos 61 milhões de luteranos. Com o acordo, ambas as partes passam a professar que:

- A salvação decorre da graça de Deus e não das boas obras.
- Só se chega à salvação pela fé.
- Embora não levem à salvação, as boas obras são conseqüência natural da fé. Em outras palavras, o verdadeiro cristão faz boas obras não para se salvar, mas como um testemunho de fé.


Pelo menos de imediato, o consenso teórico não mudará nada na organização e na liturgia das duas igrejas, que permanecerão separadas. A assinatura ocorrerá no dia 31 de outubro, data em que Lutero divulgou as 95 teses. A cidade de Augsburgo, onde o monge sofreu um interrogatório por ordem do papa, sediará a cerimônia. 



PRÁTICA RENOVADA

Igreja Católica cria novas indulgências


Um dia sem fumar, rezar com o papa em frente à televisão, arrepender-se em público. Essas são algumas das práticas que o novo “Manual da Indulgência” do Vaticano estabelece para aliviar a punição de pecadores.

O livro de 115 páginas, escrito em latim, explica e descreve as condições para obter as indulgências—redução ou anulação de penas para pecados.

A igreja afirma que aqueles que não vão direto para o paraíso depois da morte devem passar algum tempo no purgatório, antes de passar pelos portões do céu. As indulgências podem diminuir o tempo do pecador no purgatório, que, como disse o papa este ano, não seria um local físico, mas um estado mental marcado pela ausência de Deus.

O papa retoma a tradição de festejar aniversários eclesiásticos com a concessão de indulgências, por ocasião do Grande Jubileu (celebração de 2.000 anos do cristianismo).

Há quatro condições prévias para as indulgências: confissão dos pecados, comunhão, rezar com o papa e ter o coração puro. Cumpridas essas condições, o pecador pode conseguir uma indulgência parcial ou total não comendo carne, por exemplo. O manual, já editado em 1968 e 1986, faz referência à televisão e ao rádio, e inclui refugiados entre os pobres que devem ser ajudados, oração mental para surdos-mudos e oração em grupo fora das instituições eclesiásticas.

“Apesar de ser uma doutrina e uma prática antiga, a indulgência responde à mentalidade contemporânea”, afirma o padre Dario Rezza, que apresentou à imprensa o manual, cujas traduções estarão disponíveis a partir de outubro. Para ele, “a novidade fundamental é a socialização dessa prática, onde o ato de penitência se converte em manifestação pública de fé”.

A Santa Sé disse que a obra não deveria afetar as relações com a Igreja Luterana. Martinho Lutero criticou, no século 16, a venda de indulgências pela Igreja Católica, que serviu para financiar parte da construção da basílica de São Pedro. Ele publicou 95 teses em que criticava a atitude católica.

O cardeal William Wakefield Baum afirma também acreditar que o fato de seguir o manual de indulgências não deve afetar as relações dos católicos com os luteranos .

O texto destaca ações mediante as quais os católicos dão bom exemplo. Por exemplo, “um operário de fábrica, rodeado por colegas que maldizem e usam linguagem obscena, com valentia faz o sinal da cruz”, disse o monsenhor Luigi de Magistris, especialista do Vaticano em indulgências.


DISSIDENTES



Grupos nos EUA não aceitam o acordo

Pelo menos 22 igrejas luteranas não deverão avalizar a declaração conjunta que será assinada na Alemanha. Consideram que ainda não há consenso com os católicos em torno dos temas teológicos tratados pelo documento. O grupo dissidente se concentra sobretudo nos EUA. Reúne cerca de 3 milhões de fiéis e representa apenas 5% dos cristãos que professam o luteranismo.

Os outros 95% abarcam 58 milhões de pessoas e se espalham pelas 124 igrejas que constituem a Federação Luterana Mundial. Criada na década de 40, a entidade firmará o documento em Augsburgo. Por aqui, a ala dissonante soma 214 mil fiéis. São todos membros da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), que se distingue da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Em termos muito genéricos, as duas denominações se diferenciam principalmente pelo modo como interpretam a Bíblia. A primeira faz uma leitura mais literal que a segunda.


Outra diferença importante é o tamanho. A IECLB, que pertence à federação mundial, conta com aproximadamente 1 milhão de fiéis. Tem raízes européias e foi se formando a partir de 1824, enquanto a IELB nasceu em 1904, sob a liderança de missionários norte-americanos oriundos do Estado de Missouri, que vieram prestar assistência espiritual a imigrantes alemães.

“Não iremos referendar a declaração conjunta porque julgamos que, na prática, as pendências que separaram católicos e luteranos continuarão existindo”, explica Vilson Regina, 47, primeiro vice-presidente da IELB.

“O documento afirma que a salvação e o perdão são graças de Deus e que nenhuma ação humana tem o poder de alcançá-los”, prossegue o pastor. “No entanto, o papa João Paulo 2º anunciou em 1998 que concederá a remissão dos pecados para os católicos que visitarem lugares santos durante o ano 2000. Pergunto, então: cadê a coerência? Onde está o consenso?” (AA)

Líderes das duas igrejas vêem na reconciliação

Crítica a “teologia da prosperidade” de neopentecostais


Lideranças religiosas do Brasil interpretam o acordo entre católicos e luteranos como uma crítica à lógica mercantilista dos grupos neopentecostais -- ramo do protestantismo que vem tirando fiéis das igrejas cristãs mais tradicionais e que propaga a “teologia da prosperidade”.

Tal doutrina incentiva o devoto a dar dinheiro “para Deus” e a cumprir determinados desafios na esperança de, em troca, receber recompensas materiais.

Leia, abaixo, algumas opiniões colhidas pela Folha:

Dom Cláudio Hummes, 65, arcebispo de São Paulo -- “Com o acordo, católicos e luteranos revêem a maneira como encararam o tema da salvação e fazem importante autocrítica. Concluem que os cristãos devem praticar boas obras não para coagir Deus, mas para louvá-lo. Lançam, por outro lado, uma crítica às manifestações religiosas que ainda hoje se baseiam na troca e que induzem o fiel a cumprir certas tarefas com a intenção de alcançar a prosperidade.”

Walter Altmann, 55, primeiro vice-presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) - “O consenso se dá justamente quando crescem no mundo denominações religiosas que impõem pesadas cargas a seus devotos. O documento que será assinado na Alemanha vai questionar essas práticas. Vai, também, reafirmar que o ser humano vale pelo que é, e não pelo que produz ou possui. Estabelecerá um princípio radical de igualdade, em contraste com um sistema sócio-econômico que exacerba a competição.”

Padre José Bizon, 45, vice-reitor do Seminário Teológico da Arquidiocese de São Paulo -- “O documento faz cair por terra a noção de mercado religioso, em que os fiéis realizam algo para obter uma recompensa .”

Rolf Schünemann, 45, pastor sinodal da IECLB - “As sociedades de hoje vendem a idéia de que todos os que estão excluídos do processo produtivo fracassaram na vida. O acordo se opõe a lógica tão cruel e reitera que a dignidade humana advém unicamente de Deus, da misericórdia divina.”

Dom Ivo Lorscheiter, 71, bispo de Santa Maria (RS) - “A assinatura da declaração conjunta é, talvez, o principal fruto do ecumenismo—o movimento de diálogo e cooperação entre cristãos.”

Gottfried Brakemeier, 62, ex-membro da Comissão Mista Internacional Católico-Luterana - “Apesar de negar que os atos levam o ser humano à salvação, o acordo também enfatiza a necessidade do serviço altruístico como expressão da fé em Deus.”

Dom Paulo Evaristo Arns, 78, arcebispo emérito de São Paulo - “Impressiona-me o fato de a declaração conseguir preservar a riqueza tanto da visão luterana quanto da católica e, mesmo assim, atingir o consenso.”

Antônio Flávio Pierucci, 52, professor da Universidade de São Paulo, especialista em sociologia da religião - “O acordo faz prevalecer a interpretação luterana de que as atitudes dos homens não influenciam Deus. Rejeita, assim, a religiosidade de resultados imediatos, muito presente nas novas igrejas cristãs, e valoriza uma religião mais ética.” (Armando Antenore). 


Saiba mais sobre a disputa


Reforma—Desencadeada pelo teólogo alemão Martinho Lutero, no séc. 16, a Reforma Protestante marca o rompimento de parte dos cristãos com a Igreja Católica. Lutero se opôs à venda de indulgência papal, aboliu a confissão obrigatória, o jejum e o celibato clerical. Os protestantes não reconhecem a autoridade do papa e rejeitam o culto a Maria e aos santos.


Contra-Reforma—Movimento da Igreja Católica de reação à Reforma. O Concílio de Trento (1543-66), que decidiu os rumos da Contra-Reforma, reafirmou com clareza as teses católicas condenadas por Martinho Lutero, como a concessão de indulgências. O movimento reformou ainda a liturgia e promoveu uma edição do catecismo católico.


Segundo debate: 
REVELAÇÃO E CONHECIMENTO


CONCEITOS GERAIS


Filosofia – é a busca séria e organizada dos significados universais da existência humana e afins. É o conhecimento das funções do significado e de suas categorias.


Religião – é uma ação humana, cultural e relativa.


Revelação – é uma ação divina, absoluta e singular. É a irrupção do Incondicionado no mundo do condicionado, convertendo-se numa esfera, junto com outras esferas, naquilo que chamamos religião. Dá-se num processo cultural.


Teologia – é a apresentação normativa e sistemática da realização concreta do conceito de revelação. É o conhecimento da revelação. É uma palavra sobre Deus.


Metafísica – é uma função [quantidade cujo valor depende do valor de outra ou de outras quantidades variáveis] independente da mente. É uma atitude religiosa em direção ao Incondicionado. É uma função do espírito. Necessita da crítica da filosofia da religião.


Filosofia da religião – é a teoria da função religiosa e de suas categorias.


Mito – tradição alegórica explicativa de um fato natural, histórico ou filosófico. Mistério. Enigma. Mitologia é a história das divindades do mundo antigo.


Revelação natural – é a manifestação de Deus, feita a todas as pessoas, em todos os tempos. É objetiva, mas de utilidade limitada na transmissão de conhecimento sobre a existência e o caráter de Deus. Tomás de Aquino e os tomistas desenvolveram a doutrina de que “a mente racional, ajudada pela analogia da existência de Deus e do homem, e da lei da causa e do efeito, é capaz de comprovar a existência de Deus e a infinidade de sua perfeição”.


Teologia natural – partindo da revelação natural considera que através da razão as verdades a respeito de Deus podem ser apreendidas nas coisas criadas, na natureza, no homem, no mundo. A teologia natural faz parte da dogmática católica desde 1870, com o Concílio do Vaticano I – “Constituição Dogmática sobre a Fé Católica” --, que afirmou que Deus se revelou de duas maneiras: natural e sobrenatural. Segundo o neotomismo, e aqui citamos Etienne Gilson e Jacques Maritain, “Deus certamente pode ser conhecido a partir das coisas criadas por meio da luz natural da razão humana”. Karl Barth se opôs duramente à postura católica, apresentando a teologia (religião) natural como a grande inimiga da fé verdadeira, rejeitando a “analogia do ser” como um pulo injustificável e não uma dedução da Criação para o Criador. Partindo de Kant – “a razão não pode comprovar a verdade religiosa” --, Schleiermacher e Barth são os fideístas mais expressivos do pensamento protestante nos séculos 19 e 20.


1. Cristologia

TEMOS A MENTE DE CRISTO
Textos: Jó 42:1-6 e I Coríntios 2: 6-16


O que é conhecimento?


1. A centralidade da revelação

Jesus Cristo é a centralidade da revelação.



Nós cristãos temos quatro doutrinas básicas:
* criação -- criados para pensar,
* revelação -- a natureza visualizada e as Escrituras verbalizadas ou pensando os pensamentos de Deus,
* redenção -- o Verbo se fez carne e pagou o preço, e
* juízo -- julgados por nossa obediência.


A redenção

1. Produz salvação eterna.
2. Reconstitui a imagem divina no homem. Efésios 3:14-19.
3. Exige a proclamação da boa nova.


É o momento maior da soberania de Deus.
E também a loucura da pregação porque bate de frente com a auto-suficiência humana.


2. A mente vazia
ou falta de compreensão da centralidade da redenção leva a três outras centralidades:

1. ritualismo
2. violência social
3. a experiência e a emoção


Todos seres humanos somos confrontados por desafio ético:
pensar e agir conforme o conhecimento que temos.


3. A mente cristã


1. Adoração. Deus é Senhor da natureza, Senhor das nações, Senhor que se revela através de atos concretos, Senhor que cria e mantém o universo, redime e preserva seu povo. Seu ato mais poderoso é o nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. É Deus presente, Espírito Santo.
2. A fé racional. Tem por base o caráter e as promessas de Deus. É uma confiança racional, que nasce de uma profunda reflexão e leva à constatação de que Deus é digno de crédito. Mas, de maneira nenhuma, lança fora a vontade, a afetividade, a personalidade, as ações, obras e experiências humanas enquanto componentes e realidades da fé.
3. A busca da santidade. Consiste em levar uma vida digna, que agrade a Deus. Não basta saber o que devemos ser, temos que resolver, em nossas mentes, atingir o objetivo. A batalha é ganha nas mentes.


Tudo isso solidamente soldado, amarrado pelo amor.


REVELAÇÃO, INSPIRAÇÃO E INERRÂNCIA


“O homem deve tomar a melhor e a mais incontestável das teorias humanas e usá-las como a jangada sobre a qual ele possa navegar, ainda que não sem risco, se é que ele não pode achar alguma palavra de Deus que possa conduzi-lo com mais certeza e segurança”.

Platão, Phaedo, 85b.


“Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e luz para os meus caminhos”.
Sl 119.10


“A Palavra é um leão. Deixe-a solta!”
Martin Lutero


“As Escrituras são os óculos que nos permitem focalizar as coisas, e sem as quais tudo será confuso”.
João Calvino


Revelação é o ato de desvendar, descobrir. Na teologia, é a comunicação de Deus e da sua mensagem para o homem, e inclui tanto o ato, como o conteúdo resultante. É uma ação divina, absoluta e singular.


A revelação é geral e particular.


Revelação geral é a automanifestação de Deus a todos os homens, em todos os lugares, por meio de Sua criação. Os meios da Revelação geral incluem a natureza (Sl 19.1-6; Rm 1.19-20), a providência (Mt 5.45; At 17.24-28; Rm 8.28), a preservação do universo (Cl 1.17), e personalidade humana: consciência moral (Gn 1.26; Rm 1.32-2.16) e a razão (Rm 1.20-22.25).


Revelação particular e especial é a automanifestação de Deus para certas pessoas, em tempos e lugares definidos, a fim de que tais pessoas entrem num relacionamento redentor com ele. A Palavra registrada nas Escrituras e o Logos são os dois momentos da revelação especial de Deus ao homem.


Conceitos de Revelação na história da teologia

1. É doutrina (ensino proposicional) para Agostinho, Tomás de Aquino, Lutero e Calvino.
2. É a própria História para Pannenberg e Moltmann.
3. É experiência interna para Schleiermacher, Ritschl, Theilhard de Chardin.
4. É encontro existencial para Barth e Bultmann.
5. É nova consciência para Hick, Rahner e Boff.


Atitudes e perspectivas relativas às Escrituras e à revelação


1. Racionalismo e liberalismo – O racionalismo define como critério de verdade a lógica dedutiva, em especial a matemática. Spinoza (filósofo iluminista como Descartes, Leibniz e Kant) rejeitava a natureza proposicional da revelação especial nas Escrituras e a inerrância. Foi um precursores de Hume e dos deístas ingleses que rejeitavam os milagres. Já o liberalismo procura adaptar a revelação à cultura e às formas de pensar modernas. Rejeita a autoridade das Escrituras pela “essência do cristianismo”, que na maioria das vezes podemos traduzir como um proposta ética para a sociedade. Além disso, centra sua teologia na imanência de Deus, resvalando muitas vezes, por causa dessa pressão imanentista, no panteísmo.

2. Seitas, misticismo e espiritismo – há uma outra autoridade acima da Bíblia. Pode ser uma pessoa ou livro. A experiência é a autoridade final.

3. Catolicismo romano – a tradição da instituição é a maior autoridade.

4. Neo-ortodoxia – a Palavra está nas Escrituras, mas as Escrituras não são necessariamente a Palavra. A Bíblia não deve ser confundida com a Palavra. É um documento humano e torna-se a Palavra de Deus somente à medida que o Espírito Santo dá testemunho dela.


Para a ortodoxia histórica e para o evangelicalismo conservador a Bíblia é a autoridade final no que se refere a doutrina e prática cristã. As Escrituras têm absoluta autoridade e sua inspiração é verbal, plena, confluente e verdadeira.


3. A fé enquanto conhecimento


Muita gente considera o conhecimento como algo meramente racional. Teologicamente, conhecimento é fé (Hb 11.1), assim aqueles que consideram o conhecimento como processo puramente racional, também vêem a fé como puramente racional. Excluem assim a vontade, o afeto, a personalidade, a ação humana, as obras e as experiências de sua compreensão de fé.

Tal abordagem nos levam a fazer três perguntas, que elucidarão a relação entre revelação e conhecimento.


