samedi 26 septembre 2015

O espectro do vermelho

O ESPECTRO DO VERMELHO, Uma leitura teológica do socialismo no Partido dos Trabalhadores, a partir de Paul Tillich e Enrique Dussel é uma tese sobre os componentes teológicos encontrados no pensamento socialista no Partido dos Trabalhadores.

Defesa de tese apresentada – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 22 de dezembro de 2011.
Professor Dr. Jorge Pinheiro

HIPÓTESES

Nossa hipótese central a ser demonstrada é que a religião e mais precisamente o cristianismo foram componentes fundamentais na formação do pensamento socialista do Partido dos Trabalhadores. Essa hipótese tem dois desdobramentos necessários: em primeiro lugar, qual é o sentido teológico de um partido socialista que se forma desta maneira? E, na seqüência, somos obrigados a nos perguntar: é possível, teologicamente, demonstrar a importância disso? 

A partir da hipótese central, e de seus dois desdobramentos teológicos, trabalhamos com duas outras hipóteses, de caráter mais factual e histórico, de que um tipo de socialismo religioso predominou no conjunto do pensamento petista, fazendo com que as propostas marxistas e leninistas de organização partidária e de transformação radical da sociedade, fundamentadas na teoria da luta de classes e da tomada violenta do poder, fossem deslocadas no correr dos primeiros vinte anos de construção do PT.

Assim, tal socialismo deixou de defender o partido único, o centralismo democrático, a ditadura do proletariado e a tomada violenta do poder. E passou a levantar a bandeira da expansão da democracia e da solução de problemas brasileiros historicamente pendentes, como a questão da terra, do trabalho e da liberdade cidadã, porque a visão cristã de justiça social foi a que prevaleceu no ideário socialista do pensamento petista.

Acreditamos explicitar tais hipóteses ao responder o que o socialismo do Partido dos Trabalhadores tem a ver com a religião. Ou seja, em que medida o desenvolvimento do pensamento socialista dentro do Partido dos Trabalhadores pode ter uma releitura teológica?

As hipóteses apresentadas aqui partem da constatação já amplamente estudada, de que a Teologia, enquanto hermenêutica dos universos simbólicos, permite uma abordagem do problema do poder. Duas perspectivas são fundamentais nessa leitura teológica: a antropológica política, que percebe o simbólico como fundante da vida social, e a ética que, ao dar ênfase às instituições, pensa a relação entre instituições e estruturas políticas.

Acreditamos que os estudos desenvolvidos por Paul Tillich, assim como por Enrique Dussel, nos dão instrumentos para uma compreensão teológica da realidade política, quer a partir de uma leitura das raízes antropológicas, no caso de Paul Tillich, quer ética, no caso de Enrique Dussel.

Definido o campo motivacional dos autores, temos razões, instrumental e referências em que nos basear para desenvolver o trabalho ora proposto. E mais do que isso, levando em conta a riqueza do momento histórico vivido por nosso país, tanto em relação à consolidação da democracia, quanto em relação às perspectivas de construção de futuro, acreditamos ser este um momento especial e favorável para o desenvolvimento da tese proposta.

Dessa maneira, a análise teológica proposta parte do universo simbólico cristão e socialista como fundante do pensamento político e da vida militante dentro do Partido dos Trabalhadores como abordagens do problema do poder em suas relações com estes universos simbólicos.

REFERENCIAL TEÓRICO

Este trabalho toma como ponto de partida para o balizamento da tese dois pensadores: o teólogo e filósofo da cultura Paul Tillich e o teólogo e filósofo da libertação Enrique Dussel. O primeiro desenvolveu uma extensa produção sobre socialismo e religião nos anos que antecederam a II Guerra Mundial.

A teologia para Paul Tillich relaciona pólos, a mensagem cristã e a interpretação dessa mensagem, que deve levar em conta a situação daqueles a quem ela se destina. Situação, aqui, são “as formas científicas e artísticas, econômicas, políticas e éticas, nas quais [os indivíduos e grupos] exprimem as suas interpretações da existência”.[1]

Nesse sentido, a teologia deve dar respostas às perguntas implícitas na situação, não enquanto soluções definitivas, mas no sentido de procurar sínteses. Para isso, utiliza o método da correlação, ou seja, a análise da situação humana, de forma que venham à tona perguntas; e a individuação das respostas nos fatos reveladores, possibilitando respostas correlatas às perguntas colocadas pela própria existência.

