mercredi 31 mars 2021

A Teologia da Cruz

É interessante notar como a Teologia da cruz de Martinho Lutero atravessou todo o seu pensamento e sem ela conceitos fundamentais da teologia luterana não podem ser compreendidos perfeitamente. Com a Teologia da cruz, Lutero se opôs à Teologia da glória, que tem por base, entre outros textos, o Salmo 19.2-7:


"O céu proclama a glória de Deus, o firmamento anuncia a obra da sua criação. Cada dia a transmite ao dia seguinte e cada noite o repete à outra noite. Não pronunciam discursos, nem palavras, nem fazem ouvir a sua voz.Contudo, a sua proclamação chega até ao fim do mundo e a sua mensagem é ouvida nos confins da terra Deus fez no céu uma morada para o Sol, que aparece de manhã, como um noivo feliz, saindo da sua cama, como um atleta que anseia começar a corrida. Ele sai duma extremidade do céu e alcança, no seu percurso, a outra extremidade. Não há nada que se furte ao seu calor".


A Teologia da glória fundamentou a Escolástica e foi central no pensamento de Tomás de Aquino. Considerava que a revelação do Eterno estava prioritariamente na natureza e que através da razão, corretamente dirigida, poderíamos conhecer o Criador.


Já para o reformador, o Eterno é Deus absconditus, conforme encontramos em Isaías 45.15: "Na verdade, tu, és um Deus escondido, o Deus de Israel, o Salvador".


Este Deus absconditus, Deus de Israel, o Salvator, se revelou na cruz. Lutero dizia que o Evangelho é para o ouvido. Só o coração contrito ouve o Evangelho. As coisas do mundo, crimes, desastres, guerras, não convencem do amor do Eterno. Temos medo do amor do Eterno é só confiamos nEle quando fechamos os olhos e abrimos os ouvidos.


A Teologia da cruz de Lutero faz um versus com a Teologia da glória. Isto porque a teologia da glória confunde o Eterno que se entregou à cruz e ao sofrimento com o Deus da filosofia grega: Deus de glória e poder, mas indiferente e impassível. O Deus da filosofia é diferente do Eterno na cruz, que se esvaziou de atributos divinos por amor.


Para entender a Teologia da glória é importante compreender como se via a justificação na Idade Média. O conceito de justificação que prevaleceu na Patrística e na Escolástica partia da filosofia, da divinização do ser. Agostinho defendia a idéia da infusão da justiça de Cristo no humano através do sistema penitencial e sacramental da igreja ocidental romana. Para ele, a justificação era um processo que tinha início com a regeneração batismal.


Embora Lutero e sua Teologia da cruz tenham sido influenciados por Agostinho, mais tarde, revendo a doutrina da justificação em Agostinho disse que este havia chegado bem perto do sentido paulino, mas que não alcançara Paulo. Por isso, se no começo de seus estudos devorava Agostinho, quando descobriu Paulo e entendeu o que era a justificação pela fé, descartou Agostinho.


Lutero se separou da teologia agostiniana ao ler a epístola de Paulo aos Romanos, em especial, 1.17: "Nele se revela a justiça de Deus por meio da fé. Como está escrito: aquele que é justo pela fé viverá". Convenceu-se de que a justificação não era progressiva, e afirmou que sola fide justificate, isto é, só a fé justifica. Deixou de lado a justificação infundida, e passou a defender a justificação imputada pela fé.


Para Agostinho e a tradição escolástica, o sentido era tornar justo, por isso infusão. Para Lutero, o que Paulo dizia é declarar justo, ou seja, imputação, pois a justiça não é humana, não é inerente, mas colocada na conta. Dessa maneira, abandonou a doutrina da igreja ocidental romana da infusão da justiça, pois se a justiça de Cristo fosse infundida e não imputada, deveríamos crer que os pecados não foram imputados em Cristo, mas infundidos. Ou seja, são inerentes a Cristo, e Ele não foi feito à semelhança da carne pecaminosa, mas o pecado foi infundido nEle. Temos, então, um problema teológico: Cristo está desqualificado para ser a oferta aceitável pelo pecado, pois como o Eterno aceitaria um pecador para morrer pelos pecadores? Isso levaria o Eterno a afastar-se de sua justiça, a salvar de forma imoral.


Lutero descreveu a economia da salvação como uma doce troca entre Cristo e o humano, ao fazer uma paráfrase de trecho da Epístola de Mathetes a Diogneto:


"Oh! doce troca! Oh! operação inescrutável! Oh! benefícios que ultrapassam todas as expectativas! Que a impiedade de muitos fosse oculta em apenas um justo, e que a justiça de um justificasse a muitos transgressores, e então ele conclama: aprenda Cristo e o aprenda crucificado, aprenda a orar a Ele, perdendo toda esperança em si mesmo e diga: Tu, Senhor Jesus, és a minha justiça, e eu sou o teu pecado; tomaste em Ti mesmo o que não eras e deste-me o que não sou".


A Teologia da glória levou a igreja ocidental romana a erros em sua teologia prática, entre elas à venda de indulgências. Mesclou sua ação com poder econômico e político. Ignorou o testemunho do Eterno de que o Cristo é o Filho, a Palavra, a revelação especial e perfeita, e procurou Deus na face da natureza. E não viu o Eterno agindo na história. Não entendeu o clamor da Reforma.


A Teologia da cruz proclamou que toda ação do Eterno é amor e que sua obra é a redenção do mundo, que tem seu centro na cruz, quando, sob olhos humanos, o Filho do Eterno parecia desamparado. Por isso, como Lutero digo que devemos ouvir.


Jorge Pinheiro, PhD.



Tela da LIz Murakami





lundi 29 mars 2021

Y a-t-il un chemin humain?


