dimanche 3 juin 2012

Morrer em Paris



Para Jim Morrison:
Morrer em Paris

Por Jorge Pinheiro, de Paris


Uma visita aos subterrâneos da capital francesa, que abrigam os ossos de milhões de personagens anônimos e famosos que deram a vida construindo o espírito de uma nação diferenciada. 



Catacumbas
Foto de Jorge Pinheiro


Três de julho de 1971. Você é âncora no imaginário, lenda: rei lagarto. Ataque cardíaco, overdose, assassinato, CIA. Afinal, você, Jimi e Janis, assim como Martin, Malcolm e outros diziam coisas, faziam coisas. E Paris é um bom lugar para morrer e ser morto. Oscar Wilde também tombou aqui.


Ninguém tem medo
Não é fantasma quem está lá embaixo,
Eu e você
Somos eu e você isso que se chama morte 



Hipótese absurda, improvável, inconveniente, embora os libertários só são bons e palatáveis depois de deitados. Vinte e sete anos é uma idade em que não se deveria morrer. Agora, você está no cemitério Père-Lachaise, lugar de peregrinação e culto para fãs tresloucados que vêem ou ouvem você cantando roucamente pelas noites frias.


Ninguém tem medo
Eu mato você mata ele mata
Desde pequenos
Caim foi mal
Esganar é natural 



Père-Lachaise é ponto turístico, cheio de mortos ricos e famosos, e outros nem tanto, mas quero falar de mortos-ossos empilhados aos milhões nas catacumbas de Paris. Desci. Deixei lá em cima a cidade luz, o movimento, uma cidade viva e alegre. Desci mais e mais, e depois caminhei por dois quilômetros de galerias, dos 300 que serpenteiam por baixo de Paris. Lá em cima, o verão, agradáveis 26 graus, aqui embaixo, trevas e escuridão, temperatura abaixo dos 14 graus, com algumas galerias parcialmente inundadas, e goteiras que escorrem por nosso rosto.


Olhei e vi o cavalo amarelo,
O cavaleiro se chama morte
E o mundo dos mortos segue
Não pergunto pelo morto



A origem das catacumbas de Paris, que poderíamos chamar de ossuário municipal, remonta ao século XVIII. Tudo começou com o cemitério dos Inocentes, que ficava perto de Saint-Eustache, no bairro Les Halles, que foi usado por quase dez séculos e se tornou, naquela época, uma fonte de infecção para os moradores da região. Depois de inúmeras denúncias, o Conselho de Estado, em 1785, optou pela remoção e fim definitivo do cemitério dos Inocentes.


Pessoas procuram, não encontram
Querem, ela foge
Para onde vai
Depende do que escolhemos ou já foi escolhido



Então, escolheram uma antiga pedreira, já cheia de galerias, para instalar aí esse tal inferno rochoso, que hoje está parcialmente sob o bairro onde moro, nesta primavera e verão de 2010, Denfert Rochereau. E a partir daqui estão depositadas milhões de ossadas dos antigos cemitérios de Paris.


Desconhecido convidado a descobrir
Morte pelos olhos
Enterro
Prelúdio imagens na câmera 



Mas não bastava transferir os ossos para as catacumbas, era necessário um trabalho de arquitetura que evitasse que as galerias desabassem sob o peso das construções de superfície e nem mesmo sob o peso do metrô, que corre em cima dos ossuários. E assim foram consolidadas as galerias, com obras de alvenaria, complementadas por uma escadaria, que desce a 20 metros abaixo do solo.


Particularidade milhares vestidos em trajes secos
Sombra luz drivers que guiam
Condição humana
Padres, homens, mulheres, crianças



A remoção dos ossos, com pompa e consagração religiosa do local começou em 1786. Cada uma dessas transferências de milhares de ossadas era acompanhada por missa e procissão com padres liderando o cortejo, com cantos fúnebres, e clamor a Deus pela paz eterna dos defuntos. E no final do cortejo, vinham carroções carregados com os ossos e cobertos por mantos negros. E, com o passar dos anos, até 1814, todos os ossos dos cemitérios de Paris foram transferidos para as catacumbas.


Eternidade agora
Contemplação e oferta
Singularidade, domínio do claro-escuro,
Platina, selênio em papel moeda
Contrastes
Imagens restauram o caráter

Pessoas singulares preocupante






Logicamente, essas catacumbas, com ossos empilhados, num espetáculo macabro, grafitadas com inscrições sobre o mundo dos mortos, é a última morada de muita gente conhecida. De reis e nobres como Carlos X, Napoleão III e seu filho, de revolucionários como Danton e Robespierre, de combatentes não registrados, apenas lançados lá, como os milhares da Comuna e dos que morreram pela liberdade, igualdade e fraternidade.
Jim, meu brother, você não está sozinho, apenas mora em outro pedaço.


Doors abrem
Drogas não são drogas
Guerras não são guerras
Matar não é matar
Morrer não é morrer
A morte e o mundo dos mortos entregam
Ossos que servem para fundar Paris. 



15/8/2010


Fonte: ViaPolítica/O autor