A partir daí nos vemos diante da pergunta: que sentido tem a história? Tillich nega o negativismo fundamentalista que não vê sentido na história, mas também vai além do progresso intra-histórico, quer iluminista, quer marxiano. Para ele, o cristianismo propõe um símbolo religioso, o do reino de Deus, que deve ser interpretado como dimensão histórica e dimensão trans-histórica. Dessa maneira, o sentido da história está na manifestação do reino de Deus, quer enquanto reino da salvação em contraposição à história do mundo, quer enquanto diretrizes e movimento em direção à plenitude da história, que em sua dimensão transcendente e trans-histórica é a vida eterna[2].

Perguntas acerca das situações e respostas teológicas estão ligadas à existência. Por isso, ao analisar a questão do socialismo, Tillich faz uma teologia política onde seu referencial primeiro é o ser. Nesse sentido, podemos dizer que faz uma fenomenologia política quando analisa questões como o ser, a origem do pensamento político enquanto mito, e a partir daí procura trazer à tona os elementos não reflexivos do pensamento político. E é a partir da análise do pensamento político que Tillich vai explicar o surgimento da democracia e do socialismo.

Para Tillich, a distância que separa o ser e a consciência é necessária para que o ser se eleve à consciência. A consciência supõe não somente uma ligação ao ser, mas também um distanciamento que permita reflexão.

Normalmente, esta tarefa se cumpre com ajuda do conceito de essência. Desde Platão, a relação entre essência e fenômeno domina no Ocidente a teoria do conhecimento. Porém a lógica da essência não é suficiente para explicar as realidades históricas. A essência de um fenômeno histórico é uma abstração vazia, de onde se expulsou a força viva de história.

Assim, Tillich vai buscar a essência do socialismo na própria história e nos mitos que lhe deram origem. Em A Decisão Socialista[3], afirmará que o socialismo é um movimento de oposição, um movimento de oposição à sociedade burguesa, mas enquanto mediação, uniu-se à sociedade burguesa na oposição às formas feudais e patriarcais de sociedade. Entender esta raiz do socialismo ajudaria a entender as raízes do pensamento político que lhe deram origem. Tillich parte de uma teologia política onde seu referencial primeiro é o ser.

Mas para Tillich, não se pode entender o socialismo caso não se experimente a exigência de sua justiça como uma exigência do incondicionado. Quem não é confrontado pelo socialismo não pode falar do socialismo, a não ser enquanto expressão que vem do exterior[4]. Não pode falar dele em verdade, porque é contrário às tendências políticas que defende. Aí está o nó da origem.

Um dos conceitos trabalhados por Tillich é especialmente importante para a construção de nosso referencial teórico: o de socialismo religioso. O socialismo religioso, teorizado por Paul Tillich, parte da consideração de que as forças demoníacas da injustiça, do orgulho e da vontade de poder jamais serão completamente erradicadas da história. Como conseqüência, o socialismo religioso acredita que a corrupção da situação humana[5] tem raízes mais profundas do que as meras estruturas históricas e sociológicas. Estão encravadas nas profundezas do coração humano.[6]

Para o socialismo religioso, por isso, o momento decisivo da história não foi o surgimento do proletariado, mas o aparecimento do novo sentido da vida na automanifestação de Deus. Essa é uma diferença central com o pensamento de Karl Marx e do marxismo posterior. Para Tillich, é tarefa do socialismo religioso fazer a crítica, trazer à tona as questões últimas e decisivas da sociedade. Assim, o socialismo religioso se faz radical e revolucionário, porque vê a crise social do ponto de vista do incondicionado e a partir do espírito do profetismo e com os métodos do marxismo é capaz de entender e transcender o mundo atual.[7]

Assim, o caminho percorrido por Tillich nos fornece elementos para a construção de parte do instrumental teórico proposto neste trabalho.