1. Qual é a natureza da fé?
2. A fé vem antes ou depois do arrependimento?
3. A fé vem antes ou depois da regeneração?


1. Respondendo ao primeiro questionamento, consideramos que a fé depende de uma opção da pessoa e que é um estado do coração. Vejamos porque: Tomando por base alguns textos (Rm 10.9-10; 1 Jo 5.1; Jo 5. 38-40, 42, 44; 2 Ts 2.10; At 8. 37) podemos dizer que a fé (1) é um dever e, portanto, a vontade está incluída; (2) que é uma graça entregue pelo Espírito Santo (1 Co 13), e sendo graça não está limitada ao intelecto; (3) que dá glória a Deus e não se dá glória a Deus só com a razão, já que envolve toda a personalidade humana; (4) expressa-se em termos de afeto (2Ts 2.10). Ora receber inclui afeto, implica assim em engajamento de afetividades (Rm 10.9-10); (5) a falta de fé está ligada a uma disposição moral (Jo5; Jo 8.33+; Hb 3; Ef 4.17). A incredulidade é um estado do coração, não é um erro enquanto abordagem meramente racional.


2. Em relação à segunda questão, consideramos que se não houver arrependimento não há fé verdadeira. João ,o batista, pregava o batismo do arrependimento. Ver também o chamado de Jesus em Mc 1.15; Lc 24; e a experiência da igreja primitiva em At 2.37-38; 3.19; 5.31; 20 e 26.18.


3. Quanto ao terceiro questionamento consideramos que sem regeneração não há fé. Os textos que nos levam a pensar assim são 1Co 2.10-16, 1Co 12.3; a experiência de Nicodemos (Jo 3) e Rm 8.7.

Assim, a compreensão da fé ou do conhecimento da revelação com opção do coração, arrependimento e regeneração elimina idéia de que podemos conhecer exclusivamente através de processos racionais. Por isso dizemos que o processo de conhecimento da revelação está ligado à obediência, que em última instância é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana, arrependimento e regeneração de vida (veremos mais a frente o exemplo de Abraão). 


4. Símbolo e signo


A revelação não pode ser identificada apenas como expressão do Criador, nem somente com os estados que provoca nos sujeitos receptores. Cada estado de consciência subjetiva tem algo de individual e momentâneo que o torna inapreensível e incomunicável em seu conjunto, mas a revelação está destinada a servir de intermediário entre seu autor e a comunidade.


A linguagem enquanto representação da revelação no mundo sensível, sem nenhuma restrição, é acessível à percepção de todos. Mas, ainda assim, não podemos reduzir a revelação à linguagem, pois acontece que a revelação, deslocando-se no espaço e no tempo, muda de aspecto e reformata conteúdos: tais mudanças tornam-se palpáveis, por exemplo, quando comparamos os conteúdos originais de nephesh com os conteúdos transmitidos pela psiquê da cultura grega.


A linguagem traduz na maioria das vezes apenas o significante, ao qual na consciência da comunidade corresponde uma significação, dada pelo que têm de comum os estados subjetivos provocados pela linguagem nos membros da comunidade.


Além desse núcleo central, pertencente à consciência da comunidade há em todo ato de percepção da revelação elementos psíquicos subjetivos, que podem ser entendidos como fatores associativos de percepção emocional e estética. Tais elementos subjetivos podem, por sua vez, ser objetivados, mas somente na medida em que sua qualidade geral ou sua quantidade são determinadas pelo núcleo central, situado na consciência da comunidade. Assim, por exemplo, o estado de nephesh, subjetivo, que acompanha em não importa qual pessoa a percepção de uma revelação específica – como a circuncisão da comunidade liderada por Abraão – é de um gênero inteiramente diverso daqueles estados que a circuncisão em si evoca.


Quanto às diferenças qualitativas, é evidente que a quantidade de representações e emoções subjetivas é mais considerável numa revelação em construção do que naquela que já foi conscientizada coletivamente. O primeiro momento da construção da revelação deixa a cargo do homem imaginar quase toda a contextura do tema, enquanto que a revelação conscientizada pela comunidade suprime quase por completo a liberdade de suas associações subjetivas pela enunciação concisa.


É desta maneira que, indiretamente, através do núcleo pertencente à consciência da comunidade que os conteúdos subjetivos do estado psíquico do sujeito perceptor adquirem um caráter objetivamente semiológico, similar ao que têm as significações acessórias de uma palavra. Ao negarmos a relação existente entre a revelação com um estado psíquico subjetivo rejeitamos a realidade estética da revelação. Sem esses conteúdos emocional e estético a revelação pode no máximo atingir uma objetivação indireta na qualidade de significação acessória potencial. Porém, não podemos dizer que esses conteúdos emocional e estético fazem necessariamente parte da percepção da revelação, mas, sem dúvida, no processo progressivo da revelação há épocas em que esses conteúdos tendem a reforçá-la, assim com há outras épocas em que perdem força ou mesmo, aparentemente, desaparecem.


É no contexto dos fenômenos sociais que a revelação, enquanto fenômeno social distintivo, é capaz de caracterizar e representar época e história. Por isso, não podemos confundir história da revelação com história da cultura, pois a história humana acontece como subconjunto da história da revelação. É verdade que a relação entre revelação e contexto social muitas vezes nos parece mal amarrada. Quando dizemos que a revelação visa a transformação definitiva do contexto social, não afirmamos com isso que ela coincide necessariamente com ele, mas que como signo, tem sempre uma relação indireta com o contexto social, mesmo enquanto metáfora. Assim, da natureza semiológica da revelação decorre que jamais uma revelação dada deve ser explorada como documento histórico ou sociológico sem interpretação prévia de seu valor documentário ou da qualidade de sua relação com o contexto dados fenômenos sociais.


Dessa maneira, o estudo objetivo dos fenômenos da revelação deve considerar cada revelação em particular como um signo composto de símbolo sensível; de uma significação ou percepção estética e emocional depositada na consciência da comunidade; e de uma relação com a realidade significada, relação esta que visa o contexto social. O segundo desses componentes contém a estrutura propriamente dita da revelação.


Ao lado da função de signo autônomo, a revelação tem ainda a função de signo comunicativo. Assim, uma revelação dada – voltemos ao exemplo da circuncisão da comunidade dirigida por Abraão – não funciona somente como revelação, mas também como fala que exprime um estado da nephesh, pensamento, emoção, etc. A revelação tem portanto uma dupla função semiológica, autônoma e comunicativa. Por isso, vemos aparecer no movimento progressivo da revelação a antinomia dialética da função de signo autônomo e de signo comunicativo. A história da aliança (Gn 15, Gn 17, etc.) oferece exemplos expressivos dessa verdade.


5. Significado e significante


No processo da revelação podemos distinguir vários elementos que se sobrepõem e se completam. Dentre eles, o mais fascinante é a questão do significado e do significante. A revelação dá-se através de um processo de adequação histórica. Entretanto esse conhecimento não demanda unicamente a apreensão de uma determinada realidade. Faz-se necessário que esta realidade seja apreendida de uma determinada maneira, consoante a uma construção de análise e síntese.


Como premissa fundamental temos que reconhecer uma justaposição entre conhecimento intuitivo e conhecimento discursivo. O conhecimento intuitivo faz-se a partir das condição para que ele se processe, imediatamente, frente a uma determinada realidade, ao passo que o discursivo requerer passar de algo conhecido, através de uma série de juízos, à apreensão do ainda não apreendido. Ao primeiro processo chamamos sintético e ao segundo analítico.


A revelação não se dá simplesmente como processo de adequação da mente humana ao novo que lhe é apresentado. Impõe-se que o novo, inerente ao processo cognoscitivo, tenha um significado. Uma relação de significado em que o homem opera como ser significante e o novo como ser significado. Desta forma, a revelação não se processa entre realidades ahistóricas, mas em relação espacial e temporal, que exige, para que a interação homem/realidade se estabeleça, de que haja algo maior, alguma coisa além de ambos, não causal, mas essencial.


No processo da revelação, o homem se encontra em processo de construção, já que não é pleno senhor do processo. É um ser colocado no tempo e no espaço, que estabelece relação com a realidade que o cerca dentro do processo cognoscitivo enquanto dimensão humana e histórica.


Outro pressuposto é a natureza genética da linguagem, que se encontra em constante devir. Dessa maneira, significado e significante estão intimamente ligados a linguagem, enquanto revelação e construção histórica e social.


Assim, compreendemos que, dependendo da utilização de determinado objeto ou realidade, o homem o conhece de determinada forma, e no processo pode construir conceitos diferentes a partir de um objeto ou realidade anteriores. Podemos inferir ao que isso conduz. A revelação está ligada à vida do homem, já que será a própria experiência humana que agregará valor ao objeto ou realidade antes conhecidos e vividos. Dessa maneira, o velho vai gerar o novo, uma essência que transcende, uma universalidade, a partir da própria experiência de vida, que teologicamente podemos chamar de obediência ao mandamento de Deus.


Mas ainda não definimos a importância do significado e do ser significante dentro do processo da revelação. Se a revelação é histórica, é importante notar que a própria revelação age sobre a vida humana, sobre a historicidade do homem. E mais do que isso, ao definir a historicidade humana muda o próprio meio onde o homem vive e atua. Dessa forma, a revelação cria processos de formação, escalas de valores, normas e condicionamentos. E é aí que reside toda a problemática da revelação enquanto conhecimento: como o homem, a partir da revelação, pode conhecer a Deus, seu propósito e dar um sentido ao mundo que o cerca, assim como achar o seu papel dentro de todo esse complexo?



A verdade da revelação é o significado que uma determinada realidade tem para a comunidade e a pessoa. Há uma construção intuitiva, quando a experiência da revelação produz uma interação entre o homem e a divindade, sem que essa experiência necessariamente influa no processo discursivo de conhecimento. Mas mesmo neste caso o homem não abandona ou perde sua formação. Não deixa de ser aquilo que é: pessoa inserida em determinada comunidade. Mesmo quando esse processo dá-se em um nível superior, instantaneamente, sem elaboração discursiva, o homem está condicionado pela historicidade do ser cognoscente. E dentro dessa condicionante sempre se processa a interação homem/realidade. Aqui, sentimentos e afetividades, que geralmente passam desapercebidos, são realçados. Isso porque nesse momento específico determinada realidade passa a ter significado, que mesmo não sendo inerente, exige que se lhe dê um. E nesse caso o conhecimento da revelação faz do homem ser significante.



Assim a revelação dá ao mundo um significado imanente. O homem, enquanto pessoa e comunidade, através da revelação passa a estar dotado de significado, mas ao mesmo tempo este conhecimento, este significado dado, não se dá ahistoricamente, mas dentro das limitações de sua própria obediência.



Podemos, então, concluir que a partir da revelação o homem é o significante da construção da comunidade, pois através do conhecimento da revelação é ele quem historicamente pode modificar causas e efeitos, imprimindo ao processo nova direção.



Como se processa a relação entre significado e significante, quer no caso isolado da interação entre homem e realidade, quer no caso de todo o processo da revelação? Vimos que dentro do conhecimento da revelação o homem é um ser significante. Podemos, então, ver que a escala de valores do sistema ético, oferecido pela revelação à comunidade, é parte integrante do significado dado ao mundo pela própria revelação. Donde, dentro de uma interação significado/significante existem elementos dinâmicos de transformação.



O universo é o mundo do homem. Nesse sentido, aí ele constrói seu habitat. Desta forma, através do significado dado pelo homem à natureza, enquanto domínio e expansão, dentro de um significado de utilização que lhe empresta, atua sobre ela, produzindo cultura e transformação.



A revelação, enquanto relação entre significante e significado é dialética. Pois se é ela que faz da pessoa e da comunidade ser significante, permite ao homem e sua comunidade transferir ao mundo que o cerca, à cosmovisão que utiliza essa mesma significação.



Ao fazer significante a realidade que o cerca, o homem dá origem a transformações, engendra causas, e passa à construção do futuro, já não como utopia, mas como realidade. Para viabilizar tais transformações é necessário que transfira, enquanto comunidade, novos significados aos processos históricos e sociais.



Através da relação estabelecida entre significado e significante encontraremos as causas de conotações. À circuncisão, por exemplo, a partir de determinado momento, daremos a conotação de aliança. Assim a circuncisão é aliança, marca de um povo separado, mandamento de Iahveh, mas só será isso quando um ser (pessoa ou comunidade) que se torna seu significante lhe dê significado.


6. Abraão
um exemplo metodológico



Berit, aliança, tem o sentido de obrigação, mas também de segurança. É um acordo entre duas pessoas, celebrado solenemente, com o derramamento de sangue. A parte mais forte fornece a segurança, ou a salvação, e a mais fraca se obrigava a determinados compromissos. Dessa maneira, a aliança impôs um relacionamento especial entre o Deus Eterno e o povo. E os mandamentos e leis, dados mais tarde, no deserto a Moisés, transportam de uma conotação legal e externa para uma perspectiva de acordo maior, de adoração e obediência. O centro da aliança está no primeiro mandamento do decálogo (as dez palavras, em hebraico) que proíbe a adoração de outros deuses, da milícia do céu e dos ídolos.

Mas a aliança é também um pacto moral. Só que o fundamental desse pacto, que perpassa toda a Torah ou Pentateuco não é sua mera formalização, já que outros povos também possuíam noções desenvolvidas de lei e moralidade. O assassinato, o roubo, o adultério e o falso testemunho eram condenados não apenas pela lei moral universal, mas também duramente punidos pelos códigos de Ur-Nammu, de Lipit-Ishtar e de Hamurabi[11], para citar os mais representativos.

Agora, no entanto, pela primeira vez a moralidade é apresentada pelo próprio Deus Eterno como fruto de um relacionamento entre Ele e o povo, com normas para o estabelecimento de um reino de novo tipo. É uma aliança com toda a nação. A consolidação que acontece centenas de anos mais tarde, no monte Sinai é fruto da aliança abraâmica e vai além das sabedorias babilônica e egípcia.

A moralidade apresentada no Gênesis, por exemplo, que é individual, ganha aqui uma roupagem nova, passa a ser coletiva e nacional [12]. Na verdade, a aliança que o Deus Eterno faz com Abraão em Gênesis 15, historicamente, tem seu cumprimento em outras condições e em outra época, no Sinai.

Dessa maneira, a aliança feita com Abraão não somente prepara o roteiro do Pentateuco, mas faz parte intrínseca dele. É bereshit [13] não somente como saga da origem, mas como alicerce de todos os cinco livros da Lei.

A teologia de Gênesis tem por base o conceito da aliança, como descrição de um processo vivo, que tem origem em determinado momento histórico, numa relação entre o Deus Eterno e um homem historicamente definido [14]. Ao entendermos o conceito de aliança como centro unificador do livro de Gênesis e, por extensão, do Pentateuco, a leitura do texto bíblico passa a ter uma dinâmica real, que cresce conforme a aliança se transforma em osso e carne, primeiramente na vida dos patriarcas e, posteriormente, na formação da própria nação de Israel.

O livro de Gênesis apresenta a humanidade recém-formada como monoteísta [15]. Até o capítulo 11 não vemos nenhum traço de idolatria. Só após Babel surge a idolatria, que seria contemporânea ao aparecimento das nações da antigüidade.

A partir de Gênesis 12 temos nações idólatras e politeístas e pessoas que adoravam ao Deus Eterno. Entre estes estão Abraão e Melquisedeque. A compreensão desse fato é importante para tirarmos das costas de Abraão a responsabilidade de ter criado a primeira religião monoteísta. Ele não criou a religião do único e verdadeiro Deus, mas viveu uma tradição, no sentido de transmissão de conhecimento e cultura, que vinha em parte de seus antepassados.

Vejamos um pouco mais sobre a vida desse homem, conforme descrita em Gênesis 12:1 a 25:18. Ele vivia na terra formada entre os rios Tigre e Eufrates, às margens de um afluente do Eufrates, chamado Balique.

A cidade de Ur, onde vivera antes de ir para Harã, é situada pelos arqueólogos na região da moderna Tell el-Muqayyar, a catorze quilômetros de Nasiryeh, no sul do Iraque. Segundo estudos de Sir Leonard Woolley, do Museu Britânico, que reconstruiu a história de Ur desde o quarto milênio até o ano 300 a.C., o deus-lua Nanar, que era adorado em Ur, também era a principal divindade em Harã.

Décadas antes de Abraão, Ur era a mais importante cidade do mundo. Centro de produção manufatureira, agropastoril e exportador, estava situada numa região de enorme fertilidade. Daí partiam caravanas e navios em direção ao golfo Pérsico. Já na época de Abraão a cidade foi eclipsada pelo crescimento de Babilônia [16], mas manteve sua importância durante décadas.



Anos mais tarde, as águas do golfo Pérsico recuaram e o rio Eufrates mudou seu curso, correndo 16 quilômetros para leste. Ur então foi abandonada, sendo sepultada pelas tempestades de areia do deserto.



As pesquisas arqueológicas desenvolvidas pela Universidade da Pensilvânia e o Museu Britânico, numa expedição dirigida por Sir Woolley, entre 1922-1934, descobriram o Zigurate ou torre-templo, cujo modelo fora a torre de Babel. Era o edifício mais importante da época de Abraão. A torre era quadrangular, construída com sólidos tijolos, possuía terraços arborizados e no topo ficava um santuário ao deus Lua.



A cidade tinha ainda dois templos. Um ao deus Lua, Nanar, e outro à deusa Lua, Ningal. Esses dois templos eram um complexo de santuários, com pequenas salas, alojamentos de sacerdotes, sacerdotisas e atendentes. Eram essas divindades que o pai de Abraão cultuava.