Si oui, quelles sont les caractéristiques de ce chemin?
Si oui, quels sont les défis de ce chemin? 

« C’est par la foi qu’Abraham, lors de sa vocation, obéit et partit pour un lieu qu’il devait recevoir en héritage, et qu’il partit sans savoir où il allait.‭ » Hébreux 11.8

Le chemin de la spiritualité et de la liberté

Maintenant, nous allons réfléchir sur le chemin humain, à partir d’un concept de l’Ancien testament « la halakha ». La halakha est la notion de la loi de Dieu comme le chemin de la vie. Et cette notion est une des plus essentielles de l’Ancien Testament. On pourrait même la nommer la notion centrale. Donc, nous partirons de la pensée de l’Ancien testament, mais aussi de la construction millénaire chrétienne.

Il y a trois questions qui brûlent l'esprit de ceux qui se concentrent sur les choses de Dieu: pourquoi dois-je exister? Qui suis-je? Ai-je un destin? 

L'être humain est apprécié dans l’Ancien testament parce qu'il ne vient pas par hasard, il a l'universalité, il a liberté de construire son propre chemin. Et les textes du Pentateuque ne prétendent pas que l'être humain est bon ou mauvais, mais agit de dans polarité. 

Il semble clair dans le dialogue de Dieu avec Caïn, quand il dit qu'il est enclin au mal, que ce mal est devant lui comme un animal sauvage, mais Caïn doit le maîtriser. Cette conversation présente d’une façon humaine, la tendance au mal. On peut donc comprendre l’affirmation de la Genèse 6.5 : « L’Eternel vit que la méchanceté des hommes était grande sur la terre, et que toutes les pensées de leur cœur se portaient chaque jour uniquement vers le mal.‭ »

Et Genèse 8.21 « L’Eternel sentit une odeur agréable, et l’Eternel dit en son cœur : Je ne maudirai plus la terre, à cause de l’homme, parce que les pensées du cœur de l’homme sont mauvaises dès sa jeunesse ; et je ne frapperai plus tout ce qui est vivant, comme je l’ai fait.‭ »

Fait intéressant, aucun de ces textes ne parle pas de l'être humain comme essentiellement corrompu, mais enclin au mal. 

Où comme au Deutéronome 11.26 à 28b : " Vois, je mets aujourd’hui devant vous la bénédiction et la malédiction:‭ la bénédiction, si vous obéissez aux commandements de l’Eternel, votre Dieu, que je vous prescris en ce jour ;‭ la malédiction, si vous n’obéissez pas aux commandements de l’Eternel, votre Dieu, et si vous vous détournez de la voie que je vous prescris en ce jour, pour aller après d’autres dieux que vous ne connaissez point.‭ "

L’une de ces lignes force d'idées théologiques présentes dans les Écritures hébraïques est le chemin dans la loi de l’Eternel. Il traite avec les obligations religieuses qui doivent soumettre les Juifs dans leurs relations avec les autres et avec le Seigneur. Elle parle de mode de vie. Mais dans cette réflexion, nous utiliserons halakha, ou le chemin dans la loi de Dieu, dans son sens le plus large, comme le chemin de la vie. 

Ainsi, à partir du chemin, plutôt que de proposer un culte statique de Dieu, les Écritures nous disent de marcher avec lui. D'où l'idée de chemin. Ainsi, l'être humain est placé à chaque instant et chaque jour sur l'obligation d'exercer sa liberté et de choisir entre le bien et le mal, ou comme le Deutéronome 30.15 dit : « Vois : je mets aujourd’hui devant toi la vie et le bonheur, la mort et le malheur ". 

La vie est le don le plus précieux, le modèle du choix, car Dieu est vivant et nous sommes également en vie. Le bon choix est alors ceci: choisir la vie, ce chemin est entre croissance et décroissance. La façon dont la ligne-force de loi ou halakha est vaste et profonde dans l'Écriture, et sans elle serait incomplète. Et il est de cette structure théologique de la pensée hébraïque que nous voulons étudier la théologie du chemin. 

1. Y a-t-il un chemin humain?

« Car mes pensées ne sont pas vos pensées, vos voies ne sont pas mes voies, dit Seigneur ». (Isaïe 55.8)

Nous ne sommes pas un, mais multiples. Nous ne sommes pas gris, mais de toutes les couleurs. En fait, le Seigneur a construis l'être humain avec la liberté et le cadeau de choix. Ainsi, l'être humain est potentiellement autonome dans les limites de l'existence, construit le libre arbitre et donc la responsabilité. 

« ‭‭Tu diras à ce peuple : Ainsi parle l’Eternel : Voici, je mets devant vous le chemin de la vie et le chemin de la mort.‭». (Jeremiah 21.8)

C’est pour ça que nous devons comprendre l'engagement de l’Eternel à la construction permanente de l'être humain. La création, vue de cette façon, n'est pas complète. L'être humain, en tant que personne et communauté, continue à créer. Par conséquent, la construction de la spiritualité est la clé de l'avenir humain. C'est ce qui conduit à la création permanente. Et les anciens maitres de la loi nous posent une question : « Deviens-tu ce que tu es? » 

L'être humain, en tant que personne et communauté, est le créateur de lui-même. Sa vie est un voyage dans le but de devenir. Il devrait rebondir de « connais-toi toi-même » à « devenir qu’il est » et « de trouver qu’il est serviteur. » Il est le voyage de l'existence humaine et la liberté est un voyage en soi, une communion qui embrasse le cosmos, et doit être réalisé en taillant la pierre, symbole de l'être humain, où matériel devient le spirituel. 