Mas, por olhar a realidade a partir de um momento específico da história, que se dá na Europa, entre as duas guerras mundiais, faltaria nesta abordagem teológica de Paul Tillich o olhar latino-americano que, mesmo reconhecendo as estruturas comuns à história do pensamento político, indicassem novos aspectos e movimentos, entre os quais a presença cristã, institucional e invisível, na sociedade brasileira. Tal desafio nos levou a Enrique Dussel.

Na teologia de Enrique Dussel há uma questão de fundo que é a exploração dos povos periféricos. Exploração e dominação, para Dussel, acontecem quando o mesmo fecha-se em si, torna-se auto-suficiente, etnocêntrico, e não aceita o outro, a alteridade. Para o teólogo e filósofo da libertação, o outro não é percebido, já que na ontologia da totalidade não há espaço para o outro, que significa não-ser, negatividade.

Contra a lógica que não aceita a exterioridade, Dussel propõe a organização do discurso a partir da liberdade do outro.[8] Por isso, para ele, o discurso deve partir da analética: aqui o outro se apresenta como alteridade, pois irrompe como estranho, diferente, excluído, que está fora do sistema e grita por justiça.

Para Dussel, analético é o fato real pelo qual o ser humano, grupo ou povo se situa sempre além do horizonte da totalidade. O momento analético é o ponto de apoio de novos desdobramentos. Entretanto, o ponto de partida de seu discurso metódico é a exterioridade do outro. Como uma alternativa à dialética que trabalha com a contradição, a identidade e a diferença, o seu princípio não é o de identidade, mas da separação, distinção.

O momento analético do método dialético metafísico segue uma seqüência: a totalidade é posta em questão pela interpelação provocativa do outro. Escutar sua palavra é ter consciência ética, é aceitar a palavra interpelante por respeito à pessoa que fala; por não poder interpretá-la adequadamente. É lançar-se à práxis do excluído.[9]

Assim, a analética tem origem não na ordem estabelecida da totalidade, mas no outro.

Para Dussel, a ontologia, a partir do Iluminismo, não se baseou na relação pessoa-pessoa, mas na relação sujeito-objeto. Essa ontologia de uma só pessoa levou ao discurso solipsista. O olhar europeu colocou-se como superioridade em relação ao outro, externo, primitivo e subalterno, o que conduziu à colonização das vidas nas Américas.

A América Latina, afirma Dussel, foi e é marcada pela exploração. Desde a colonização seus habitantes, nativos ou não, foram desrespeitados como povos e culturas. Tal situação tem justificação teórica: o outro é revestido da impessoalidade do inimigo, do estranho, do inferior. Donde, não há problema se for exterminado, já que este outro está fora da totalidade. Nada acrescenta ou diminuiu à totalidade.

Este mal é transmitido de geração em geração. A prática histórica ganha característica de lei. Por isso, apesar de injusta, a exploração se torna legal. Para Dussel, a legalidade não pode ser o fundamento da moralidade[10]. Toda prática justa deve ir além do pré-estabelecido, da ontologia da totalidade, além da ordem legal vigente. A origem de uma moralidade justa não está no mesmo, mas no outro. A prática originada no mesmo é uma prática alienante, opressora e dominadora.

Dussel afirma em América Latina Dependência e Libertação que na passagem diacrônica, desde o ouvir a palavra do outro até a adequada interpretação, pode-se ver que o momento ético é essencial ao método. Somente pelo compromisso existencial, pela práxis libertadora no risco, por um fazer próprio, o mundo do outro, pode-se ter acesso à interpretação, conceituação e verificação de sua revelação.[11]

Dessa maneira, só aparentemente o pensamento europeu antepôs a teoria à práxis, pois o eu colonizo, o eu conquisto precedem o ego cogito, afirma Dussel. A exploração e a opressão criaram as condições históricas das quais nasceu uma filosofia da justificação e do ocultamento, uma falsa consciência da realidade. A práxis da dominação formou a subjetividade do conquistador: o eu moderno é livre, violento e imperial.