Num bairro residencial de Ur foram descobertas casas, lojas, escolas e capelas, com milhares de placas, documentos de negócios, contratos, recibos, hinos, liturgias, etc. As casas eram de alvenaria, com dois pavimentos, no alinhamento das ruas, e com pátio interno.

Depois de sair de Ur, Abraão viveu com sua família em Harã, uma cidade também muito desenvolvida. Seus parentes, Terá, Naor, Pelegue e Serugue, tiveram seus nomes registrados nos documentos diplomáticos de Mari, cidade situada na região do rio Eufrates, e também em documentação dos assírios, como nomes de cidades naquelas regiões [17].

Segundo ampla documentação da época, a última parte do período patriarcal se caracterizou pelo tráfego de tribos seminômades por toda a região da Mesopotâmia e Babilônia [18]. Essas tribos tinham sua economia baseada na pecuária, ovinocultura e criação de camelos.

A necessidade básica desses grupos era água e pastagens. Assim, a escassez desses elementos determinavam o movimento de toda a comunidade. Sendo uma economia ajustada, com mútua dependência de seus membros, forte sentido coletivo de propriedade, e consciência de uma descendência comum, o grande fator de desequilíbrio, fora questões climáticas, era o aumento natural da população tribal. Esse fator levava ao fracionamento do grupo, quando este crescia em demasia, à aglutinação de parcela de uma tribo a outro grupo tribal, ou a uma postura guerreira na tentativa de apossar-se de territórios controlados por comunidades agrícolas e sedentárias.

Normalmente, quando a terceira opção acontecia, essas tribos nômades, com o tempo, acabavam sendo assimiladas pela cultura sedentária. Nesses casos, os líderes nômades e seus descendentes, geralmente, passavam a ocupar a liderança da comunidade conquistada.

Abraão, seu pai e seus irmãos, assim como seu filho Isaque e seu neto Jacó foram seminômades, já que todos conheceram também a vida sedentária. Mas, Abraão, sem dúvida, foi um homem que viveu sob tendas, acompanhando seu rebanho às nascentes de água e pastagens. Enfrentou as guerras, que caracterizaram o período e o modo de vida tribal. Essa vida dura e cheia de dificuldades fazia desses homens pessoas bastante especiais para sua época [19].

Ao sair de Harã, Abraão deixava para trás a cultura politeísta babilônica. Mas isso não significa que todos os seus parentes compartilhavam suas idéias sobre a adoração de um único e verdadeiro Deus. Em Josué 24:2 vemos que membros de sua família eram politeístas. Em Canaã, também estava rodeado de idólatras, mas mesmo assim erigiu um altar ao Deus Eterno.

Este homem Abraão era, sem dúvida, alguém peculiar. Sua fé em Deus produziu em sua vida um fruto muito especial. Era um homem que procurava a paz (13:8-9), generoso (14:21-24), hospitaleiro (18:1-8), intercessor (18:23-33), que buscava a justiça e o direito (18:19). Era um homem moral e temente a Deus.

Dessa maneira, os livros de Gênesis e Êxodo apresentam a fé israelita fundamentada em dois acontecimentos históricos. O primeiro, é a escolha de um homem chamado Abrão[20], que foi tirado da cidade de Ur e levado para Canaã, uma terra prometida a ele e sua descendência (Gn 12:1-3; 13:14-17). Essa promessa foi selada com um pacto, uma aliança entre o Deus Eterno e Abraão, conforme Gênesis 15:5-10. E o segundo acontecimento histórico é a libertação dos descendentes de Abraão da escravidão do Egito, através de Moisés, e sua entrada na terra prometida (Ex 3:6-10).

Esses dois acontecimentos expressam a materialidade da aliança, que se traduz como escolha de Deus a favor de um homem, gerador de um povo, para uma missão definida. Realidade esta que foi reafirmada, centenas de anos depois, pelo príncipe dos profetas israelitas, quando disse:



“Ouvi-me, vós, que estais à procura da justiça, vós que buscais ao Deus Eterno. Olhai para a rocha da qual fostes talhados, para a cova de que fostes extraídos. Olhai para Abraão, vosso pai, e para Sara, aquela que vos deu à luz. Ele estava só quando o chamei, mas eu o abençoei e o multipliquei”. Isaías 51:1-2.

A aliança com Abraão foi selada com sangue, conforme os versículos 9 e 10 de Gênesis 15. Segundo os costumes semitas, o berit (pacto ou aliança) era feito através da degola de animais, geralmente um bezerro, que era dividido em duas partes, colocadas uma em frente à outra, e os contratantes passavam entre os pedaços (Jr 34:18-20) e diziam: “que a divindade corte em pedaços, como a estes animais, os violadores deste pacto” [21]. Daí as expressões, “karot berit”, imolar uma vítima para concluir um pacto; “bo ba berit”, entrar na aliança (Jr 34:10); “abor ba berit”, passar pela aliança (Dt 39:2); “amod ba berit”, parar na aliança (2 Rs 23:3).

O Deus Eterno formalizou um pacto com Abraão. O próprio Deus selou o acordo com um costume humano, a fim de que a aliança pudesse ser visualizada por Abraão. E o Deus Eterno, em seu amor pelo contratante mais fraco, passa no meio dos animais partidos (Gn 15:17). E o versículo seguinte agrega:

“Naquele dia, o Eterno estabeleceu uma aliança com Abrão nestes termos: à tua posteridade darei esta terra (...)”.

A aliança fornece uma base para a compreensão do livro de Gênesis. O diálogo de Deus com Adão e Eva em Gênesis 3:15 já apontava para um Salvador. Mas é em Gênesis 15 que temos a primeira realização dessa promessa. É através da aliança com Abraão, que surgirá a descendência prometida, um povo com duas missões: ser testemunha entre as nações e ser a nação separada, da qual nasceria o Messias.

“É de suma importância entender que a aliança iniciou uma nova relação entre Deus e Israel, uma relação imposta por Iaveh, mas exclusiva e íntima em seu ideal”[22]. Embora, na tradição judaica, o livro de Êxodo seja o livro da aliança, o conceito está presente e é desenvolvido no livro de Gênesis, com o pacto realizado com Abraão.

Na aliança está embutida a idéia de salvação e de relacionamento pessoal com Deus. Esta realidade nova dentro do plano de redenção do homem, está implícita na declaração de Deus a Abraão: “Estabelecerei uma aliança entre eu e você, e a sua raça depois de você, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o seu Deus e o da tua raça depois de você” (Gn 17:7). E como todo pacto, além do “berit milah” (pacto da circuncisão), Abraão e seus descendentes são chamados à responsabilidade moral (v.1) e à uma adoração permanente (vs.7 e 19).

Elementos estes, que a partir de Moisés serão desenvolvidos, dando origem à religião de Israel, que tem por base, num primeiro momento histórico à primazia do culto e suas ordenanças e, num segundo momento, com o surgimento da profecia literária, da justiça social.

É impossível fazer uma completa separação entre aliança e reino. Este último aparece como construção que tem seu primeiro tijolo na nova relação estabelecida por Deus com os homens.

A circuncisão na época de Abraão era costume de alguns povos, que a tinham como fator de diferenciação tribal[23]. Sabemos também que os pactos eram selados com sangue e o seu rompimento significava a morte do transgressor e que esses costumes faziam parte de culturas que Abraão e seu clã conheceram. E não foi por ela que Abraão foi bem-aventurado (Rm 4:9-12). Da mesma forma, valores morais como adoração (“edificar um altar” Gn 12:8), obediência (“foi habitar nos carvalhais de Manre”, Gn 13:17-18), entrega de bens e posses (“e de tudo lhe deu o dízimo”, Gn 14:20), fidelidade (“ele creu no Senhor”, Gn 15:6), e consciência da onipotência divina (“não fará justiça o juiz de toda a terra?”, Gn 18:25) eram uma realidade na vida dos patriarcas que antecederam a Abraão.

Mas há um bereshit, um fiat, um momento especial que faz a diferença na vida deste homem de Deus: é a revelação. A partir da promessa de Gênesis 3:15 temos uma revelação. A aliança surge como revelação, como ruptura que dá vida a antigos costumes e valores, colocando em movimento um processo histórico que vai-se construir enquanto estrutura (povo escolhido, terra prometida) e dar novo salto com a formalização maior realizada no Sinai. Assim, a base da aliança serão revelação e fé (Rm 4:13-15).

No Antigo Testamento, a aliança entre Deus e Israel fundamentou toda a relação de Deus com seu povo. O significado da aliança é que Israel pertenceu a Deus e Deus pertenceu a Israel. A relação, às vezes, é descrita como a de pai e filho, ou como de marido e esposa. É por isso que o Antigo Testamento diz que Deus é ciumento (Êx 20:5; 34:14; Dt 4:24; Is 54:5; 62:5; Os 2:19) [24].

Dessa maneira, através de Abraão, a aliança é em primeiro lugar pessoal, abrangendo cada vez um espectro maior: tribal, nacional, universal. Mas, quer no primeiro caso, pessoal, quer historicamente, como redenção, ela é sempre estrutural.

Mas, se aliança é eleição, escolha, implica em preferência por alguém, escolher por prazer ou por amor. Essa conceituação entre aliança e amor é muito claramente enunciada em 1Rs 11:13, quando Deus afirma que escolheu Jerusalém por amor. Assim, aliança e amor não podem ser separados, embora não sejam a mesma coisa. A aliança é o selo, o pacto. O amor, o motivo que leva à aliança. No livro de Gênesis vemos o amor de Deus na criação, na conversa com Adão e Eva e na promessa de um Salvador. Mas é na aliança que o amor pelo homem caído torna-se material e compreensível. A saga dos patriarcas descendentes de Abraão, que se torna um pai de muitos povos, mostra o caminho da concretização dessa aliança. Eis o tema central de Gênesis e de todo o Pentateuco: Deus ama e casa-se com um povo, criado por ele, e comissionado por ele[25]. O resto da história, nós conhecemos. E por amor estamos dentro da aliança abraâmica (Rm 4:11-25).


7. Inspiração


Inspiração é a capacitação de Deus para que homens escolhidos por Ele registrassem Sua revelação.

Capacitação supervisionada – Pv 30.5,6; Mt 15.4; At 28.25; Hb 3.7.
Autores humanos registraram – Lc 1.1-4; 1Co 7.25,26; 2Tm 4.9-13.
O texto está sob inspiração – Ex 17.14; Jr. 30.2; Mt 24.35; Ap 22.6,7, 18, 19.
Abrangência: 2 Tm 3.16 – “toda Escritura”.
Fonte e processo: 2 Tm 3.16 – “inspirada por Deus”. Qeovpneusto, teópneustos, “soprado para dentro”. 2Pe 1.19-21 – “nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo”. O conteúdo das Escrituras não é invenção humana. Ferovmenoi, movidos, levantados, elevados, impelidos, empurrados (por um vento santo).
Cristo disse: Jo 14.26; 16,13.
Escritura no NT: 1Tm5.18
Testemunho dos apóstolos: 1Co 14.37; 1Ts 4.2; 2Pe 3.2; Ap 22.6-10, 18-20.


O capítulo 7 de 1Coríntios, nos versículos 6, 10, 12, 25 e 40 aparentemente apresentam opiniões pessoais de Paulo. Isso é possível? Ou, ao contrário, confirmam a realidade de que estamos diante de textos que são inspirados, mas não psicografados.


8. FIÉIS E VERDADEIRAS


As Escrituras são fiéis e verdadeiras.

“A Bíblia, assim como Martinho Lutero nos ensinou muitos anos atrás, é o berço pelo qual Cristo vem a nós. Se tirássemos o bebê do berço e o colocássemos na rua, ele morreria. E se o berço fosse instável e fraco, ele prejudicaria a segurança do bebê. Da mesma maneira, a doutrina da inerrância é a salvaguarda de uma fé cristã saudável e completa”. K. Kantzer, For once we knew when to quit, Christianity Today, (11/1987), p. 11.


A importância da doutrina que apresenta as Escrituras como fiéis e verdadeiras pertence ao passado da história cristã, pois sempre foi pressuposição dos pais e teólogos da igreja na antigüidade de que elas mantinham fidelidade textual em relação à revelação histórica da fé.


Agostinho (354-430) “As conseqüências mais calamitosas devem seguir o acreditar que qualquer coisa falsa é achada nos livros sagrados – isto quer dizer, que os homens através de quem a Escritura foi dada em forma escrita colocaram nestes livros qualquer coisa falsa. Se, uma vez, tu permites nesse templo alto da autoridade uma declaração falsa, nenhuma sentença será deixada nesses livros”. (Epistulae, ep.28).

Anselmo (1033-1109) – “Além disso, este próprio Deus-homem [Cristo] estabeleceu o Novo Testamento e confirmou o Velho [Testamento]. Por isso, assim como é necessário afirmar que Ele mesmo era verdadeiro, também ninguém pode negar a verdade de qualquer coisa incluída nestes Testamentos”. Anselmo, Cur Deus Homo, bk2, ch22).

Tomás de Aquino (1224-74) – “As Sagradas Escrituras, porém, devem manifestar a verdade de modo eficaz, sem erro de qualquer espécie”. (Suma Teológica, 1.1.10 ad. 1). “Nada falso pode estar sob o sentido literal da Escritura”. (Ibid, 1.1.10 ad 3).

Martinho Lutero (1483-1546) – “Tenho aprendido a dar esta honra, isto é, infabilidade, somente aos livros que são chamados de Cânon, a fim de que eu creia com confiança que nenhum dos seus autores errou”. (em M. Reu, Luther and the Scriptures, p. 24).

John Wesley (1703-91) – “Pois, se houvesse qualquer erro na Bíblia, poderia haver mil. Se houver um engano nesse livro, ele não veio do Deus da Verdade”. (Journal, VI:117).

Vaticano I (1869-70) – “Devemos dizer desta revelação divina [a Bíblia] que estas verdades... não têm qualquer mistura de erro”. (Dogmatic decress of the Vatican Council, p. 137).

Acordo de evangélicos e católicos romanos (1986) – “Todos nós concordamos que o que os autores humanos escreveram é o que Deus queria que fosse revelado, portanto, a Escritura existe sem erro”. (A Near Miracle, Time, 127:5, [fev.6, 1986]:42).


A evidência de veracidade e fidelidade

1. A natureza de Deus: Jo 17.3; Tg 1.17; Rm 3.4
2. O testemunho do texto: Mt 5.17,18 (cf. 24.25).
3. O testemunho do uso do texto: Mt 22.29-32 (Ex 3.36).


Não temos nenhum manuscrito original das Escrituras, mas, o que importa é o códice. Uma cópia perfeita tem o mesmo valor do original. A Bíblia fala de e usa cópias anteriores (Dt 10.2,4; 17.18; Jr 36.8; etc.). Os autores do NT não tinham os originais do AT, mas o próprio Jesus destacou a validade do códice do AT (Jo 10.35).


Atualmente, há mais de 5.000 manuscritos do NT, com 350 códices (Sinaiticus, Vaticanus, Alexandrinus), e 2.000 lecionários com mais de 86 mil citações bíblicas. O códice original não está perdido, está dentro dos manuscritos que temos.


Com respeito à fidelidade das Bíblias atuais, elas têm algumas palavras discutíveis com respeito ao autógrafo original. Mas ainda estas Bíblias de hoje são a verdadeira palavra de Deus, inspirada e inerrante na medida em que reflete a obra original de Deus.


Atenção às dificuldades. Vejamos algumas:

1. Nem sempre as citações são exatas, às vezes são paráfrases.
2. Nem tudo que está escrito na Bíblia é aprovado pela Bíblia.
3. Um relatório parcial não é necessariamente um relatório falso.
4. Relatórios diferentes não são necessariamente contraditórios.
5. Palavras diferentes podem ter um significado igual e vice-versa.
6. Muitas vezes, a linguagem bíblica é fenomenológica (aparente).
7. Descrições inexatas não são necessariamente falsas.
8. Alguns problemas podem ser erros de copistas.
9. As dificuldades que ainda não têm explicações não necessariamente ficarão sem explicações no futuro.



Um resumo em três versículos: Jo 17.3; 2Tm 3.16; Jo 17.17.


Conclusão


Se a revelação é uma conversa entre Deus e o homem, é a partir desse diálogo que temos os elementos fundamentais para conhecer o ser-do-homem. Nesse sentido, por mais decaído que esteja o homem, ainda lhe resta a liberdade de consciência necessária para aceitar ou não esse diálogo proposto pelo Criador.


O pressuposto fundamental dessa reflexão é a imago Dei, que traduz a verdade de que a compreensão de Deus leva à compreensão do homem e sua razão de existir. Não se trata de conhecer o homem para conhecer a Deus, porque o homem não é Deus, mas o contrário. Nesse sentido, a antropologia enquanto instrumento hermenêutico parte da revelação. Não utilizamos o conceito tomista de analogia em seus dois sentidos, como se fosse possível ao homem conhecer a Deus a partir de si próprio, mas acreditamos que as necessidades e anseios do espírito humano apontam para aquilo que ele perdeu.


Bibliografia recomendada

1. Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática, SP, EVN, 1997, pp. 41-95.
2. Paul R. Sponheim, O conhecimento de Deus, in Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, Dogmática Cristã, SL, Sinodal, 1987, pp. 207-272.
3. Paul Tillich, Teologia Sistemática, SP, Paulinas, 1984, pp. 67-137.
4. J. Scott Horrell, Teologia Sistemática, SP, FTBSP, 1990 [op. cit. pp. 4-10].