Mais ce chemin dans la vie, met sa propre vie comme la raison de notre existence. Nous existons dans la vie et cette vie doit être vécue avec une intensité et une direction. Ou bien une expression humoristique du rabbin Baal Shem Tov :« Crainte de Dieu sans joie n’est pas peur, mais dépression. »

2. Quelles sont les caractéristiques du chemin?

Le récit de l'histoire de Caïn et Hebbel montre que la théologie du chemin est présente dans les Écritures depuis le début. C'est, depuis l'aube du défi humain d’halakha est placé devant lui. Ainsi, la lutte entre les deux frères traduit deux modes de vie et incarnent la fracture de l’image de Dieu et par conséquent l’aliénation humaine dans leur diversité, à savoir la distance de l'Eternel, et les domaines psychologiques, sociologiques et même écologiques.

Quand Caïn est né, Eve - l'hébreu חַוָּה, Hava, la vie - la Mère, heureux dit l’Seigneur a atteint un homme. Ce qui est un jeu de mots sur le mot qanah, l’achat, qui donnera mot Caïn, mais fait également référence à la virilité, c’est un mâle. En ce qui concerne Hebbel son nom Havel en hébreu signifie souffle, soupir, une brise légère, en ce sens que la vie était courte et sans laisser d'enfants.

C’est l'histoire de l'affrontement entre les deux frères, entre deux spiritualités. L'Éternel reçu volontairement l’offrant de Havel parce qu'il « a offert les meilleures parties à Seigneur. » Alors que Caïn « a pris des produits de la terre », peut être, les a offert négligemment. 

L'Éternel apprécie la sincérité des sentiments qui génère l'offre et non l'inverse, alors il a dit: « Je déteste, je déteste vos fêtes religieuses, je ne peux pas supporter vos réunions solennelles ne pas accepter les animaux qui sont brûlés en sacrifice ou des offrandes. … les céréales ou les animaux gras que vous offrez comme offrandes de paix. Arrêtez le bruit de leurs chants religieux, ne veulent pas entendre la musique au lieu de harpes, veulent qu'il y ait autant de justice que les eaux d'une inondation et que l’honnêteté est comme un fleuve qui ne cesse de courir ». (Amos 5: 21-24).

Ainsi, l'histoire des deux frères présente la métaphore de la fracture spirituelle de l’humanité.

3. Quels sont les défis du chemin?

Jésus tentait de faire comprendre à ses disciples, qui étaient aussi obtus que nous autres, que ni le pouvoir ni l’absence de pouvoir ne sont pas un chemin vers Dieu, ni ma richesse ni ma pauvreté, ni ma piété ni mon impiété, ni ce que je fais ni ce que je ne fais pas. Je puis toujours me chercher moi-même ici-bas, je ne me trouverai pas, parce que ma demeure n’est pas ici : elle est auprès du Père, et je n’en connais pas le chemin. Je suis « pauvre et malheureux » comme dit le Psaume 86.1. Mais justement, me dit Jésus, je ne suis pas livré à moi-même ! Il y a un chemin vers le Père, là où se tient ma maison, mon identité. Ce chemin ne m’est pas accessible par moi-même, mais il m’est ouvert, découvert, gratuitement, par le Père lui-même, par son amour pour moi. Ce chemin, c’est Jésus. Ce chemin s’emprunte par la foi. La foi, l’adhérence c’est de « coller » à Jésus, tout comme lui « colle » au Père et ne fait qu’un avec lui à nos yeux. Ça n’est pas de savoir des choses sur lui, mais de prendre ce chemin-là. C’est le seul chemin.

La marche avec Jésus doit être guidé par l'Esprit, parce que la construction de la liberté humaine est née de l'Esprit et la révolution spirituelle confronte la solitude de mes propres moyens. 

Deux notions fondamentales, l'être et le devenir, sont étroitement liés aux idées du chemin en Christ et la révolution permanente de l'Esprit. Seul Dieu est un. Quand nous parlons « être », nous parlons de l'Éternel. Mais les êtres humains, en Christ, marchent en vue de devenir l’être. Nous avons besoin de marcher notre voyage, symbolique du matériel vers le spirituel, afin d'intégrer, intérioriser la simplicité sublime de l'Eternel. Il est en ce sens que la marche devrait générer l’harmonie, la paix qui mène à la coexistence de notre communauté chrétienne. 

Spirituellement, il y a une scission au cœur de l'âme humaine dans l'histoire du conflit entre Caïn et Hebbel. Il est une parabole de l'être humain qui sacrifie une partie de son être. Le Caïn fermier passe de nomade à constructeur de villes. Et le pasteur Hebbel devient un symbole de la foi en mission et dans un contexte spirituel, il devient le premier martyr de l’Eternel.

Caïn est la métaphore d'une humanité qui tue en lui-même la liberté d’Hebbel, de la vie pleine en harmonie avec la volonté de l'Eternel. Et de vivre comme un vagabond, dans la solitude. Caïn fonda une ville. C’est sa façon de dire non à la volonté éternelle, qu’il considère injuste.

La communauté de la foi en tant que communion, ne devrait pas être un obstacle à la marche spirituelle. Au contraire, comprendre le concept de communauté, vivre ensemble pour rompre le pain, cette communion ne doit pas développer l'ambition, l'orgueil ou le réflexe xénophobe, mais l'ouverture à l'être humain. Son sens n’exclut pas la fraternité, mais l'étend de la communauté envers tous les êtres humains. L'objectif est difficile, mais il n'y a pas d'espoir à moins que nous ne persévérions vers le succès.

Apprendre la liberté est la première fois ce bâtiment, célébrée à Pâques, en marchant dans l'espoir. Nous avons marché vers le côté et vers le haut. Cette tradition a été transmise aux Juifs par la Torah, et est présent dans les commandements sur lesquels ils ont fondé la cohésion de la communauté juive. 