O pensamento eurocêntrico e sua extensão estadunidense ocultam o conceito emancipador de modernidade como saída do estado de menoridade. O que traduz a justificação da práxis de violência por parte de culturas que se autocompreendem como desenvolvidas. Esta superioridade impôs o desenvolvimento monolinear, proposto pela modernidade e agora pela globalização, aos povos “primitivos e grosseiros”. [12]

Podemos dizer que em Tillich, enquanto herdeiro de Hegel e do jovem Marx, a práxis é a mediação entre a ontologia e a efetivação do real. Esta correlação, que em Tillich vai virar método, é a procura da superação das dialéticas anteriores, que tratavam do conhecimento do ser e de suas manifestações fora da práxis histórica. Dussel também faz este trânsito, quando constrói uma dialética que não será hegeliana, nem marxista no sentido clássico, mas procurará correlacionar lógica, ontologia e metodologia na dinâmica da práxis.

Assim, Dussel busca uma ontologia que será refundada no sentido da metodologia e da lógica. Essa correlação com a exterioridade vai caracterizar a mobilidade da filosofia dusseliana da libertação, que por isso será uma filosofia da práxis.

Desenvolve, pois, o estudo da correlação entre exterioridade e ontologia face à dinâmica da práxis, tratando das formulações de método que acompanham a superação dos horizontes ontológicos. Dessa maneira, coloca a afirmação da exterioridade como fonte anterior às exigências da ontologia, fazendo o caminho inverso ao de Tillich, mas chegando a um cruzamento comum: a ética.

Por isso consideramos oportuno utilizar os dois pensadores, não apenas como complementares, mas enquanto referenciais que nos permitem analisar a articulação das categorias que possibilitam compreender os diversos momentos de elaboração do pensamento socialista no Partido dos Trabalhadores.

RESUMO DOS CAPÍTULOS

O primeiro capítulo da tese começa com a redemocratização do Brasil em 1945, o surgimento de novos partidos e a legalização do Partido Comunista Brasileiro, PCB. Analisa a polarização do campo socialista, com o PCB por um lado e o Partido Socialista Brasileiro, PSB, por outro, já que os dois partidos traduziam visões diferentes de socialismo.

Mostra como esses vinte anos da história do Brasil, conhecidos como a era dos partidos, desembocaram no golpe militar de 1964, abrindo uma outra era em que as liberdades democráticas e cidadãs passaram a estar sob a tutela de uma doutrina de segurança nacional fruto da divisão do mundo em dois blocos e da guerra fria.

Os capítulos dois e três nos fornecem as bases teóricas para analisar o pensamento político e a relação socialismo e cristianismo no Partido dos Trabalhadores. Nesse sentido, nosso primeiro referencial teórico é Paul Tillich, que nos apresenta elementos para analisar as raízes do pensamento político, do socialismo e de suas relações com o cristianismo.

Da mesma forma, no terceiro capítulo, trabalhamos com Enrique Dussel, cuja teologia parte da exploração da América Latina, considerada continente de terceira classe pelo primeiro mundo, nos dá elementos para uma análise da luta dos excluídos e do socialismo a partir do conceito de Outro. Essa leitura teológica do Mesmo -- aquele que se fecha em si, torna-se auto-suficiente, etnocêntrico e não aceita o Outro, a alteridade --, contextualiza e traz para o momento presente a antropologia política de Paul Tillich, elaborada entre duas grandes guerras do século XX na Europa. Assim, ao fazer a crítica da ontologia da totalidade, onde não há espaço para o Outro, pois é não-ser e negatividade, Dussel propõe uma ética da vida que nos remete a Tillich.

Os capítulos quatro e cinco analisam o longo período militar e a atuação dos vários segmentos cristãos à época, mostrando que se por um lado a esquerda clandestina procurava desestabilizar o governo militar, por outro setores expressivos da Igreja católica apoiavam e aderiam cada vez mais abertamente à luta contra o regime. 

Essa resistência levará, no final dos anos 70, às mobilizações sociais e políticas que possibilitaram a que setores da sociedade – entre os quais sindicalistas, cristãos e militantes da esquerda clandestina – viabilizassem a fundação de um Partido dos Trabalhadores. Tal novidade, que traduzia um velho sonho de trabalhadores e socialistas, polarizou a discussão acadêmica: que partido é esse, afinal? Que socialismo é esse do PT? Que relação existe entre socialismo e cristianismo no PT?