Terceiro debate: 
O PROBLEMA DO MAL


A. O que é o mal?

Malu (latim), o que é nocivo, prejudicial, que fere, estado mórbido, doença, angústia, sofrimento, desgraça.


1. Mal moral = contrário ao caráter de Deus, produzido por agentes morais.
2. Mal natural = conseqüência dos desequilíbrios da natureza: furacões, terremotos, epidemias.
3. Combinação dos dois: poluição do ar (Cubatão) e deformidades congênitas; imoralidade e AIDS.


B. As cosmovisões e a questão do mal.


1. Deus não existe = o mal não existe. F. Nietzsche, J.P. Sartre, teatro do absurdo.


2. Deus não existe = o mal existe. Posição clássica dos vários ateísmos: humanista, positivista, marxista, existencialista. Relativizam o mal, já que é uma visão antropocêntrica. Ex. O mal para os palestinos não é o mesmo mal para os colonos judeus.


3. Deus existe = o mal não existe. Panteísmo monista (hinduísmo, budismo). Tudo é Deus, então nada é mal. As coisas parecem más. É ilusão.


4. Deus existe = o mal também existe. Para as correntes dualistas, existem duas forças opostas em equilíbrio, o bem e o mal. Para as correntes teístas finitistas (que negam um ou mais dos atributos de Deus - onipotência, amor, etc), Deus pode ser bom, mas não onipotente. Ex. Judaísmo contemporâneo, mormonismo. O problema é que apresenta um Deus que é menos do que Deus. Não controla o universo (Ef.1:11). Ou, Deus pode ser onipotente, mas não é muito bom. Ex. Deísmo de J.S. Mill e R. Roth. O problema é que esse Deus se contradiz. Ele não é Santíssimo. (Tg.1:17). E ainda, Deus criou um universo imperfeito, como lugar de provação e aperfeiçoamento. Irineu e J. Hick. O problema é que então o conceito de salvação do homem do pecado deixa de ter significado, pois Deus é o responsável pela condição do mundo. (Gn.1:31).


C. Deus não é o autor do mal. Hc.1:13; Tg.1:13; I Jo.1:5; Is. 6:3; At.17:31; II Tm.2:13 ; Tratamento.1:2; Ap.4:8.


1. A criação original era perfeita. Gn. 1:31; Tg.1:17; I Tm.4:4; Ez. 28:12-16. Deus criou seres livres e que, exatamente por isso, tinham opção de escolha. A impossibilidade de escolha do mal implicaria na remoção do livre arbítrio.


2. O mal tem origem no exercício do livre arbítrio pelos seres pessoais, Lúcifer (Ez.28:12-17; Is.14:12-15; Jo.8:44; Ap.12:9; Mt.13:19; Ef.6:16, IJo.2:13s; 3:12; 5:18) e Adão (Gn.3:1-20; Rm.5:12-19). A liberdade de escolha era e é boa, pois reflete a própria imagem de Deus. Tecnicamente, Deus é responsável pela possibilidade de degradação de algo bom, o livre arbítrio, mas não pela execução do pecado.


3. O mal moral e o mal natural são fruto do distanciamento, ou seja, da alienação. O homem está alienado, separado, em estado de pecado em relação a Deus, a si mesmo, aos outros homens e em relação à natureza, e esta consigo mesma.


[Imperativos: Soberania de Deus: I Cr.29:11-14; Sl.139:1-16; Is.45:1-13; 63:16-17; Ef.1:11; Jo.6:44; Rm.9:11-24 e Livre Arbítrio: II Pe.2:1 (redenção); I Jo.2:2 (propiciação); II Co. 5:19 (reconciliação); Is. 53:6; Jo.1:29; 3:16-18; 4:42; I Tm. 4:10; II Pe.3:9. Os dois imperativos formam uma totalidade, eleição e oferta aberta e válida para todos. A cruz é a base da salvação dos crentes e da condenação dos incrédulos (Jo.3:18,36).]


Bibliografia:
Horrel, J. Scott, O Problema do Mal, Seminário sobre a Teodicéia Bíblica, São Paulo, FTBSP.
Horrel, J. Scott, Teologia Sistemática, São Paulo, Faculdade Teológica Batista de São Paulo, pág. 37-44.
Morris, León, A Doutrina do Julgamento na Bíblia, in Imortalidade, Shedd e Pieratt, SP, EVN, 1992, p.17-64.
Sproul, R.C., Razão para Crer, SP, Mundo Cristão, pp. 84-103.
Tasker, R.V.G., A Ira de Deus, in Imortalidade, Shedd, R. e Pieratt, A., São Paulo, EVN, 1992, p.65-102.



HABACUQUE
O DESAFIO DA FÉ E O PROBLEMA DO MAL

QWQBj

Habaquq, n m (Hc 1:1), do verbo qbj (habaq, abraçar, cruzar, nome de uma planta de jardim).


Depois dos reinados de Manassés e Amon, que foram anos de idolatria e dificuldades para Judá, subiu ao trono o rei Josias (640-609 a.C.), que fez uma grande reforma religiosa no país. Infelizmente, essa reforma foi interrompida com a morte de Josias. Joacaz sucedeu Josias, mas só governou três meses. Foi deposto pelo faraó do Egito, que colocou em seu lugar o rei Jeoaquim, que reinou de 609 a 597 a.C..


Era uma época de grande instabilidade política. O império assírio estava em decadência, o egípcios dominavam parte da Palestina e a Babilônia começava a surgir com grande força no cenário internacional.


O reino de Judá procurava se equilibrar nessa situação de instabilidade. Ora buscava apoio do Egito, ora da Assíria. O problema, para os governantes judeus, era saber em quem se apoiar para manter a estabilidade e segurança de Judá.


Mas, internamente, Judá estava profundamente dividido. Jeoaquim era um rei vassalo do Egito. Um pau-mandado. Vários partidos políticos dentro de Judá discordavam dessa dependência ao Egito, e queriam recorrer à Assíria. Jeoaquim cobrava pesados impostos do povo, em parte para pagar os tributos ao Egito, em parte para sustentar o luxo da corte reinante.


É nesse tempo que surge Habacuque, denunciando a situação interna e externa do reino de Judá.


Quem era Habacuque?


Pela oração do capítulo 3, e pelo v. 19, acredita-se que fosse da tribo de Levi e um dos cantores do templo. Foi profeta de Judá e contemporâneo de Jeremias, possivelmente seu conhecido.


Jeremias profetizou cerca de 40 anos, sofrendo violenta oposição, espancamentos e prisão. Seu ministério vai de 627 a 586 a.C., quando é raptado e levado para o Egito, onde morre.


Outros dois profetas da época foram Naum e Sofonias. Naum profetizou contra os assírios, possivelmente entre os anos 663 e 612 a.C.. Não era de Jerusalém, nasceu em Elcos, e possivelmente vivia em Cafarnaum. Sofonias, que profetizou por volta do ano 625 a.C., ajudou o rei Josias a liderar a renovação da aliança com Deus (2Rs 34:3).


Pregou sobre o julgamento que Deus mandaria sobre Judá.


A preocupação de Habacuque é a do homem de hoje: por que existe o mal? A resposta de Deus serve tanto para Habacuque como para cada um de nós: por caminhos paradoxais, o Deus onipotente, bom e justo prepara a vitória final do justiça, por isso aquele que está justificado viverá por sua fidelidade (2:4).


Em que época viveu?


É quase certo que o ministério de Habacuque se dá entre os anos 607 e 597 a.C. Nessa época reinava Jeoaquim, em Judá. Jeoaquim foi um rei títere, colocado no poder pela pressão do Egito. Sobre ele, nos diz Jeremias: “mas você não tem olhos e coração, a não ser para a ganância, para derramar o sangue inocente e para praticar a violência e a opressão” (Jr 22:17). Ler Jr 22: 13-19 e 2Rs 23:34 a 24:5.


Qual era a situação do mundo?


Vejamos uma breve cronologia do que estava acontecendo no mundo:

625 - Os caldeus rebelam-se contra o poder dos assírios.

612 - Nínive, a capital da Assíria, é invadida e saqueada pelos caldeus (ou babilônicos).

609 - O rei Josias (2Rs 23:29-30) é morto em combate em Megido, quando guerreava contra o faraó Neco, do Egito.

609 - Jeoacaz reina por três meses em Judá, é derrubado pelo faraó Neco, e é levado acorrentado para o Egito.

609 - O faraó Neco troca o nome de Eliaquim, filho de Josias, para Jeoaquim e o coloca como rei de Judá. Ele vai reinar até 597 a.C..

607 - Os caldeus destróem a cidade de Nínive.

605 - Nabucodonosor derrota as forças egípcias em Carquemis (Jr 46:2), invade a Palestina e leva reféns judeus para a Babilônia. Entre os prisioneiros está um jovem nobre judeu, chamado Daniel (2Rs 24:1). O rei Jeoaquim passa então a ser vassalo de Nabucodonosor.

601 - Jeoaquim alia-se novamente com o Egito. Jeremias adverte que isso é loucura (Jr 22:13-30) e chama ao arrependimento da nação. É considerado traidor e perseguido (Jr 20:1-18).

597 - Morre Jeoaquim. Nabucodonosor cerca Jerusalém e deporta seu filho, Joaquim (que tem praticamente o mesmo nome do pai), e o substitui por Zedequias (2Rs 24:17);

586 - Zedequias entra em negociações com o Egito (2Rs 25:1-7). Jeremias alerta Zedequias do que isso significa (Jr 21:1-14). Nabucodonosor em represália cerca Jerusalém, invade a cidade, faz uma carnificina e incendeia o templo. Coloca Gedalias como governador de Judá (2Rs 25:22-26). Grupos políticos pró-Egito assassinam Gedalias, raptam Jeremias e fogem para o Egito.


Como estudar esse período histórico na Bíblia?

Ler: 2Rs 22:1-25:26. 2Cr 34:1-36:21. Jr 7:1-20:18 e 21:1-25:13. Hc 1:5-17 e 2:5-20.


O livro de Habacuque
Primeira parte: entendendo a realidade

Capítulo 1:1-4.


1. Opressão e violência.


O estilo do livro é o de um salmo de lamento. Habacuque não rodeia a situação, vai direto ao problema: “por que me fazer ver o crime e contemplar a injustiça? Opressão e violência estão à minha frente”(1:3). Dessa forma, o profeta define a situação como de opressão, violência, crime e injustiça dentro de seu próprio país.


2. Não há a quem recorrer.


As leis e as instituições não são respeitadas: “surgem processos e levantam-se rixas... A lei perde a força e o direito nunca aparece...e a justiça é distorcida” (1:3-4).


3. O ímpio cerca o justo.


Habacuque vê um povo oprimido, e sem condições de se defender e reclamar os seus direitos. O profeta toma consciência da realidade, pois Deus lhe mostra o que está acontecendo. Por isso, Habacuque pergunta quando os ímpios serão castigados? “Até quando, Iaveh” (1:2).


Capítulo 1:5-11


1. Olhai os povos.


Iaveh ordena que o profeta olhe ao redor, veja a situação internacional. Não basta olhar para dentro do país, é importante entender o que está acontecendo no mundo. “Olhai entre os povos e contemplai, espantai-vos, admirai-vos” (1:5).


2. Uma nação sanguinária.


E Deus informa que é o Deus da história. Ele realizará uma obra inacreditável. “Farei com que se levantem os caldeus, povo cruel e impetuoso que percorre a terra inteira, tomando posse das casas que nunca foram deles. Ele é terrível e temível, com sua sentença impõe seu direito e vontade” (1:6-7).


3. Seu deus é o poder.


O ponto mais alto da descrição desse povo está no versículo 11, quando diz que “sua força é o seu deus”. Ou seja, essa nação porque é uma potência militar cultua a sua própria força, considera-se divina.


Capítulo 1:12-17


Um profeta boquiaberto.


Habacuque não entende. Como um Deus justo e bom levanta uma nação sanguinária e ímpia para fazer justiça sobre o povo escolhido? “Teus olhos são puros demais para ver o mal, tu não podes contemplar a injustiça. Então por que ficas olhando os traidores e te calas quando um ímpio devora alguém mais justo do que ele?” (1: 13). O profeta levita inova em matéria de profecia. Tem a ousadia de pedir contas a Deus por seu governo sobre o mundo. Por que faz que o mau seja punido por alguém pior do que ele? Por que Deus parece colaborar com o triunfo da injustiça e da violência?


Capítulo 2:1-4


1. O profeta espera.


Diante do beco sem saída da situação nacional e internacional, Habacuque espera um resposta de Deus. “Vou ficar de pé no meu posto (...) E esperar para ver o que ele me dirá e como responderá ao meu questionamento”(2:1).


2. E Deus responde.


De forma clara, aberta e pública. É uma resposta que une vida e história. “Escreve esta visão, grava com clareza em tabuínhas, para que se possa ler facilmente. É uma visão sobre um tempo determinado, está para se realizar e não vai decepcionar. Se demorar, espere-a, pois certamente ela virá e não falhará”(2:2-3). A resposta de Deus é para ser vista, pode ser descrita e, acima de tudo, é acessível a todo mundo.


3. Julgamento e salvação.


A resposta de Deus (2:4) começa com um julgamento, “quem é incorreto (que não tem o coração reto) vai morrer”. Na primeira parte condena o injusto, tanto nacional como internacional, que acreditava poder dirigir os rumos da história segundo seus caprichos e interesses, determinar o que era certo ou errado, dando às costas para a vontade de Deus.


Depois, na segunda parte afirma que “quem é justo viverá por sua fidelidade”. A primeira pergunta devemos fazer é: quem é justo? Para nós cristãos, justo é todo aquele que foi justificado pelo sacrifício de Cristo na cruz e leva esse conhecimento em conta em todas as coisas de sua vida. O justo sabe que conhecer a Deus é uma tarefa que exige empenho. É um compromisso que afeta todas as áreas da vida. Vamos criar um provérbio: justo é aquele que ajusta sua vida de acordo com o projeto de Deus.

O projeto de Deus não é uma coisa misteriosa ou secreta. Revela-se na igreja, enquanto comunidade de salvos e regenerados em Cristo, e na vida de cada cristão. Será um anseio de espaços de vida e liberdade em Cristo.

Assim, o justo viverá por sua fidelidade (em hebraico hnwma, /ma, emun, emuná, que pode ser traduzido por firmeza, constância, lealdade, honestidade, segurança, cargo, função), ou como aparece em grego na Septuaginta e utilizado pelo apóstolo Paulo (Rm 1:17; Gl 3:11) e pelo escritor de Hebreus (Hb 10:38) por sua “fé” (pisteuvw, que pode ser traduzido por ter confiança, confiar, crer). Tanto no hebraico, como no grego, as expressões transmitem a idéia de compromisso e obediência. Viver por sua fidelidade é, em última instância, um comprometimento com o projeto de Deus, que se traduz numa relação de vida e liberdade com o próximo.


Segunda parte: punindo a injustiça
Capítulo 2:5-20

O que é o mal?


É tudo aquilo que é nocivo, que prejudica, fere, que se opõe ao bem, é um estado mórbido, a doença, enfermidade, epidemia, calamidade, angústia, tormento, sofrimento, desgraça e infelicidade.


Existem dois tipos de mal: o mal moral (que é contrário ao caráter de Deus e é feito por agentes morais) e o mal natural (que acontece por anormalidades da natureza, terremotos, doenças, ataque de animais). Às vezes, os dois andam juntos. Exemplo: imoralidade e AIDS.


Deus não é o autor do mal. Ele é tão justo e bom, quanto onipotente: Hc 1:13; Tg 1:13; 1Jo 1:5. A possibilidade do mal tem origem no exercício do livre arbítrio. Quando Deus cria seres pessoais o mal passa a ser uma probabilidade (Is 45:7). Antes de existir, o mal é sempre uma possibilidade, porque é uma escolha, que começa com a opção de não se fazer aquilo que Deus quer. Ez 28:12-17; Jo 8:44; Ap 12:9; Gn 3:1-20; Rm 5:12-19. A soberba e a ganância estavam presentes na origem do mal, tanto em Lúcifer, como em Eva e Adão (1Jo 2:16). “Sua boca se escancara como o sepulcro e como a morte não se farta” Hb 2:5. A soberba e a ganância levam Habacuque a proferir cinco maldições.


1. O ai da retribuição (6-8).

O saque, o roubo e a extorsão geram violência. Cedo ou tarde o agressor será agredido.


2. O ai da altivez (9-11).

Graças ao saque, ao roubo e à extorsão, o injusto enriquece e constrói para si um mundo que lhe parece seguro. Mas a própria riqueza injustamente acumulada clamará contra eles.


3. O ai do poder (12-14).

Uma civilização construída com sangue e crime e longe da vontade de Deus está destinada ao fogo.

4) O ai da desumanidade (15-17).

A imoralidade, os vícios e a violência serão retribuídos com a mesma moeda.


5. O ai da idolatria (17-20).

Idolatria é tudo que o homem coloca no lugar de Deus e, por isso, gera loucura, destruição e morte. Mas Deus reina acima da insensatez do ímpio.

Assim, diante da opção pela desobediência, que se traduz em soberba, ganância, idolatria, violência e destruição, o homem justificado em Cristo escolhe a vontade de Deus e à essa vontade é leal, fiel e obediente.