Le chemin associé à la révolution permanente de l'Esprit doit conduire à une spiritualité qui vole au-dessus des dogmes et de la formalisation. 

Nous devrions nous tous des êtres humains, ceux qui attendent le monde de l'Esprit. Et marcher dans la liberté de l'Esprit nous conduit à l'amour, qui est la clé de la communion. Par conséquent, l'amour de l'autre est de reconnaître qu'il a également été créé pour la liberté de l'Esprit. Et il marche vers la pleine signification de la vie. 

«Ne devez rien à personne, si ce n’est de vous aimer les uns les autres ; car celui qui aime les autres a accompli la loi.‭ En effet, les commandements : Tu ne commettras point d’adultère, tu ne tueras point, tu ne déroberas point, tu ne convoiteras point, et ceux qu’il peut encore y avoir, se résument dans cette parole : Tu aimeras ton prochain comme toi–même.‭ L’amour ne fait point de mal au prochain : l’amour est donc l’accomplissement de la loi.‭ » (Romains 13: 8-10)

L'amour donne dignité à l’acte de marcher. Et la liberté de l'Esprit nous donne conscience que l'amour ne peut pas être rétrogradé à des conceptions qui dégradent la dignité humaine. À-dire l'amour de l'autre n'est pas la foi, n'est pas destinée, il est l'acte de construire l'esprit et la liberté avec tout et tous.

À propos de conclusion

Voilà pourquoi nous disons, Hebel, un être humain en mission a été le premier martyr de l’humanité spirituelle. Mais Jésus, le Christ, el est le vrai martyr, le Seigneur réel, nous sommes caché en lui.

Tel est le défi du chemin en Christ, suivant le chemin ouvert par Hebel - de l’humanité en mission vers l'Éternel.

Tel est le défi du chemin, marcher avec Jésus, le Christ - qui en renonçant à la détérioration apparente, nous a appris à construire la spiritualité et la liberté qui rend chaque humain en vrai human. Et ce chemin qui nous amène à dire: ne pas faire ce que je veux, mais ce que vous voulez. 

On peut dire, alors, que j'existe parce que je mis au défi de marcher le chemin de la vie. Je ne me connais pas, je construis ce que je suis déjà. Et que seulement en me faisant découvrir mon destin, ma mission. Et donc nous sommes allés sur le chemin : marcher dans le chemin. Et lui, le Christ, le Messie est le chemin de la foi, de l’espérance et de l’amour. 

Jésus a dit : Je suis le chemin ! Allez, marchons sur le chemin de la spiritualité et de la liberté !

Et nous pouvons terminé cette réflexion avec les mots de Jude : « Rendrons gloire au Dieu unique qui nous sauve par Jésus-Christ, notre Seigneur ! Il peut vous empêcher de tomber dans le mal, il peut vous faire paraître sans défaut et pleins de joie devant lui dans sa gloire. À lui soient la gloire, la grandeur, la puissance et l’autorité depuis toujours, maintenant et pour toujours ! Amen. » (Jude 1.24-25)



Vamos celebrar a Páscoa !

Pessoal, vamos nos preparar para a Páscoa! 

O Pessach e a Páscoa do Senhor

Nosso texto central é Lucas 22.7-20. Leia no final do artigo. E os textos de apoio são Mateus 26.17-25, Marcos 14.12-21 e João 13.21-30. 

1. O que é o Pessach ou a páscoa judaica?

O Pessach é a celebração judaica que recorda a morte dos primogênitos no Egito, a fuga da escravidão e o êxodo dos israelitas para a terra prometida. A palavra pessach significa “passagem”, “travessia”, e Êxodo 12.12-14 Deus conta o que faria. Podemos dizer que o Pessach judaico é a festa da libertação do Egito e a conquista da liberdade em Canãa. O nome Pessach, Páscoa, foi adaptado pelos cristãos, e como, muito possivelmente, Jesus morreu no dia 14 de Nissan, que é o dia do início de Pessach, se acredita que a última Ceia de Jesus foi um Seder de Pessach, ou seja, um jantar, uma ceia de Páscoa.

2. O que é a Páscoa do Senhor

Mas, a "páscoa do Senhor", celebrada por Jesus, é diferente da "festa dos pães ázimos" (Levítico 23.6, Lucas. 22.1). 

* É sacrifício vicário (“o que faz às vezes de outro”) de Jesus, conforme ... "Depois pegou o pão e deu graças a Deus. Em seguida partiu o pão e o deu aos apóstolos, dizendo: – Isto é o meu corpo que é entregue em favor de vocês. Façam isto em memória de mim". Lc 22.19.

* É nova aliança de Deus com seu povo, conforme: "Depois do jantar, do mesmo modo deu a eles o cálice de vinho, dizendo: – Este cálice é a nova aliança feita por Deus com o seu povo, aliança que é garantida pelo meu sangue, derramado em favor de vocês". Lucas 22.20. 

* É promessa da sua volta, conforme: "Pois eu digo a vocês que nunca comerei este jantar até que eu coma o verdadeiro jantar que haverá no Reino de Deus". Lucas 22.16.

3. Então, o que é a Páscoa do Senhor?

* É sacrifício do Primogênito de Deus para nossa libertação do pecado

* É aliança eterna que começa aqui e se projeta na eternidade

* É a Sua volta, quando celebraremos com Ele a festa eterna da Páscoa, que é libertação pecado, mas também celebração da vida eterna!

E é por isso que somos cristãos e não judeus. E é por isso que celebramos a Páscoa do Senhor e não o Pessach judaico.