Parte das duas primeiras questões foram respondidas, a terceira continua em aberto. Por isso, uma das preocupações da tese está centrada na terceira questão.

No capítulo seis, discute-se, então, o papel da democracia no projeto socialista do PT, constatando como a contribuição da teologia para a compreensão da crise social e política de uma época, no caso de Tillich em relação à crise alemã e à ascensão do nazismo, nos permite analisar as origens do pensamento político no PT.

E da mesma maneira, como a teologia de Dussel, que procurou responder ao desafio de definir os problemas e os caminhos para o diálogo entre as populações excluídas na América Latina, agora nos fornece elementos para compreender o papel e a importância do cristianismo na construção do pensamento socialista no Partido dos Trabalhadores.

JUSTIFICATIVAS

Nos últimos anos, a academia brasileira produziu excelentes estudos sobre o Partido dos Trabalhadores e suas relações com a esquerda brasileira e o socialismo, entre os quais devemos citar os de Clóvis Bueno de Azevedo, Márcia Regina Berbel e Marco Antonio Mondaini de Souza[13]. Estes trabalhos efetuaram análise qualitativa do papel desempenhado pelos diferentes agrupamentos políticos da esquerda na formação do Partido dos Trabalhadores, abrindo caminho para a compreensão do socialismo e da formação do PT para a história das idéias socialistas no Brasil.

Mas no conjunto dos estudos acadêmicos pesquisados não encontramos dissertações ou teses que trabalhem a análise do Partido dos trabalhadores a partir da teologia. Tal ausência na pesquisa acadêmica chama a atenção, pois é fato notório de que a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base estiveram presentes na formação do PT, quer fornecendo reflexão teórica, quer participando com militantes e ativistas. É de se perguntar, então, porque tal silêncio. E por extensão se é possível compreender o pensamento e a história do PT sem correlacionar suas propostas sociais com a religião e o cristianismo.

Assim, a partir das fontes primárias de pesquisa, que são a documentação dos encontros e congressos do Partido dos Trabalhadores, e das fontes secundárias de pesquisa, que são a documentação jornalística, o trabalho vai procurar preencher a lacuna existente atualmente na pesquisa acadêmica referente à construção do pensamento democrático e socialista no Partido dos Trabalhadores.

Ao nosso ver, a justificativa da pesquisa fica mais clara quando falamos das Resoluções de Encontros e Congressos de 1979-1998, uma documentação que inclui as resoluções de onze encontros nacionais, dois encontros nacionais extraordinários, assim como as de seu congresso nacional. Como declararam Jorge Almeida, secretário-nacional de Formação Política do PT, e Luiz Soares Dulci, presidente da Fundação Perseu Abramo, em agosto de 1998, “são documentos fundamentais para a história do PT e para qualquer balanço político do Partido, bem como para estudos acadêmicos sobre o PT e a vida partidária brasileira nas décadas recentes”.[14] 

Assim, olhando para a documentação oficial do PT, em especial, Resoluções de Encontros e Congressos, e para a revista trimestral Teoria e Debate, que cobrem vinte anos da história do partido, temos um farto material para a compreensão da história do ideário do PT como um todo e do pensamento socialista em particular. Toda uma geração de militantes leu e tomou as revistas Teoria e Debate como fonte de inspiração.

Isto porque aqueles que se colocaram na brecha das lutas sociais, que se posicionaram ao lado dos excluídos e do movimento dos trabalhadores que começava a se organizar, viam essas revistas teóricas do PT não como leitura de lazer, mas como instrumento para suas ações. Essa literatura faz parte da história do socialismo e da imprensa brasileira. O desvelamento teológico do ideário do Partido dos Trabalhadores através da releitura dessa literatura pode permitir uma nova visão acerca do passado, calçando compromissos e envolvimentos num presente melhor compreendido.