Terceira parte: celebrando a vitória

Capítulo 3:1-19


1. Em busca da ação de Deus (3:1-2).

O capítulo três, que é um hino, abre-se com uma súplica. O profeta pede que Deus dê vida nova a sua obra e que no momento da ira lembre-se de ter compaixão. Deus é justo: em seu julgamento retribui a injustiça com sua ira e derrama sua compaixão sobre aqueles que não são responsáveis pela injustiça, mas ao contrário são suas vítimas. Mas estamos diante de um Deus misericordioso, que diz: “Eu não sinto prazer com a morte de ninguém... Convertam-se e terão a vida” (Ez 18:32).


2. A memória do Êxodo (3:3-7).

A região de Temã e o monte Parã ficam no sudeste de Canaã, por onde passou Moisés e o povo hebreu quando saíram do Egito. O profeta lembra aquele momento glorioso, em que Deus saiu a frente de seu povo, para libertado da opressão do faraó.


3. A transformação de toda a terra (3:8-15).

Numa linguagem poética, cheia de lindas imagens fortes, que os teólogos chamam de teofania (até a natureza participa da nova realidade construída por Deus), Habacuque mostra que Deus é o senhor de toda a terra e que vem com todo o seu poder em defesa de seu povo.


Conclusão: a esperança confiante (3:16-19).

Nesse final, toda a mensagem do livro é reafirmada. Habacuque diz que em silêncio vai esperar o dia da angústia que virá contra o povo que os ataca. E faz uma das mais lindas profissões de fé de toda a escritura:


“Ainda que a figueira não brote e não haja fruto na parreira. Ainda que a oliveira negue seu fruto e o campo não produza colheita, ainda que as ovelhas desapareçam do curral e não haja gado nos estábulos, eu me alegrarei em Iaveh e exultarei em Deus, meu salvador. Meu senhor Iaveh é minha força, ele me dá pés de gazela e me faz caminhar pelas alturas”.


Mesmo quando a realidade é contrária e não há qualquer possibilidade de mudança, o justo vive na certeza da ação de Deus.


Habacuque e o problema do mal

Conforme questionário desenvolvido por J. Scott Horrell, ThD.



Introdução

A. Na sua opinião, porque há tanta injustiça e maldade no mundo?
B. Por que um Deus santo e onipotente deixa que haja violência e corrupção na terra?
C. Após estudar o livro de Habacuque leia Rm 1; Cl 13:1-5; Jo 9:1-3; 11:3-4; At 28:2-5 e o livro de Jó.



A glória de Deus em juízo e ira

1. Qual é o primeiro dilema moral (1:2-4)
2. Você acha que Habacuque estava duvidando do caráter de Deus? Por que?
3. Por que a injustiça em Israel é tão importante aos olhos do profeta?
4. Deus disse que o juízo viria pelos caldeus. Quais as características dos caldeus?
5. Os caldeus são responsáveis por suas atrocidades? Dê a evidência.
6. Qual é o segundo dilema moral? 1:12 a 2:1.
7. Qual é a atitude a Habacuque agora?
8. Em 2:20 temos a segunda resposta de Deus. Sou justo! Faça uma lista dos pecados pelos quais Deus julgará:

A. 2:4-5
B. 2:6-8
C. 2:9-11
D. 2:12-14
E. 2:15-17
F. 2:18-20

9. O que o profeta quer dizer em 2:4?
10. A poesia de 3:1-19 tem alto impacto. Responda: 

A. Qual o pedido específico de 3:2?
B. Quais os atributos do Senhor em 3:3-15?
C. Sabendo do dia da angústia, como responde o profeta? 3:16-19. E por que?

D. Você acredita que o Senhor controla qualquer dificuldade que possa acontecer na sua vida? Isto significa que devemos ficar passivos?


Agora, pensando em Habacuque: qual é a resposta para o problema do mal no mundo?


Quarto debate: A CRIAÇÃO E GÊNESIS UM


A. Uma grande parte da ciência neste século apresenta-se como materialista. É bom lembrar que cientistas como Galileu, Francis Bacon, Isaac Newton, B. Pascal, M. Faraday e muitos outros não negam as verdades bíblicas. Albert Einstein, por exemplo, afirmou: “Deus nunca joga dados com o Universo”. Ao negar o ação criadora de um Deus infinito e pessoal, o materialismo retira a base para qualquer significado no universo. O homem e todos os particulares passam a ser nada.


B. A questão do yom em Gênese 1:1-2:3. Não temos todas as respostas. Sua raiz aparece 2.355 vezes no texto massorético. Pode exprimir um instante de tempo (Gn.3:5); um período de luz (Gn. 1:14,16,18); um período de 24 horas, uma época, um período geral e indefinido (Gn. 2:4/ sete dias; 4:3/ ao cabo de dias; 29:14/ um mês inteiro; 41:1/ ano; Amós 5:18/ o dia de Iaveh. Não temos um conceito único para yom.


C. Leia e comente os textos abaixo.



EINSTEIN E OS CAMINHOS DA CRIAÇÃO

A COSMOGONIA JUDAICA E O CONCEITO ESPAÇO-TEMPO EM GÊNESIS UM
Por Jorge Pinheiro


Aos olhos de Hitler e de seus fiéis, conforme descreve Raphaël Draï [La Pensée Juive et L’Interrogation Divine, Exégèse et Épistémologie (Paris: Presses Universitaires de France, 1966) 1], existia um perigoso pensamento judaico, caracterizado por sua essência maléfica, inspiradora da física de Einstein, da literatura de Kafka, da música de Schoenberg e da psicanálise de Freud. Deixando de lado os delírios hitlerianos, podemos dizer que há um criativo e fecundo pensamento judaico, que através dos séculos soube combinar Torah e conhecimento, ética e epistemologia. Nosso propósito é, numa primeira aproximação, mostrar que os estudos judaicos dos conteúdos de Gênesis Um produziram uma epistemologia que interliga o conceito espaço/tempo em Gênesis Um com a teoria da relatividade. Essa dialética tem especial importância para a teologia cristã, já que a partir dela podemos entender melhor a realidade de Gênesis Um.


No começar Deus criando o fogoágua e a terra.
E a terra era lodo torvo e a treva sobre o rosto do abismo
E o sopro-Deus revoa sobre o rosto da água.

[Tradução de Augusto de Campos in Bere’shith, A Cena da Origem, SP, Perspectiva, 1988, p. 45].


O desafio maior para quem analisa significações é o próprio exercício da leitura. O desejo de conservar a linguagem pode levar a uma solução oposta àquela se pretende. Considerar o simbólico como abstrato e irrelevante é, em última instância, separar signo e objeto. Assim quando um texto passa a ser apenas e somente um conjunto fechado costumamos dizer que compreendemos o referido texto. Mas ao fazer isso, na verdade, eliminamos a possibilidade de restaurar sua intenção original e de ultrapassar a letra para captar o sentido primeiro de seu autor. Logicamente, esse midrash tem como ponto de partida, e exige como garantia, a compreensão do primeiro discurso.


Em novembro de 1942, o poeta e crítico Ezra Pound afirmava que “o mistério profundo da vida é descobrir porque os outros não compreendem aquilo que se escreve e diz. A coisa parece simples e clara ao escritor, mas outros o tomam em sentido diferente. E se gastam anos para saber porque e como” [Ezra Pound, Lettere 1907-1958, Milão, Feltrinelli Editore, 1980, p. 7]. Logicamente, como autor e crítico, Pound falava de hermenêutica em seu sentido laico, que não implica na inesgotabilidade do texto sagrado. Produto não inspirado, esse texto, fruto da inteligência e arte de um homem, pode ser percorrido por outro homem em sua totalidade, arrancando do discurso poético os elementos lógicos que lhe deram constituição, interpretando-o com tal maestria e clareza quanto poderia fazê-lo seu próprio autor. Mas mesmo assim, como alerta Pound, isso pode transformar-se em tarefa de anos.


Interpretar o texto bíblico, decifrá-lo, arrancar dele significações é um desafio que não se resume a um homem ou a um curto período de anos. É nosso pressuposto que Gênesis Um enquanto palavra/ordem do Deus criador apresenta mais conteúdos do que é perceptível na leitura de toda uma geração. Aqui há uma dialeticidade que permanecerá no equilíbrio de seus contrários, sem solução ou síntese enquanto houver história: a revelação do que é perfeito dá-se através de um instrumento imperfeito, a linguagem humana. Nossa necessidade histórica de interpretar nasce daí, dessa inadequação entre significante e significado. “A tarefa do intérprete consiste, pois, na explicitação da mensagem divina, através do raciocínio bem dirigido. As conclusões a que se chega nada acrescentam ao significado do texto, pois já estavam contidas ali desde sempre; embora para ele sejam novas, uma vez que diferem do que está escrito, em si mesmas não o são, porque estavam gravadas no subsolo do texto que se interpretou. Contudo, sendo a Bíblia obra de um ser infinito, as interpretações jamais se esgotam. Cada novo corte no texto aprofunda o seu sentido, mas é sempre possível avançar mais. Elas se sucedem através do tempo, porém, por mais surpreendentes que pareçam, têm a garantia de se situarem no mesmo campo inicial”. [Renato Mezan, Freud: A Trama dos Conceitos, SP, Perspectiva, 1982, p. 342].


Exatamente, por isso, parto do pressuposto de que a teologia judaica nos últimos mil e novecentos anos apresenta uma hermenêutica bastante criativa do Gênesis Um. Essa hermenêutica ou midrash não ficou restrita aos círculos rabínicos, mas fez parte da tradição e da cultura do judaísmo através dos séculos. Escritores, artistas e cientistas judeus utilizaram esses conhecimentos em seus campos de trabalho. Einstein conhecia essas fontes, em parte desconhecidas para o mundo cristão, mas ricas e cheias de significados para todo intelectual judeu. Por isso, esta releitura da teoria do caos tem como roteiro a cosmogonia judaica e as idéias centrais da teoria da relatividade.


Albert Einstein era judeu, acreditava em Deus criador, mas não aceitava o conceito bíblico de Deus pessoal. Foi um sionista militante durante toda sua vida, a ponto de em 1952 lhe ser oferecida a presidência de Israel. Não aceitou. Estava casado com a física. “As equações são mais importantes para mim porque a política é feita para o presente, ao passo que uma equação é algo para toda a eternidade”. [Stephen W. Hawking, Uma Breve História do Tempo, RJ, Rocco, 1988, pp. 240-241].


DO TZIMTZUM AO PROCESSIO DEI AD EXTRA


Apesar de seus matizes, o judaísmo mostrou uma coerência em relação à hermenêutica de Gênesis Um, a defesa da criação ex nihilo. Assim, o recuo de Deus para permitir que surgisse o vazio, o nada, e nele o universo finito, é desenvolvido na teoria da contração, em hebraico tzimtzum. Essa teoria formalizada pelo rabino Luria (1534-1572) é uma das concepções mais surpreendentes do pensamento judaico. Isaac Luria, um dos maiores expoentes da tradição mística no judaísmo, nasceu no Cairo, mas desenvolveu seu ministério em Safed, na Palestina.


A expressão tzimtzum significa originariamente concentração, mas acabou sendo entendida como retirada. Segundo Scholem, Luria partiu de textos do Midrash, onde encontramos que Deus concentrou sua Shekiná, sua presença divina, no Santo dos Santos, assim todo seu poder retraiu-se num único ponto. É assim que surge a expressão tzimtzum. [Exod Raba ao Êx 25:10, Lev. Raba ao Lv 23:24; Pessikta de Rab Kahana, Ed. Buber 20 a; Midrasch Schir Ha-Schidim, Ed. Griinhut (1899), f. 15b, citado por Gershom Scholem, A Mística Judaica, SP, Perspectiva, 1972, p. 263].


Infelizmente, as duas expressões, concentração e retirada, que deveriam ser entendidas como complementares, já que Deus se retira e então concentra a sua luz sobre este ponto, passa a dividir os estudiosos em dois grandes grupos: os que defendem o tzimtzum como base para a doutrina da creatio ex nihilo e também para aqueles que defendem a doutrina da emanação (em hebraico atsilu) ou processio Dei ad extra.


Dessa maneira, o próprio Luria, apesar de partir de uma expressão que naturalmente deve levar à creatio ex nihilo, torna-se o principal expositor dentro do misticismo judaico do processio Dei ad extra, que tem por base não um processo no tempo, mas uma estrutura da realidade, enquanto emanação, criação, formação e ação. Assim, para esses rabinos, níveis inferiores de realidade emanaram de níveis superiores que, por sua vez, tiveram origem em Deus. Dentro dessa concepção há um midrash, a teoria do vaso quebrado, que trabalha com a hipótese de que o mundo foi feito de remanescentes de mundos anteriores, que Deus havia destruído. Uma conhecida lenda rabínica explica esse processo como o desprender de uma chama de carvão da roupa de Deus.


“No princípio (Gênesis 1:1), a vontade do Rei começou a gravar signos na esfera superior. Do recesso mais oculto, uma negra chama brotou do mistério do ein sof, o Infinito, como um novelinho de massa informe, como que inserido no aro dessa esfera, nem branca nem preta, nem vermelha nem verde, de nenhuma cor. Somente depois de distender-se como um fio, produziu ela cores para luzir em si. Do âmago da chama, jorrou uma fonte da qual brotaram cores e se espalharam sobre tudo embaixo, oculto na ocultação mais misteriosa do ein sof. Mal rompeu ela, inteiramente irreconhecível, seu círculo de éter, sob o impacto da irrupção, um ponto oculto, superno fulgiu da irrupção final. Aquém desse ponto está excluído todo conhecimento e por isso ele é chamado reschit, princípio, a primeira palavra do Todo”. [O Princípio, Sefer ha-Zohar (Livro do Esplendor), in J. Guinsburg, Do Estudo e da Oração, SP, Perspectiva, 1968, p. 605].


Apesar de sua riqueza teológica, não estaríamos longe da verdade ao classificar a doutrina da emanação como um panenteísmo, que define o mundo material como o desdobramento de Deus em diferentes níveis. E porque o mundo existe dentro de Deus, os defensores do processio Dei ad extra consideram necessário descobrir o que há de divino nos fenômenos do cotidiano.


Se entendermos, porém, a teoria do tzimtzum, como a relação dialética de dois movimentos, o da retirada e o da concentração ficará mais fácil aproveitar os estudos de Luria. O tzimtzum explica o recuo de Deus para permitir que surgisse o vazio, o nada, e nele o universo finito. Como Deus é infinito, sem o tzimtzum não haveria o nada no qual pudesse produzir a estrutura espaço/tempo de uma criação separada. É interessante notar, que se por um lado a dialética da autocontração e concentração divinas deu origem ao mundo material, o choque entre o movimento restritivo e o transbordante amor de Deus criou também a possibilidade do mal. Nesse sentido, a cosmogonia judaica, vê a criação em primeiro lugar como consciente autolimitação e na seqüência como revelação e julgamento. E como julgamento é entendida a imposição de limites, ele faz parte da revelação, que se expressa pela primeira vez como criação de Deus. Em outras palavras: se o mal é uma probabilidade que surge da dialética amor divino e retração, o julgamento passa a ser inerente a tudo na criação, já que todas as coisas estão determinadas enquanto limites.


A tradição do debate sobre a creatio ex nihilo é antiga no pensamento judaico. Na verdade, podemos dizer que começa a ser realizada no segundo século. Por isso, não é de estranhar que encontremos reflexões profundas sobre Gênesis Um nos séculos posteriores. Assim, em um dos textos mais representativos do pensamento caraíta, movimento medieval de retorno à letra da Escritura, considerado por muitos um protestantismo judeu de coloração pietista, a “Explanação dos Mandamentos”, de Aha Nissi ben Noah de Bassorá, que ensinou em Jerusalém na segunda metade do século IX, lemos:


“No primeiro dia, Deus criou sete coisas: o céu, a terra, as trevas, a luz, a água, o abismo e o vento (Gn.1:1-12). Primeiro criou tohu e bohu (a solidão e o caos), dos quais surgiu a terra (Gn.1:1-2). Criou as trevas: ‘Ele formou a luz e criou as trevas’ (Isaías 45:6). Criou o vento, conforme a palavra: ‘e criou o vento’. Criou a água, pois com a criação da terra havia água. Criou o abismo, para que a água tivesse uma profundidade e uma submersão. Criou a luz (Gn.1:3). Para a criação do mundo foram necessárias quatro coisas: a ordem, o trabalho, a determinação e a proclamação” [Nissi ben Noach, Explanação dos Mandamentos, in J. Guinsburg, op. cit., p.309]. Nesse texto aparentemente tão simples, encontramos dois conceitos muito importantes: tohu e bohu fazem parte da criação e para que haja criação é necessário ordem.


Outro grande teólogo judeu, que fez oposição ao pensamento caraíta, foi Saadia Gaon (892-942). Influenciado pela efervescente teologia do Islã e pelo pensamento helenístico clássico, Gaon combateu a presença heterodoxa, de tendência maniqueísta, os remanescentes de Filo e a crítica gnóstica. Seu texto sobre a doutrina da creatio ex nihilo é de uma profunda beleza, apesar de apresentar imperfeições normais ao conhecimento da época, como, por exemplo, sua visão geocêntrica. Mas, de forma brilhante enfrenta opositores bem parecidos aos que encontramos hoje em dia.