Eis o texto central do apóstolo Lucas. Leia agora: 

"Chegou o dia da Festa dos Pães sem Fermento, dia em que os judeus matavam carneirinhos para comemorar a Páscoa. Então Jesus deu a Pedro e a João a seguinte ordem: – Vão e preparem para nós o jantar da Páscoa. Eles perguntaram: – Onde o senhor quer que a gente prepare o jantar? Jesus respondeu: – Escutem! Quando entrarem na cidade, um homem carregando um pote de água vai se encontrar com vocês. Sigam esse homem até a casa onde ele entrar e digam ao dono dela: “O Mestre mandou perguntar a você onde fica a sala em que ele e os seus discípulos vão comer o jantar da Páscoa.” Então ele mostrará a vocês uma grande sala mobiliada, no andar de cima. Preparem ali o jantar. Os dois discípulos foram até a cidade e encontraram tudo como Jesus tinha dito. Então prepararam o jantar da Páscoa. Quando chegou a hora, Jesus sentou-se à mesa com os apóstolos e lhes disse: – Como tenho desejado comer este jantar da Páscoa com vocês, antes do meu sofrimento! Pois eu digo a vocês que nunca comerei este jantar até que eu coma o verdadeiro jantar que haverá no Reino de Deus. Então Jesus pegou o cálice de vinho, deu graças a Deus e disse: – Peguem isto e repartam entre vocês. Pois eu afirmo a vocês que nunca mais beberei deste vinho até que chegue o Reino de Deus. Depois pegou o pão e deu graças a Deus. Em seguida partiu o pão e o deu aos apóstolos, dizendo: – Isto é o meu corpo que é entregue em favor de vocês. Façam isto em memória de mim. Depois do jantar, do mesmo modo deu a eles o cálice de vinho, dizendo: – Este cálice é a nova aliança feita por Deus com o seu povo, aliança que é garantida pelo meu sangue, derramado em favor de vocês". Lucas 22.7-20.





jeudi 25 mars 2021

Homenagem ao Prof. Dr. Jorge Pinheiro


Relembrando. Obrigado a todos e todas! 


https://m.youtube.com/watch?v=G4rZ8Eo8PNQ


Depois de 23 anos como professor de Teologia, recebi uma homenagem por parte da Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Este vídeo fez parte das homenagens. Gostaria de tê-lo nos arquivos de Memórias de Perdões, já que meu coração repousa nesta cidade querida.


Jorge Pinheiro Dos Santos 

A Halakha - O caminho da espiritualidade e da liberdade


 

Aula Magna do Prof. Dr. Jorge Pinheiro 
na Faculdade Teológica Batista de São Paulo.

mercredi 24 mars 2021

A lei do Espírito da vida

A LEI DO ESPÍRITO DA VIDA

JORGE PINHEIRO

SÃO PAULO, NOVEMBRO DE 1995


“ Portanto, não existe mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus. A Lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te libertou da lei do pecado e da morte. De fato - coisa impossível à Lei, porque enfraquecida pela carne - Deus, enviando o seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado e em vista do pecado, condenou o pecado na carne, a fim de que o preceito da Lei se cumprisse em nós que não vivemos segundo a carne, mas segundo o espírito. Com efeito, os que vivem segundo a carne desejam as coisas da carne, e os que vivem segundo o espírito, as coisas que são do espírito” .

Romanos 8:1-5

Ουδεν αρα νυν κατακριμα τοις εν Χριστω Ιησου. ο γαρ νομος του πνευματος της ζωης εν Χριστω Ιησου ηλευθερωσεν σε απο του νομου της αμαρτιας και του θανατου. το γαρ αδυνατον του νομου εν ω ησθενει δια της σαρκος, ο θεος τον εαυτου υιον πεμψας εν ομοιωματι σαρκος αμαρτιας και περι αμαρτιας κατεκρινεν την αμαρτιαν εν τη σαρκι, ινα το δικαιωμα του νομον πληρωθη εν ημιν τοις μη κατα σαρκα περιπατουσιν αλλα κατα πνευμα. οι γαρ κατα σαρκα οντες τα της σαρκος φρονουσιν, οι δε κατα πνευμα τα του πνευματος.

ΠΡΟΣ ΠΟΜΑΙΟΥΣ 8:1−5


 Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

   ÍNDICE ANALÍTICO

A Liberdade Cristã

Não Há Nenhuma Condenação

Paulo, Servo de Jesus

O Coração das Escrituras

Pela Graça, Dom de Deus

"iii


 CAPÍTULO 1 
 


                     A LIBERDADE CRISTÃ

                 (O princípio do contexto)

Tecnicamente, temos aqui dois blocos de textos: um maior, que é o capítulo 8 inteiro, cuja temática é a da vida cristã sob a lei do Espírito; e um bloco menor, que vai do versículo 1 ao 11, e que trata especificamente da vida emancipada por esta lei do Espírito.

O texto em análise está dentro desses dois blocos, que nos dão a linha de pensamento do autor: uma sequência de análises sobre a vida emancipada (vs.1-11); a vida exaltada (12-17); a vida esperançosa (18-30); e a vida exultante (31-39). Dessa maneira, "neste capítulo, o apóstolo traça o curso da vida cristã, na qual a graça triunfa sobre a lei,

1 e os crentes experimentam livramento do pecado".

A epístola de Paulo, como um todo, enfoca três blocos temáticos: do capítulo 1 ao 8, fala da justificação pela fé; do capítulo 9 ao 11, discute a exclusão temporal dos judeus e a inclusão dos gentios ao povo de Deus; e do capítulo 12 ao 16, exortações práticas.