Mas além da justificativa científica, não podemos esquecer a crescente importância do Partido dos Trabalhadores para a sociedade brasileira, assim como para a política nacional. Em termos sociais, o PT surgiu enquanto organização ligada às classes trabalhadoras da cidade e do campo, polarizando, inevitavelmente, a política nacional. A importância social da tese mostra sua relevância, ao analisar o papel da religião no próprio crescimento eleitoral do PT. Um exemplo disso, que na tese será analisado mais detidamente, é o fato de que o PT atua sobre o conjunto da sociedade brasileira modificando padrões sociais anteriormente estabelecidos. Assim, sua inserção nos grotões, através da presença cristã, modificou o perfil do voto conservador e de direita dessas áreas.

Ora, essa importância social nos leva à questão política. Sem mistificar os limites da presença do PT no cenário nacional, podemos dizer que construiu lideranças e desenvolveu uma maneira de fazer política – de diálogo com os setores excluídos e marginalizados da sociedade – senão inédita, ao menos resgatada, já que estava esquecida desde os governos de Vargas e João Goulart.

Dessa maneira, a proposta da tese O ESPECTRO DO VERMELHO, Uma leitura teológica do socialismo no Partido dos Trabalhadores, a partir de Paul Tillich e Enrique Dussel cobra importância política ao analisar a relação do cristianismo com a política brasileira: não mais de maneira periférica, mas através dos conteúdos simbólicos que falam ao conjunto da brasilidade.



[1] Paul Tillich, Systematic Theology I (1951), pp. 3-4.
[2] Esse processo, que parte do eterno e desemboca no eterno, Tillich vai chamar de pan-enteísmo escatológico. In Systematic Theology I (1951), p. 421.
[3] Paul Tillich, A Decisão Socialista, Introdução: As duas raízes do pensamento político, Potsdam 1933, Gesammelte Werke, II, pp. 219-365.
[4] Paul Tillich, La décision socialiste, Potsdam 1933, Gesammelte Werke, II, p.31.
[5] “Como Kierkegaard, Marx fala da situação alienada do homem na estrutura social da sociedade burguesa. Empregava a palavra alienação (entfremdung) não do ponto de vista individual, mas social. Segundo Hegel essa alienação significa a incursão do Espírito absoluto na natureza, distanciando-se de si mesmo. Para Kierkegaard era a queda do homem, a transição, por meio de um salto, da inocência para o conhecimento e para a tragédia. Para Marx era a estrutura da sociedade capitalista”. Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, São Paulo, ASTE, 1999, p. 193.
[6] A Era Protestante, op. cit., p. 271.
[7] Idem, op. cit., p. 274.
[8] Osvaldo Luís Golfe, O Mesmo, o Outro, o Ethos Latino-Americano na filosofia de Enrique Dussel in Artigos -- Jung e Pós-Jungianos, www.rubedo.psc.br | Artigos | © Osvaldo Luís Golfe.
[9] Enrique Dussel, Da Ciência à Filosofia da Libertação, in Filosofia da Libertação, São Paulo, Loyola, 1980, pp. 163-164.
[10] Enrique Dussel, Para uma ética da Libertação Latino-americana, Eticidade e Moralidade, p. 85.
[11] Enrique Dussel, América Latina, Dependencia y Liberación, Buenos Aires, Fernando Garcia Cambeiro, 1973, p. 121.
[12] “A palavra desenvolvimentismo indica uma categoria filosófica fundamental, uma posição ontológica pela qual se pensa que o desenvolvimento europeu deverá ser seguido com as mesmas características por qualquer outra cultura. É o movimento necessário, para Hegel; o seu desenvolvimento inevitável. Eurocentrismo e falácia desenvolvimentista são dois aspectos do Mesmo”. Enrique Dussel. El encubrimiento del Otro. Hacia el origen del Mito de la Modernidad, Madri, Ed. Utopia, 1992.
[13] Clóvis Bueno de Azevedo, Leninismo e social-democracia: uma investigação sobre o projeto político do Partido dos Trabalhadores, dissertação de Mestrado, São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1991; Márcia Regina Berbel, Partido dos trabalhadores: tradição e ruptura na esquerda brasileira (1978-1980), dissertação de Mestrado, São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1991; Marco Antonio Mondaini de Souza, Da esquerda revolucionária pré-64 ao PT: continuidade e ruptura, dissertação de Mestrado, São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1995.
[14] Resoluções de Encontros e Congressos, 1979-1998, Ed. Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 1999, p. 12.