“Aqueles que acreditam na eternidade do mundo procuram provar a existência de algo que não tem começo nem fim. Por certo, nunca depararam com uma coisa que percebessem, pelos sentidos, sem ser começo nem fim, mas procuram estabelecer sua teoria por meio de postulados da razão. Semelhantemente, os dualistas empenham-se em provar a coexistência de dois princípios separados e opostos, cuja mistura fez que o mundo viesse a ser. Sem dúvida, nunca testemunharam dois princípios separados e opostos, nem o pretenso processo da mistura, mas tentaram suscitar argumentos derivados da razão pura em favor de sua teoria. De maneira similar aqueles que acreditam numa matéria eterna consideram-na como um hilo, isto é, algo em que não há originalmente qualidade de quente ou frio, de úmido ou seco, mas que se transforma por uma determinada força e assim produz aquelas quatro qualidades. Indubitavelmente, seus sentidos nunca perceberam uma coisa carente de todas essas quatro quantidades, nem jamais perceberam um processo de transformação e a geração das quatro qualidades como é sugerido. (...) Assim sendo, é claro que todos concordam em admitir alguma opinião concernente à origem do mundo que não tem base na percepção sensorial”. [Saadia Gaon, Criação Ex-Nihilo in J. Guinsburg, op. cit., p. 316].


Para sua defesa da criação ex-nihilo, Gaon trabalha com quatro argumentos, três dos quais muito bem expostos: de finitude do universo, estrutura e acidentalidade. “(...) continuou a afirmar que nosso Senhor, louvado e enaltecido seja, informou-nos que todas as coisas foram criadas no tempo, e que Ele as criou do nada (...). Ele nos comprovou essa verdade por meio de sinais e milagres, e nós a aceitamos. Examino ainda mais nesta matéria com o intuito de saber se ela podia ser comprovada por especulação como foi comprovada por profecia. Achei que era este o caso por um certo número de razões, da quais, devido à brevidade, selecionei as quatro seguintes: 1. A primeira prova baseia-se no caráter finito do universo (...). 2. A segunda prova é derivada da união de partes e da composição de segmentos. Vi que os corpos consistem de partes combinadas e de segmentos ajustados entre si (...). 3. A terceira prova baseia-se na natureza dos acidentes. Verifiquei que nenhum dos corpos são desprovidos de acidentes que os afetem direta ou indiretamente. Animais, por exemplo, são gerados, crescem até que alcançam sua maturidade, então, definham e se decompõem. Então eu disse a mim mesmo: Será que a terra como um todo é livre destes acidentes? (...) 4. A quarta prova baseia-se na natureza do tempo. Sei que o tempo é triplo: passado, presente, futuro. Embora o presente seja menor do que qualquer instante, tomo o instante como se toma um ponto e digo: Se um homem tentasse em seu pensamento ascender deste ponto no tempo ao ponto mais elevado, ser-lhe-ia impossível fazê-lo, porquanto o tempo é agora admitido como infinito e é impossível ao pensamento penetrar no ponto mais remoto daquilo que é infinito.” [Saadia Gaon, Quatro Argumentos para a Criação, idem, op. cit., pp. 317-320].


De todos os pensadores judeus medievais, talvez o mais conhecido fora dos meios judaicos, seja o talmudista francês Shlomo bar Itzhak, o rabi Rashi de Troyes (1040-1105). Exegeta, Rashi apresenta uma tradução para o versículo um de Gênesis que leva em conta estrutura e acidentalidade: “No princípio, ao criar Deus os céus e a terra, a terra era vã...” E segundo seu midrash, o texto não está preocupado em mostrar a ordem da criação, mas em afirmar o ato criador de Deus. Rashi mostra-se preocupado com o sentido literal, mas define claramente sua hermenêutica: “Todo texto se divide em muitos significados, mas, afinal nenhum texto está destituído de seu sentido literal” [Herman Hailperin, Rashi and the Christian Scholars, Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 1963].


A DIALÉTICA DA ESTRUTURA E ACIDENTALIDADE


Dessa maneira, tanto para expositores da creatio ex nihilo como para os defensores do processio Dei ad extra a intenção primeira de Gênesis-Um é apresentar Deus como criador, que utiliza tohu e bohu como matéria prima para a formação do universo. E é a partir dessa relação entre criação e revelação, que os estudiosos judeus entenderão a redenção, já que o fim messiânico ou estágio final do mundo revelado significa uma volta ao começo, uma nova criação.


“A Redenção deveria ser conseguida não por um movimento tempestuoso na tentativa de apressar crises e catástrofes históricas, mas antes pela remarcação do caminho que conduz aos primórdios da Criação e da Revelação, ao ponto em que o processo do mundo (a história do universo e de Deus) principiou-se a desenvolver-se dentro de um sistema de leis. Aquele que conhecia a senda pela qual viera podia ter esperanças eventualmente de poder retornar sobre seus passos”. [Gershom Scholem, A Mística Judaica, SP, Perspectiva, 1972, p. 248].


Assim, mais do que qualquer intencionalidade em apresentar a cronologia da criação, Gênesis Um apresenta uma ordem enquanto dialética da estrutura e acidentalidade. Esse processo é interpretado por Scholem como “o primeiro ato, o ato do tzimtzum, no qual Deus determina e (...) limita a Si mesmo, é um ato de julgamento que revela as raízes dessa qualidade em tudo o que existe. Essas raízes do julgamento divino subsistem em mistura caótica com o resíduo da luz divina que remanesceu, após a retirada ou retraimento original, dentro do espaço primário da criação de Deus. Então um segundo raio de luz emanado da essência do Ein-Sof traz ordem ao caos e põe o processo cósmico em movimento, ao separar os elementos ocultos e moldá-los em nova forma” [Iossef ibn Tabul in Gershom Scholem, Kiriat Sefer, vol. XIX, pp. 197-199].


E dois escritos antigos nos mostram que a doutrina da creatio ex nihilo tem suas bases tanto no Tanach, como apócrifos intertestamentários. Lemos em Isaías: “Assim diz Iahveh, teu redentor, aquele que te modelou desde o ventre materno. Eu, Iahveh, é que fiz tudo, e sozinho estendi os céus e firmei a terra. Com efeito, quem estava comigo?” (Is.44:24). E em II Macabeus 7:28: “Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra e observa tudo o que neles existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano surgiu da mesma forma”. Esta, aliás, é a primeira afirmação explícita da criação ex nihilo.


A primeira vista, a cosmogonia judaica define a centralidade de Gênesis-Um no ato criativo de Deus apenas enquanto espacialidade. Seria uma busca do lugar, da centralidade espacial. O que leva muitos a afirmarem que não há nenhum elemento espaço-temporal em Gênesis. Mas, isso não é verdade. Em 1740, Anton Lazzaro Moro, cristão novo, geólogo e exegeta italiano, desenvolveu uma sofisticada defesa da hipótese espaço-temporal em Gênesis Um. Dizia ele que tudo que está “envolto e fechado” precisa de um tempo para libertar-se e tornar-se evidente, e que Deus, ao criar a natureza, colocou-se com administrador das leis criadas. Daí conclui: “Quando a Escritura afirma que ‘Spiritus Dei ferebatur super aquas (...)’ indica uma função que traz consigo sucessão de tempo” [Anton Lazzaro Moro, De Crostacei e degli altri Corpi Marini che si Truovano su Monti, 1740, in Paolo Rossi, A Ciência e a Filosofia dos Modernos, São Paulo, Editora Unesp, 1992, p. 345].


Desenvolvendo sua tese espaço-temporal, explica que toda a criação sofreu duas produções diferentes, que precisam ser cuidadosamente separadas: “a primeira é a do nada pela mão imediata do criador; a outra provém do seio das segundas causas acionadas pelo administrador da natureza. A primeira produção é instantânea e é ato divino proporcionado pela onipotência e eternidade de Deus; a segunda [produção] implica que o ato divino seja adaptado às exigências da natureza que Deus estabeleceu em cada coisa” [Idem, op. cit., p. 345]. A partir daí sua cosmogonia é surpreendente. Explica que é Deus quem moveu circularmente “a celeste matéria de todo o planetário vórtice”, obrigando essa matéria que formaria o Sol a colocar-se no lugar que lhe era destinado. Constatando que seja qual for a velocidade que se queira atribuir ao movimento diário do Sol e de seu vórtice, “isso não aconteceu num só dia e em só vinte e quatro horas”. A formação do Sol, assim como a produção dos planetas, afirma Moro, “comprova que aqueles seis dias não foram de medida igual aos dias modernos, mas que foram espaços de tempo de duração muito mais longa, ou seja, de uma duração proporcional à atividade das causas segundas e à exigência dos efeitos produzidos; espaços esses que foram chamados dias, conforme o costume freqüentemente usado nas Escrituras de exprimir com o nome de dias certos espaços de tempo longos e indeterminados” [Idem, op. cit., p. 347]. É interessante ver como a física do século vinte, principalmente aquela que sofreu influências dessa mesma cosmogonia, traduziu para uma nova linguagem antigos conceitos.


É verdade, que desde Aristóteles a ciência avaliou equivocadamente o conceito tempo, considerando-o absoluto, sem relação imediata e causal com o espaço. Pensou um tempo sem ambigüidades, achando que se fosse medido corretamente, entre dois espaços ou eventos, o intervalo de mensuração seria sempre igual. Durante séculos, inclusive para Newton, o tempo foi independente do espaço. Mas, em 1905, Einstein tornou pública uma nova teoria de espaço, tempo e movimento, que ele chamou de relatividade especial. Comprovada em experiências de laboratório, essa teoria, aceita pela grande maioria dos físicos atuais, levanta algumas hipóteses simplesmente impressionantes, como a equivalência da massa e da energia, a elasticidade do espaço e do tempo e a criação e destruição da matéria. Dez anos depois, na seqüência da teoria anterior, Einstein publica a sua teoria da relatividade geral, com novas e surpreendentes previsões: a curvatura do espaço e do tempo, a possibilidade de que o universo seja finito, mas ilimitado e a possibilidade de o espaço e o tempo se esmagarem, deixando de existir.


”(...) estas considerações levou-nos a conceber teoricamente o universo real como um espaço curvo, de curvatura variável no espaço e no tempo, de acordo com a densidade de distribuição da matéria, susceptível porém, quando considerada em larga escala, de ser tomado como um espaço esférico. Esta concepção tem, pelo menos, a vantagem de ser logicamente irrepreensível, e de ser aquela que melhor se cinge ao ponto da teoria da relatividade geral”. [Albert Einstein, Considerações Cosmológicas sobre a Teoria da Relatividade, in O Princípio da Relatividade, H. A Lorentz, A. Einstein, H. Minkowski, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1958, pp. 239-240].


E ao criticar a teoria do tempo absoluto, Einstein vai mostrar que à medida que o deslocamento de um objeto se aproxima da velocidade da luz, sua massa aumenta mais rapidamente, de forma que gasta mais energia para aumentar sua velocidade. Por isso, muito possivelmente nunca possa atingir a velocidade da luz, pois deixaria de ter massa intrínseca. O importante dessa teoria é ter modificado a compreensão de tempo e de espaço. Antes, considerava-se que a velocidade da luz era a distância que ela percorre, dividida pelo tempo que leva para fazer isso. Agora, compreendemos que a velocidade pode ser a mesma, mas não a distância percorrida. A partir da teoria da relatividade, o conceito de simultaneidade, ou seja, da existência de um mesmo momento em dois lugares diferentes, deixou de ter qualquer significado em termos de universo.


O TEMPO ENQUANTO NÃO-DETERMINAÇÃO


Em linguagem da física da relatividade o tempo gasto é a velocidade da luz multiplicada pela distância que a luz percorreu. Temos então várias medidas de tempo, ou seja, medições diferentes entre dois eventos ou espaços. Gênesis nos apresenta este conceito de tempo com <oy que aparece como não-determinação-quando em Gn 3:5; não-determinação-período em Gn.1:14,16,18; não-determinação-época em Gn 2:4. Deixamos de ter, então, dois conceitos separados e absolutos: o tempo e o espaço, para termos um, o espaço-tempo. Ora, um evento é algo que acontece num determinado ponto do espaço e logicamente num tempo também determinado. Só que não há separação entre essas duas unidades. Uma das premissas da teoria da relatividade, conforme expõe Stephen Hawking [Uma breve História do Tempo, RJ, Rocco, 1988, pp. 35-60], é que o tempo corre mais lentamente perto de um corpo volumoso. Assim, na Terra, para tomarmos um exemplo que nos interessa, o tempo é mais lento que em outros planetas ou luas de menor massa. Isto porque existe uma relação entre energia da luz e sua freqüência. Quanto maior a energia, maior a sua freqüência.


Dessa maneira, à medida que a luz percorre verticalmente o campo gravitacional da Terra perde energia e sua freqüência diminui. Em outras palavras, espaço e tempo são quantidades dinâmicas. Quando um corpo se move no universo afeta a curva do espaço-tempo e, por sua vez, a curva do espaço-tempo afeta a forma como os corpos se movem e as forças atuam. Só que, e esse conceito é importantíssimo para a relatividade geral, não há como falar de espaço-tempo fora dos limites do universo. Essa premissa é interessante, pois descarta a idéia de um universo imutável, que sempre existiu, para trabalhar com a possibilidade de um universo que teve início, é plástico e encontra-se em expansão.


Ora, o que Gênesis está mostrando é que o universo teve um início, que a criação não é um mito. “Não há nenhum paralelo bíblico aos mitos pagãos que relatam a morte de deuses mais velhos (ou poderes demoníacos) pelos mais jovens; não se acham presentes nos tempos primevos quaisquer outros deuses. As batalhas de Iahveh com monstros primevos, aos quais é feita ocasionalmente alusão poética, não são lutas entre deuses pelo domínio do mundo. As batalhas de Iahveh com Raabe, o dragão, Leviatã, no mar, a serpente veloz, etc., não são esclarecidas pela referência ao mito da derrota de Tiamat por Marduc e sua subsequente tomada do poder supremo”. [Yehezkel Kaufmann, A Religião de Israel, São Paulo, Perspectiva, 1989].


Assim, para a teoria da relatividade o universo tem começo como singularidade, que ficou conhecida como Big Bang e deverá ter um final também singular, o colapso total ou Big Crunch. Mesmo sem querer forçar, o Big Crunch nos leva ao texto de Pedro: “Ora, os céus e a terra estão reservados pela mesma palavra ao fogo (...) O dia do Senhor chegará como ladrão e então os céus se desfarão com estrondo, os elementos, devorados pelas chamas se dissolverão e a terra, juntamente com suas obras, será consumida” (II Pedro 3.7 e 10). Só que, como o espaço-tempo é finito, mas sem limites, o Big Crunch poderia levar a uma concentração de energia tal, que muito possivelmente possibilitaria a formação de um novo universo. E essa formulação nos leva a outro texto bíblico: “Vi então um céu novo e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra se foram (...)” Apocalipse 21.1.


“De forma semelhante, se o universo explodisse novamente, deveria haver um outro estado de densidade infinita no futuro, o Big Crunch, que seria o fim do tempo. Mesmo que o universo como um todo não entrasse novamente em colapso, haveria singularidades em algumas regiões determinadas, que explodiriam para formar buracos negros. Essas singularidades seriam o fim do tempo para quem ali caísse. Na grande explosão e demais singularidades todas as leis são inoperantes. Então, Deus ainda teria tido completa liberdade para escolher o que aconteceu e como o universo começou”. [Stephen Hawking, op. cit., p. 236].


Ora, como a expansão do universo implica em perda de temperatura, que é uma medida de energia, quando o universo dobra de tamanho, sua temperatura cai pela metade. Assim, quando Deus cria o universo, supõe-se que tinha tamanho zero e temperatura infinitamente quente. Mas à medida que se expande, a temperatura cai. Isso explica porque o universo é tão uniforme, e parece igual mesmo nos mais diferentes pontos do espaço. Uma das consequências, caso consideremos o fiat divino como o Big Bang, é que a partir da grande explosão não houve tempo de a luz se deslocar por ilimitadas distâncias. É por isso que Gênesis apresenta em primeiro lugar tohu e bohu, as trevas e o abismo, e só no versículo três o surgimento da luz.


É interessante ver que uma das possibilidades que alguns físicos baralham, um pouco a contragosto, é a de que Deus escolheu a configuração inicial do universo por razões que não temos condições de compreender. Consideram que os acontecimentos do surgimento do universo não se deram de forma arbitrária, mas refletem um ordem comum. Hawking, como não é teólogo, opta por uma variável que chama limitação caótica ou escolha ao acaso. Dentro desse ponto de vista, o universo primordial surgiu como caos. Ora a segunda lei da termodinâmica mostra que há essa tendência no universo, e que a ordem e o equilíbrio, ou seja, a vida, que é a forma mais organizada da matéria, surge como oposição a este caos.


“Einstein uma vez formulou a pergunta: ‘Que nível de escolha Deus teria tido ao construir o universo?’ Se a proposta do não limite for correta, ele não teve qualquer liberdade para escolher as condições iniciais. Teria tido, ainda naturalmente, a liberdade de escolher as leis a que o universo obedece. Isto, entretanto, pode não ter sido um grau assim tão elevado de escolha. Pode ter sido apenas uma, ou um pequeno número de teorias completas unificadas, tal como a teoria do filamento heterótico, que são autoconsistentes e permitem a existência de estruturas tão complexas quanto os seres humanos, que podem investigar as leis do universo e fazer perguntas acerca da natureza de Deus”. [Stephen Hawking, op. cit., p. 237].