1

Davidson, F., "O Novo Comentário da Bíblia", Edições Vida

Nova, São Paulo, 1994, pág. 1167. "iv

 

 Ao analisar a justificação, mostra que a salvação do homem repousa fundamentalmente sobre a fé, proveniente da graça de Cristo e não na lei de Moisés. Essa misericórdia de Deus não depende da lei, porque o homem, em sua natureza pecaminosa, não tem como responder efetivamente às exigências da lei, que expressa a santidade de Deus. Assim, a graça provem de Cristo, que no seu amor e sacrifício, perdoa os pecados dos homens. A liberdade da vida cristã, liberdade diante da lei, não depende do próprio homem, nem do que ele possa fazer, mas daquilo que Cristo já fez por ele.

Há uma outra epístola de Paulo, que também trata dessa relacão lei versus graça, que é a carta escrita aos Gálatas, onde o capítulo correlato a Romanos 8 é Gálatas 5. Ali, o apóstolo escreve sobre a justificação pela fé, falando da liberdade cristã.

Sem dúvida, a análise de Paulo parte de elementos vetero-testamentários, que descreve no capítulo 4 de Romanos, ao explicar que a promessa feita a Abraão teve por base a fé, já que ainda era incircunciso e não tinha a lei, enquanto formalização apresentada a Moisés.

A passagem analisada encaixa-se perfeitamente não somente na linha geral de pensamento do autor, mas dentro do ensinamento bíblico como um todo.

"v


 "vi


 CAPÍTULO 2 
 


                 NÃO HÁ NENHUMA CONDENAÇÃO

             (O princípio gramático-literário)

O texto que estamos analisando está inserido numa epístola, forma literária específica, amplamente utilizada pelos apóstolos e pela igreja primitiva. No capítulo que segue, analisaremos com mais detalhes esta forma literária, inserindo-a no contexto histórico de gregos e romanos durante o primeiro século da era cristã.

A epístola aos Romanos é uma carta de difícil compreensão. Isto porque Paulo tinha o costume de escrever intercalando um pensamento central com várias digressões, tornando complexa a conexão das idéias expostas. Outra dificuldade é o próprio tema, já que o apóstolo estava tratando de um assunto eletrizante para a época, mas hoje aceito pela totalidade cristã: os gentios podem ou não tornarem-se cristãos sem serem prosélitos dos judeus?

Em Romanos 8:1-5, encontramos cinco verbos fundamentais para a compreensão do que o autor está expondo. São eles: (1) ηλευθερωσεν (ελευθεροω, ωσω, ηλευθωρωσα): o oposto ao estado de escravidão, receber alforria, não estar sujeito a uma obrigação, livrar, libertar. "Te libertou", variantes: "me libertou", "nos libertou". É um aoristo passado, isto

"vii


 significa que a ação foi plenamente realizada, mas segue

vigente no presente. (2) κατεκρινεν (κατακρινω, −κρινω, −εκρινα,

κεκριμαι, −εκριθην): penalidade imposta por condenação judicial,

servidão penal, condenar. Também é um aoristo passado. (3)

πληρωθη (πληροω, −ωσω, −σα, κα, μαι, θην): encho, aterro, encho a 1

ponto de transbordar, dou plenitude, cumpro. (4) περιπατουσιν (περιπατεω, −ησω, περιπατησα, −πεπαρτηκα): ando, vivo, dirijo minha

vida. (5) φρονουσιν (φρονεω, −ησω): penso, ter a mente controlada por, ter como hábito de pensamento, inclinar-se.

Desses verbos, dois são antônimos (receber alforria

versus condenado judicialmente) e levam à oposição que o

autor quer mostrar entre a lei do Espírito da vida e a lei

do pecado e da morte. Assim, ao regime do pecado, Paulo

opõe o novo regime do Espírito (cf. 3:27+), e diz que em

nós transborda o espírito da lei. Esse preceito da lei

(δικαιωμα του νομου, que pode ser traduzido como "o que é

justo / o que é bom na lei"), cujo cumprimento só é

possível pela união com Cristo através da fé, tem sua

tradução no mandamento do amor (cf. 13:10, Gl 5:14 e Mt

22:40). Isto porque, não vivemos segundo a carne (μη κατα

σαρκα περιπατουσιν), mas andamos no Espírito, ou seja, temos a

mente controlada pelo Espírito (αλλα κατα πνευμα).

1

"Cumprir, isto é, fazer que a vontade de Deus (revelada na

Lei) seja obedecida como deve ser, e as promessas de Deus (dadas pelos profetas) recebam seu cumprimento". Taylor, W.C., Dicionário do Novo Testamento Grego, JUERP, São Paulo, 1991, pág. 177, verbete πληροω, in citação de Thayer.

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 É interessante notar que a palavra lei (νομος, ου) aparece 70 vezes no texto de Romanos e sempre tem uma das três conotações: (a) revelação de Deus e de sua santidade, (b) foi dada para esclarecer o que é pecado, e (c) existe para orientar a vida daquele que crê.

Da mesma maneira, a palavra carne (σαρξ, σαρκος) é sempre utilizada em Romanos com um dos quatro sentidos: (a) natureza humana fraca (6:19), (b) natureza velha do cristão (7:18), (c) natureza humana de Cristo (8:3), (d) e natureza humana não regenerada (8:8).

O capítulo 8 de Romanos nos apresenta a operação do Espírito Santo, entendida nos versículos 4, 5, 6 e 10, como aquele que comunica a vida. No versículo 2, como aquele que dá liberdade. E no versículo 26, como aquele que intercede pelos crentes junto ao Pai.

É interessante notar que o texto original de Romanos 8, em grego, começa com dois advérbios intercalados por uma partícula ilativa (Ουδεν αρα νυν), que poderíamos traduzir assim: "Atualmente, por isso, nada em absoluto..." pode condenar aqueles que estão em Cristo Jesus.