“Toda variação de entropia no interior de um sistema termodinâmico pode ser decomposta em dois tipos de contribuição: a entrada exterior de entropia, que mede as trocas com o meio e cujo sinal depende da natureza dessas trocas, e a produção de entropia, que mede os processos irreversíveis no interior do sistema. É essa produção de entropia que o segundo princípio define como positiva ou nula”. [Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, Entre o Tempo e a Eternidade, São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 53].


“(...) as leis científicas não distinguem entre as direções para frente e para trás do tempo. Entretanto, há pelo menos três setas de tempo que distinguem o passado do futuro, que são a seta termodinâmica, direção do tempo em que a desordem aumenta; a seta psicológica, direção do tempo na qual se recorda o passado e não o futuro; e a seta cosmológica, direção do tempo em que o universo se expande mais do que se contrai. Demonstrei que a seta psicológica é essencialmente a mesma que a termodinâmica, de modo que ambas sempre apontam para a mesma direção. A proposta do não limite para o universo prevê a existência de uma seta termodinâmica do tempo bem definida, porque o universo deve começar num estado plano e ordenado. E a razão por que se observa esta seta termodinâmica se adequar à cosmologia é que os seres inteligentes só podem existir na fase de expansão”. [Stephen Hawking, idem, op. cit., pp. 210, 211].


Coerente com sua visão de que Deus não joga dados com o universo, Einstein dará um feroz combate às teses de acausalidade na mecânica quântica, defendidas pelas escolas de Copenhagem e Gottingen. “Não posso suportar a idéia de que um elétron exposto a um raio de luz possa, por sua própria e livre iniciativa, escolher o momento e a direção segundo o qual deve saltar. Se isso for verdade, preferia ser sapateiro ou até empregado de uma casa de jogos em vez de ser físico”. Citado por Franco Selleri, Paradoxos e realidade, Ensaios sobre os Fundamentos da Microfísica, Lisboa, Fragmentos, 1990, p. 41. Em 1944, voltaria à carga: “Nem sequer o grande sucesso inicial da teoria dos quanta consegue convencer-me de que na base de tudo esteja o indeterminismo, embora saiba bem que os colegas mais jovens considerem esta atitude como um efeito de esclerose. Um dia saber-se-á qual destas duas atitudes instintivas terá sido a atitude correta”. [Ibidem, op. cit. p. 59].


Guardadas as devidas proporções, Agostinho, pai e mestre da igreja cristã, também considera que o caos transcende o tempo. “E por isso o Espírito, Mestre do vosso servo, quando recorda que no princípio criaste o céu e a terra, cala-se perante o tempo. Fica em silêncio perante os dias. O céu dos céus, criado por Vós no princípio, é, por assim dizer, uma criatura intelectual, que apesar de não ser coeterna convosco, ó Trindade, participa contudo da vossa eternidade. (...) Sem movimento nenhum desde que foi criada, permanece sempre unida a Vós, ultrapassando por isso todas as volúveis vicissitudes do tempo. Porém, este caos, esta terra invisível e informe não foi numerada entre os dias. Onde não há nenhuma forma nem nenhuma ordem, nada vem e nada passa; e onde nada passa, não pode haver dias nem sucessão de espaços de tempo” [Santo Agostinho, Confissões, XII, 9, SP, Abril, 1973, pp. 264, 265].


O bispo de Hipona faz claramente uma separação, não somente neste texto, entre os céus dos céus, uma dimensão além dos limites da ciência, e “o nosso céu e a nossa terra” (universo), que segundo ele é terra. Para ele é totalmente compreensível que essa terra fosse “invisível e informe”, pois estava reduzida a um abismo sem luz, exatamente porque não tinha forma. Diríamos hoje, não há espaço-tempo. E, de maneira brilhante, tenta uma definição, apesar de alertar para suas limitações: “um certo nada, que é e não é”. Interessante, Nissi ben Noach diria praticamente a mesma coisa.


“O conceito de tempo não tem significado antes do começo do universo. O que foi apontado pela primeira vez por Agostinho, quando indagou: ‘O que Deus fazia antes de criar o universo?’” [Stephen Hawking, op. cit., p. 27].


Conhecemos as três principais teorias cristãs sobre a criação: tudo é criação original, teoria da brecha e teoria do caos. A partir do que vimos, gostaria de fazer alguns acréscimos à teoria do caos:


1. O versículo primeiro de Gênesis-Um está fora do espaço-tempo. Nesse sentido refere-se à dimensão divina do céus dos céus conforme explicita Agostinho. A criação do espaço-tempo começa com o próprio caos, que não deve ser entendido como negação ou pura ausência, mas como entropia. É ex-nihilo enquanto universo-espaço-temporal que surge, mas não enquanto realidade de Deus, que repousa naqueles quatro conceitos enumerados por Noach: determinação, proclamação, trabalho e ordem.


2. O tempo não pode ser medido pois não é cronológico, é o tempo da ordem/organicidade de Deus, ou se quisermos . Isso é explicável porque não há um tempo, mas diversos tempos. A criação implica na expansão do espaço-tempo. Assim o espaço-tempo de Gênesis 1:3 é totalmente diferente do espaço-tempo de Gênesis 1:12. <oy (yom) em Gênesis-Um só pode ser entendido enquanto 


3. Toda discussão que tente uma polaridade entre evolução teísta ou criação de seis dias de vinte e quatro horas não procede. Isto porque o espaço-tempo entre os seis dias não são iguais e porque não há evolução, uma teoria do progresso aplicada à natureza. Há criação e expansão da massa, o que na Bíblia traduz-se em criação e sustentação. “És tu, Iahveh, que és o único! Fizeste os céus, os céus dos céus, e todo o seu exército, a terra e tudo o que ela contém, os mares e tudo o que eles encerram. A tudo isso és tu que dás vida, e o exército dos céus diante de ti se prostra”. (Neemias 9.6).


GÊNESIS UM E A EXPLOSÃO DA VITRINE
Por Jorge Luiz Sperandio


Se tivéssemos diante de nós uma vitrine de loja danificada, por uma explosão no seu interior, ninguém diria que ela, quando foi construída, fora terminada assim. Seria estranho perguntar, por exemplo, como se conseguiu construir rachaduras tão simétricas, fragmentos tão precisos, ou, ainda, deslocamentos tão perfeitos? No entanto, é isto o que temos feito, historicamente, no estudo do primeiro capítulo de Gênesis: esperamos que ele nos diga como se deu a construção do mundo que conhecemos; ou como se criou toda a natureza que entendemos, hoje, um pouco melhor, graças às ciências naturais.


Procedendo assim, cometemos uma injustiça com o texto da criação já que, nos capítulos seguintes, se informa, também, que outras coisas importantes sobrevieram ao mundo criado e, misturando-se com ele, deixaram nele suas marcas: o pecado, a morte, o desaparecimento do paraíso, o arco-íris na lembrança do dilúvio, etc.; coisas que não foram criadas na primeira semana, mas que, atualmente, fazem parte do cenário natural que conhecemos.


Algumas observações recentes, entretanto, procuram considerar, com maior atenção, os diversos momentos da história da criação. No guia de estudo No Princípio... [traduzido do inglês From Nothing to Nature, por Artur J. G. Faya, Fiel, São Paulo, 2a ed., 1987, pp. 118 e 119], E. H. Andrews cita a possibilidade de o próprio tempo ter mudado desde a criação!


No ensaio Tarde e Manhã em Gênesis 1, Os Dias, o Tempo e a Relatividade (Revista Teológica do Seminário Presbiteriano do Sul, Campinas, ano LVII, no 43, pp. 28-45, fev. 1996) este autor, entre outros, escreve, no item 3.3 da p. 40: "a descrição do Dia Criativo parece indicar, (...), que o perfil do tempo nos primeiros seis dias era outro". E, finalmente, Jorge Pinheiro apresenta o estudo Einstein e os Caminhos da Criação: A Cosmogonia Judaica e o Conceito Espaço/Tempo em Gênesis Um. Ao trazer para a análise da primeira semana a noção física do espaço-tempo, o autor avança, em muito, no trabalho de buscar uma leitura mais justa e coerente do primeiro capítulo de Gênesis.


UMA VISÃO DO PROBLEMA


No livro XI, capítulos VI e VII, da Cidade de Deus (segundo volume, pp. 24 e 25, trad. de Oscar P. Leme, Vozes, Petrópolis, 2a ed., 1990) Agostinho descreve, com seriedade e precisão, o problema que arrumamos ao interpretar os dias da primeira semana com a mente fixada nos dias atuais:


"Vemos que os dias conhecidos não têm tarde, senão em relação com o pôr do sol, nem manhã, senão em relação com seu nascimento. Pois bem, os três primeiros dias transcorreram sem sol, pois sua criação, segundo o Gênese, se deu no quarto dia.(...) Mas de que luz se trata e de que movimento alternativo? Sejam quais forem a tarde e a manhã feitas, é certo que nos escapam aos sentidos e, não podendo entendê-lo tal qual é, deve, sem a menor vacilação, ser crido".


Agostinho, antes de mais nada, deixa claro que, apesar das dificuldades de interpretação, o texto deve, sem a menor vacilação, ser crido. Um pouco antes ele diz, também com segurança, que a tarde e a manhã feitas nos escapam aos sentidos. Porque ele diz isso, que elas nos escapam aos sentidos? Uma resposta satisfatória poderia ser: porque é através dos sentidos que conhecemos o passar dos dias e formamos o conceito de tempo; e esse conceito de tempo, assim apreendido, não se ajusta com a maneira de passar dos seis primeiros dias.


COMPREENDENDO MELHOR O TEMPO


Esse conceito natural do tempo, entretanto, valeu também para a ciência durante séculos. Igor Novikov diz: "É que de acordo com as nossas noções intuitivas o tempo é duração -- aquela coisa universal que é inerente a todos os processos. É semelhante a um rio que flui continuamente.(...) Assim se pensava no campo da ciência na época de Aristóteles, na época de Newton e também mais tarde, até aparecer Einstein (...); só Einstein demonstrou que não existe qualquer tempo absoluto (Os Buracos Negros e o Universo, p. 21, trad. de Manoel S. Loureiro, Elfos, Rio de Janeiro, 1990).


No artigo publicado, Pinheiro faz um breve histórico a respeito da mudança na compreensão do tempo, que teve início neste século, com a teoria da relatividade de Einstein. Por ora, interessa-nos apenas duas observações, também de Igor Novikov, sobre algumas conseqüências da relatividade: 1) O seu autor mostrou que as propriedades do espaço e do tempo não só se podem modificar, mas também que o espaço e o tempo se unem formando um todo - "o espaço-tempo" quadridimensional; e 2) que o tempo pode correr de maneiras diferentes (op. cit., pp. 20 e 23).


Temos hoje, portanto, uma comodidade que Agostinho não tinha: o módulo espaço-tempo; uma unidade plástica, mutável, que permite conceber outros tipos de tempo, diferentes deste, com aparência de único e absoluto, que conhecemos pela via dos sentidos.


O TEMPO CONFORME O ESPAÇO-TEMPO


Voltemos ao exemplo da explosão da vitrine. Que ela foi construída, não fica nenhuma dúvida; e também é claro que sua construção não se deu no "tempo" do acidente, mas num "tempo" anterior a ele. No "tempo" da explosão, além das rachaduras e deslocamentos, o cenário vai mostrar ainda feridos e médicos, bombeiros e policiais, indo e vindo, tratando de atender os danos e verificar as causas do acidente.


No "tempo" da construção, todavia, o cenário esperado é bem outro: a partir do "nada" que existia sobre o terreno engenheiros, pedreiros e auxiliares, levantam aos poucos, com calma, planejamento e ordem, um edifício: primeiro a planta, depois as fundações, paredes e a cobertura; mais adiante, sob a proteção do teto, outras equipes, com trabalhos e materiais diversos, terminam a obra; finalmente, depois de montada a loja, estilistas e decoradores deixam na vitrine o perfil de seu conteúdo.


No universo imaginário de nossa loja, diremos que as ocorrências no ambiente da explosão foram determinadas pelo "espaço-tempo" próprio de um acidente. Inversamente, na época do levantamento do prédio, precisamos imaginar outra espécie de ambiente, com ocorrências próprias, determinadas pelo "espaço-tempo" característico de uma construção, que se desenvolve, por sua vez, na sucessão de "espaços-tempos" distintos, conforme vai avançando a obra: o "espaço-tempo" das fundações, o "espaço-tempo" do alicerce, o "espaço-tempo" das paredes, o "espaço-tempo" do acabamento, etc., cada um deles com um cenário diverso, ocupado por materiais e serviços também diversos.


Utilizando a ilustração para tratar, agora, do próprio tempo, desde sua origem até o presente, comparemos 1) a construção da loja com a criação dos seis dias, 2) o acidente da explosão com o pecado no paraíso, e 3) o tempo seguinte à explosão com o tempo que segue a partir desse pecado. Sendo assim, é preciso considerar, para cada período da criação, ambientes e dinâmicas naturais próprias, com espaços-tempos respectivos e distintos. Referindo-se à primeira semana, Pinheiro afirma: "A criação implica na expansão do espaço-tempo. Assim o espaço-tempo de Gênesis 1:3 é totalmente diferente do espaço-tempo de Gênesis 1:12".


O ESPAÇO-TEMPO CONFORME O ESPAÇO


Vimos, na figura da vitrine, que ocorrências e ambiente, tempo e espaço, não se apresentam isoladamente, mas, ao contrário, existem ligados um ao outro, formando um todo coeso, de maneira que, havendo mudanças em qualquer um deles afeta-se inteiramente o todo e havendo mudanças no todo afeta-se também cada um deles. A importância desse conceito pode ser avaliada, por exemplo, considerando o início da questão apresentada por Agostinho: "Vemos que os dias conhecidos não tem tarde, senão em relação com o pôr do sol, nem manhã, senão em relação com o seu nascimento. Pois bem, os três primeiros dias transcorreram sem sol, pois sua criação, segundo o Gênese, se deu no quarto dia.(...)".


Em primeiro lugar, Agostinho leva para a primeira semana um "material" próprio do espaço-tempo de nossos dias: o sol. A palavra sol não aparece no cenário dos primeiros dias; no espaço-tempo da primeira semana o astro do dia tem outro nome: Grande Luzeiro. Em segundo lugar, trata a tarde e a manhã existindo em relação ao astro do dia. Ora, Gênesis Um descreve justamente o inverso: quando o astro do dia é introduzido no cenário da criação, pela primeira vez no quarto dia, as tardes e manhãs já existiam no firmamento, sozinhas, há três dias! E mesmo depois que aparece o astro, afim de sinalizar o dia, continuaram no mesmo papel que exerciam antes do surgimento dele: o de representar toda a luz que existe no dia. Ou seja, na primeira semana não são as tardes e manhãs que existem em relação ao astro, mas o astro é que existe em relação a elas: quando ele surge, a manhã já inicia o dia e, com ou sem ele, quem encerra o dia é a tarde.


O exame dos segmentos do dia, como se viu, separa, portanto, três configurações de espaço distintas: na primeira, o firmamento tem apenas tardes e manhãs; na segunda, tardes, manhãs e Grande Luzeiro; e na terceira, tardes, manhãs e sol. Se as mudanças no dia indicam mudanças no espaço, isto significa, também, mudanças no espaço-tempo que, por sua vez, modifica a maneira de ser do tempo. Assim, como "vitrines" do espaço e do tempo, os dias deixam ver o espaço-tempo a que pertencem.


VERIFICANDO AS MUDANÇAS:
A FORÇA DE UMA IDÉIA SIMPLES


As mudanças, de uma forma geral, fazem parte da natureza dos dias. Eles podem ser mais longos ou mais curtos, frios ou quentes, com chuva ou sem chuva, etc. Estas mudanças, que mudam sempre da mesma maneira, repetindo sempre as mesmas coisas, são características do espaço-tempo presente, gerador e produto das leis que aprendemos em geografia e física. Mas não são com estas mudanças que temos de nos ocupar. O que precisamos ver são as mudanças que ocorreram durante a primeira semana, até o sexto dia, e seguiram acontecendo, depois do sexto dia, até que surgisse o espaço-tempo vigente, formador dos dias atuais. São mudanças, como veremos, de outra natureza, que introduzem o que ainda não havia, ou mudam para o que ainda não existia.


Dos muitos eventos que deveriam ser considerados na primeira semana discutiremos apenas, a fim de abreviar a exposição, as ocorrências de interesse mais próximo. Depois da organização da luz, no primeiro dia, inicia-se a contagem dos dias e do tempo; no segundo e terceiro dia é aberto um vão no meio das águas criando-se uma massa de água em cima e outra em baixo; as águas de baixo são reunidas, em seguida, de tal maneira que vem à luz a terra firme, e, nela, a vegetação; no quarto dia é trazido, para o céu visível, os astros do dia e da noite; no quinto e no sexto dia é ordenado o surgimento dos animais, dos homens e mulheres e, a essa altura, avalia-se o que fora construído até ali: tudo aprontado "muito bom".


Em seguida descansa Deus da obra de criar e, ainda numa época em que não havia chuva na terra, nem havia quem lavrasse o solo, trata-se da feitura de determinado homem, um primeiro Adão, a quem é dado o paraíso e um mandamento: não comer o fruto da árvore que foi plantada no meio do jardim. Na fidelidade a esse mandamento, a promessa de uma vida perpétua; na infidelidade, o hiato da morte. Pouco depois esse Adão peca, comendo o fruto, e perde o paraíso; agora, sob a morte, que até então não havia, ele volta ao solo de onde fora tirado; e mais: este solo lhe será hostil, característica que também não existia antes dele comer o fruto. Depois de algumas gerações cai a chuva do dilúvio: um imenso volume de água que vem sobre a terra; e ao fim desse dilúvio, em outro cenário, surge algo que até ali ainda não havia: o arco-íris.


Pinheiro escreve em seu artigo: "Quando um corpo se move no universo afeta a curva do espaço-tempo e, por sua vez, a curva do espaço-tempo afeta a forma como os corpos se movem e as forças atuam".


Pois bem, a contagem dos dias e do tempo inaugura-se, no primeiro dia, com o início da movimentação da luz; mais adiante, a instituição do ano só vai ocorrer, no quarto dia, quando os astros são trazidos para a proximidade visível do céu. A presença destes astros é arrumada de tal maneira que a movimentação anterior, que vinha livre de ciclos, passa a seguir, agora, girando em ciclos que se completam no segmento de um ano. Ou seja, antes de virem os astros os dias seguiam livres da "amarração" do ano; com a chegada deles modificam-se espaço e movimento, tempo e dias, que passam a existir, então, presos ao círculo do ano.


A seqüência do texto associa a entrada da morte ao pecado de Adão. Se a morte não existia na criação e passou a existir, isto significa, necessariamente, que vieram à criação mudanças, de tal grandeza, capazes de dar realidade à morte. Não sendo assim, resta escolher entre duas possibilidades: 1) ou a morte foi criada antes do pecado e a história de Adão perde a importância, ou 2) atribuímos importância à história de Adão mas deixamo-la sem conseqüência, já que, sem mudanças, não há como admitir dano à criação. Ora, se a mesma Palavra que ordenou criar, de fato criou, quando anunciou mudanças, então de fato mudou: o paraíso deixa de existir; o homem, que vinha sustentado acima do solo, tem que voltar ao solo; e o solo, que não era hostil, passa a produzir dificuldades. A relação paradisíaca entre homem e mulher é substituída, dali em diante, por outra, pontuada por conflitos, dores, etc.


Entre o pecado e o dilúvio não existem menções claras acerca do tempo e dos dias. O que se tem é um curso de anos tal que, apesar da morte, se permite um tempo de vida mais longo. Mas a comparação dos dias que sucederam o dilúvio com os dias que precederam o pecado fornece elementos de distinção bem precisos.


Os escritores / editores de Gênesis tiveram o cuidado de atribuir nomes diferentes para duas visões diferentes dos astros maiores do dia e da noite: antes de caírem as águas do dilúvio, grande e pequeno luzeiro; depois que caíram as águas, sol e lua. O texto dá a entender que a queda de tanta água, capaz de inundar a terra inteira, diminui a quantidade de água colocada no alto, no segundo dia, pelo vão criado entre as águas. Essa mudança física traz consigo duas ocorrências novas: uma é o arco-íris e a outra, uma visão direta, e mais nítida, dos astros maiores. Sem a interposição da massa de água, o que era grande e pequeno luzeiro, recebem os nomes de sol e lua. O arco-íris testemunha, portanto, essa última mudança na configuração do espaço, desencadeada pelo dilúvio, que dá início à era natural em que vivemos.


CONCLUSÃO


O ajuste na compreensão do tempo, conforme avaliamos, pode nos ajudar muito no estudo de Gênesis Um. Em primeiro lugar porque permite reconhecer realidade no texto: a criação como fato e não mito (cf. comentário de Jorge Pinheiro). Em segundo, porque deixa entender como repercutiu, num mundo criado "muito bom", os eventos relatados, entre outros, por Paulo, sobre a entrada da morte, em Romanos 5.12 (o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte ...) ou por Pedro, sobre as conseqüências do dilúvio, em 2Pe 3.3-5 ("há muito tempo, pela palavra de Deus, existiram céus e terra, esta formada da água e pela água. Por meio destas águas o mundo daquele tempo foi submerso e destruído"). E terceiro, porque deixa ver, finalmente, como surgiram os nossos dias, produtos imperfeitos da primeira semana, desde que foram reduzidos pela morte e remodelados na crise do dilúvio. [JORGE LUIZ SPERANDIO é médico, membro do Corpo Clínico do Hospital e Maternidade São José, Atibaia (SP), e pesquisador do AT com projeto de dissertação sobre "Os regulamentos levíticos no estudo da criação"].


Bibliografia recomendada em português

Anselmo, Monológio, Proslógio, A Verdade, O Gramático, in Os Pensadores, Vol. VII, Abril, SP, 1973
Brown, Colin, Filosofia e Fé Cristã, Vida Nova, São Paulo, 1983
Brunner, Emil, Nossa Fé, Sinodal, São Leopoldo, 1966
Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, EVN, SP, 1990
Dulles, Avery, A Igreja e Seus Modelos, Paulinas, SP, 1978
Geisler, Norman L., Ética Cristã, Vida Nova, SP, 1984
Introdução à Filosofia, Vida Nova, SP, 1983
Hick, John, Filosofia da Religião, Zahar Editores, RJ, 1970
Lausanne, Comissão de, O Desafio das Novas Religiões, ABU, SP, 1984
Lewis, C.S., O Grande Abismo, Mundo Cristão, SP, 1986
A Razão do Cristianismo, Vida Nova, SP, 1964
Cristianismo puro e simples, ABU, SP, 1992
Milagres, um estudo preliminar, Mundo Cristão, SP, 1984
McDowell, Josh, Evidência que exige um veredicto, Candeia, SP, 1992
Pascal, Pensamentos, Difusão Européia do Livro, SP, 1957
Richardson, Alan, Apologética Cristã, Juerp, Rio de Janeiro, 1983
Schaeffer, Francis, O Deus que Intervém, ABU, 1981
Gênesis no Tempo e no Espaço, Ed. Evang. Europ., 1974
A Igreja no Ano 2001, Aplic, 1975
Manifesto Cristão, Refúgio, 1985
A Morte da Razão, ABU, 1974
Neo-modernismo ou Cristianismo, ABB
Poluição e Morte do Homem, JUERP, 1976
O Sinal do Cristão, ABU, 1977
A Verdadeira Espiritualidade, Fiel, 1980
Nossa Crença e a dos Nossos Pais, Metodista, 1964
Sproul, R.C., Razão para Crer, Mundo Cristão, 1982


Bibliografia/seitas

1. Fenomenologia das Seitas, Tácito da Gama Leite Filho, JUERP
2. O Império das Seitas, Walter Martin, Betânia – 4 volumes.
3. O Caos das Seitas, J. K. Baalen, Imprensa Batista Regular


São Paulo, 5 de junho de 2005
Prof. Dr. Jorge Pinheiro




Notas


[1] “Os homens se tornaram deuses. Não seria chegado o tempo de entendermos a nossa própria divindade? A ciência oferece-nos total domínio sobre o nosso meio ambiente e sobre nosso destino... Todos nós precisamos entender que Deus, ou a Natureza, ou o Acaso, ou a Evolução, ou o Curso da História, ou qualquer nome que lhe queiramos aplicar, não é mais digno de nossa confiança. Simplesmente devemos tomar nas mãos a nossa própria sorte... Cessou de ser verdade que a natureza é governada por leis infalíveis externas a nós mesmos”. Edmund Leack, in The Listener, 16/11/1967.

[2] “...Onde está Deus? Eu direi a vocês! Nós o matamos – vocês e eu! Todos somos os seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como pudemos beber o mar até secá-lo? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos quando separamos a terra do seu sol? Para onde está se movendo agora a terra? Para onde estamos nos movimentando? Não estamos correndo incessantemente? Para trás, para os lados, para frente e em todos as direções? Continua havendo um em cima e um embaixo? Não estamos vagueando por um vazio infinito?” Nietzsche, The Joyful Wisdom, in Robert Adolfs, The Grave of God, Londres, Burns and Oates, 1967, pp.13-14.

[3] “...Fui conduzido à incredulidade não por meio de dogmas conflitantes, mas através da indiferença de meus avós. Contudo, eu cria: em minha camisola de dormir, ajoelhado ao lado do leito, de mãos postas, eu proferia minhas orações diárias, mas pensava menos e menos freqüentemente sobre o bom Deus... Por mais alguns anos, continuei mantendo relações públicas com o Todo-Poderoso. Privadamente, porém, deixei de associar-me a Ele. Somente de certa feita tive a sensação de que Ele existia. Eu estava brincando com fósforos e queimei um capacho. Eu estava atarefado em encobrir o meu crime quando, subitamente, Deus me viu. Eu senti o Seu olhar dentro da minha cabeça e sobre as minhas mãos. Voltei-me em todas as direções do banheiro, como um alvo vivo e horrivelmente visível. Fui salvo mediante a indignação. Fiquei com raiva de tão crua falta de tato, e blasfemei, sussurrando como meu avô: ‘Sacre nom de Dieu, de nom de Dieu, de nom de Dieu’. Ele nunca mais olhou para mim novamente’. Há cinqüenta anos atrás, não fora aquele desentendimento, não fora aquele equívoco, não fora aquele acidente que nos separou, talvez pudesse Ter havido algo entre nós. Nada houve entre nós. O ateísmo é um negócio cruel e a longo prazo: acredito que continuei no mesmo até o fim”. Sartre, Words, Londres, Penguin, 1967, pp. 62-65.

[4] “O existencialismo ateu, do qual sou representante, declara que, se Deus não existe, pelo menos existe um ser cuja existência ocorre antes de sua essência, um ser que já existe antes de poder ser definido por qualquer conceito acerca do mesmo. Este ser é o homem, ou então, conforme o dizer de Heidegger, a realidade humana”. Sartre, Existencialismo e Humanismo, pp.27, 28, 29.

[5] “O humanismo parte da suposição de que o homem está em suas próprias mãos, que esta vida é tudo quanto importa, bem como parte da suposição de responsabilidade pela própria vida e pela vida da humanidade”. H. J. Blackhan, Humanism, Londres, Penguin, 1968, pp. 13 e 19.

[6] Tudo que existe é Deus. A unidade absoluta que é Deus se particularizou no Universo. Deus não é um ser pessoal, diferente do Universo, que já estivesse ali antes do universo ser criado. Deus é identificado com o universo como um todo. A particularidade é um espírito, uma consciência ou um aspecto pessoal do universo.
Assim, o humano é uma particularização divina, ou seja, uma particularização do universo. A personalidade, a racionalidade e a consciência moral são ilusões. Atualmente, temos quatro tipos de panteísmo: (a) tudo que existe é Deus [panteísmo absoluto]. (b) Deus é a realidade do princípio por trás da natureza [panteísmo omdificado]. (c) Deus está para a natureza, assim como a alma está para o corpo [panteísmo/monismo modificado]. (d) Só Deus é realidade. Tudo o mais é imaginação [panteísmo/monismo absoluto]. (JP).

[7] “O homem que prefere viver nosso destino não pode conhecer nem a realidade da presença de Deus e nem pode compreender o mundo como Sua criação. Ou, pelo menos, não pode mais reagir, interna e cognitivamente, às imagens cristãs clássicas do Criador e da criação”. Altizer, Radical Theology, p. 102.

[8] “Quando falamos sobre a morte de Deus, não nos referimos somente à morte dos ídolos ou do ser falsamente objetivado no firmamento. Também falamos da morte, em nós mesmos, de qualquer poder que afirme qualquer das imagens de Deus... e indagamos admirados se o próprio Deus não desapareceu”. Hamilton, A Nova Essência da Cristandade, NY, Association Press, 1961, pp.58-59.

[9] O Islamismo dá ênfase absoluta à unidade e transcendência de Deus, destacando a dificuldade de se estabelecer uma relação Deus/homem. Como disse Al-Junaíde, místico do século 9: “Ninguém conhece a Deus salvo o próprio Deus Altíssimo, pelo que para as melhores de suas criaturas Ele tão-somente revelou os seus nomes, nos quais se oculta”. E a atitude de Deus para com o homem é de compaixão, não de amor. Disse Maomé: “Ó Deus, concede-me amar-Te e amar aqueles que Te amam, e tudo quanto puder aproximar-me do Teu amor, tornando-me o Teu amor mais caro do que a água fria para o sedento viajante pelo deserto”. O amor islâmico pode ser traduzido como uma inclinação para o que é agradável. (JP).

[10] “Exige um grande esforço o trabalho de apresentar às pessoas, de um modo inteligente, as provas em favor do evangelho, de maneira que elas possam tomar decisões significativas, convencidas pelo poder do Espírito Santo. O coração não pode se comprazer com aquilo que a mente rejeita como sendo falso”. Pinnock, Viva Agora, Amigo, Atibaia, Editora Fiel, p. 8 in Josh McDowel, Evidência que exige um veredicto, SP, Candeia, 1992, p3.

[11] León Epsztein, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, São Paulo, Ed. Paulinas, 1990, "As Leis Mesopotâmicas", pp. 11 a 26.

[12] "Yahweh não elegeu Israel para fundar um novo culto mágico em benefício dele; elegeu-o para ser seu povo, para realizar nele o seu arbítrio. Portanto, por sua natureza, também a aliança religiosa foi uma aliança moral-legal, envolvendo não apenas o culto, mas também a estrutura e os regulamentos da sociedade. Assim, colocou-se o alicerce da religião da Torá, incluindo tanto o culto como a moralidade e concebendo a ambos como expressões da vontade divina". Yehezkel Kaufmann, A Religião de Israel, São Paulo, Editora Perspectiva, 1989, p. 232.

[13] Bereshit é uma expressão hebraica que normalmente traduzimos por “no princípio”. É formada pela preposição B mais var, que significa cabeça, início, principal, o mais elevado. Na Bíblia hebraica o nome do livro de Gênesis é Bereshit, porque o primeiro versículo das Escrituras começa assim: “No princípio ...”.

[14] “A centralidade da aliança para a religião do AT já possuía defensores muito antes de Eichrodt”. August Kayser, Die Theologie des AT in ihrer Geschichtlichen Entwicklung Dargestellt (Strassburg, 1886), p. 74. “A concepção dominante dos profetas, a âncora e o alicerce da religião do AT em geral, é a noção de teocracia ou, utilizando a expressão do próprio AT, a noção de aliança”. G. F. Oehler, Theologie des AT (Tubingen, 1873), I, p. 69. “O fundamento da religião do AT é a aliança por meio da qual Deus recebeu a tribo escolhida, a fim de realizar seu plano de salvação”, in Gerhard F. Hasel, op. cit., p. 57.

[15] Yehezkel Kaufmann, op. cit., p. 220.

[16] A Babilônia destaca-se no cenário mundial a partir do governo de Hammurabi (1728-1686 a.C.). Ele venceu militarmente a Assíria, subjugou antigos aliados e também o reino de Mari, importante centro comercial da época. Durante seu governo, a Babilônia teve um impressionante florescimento cultural.

[17] Samuel J. Schultz, A História de Israel no Antigo Testamento”, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1992, p. 31.

[18] Na verdade, foi uma época de grande confusão. Os hicsos, possivelmente povos semitas do sul da Síria, invadiram o Egito. Os hurrianos desceram das montanhas da Armênia em direção à Mesopotâmia e toda a área que vai da Mesopotâmia até o delta do Nilo viveu um século de incertezas, guerras e grandes processos migratórios.

[19] León Epsztein, op. cit., pp. 107, 108. “No deserto não existem muros para se protegerem, e daí a importância capital da liderança, a necessidade urgente de uma disciplina. Todavia, a mobilidade da vida nômade impede a fixação definitiva do poder em determinado grupo. Não há privilégio hierárquico. Quando surgem dificuldades, quando a guerra ameaça a segurança do grupo nômade, qualquer indivíduo de sagacidade maior ou de grande coragem impõe-se como chefe, mas não passa de primus inter pares: uma vez afastado o perigo, volta a seu lugar habitual. Diante de tais condições, o poder político dificilmente pode adquirir suficiente influência ou prestígio para prevalecer sobre a ética, sobre os valores morais, mormente com a crença dos hebreus, segundo a qual os homens, criados por Deus à sua imagem, beneficiam-se dos mesmo direitos e devem assumir as mesmas responsabilidades”.

[20] Em Gênesis 17:5 Deus muda o nome de Abrão para Abraão. Essa mudança de nome traduz o seu chamado. Abrão significa “tão grande quanto seu pai”. Mas Deus o chama “ab hamôn”, pai de multidão.
[21] Meir Matzliah Melamed, A Lei de Moisés e as Haftarót, Flórida, 1962, p. 33.

[22] Byron Harbin, Teologia do Antigo Testamento, apostila, SP, Faculdade Teológica Batista de São Paulo, 1995, p. 4.

[23] F. Davidson, O Novo Comentário da Bíblia, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1994, p. 160.

[24] Edgard Young Mullins, The Christian Religion in the Doctrinal Expression, Philadelphia, Judson, 1954, pp. 237, 431, in Harbin, op. cit., p. 5.

[25] É o “escândalo da história” ou “escândalo da particularidade” , segundo C. H. Dodd, The Apostolic Preaching and Its Development, Londres, Hodden and Stoughton, 1963, p. 88, in Gabriel Moran, Teologia da Revelação, São Paulo, Editora Herder, 1969, p. 54. 





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