Essa partícula ilativa (αρα), que é um conectivo, nos leva ao capítulo 7, onde o Paulo mostra que lei e pecado não são sinônimos. E que há uma grande diferença entre a natureza da lei e a natureza humana. Entre o que é Espírito e o que é carnal. O corpo, com os membros que o compõem

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 (7:24) interessa a Paulo enquanto instrumento da vida moral. Submetido à tirania da carne (7:5), ao pecado e à morte (6:12+; 7:23), Paulo clama: quem me livrará? E dá "graças a Deus, por Jesus Cristo, nosso Senhor" (7:25). É a partir desse clímax, que o apóstolo dá sequência ao texto, informando que "por isso", "hoje", "nada em absoluto" pode condenar os que estão em Jesus Cristo.

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CAPÍTULO 3 
 PAULO, SERVO DE JESUS

(O princípio histórico)

No mundo de gregos e romanos, as cartas particulares tinham em média, cerca de noventa palavras. Já os textos literários, como os de Sêneca, por exemplo, tinham em média

1

duzentas palavras . As epístolas de Paulo, no entanto, eram

bem maiores. A menor delas, dirigida a Filemon, tem 335 palavras, e a maior, enviada a igreja de Roma, 7.101 palavras. Assim, podemos dizer que o apóstolo Paulo criou um novo gênero literário, a epístola, maior que as cartas e os textos literários comuns à época, de conteúdo teológico explícito, e dirigida a comunidade específica.

Quase sempre, as cartas eram ditadas a um escriba profissional, chamado amanuense, que usava uma espécie de taquigrafia durante o ditado rápido. Depois, o amanuense burilava o texto, e o autor, finalmente, editava a carta.

1

"A usual folha de papiro media cerca de 34 cm x 28 cm

(...), podendo acomodar entre 150 e 250 palavras (...), e a maioria das cartas antigas não ocupava mais que uma página de papiro". Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, pág. 287. Ed. Vida Nova - São Paulo.

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 Na carta de Paulo aos Romanos seu amanuense foi Tércio (Rm. 16:22).

Quando escreveu sua epístola aos Romanos, Paulo era um cristão maduro. Tinha mais de cinquenta anos e 25 anos de conversão. Estava ansioso para ministrar nessa igreja, que já era conhecida no mundo cristão (1:8), e por isso escreveu a carta que deveria preparar sua futura visita (15:14-17). Foi escrita em Corinto, possivelmente no ano 58 d.C., quando Paulo estava levantando um coleta para os irmãos da Palestina. Partiu, então, para Jerusalém para entregar o dinheiro. Lá é preso, e acabará sendo levado à Roma, mas como prisioneiro.

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 CAPÍTULO 4 
 


                  O CORAÇÃO DAS ESCRITURAS

                  (O princípio teológico)

Para muitos teólogos, que vão de Orígenes a Barth, a

carta do apóstolo Paulo aos Romanos é o ponto alto das

Escrituras. Ela sedimentou a fé de Agostinho e a Reforma de

Lutero. Calvino, por exemplo, considerava que quem

entendesse  Romanos  estaria  com  a  porta  aberta  para  a

compreensão de toda a Bíblia. E Tyndale também diz algo

parecido, ao afirmar que Romanos é "a parte principal e

mais excelente do Novo Testamento, e o mais puro

Evangelion, isto é, as boas novas a que chamamos Evangelho,

e também uma luz e um caminho para penetrar em toda a 2

Escritura" .

Em termos de doutrina, Paulo em Romanos mostra que a

Lei de Moisés, em si boa e santa (7:12), fez o homem conhecer a vontade de Deus, mas não lhe transmitiu a força para cumpri-la. Deu-lhe consciência de seu pecado e da necessidade que tem de socorro (3:20, 7:7-13). Esse socorro, inteiramente gratuito, chegou através de Jesus. E a humanidade, morta no pecado, é recriada em Cristo (5:12-21), podendo agora viver em liberdade e justiça, segundo a vontade de Deus (8:1-4).

2

Packer, James I. in O Conhecimento de Deus, pág. 235.

Editora Mundo Cristão, São Paulo.

"xiii

 

 Romanos tem como tema central a revelação da justiça de Deus e a universalidade da obra de Cristo. E, se Romanos é o centro nevrálgico das Escrituras, o capítulo 8 é o coração de Romanos.

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 CAPÍTULO 5 
 


                  PELA GRAÇA, DOM DE DEUS

                 (Aplicando os princípios)

O capítulo 8 de Romanos mostra que a lei foi, através do sacrifício de Cristo, dominada pela graça. Como vimos neste estudo, a epístola de Romanos é fundamental no processo vivenciado pela Reforma. A igreja que rompe com o catolicismo romano, quer a reformada de Lutero, Calvino e Zwinglio, quer a revolucionária de anabatistas e inspiracionistas, entende que o apóstolo Paulo traça na epístola aos Romanos o curso da vida cristã, mostrando que através da graça há vitória plena sobre o pecado.

Paulo queria deixar claro que as propostas judaizantes não tinham razão de ser, pois a obediência à lei nunca logrou êxito. Através de Cristo, unido a Cristo pelo Espírito, aquele que crê está absolvido de seus pecados e pode iniciar uma vida de liberdade, dentro de uma nova lei, a lei do Espírito da vida em Jesus Cristo.

O que os cristãos do século XVI entendiam, contextualizando os ensinamentos de Paulo, é de não havia mais necessidades de obras e penitências para se alcançar a salvação. O que a Igreja Católica Romana proclamava, tanto

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 no que concerne às indulgências, como às obrigações de caridade, estava fora da doutrina cristã pregada por Paulo nas epístolas aos Romanos e Gálatas, assim como no restante das Escrituras.

Ainda hoje Romanos apresenta ensinamentos fundamentais para a igreja de Cristo: a pecaminosidade do homem (1:18-3:30); sua desesperada luta interior (7:14-25), a gratuidade da salvação (3:21-24), a eficácia da morte e ressureição de Cristo (4:23-25, 5:6-11, 6:3-11), a justificação pela fé (5:1-2) e nossa adoção como filhos (8:14-17).

É a partir desta hermenêutica, delineada nos vários passos apresentados neste trabalho, que o trecho de Romanos 8:1-5 deve ser interpretado. Teremos, então, uma melhor compreensão daquilo que o apóstolo Paulo chama de "a lei do Espírito da vida em Jesus Cristo" e de sua importância no caminhar do cristão.

                                              Jorge Pinheiro

                          São Paulo, 30 de novembro de 1995.

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                         BIBLIOGRAFIA

Davidson, A. M.,O Novo Comentário da Bíblia, Edições Vida Nova, São Paulo, 1994.

Davis, John D., Dicionário da Bíblia, Casa Publicadora Batista, Rio de Janeiro, 1978.

Dobson, John H., Aprenda o Grego do Novo Testamento, CPAD, Rio de Janeiro, 1994.

Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, Edições Vida Nova, São Paulo, 1991.

Halley, H. H., Manual Bíblico, Edições Vida Nova, São Paulo, 1993.

    Pollock, John, O Apóstolo, Vida, São Paulo, 1994.

Rega, Lourenço Stelio, Noções do Grego Bíblico, Edições Vida Nova, São Paulo, 1993.

    Taylor,  W.C.,  Dicionário  do  Novo  Testamento  Grego,

JUERP, Rio de Janeiro, 1991.

The Greek New Testament, United Bible Societies, USA, 1994.

Vanoye, Francis, Usos da Linguagem - Problemas e Técnicas na Produção Oral e Escrita, Martins Fontes Editora, São Paulo, 1979.

Virkler, Henry A., Hermenêutica - Princípios e Processos de Interpretação Bíblica, Vida, São Paulo, 1994.

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mardi 16 mars 2021

Agostinho de Tagasta

O Peso do Amor 
Jorge Pinheiro


“O mundo está transtornado, como se estivesse numa prensa. Coragem, cristãos, sementes da eternidade, peregrinos neste mundo, a caminho da cidade do céu! As provações que se multiplicam são o destino dos tempos cristãos, mas não constituem um escândalo para o cristão. Se amas este mundo, blasfemarás contra Cristo. E é isso o que te sopra o teu amigo, o teu conselheiro. Mas não deves escutá-lo. Se este mundo está sendo destruído, diz a ele que Cristo o previu”. [Sermão de Agostinho em outubro, sobre a queda de Roma, invadida pelos godos alguns meses antes, em 24 de agosto de 410]. 

Em l986, o mundo cristão comemorou 1600 anos da conversão de um homem apaixonado pela vida: Aurélio Agostinho. Aqui não faremos uma biografia desse pastor da igreja cristã, mas analisaremos, ainda que a galope, um dos momentos mais lindos de sua teologia, aquela que fala sobre o Espírito Santo e o amor. 

A África, berço de Agostinho, produziu três gênios do cristianismo: Tertuliano, Cipriano e o próprio Agostinho. O futuro bispo de Hipona nasceu no dia 13 de novembro de 354, na cidade de Tagasta, antiga Numíbia, hoje Anabá, na Argélia. Seu temperamento combinava paixão, sensualidade, e amor pelo conhecimento e pela verdade. Aos 17 anos uniu-se afetivamente a uma jovem, que lhe deu um ano depois, seu único filho, Adeodato. Durante 14 anos foi fiel a sua companheira. 

Intelectual brilhante, tornou-se maniqueísta na juventude. O maniqueismo foi fundado por Mâni, na Pérsia, no século III. Era um sincretismo que combinava elementos dos zoroastrianismo, budismo, judaísmo e cristianismo. Segundo Mâni, a luz e as trevas, o bem e o mal estão eternamente em guerra. Alguns conceitos do maniqueismo, como a concepção de espírito e matéria, aproximavam-se muito do pensamento gnóstico. Para os maniqueus, o homem era a prisão material do reino do mal. 

Em 384, Agostinho tornou-se professor de retórica em Milão, capital ocidental do império. Separou-se de sua primeira companheira, unindo-se a uma segunda. Nessa época, aproximou-se do neoplatonismo, uma interpretação mística e panteísta do pensamento de Platão. Essa filosofia quebrou a dureza de seu coração materialista e criou as condições para que mais tarde aceitasse o cristianismo. Mas nesse meio tempo, Agostinho tinha chegado ao fundo do poço. Seus ideais neoplatônicos e sua vida dissoluta estavam em choque. Certo dia, estava em seu jardim em Milão, refletindo sobre a força moral do cristianismo, que vira nos monges egípcios, homens simples, mas coerentes em sua fé, quando... e Agostinho conta nas Confissões: 

“E eis que ouço algo como uma voz, vinda de uma casa vizinha. Ela dizia, cantante, repetindo frequentemente: Toma! Lê! Toma! Lê! No mesmo instante, minha fisionomia mudou, fiz recuar as lágrimas que me assaltavam e pus-me a ler o que se encontrava no primeiro capítulo em que abri. Imediatamente, fez-se como que uma luz de segurança derramando-se em meu coração e todas as trevas da hesitação se dissiparam”. [Santo Agostinho, Confissões, 1a. parte, livro VIII, capítulo 12, p. 166, SP, Abril, 1973]. 

O texto de sua conversão foi Romanos 13: 13-14. "Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada disponhais para a carne, no tocante as suas concupiscências". 

Converteu-se no verão de 386. Na Páscoa de 387, Agostinho foi batizado por Ambrósio, juntamente com o filho Adeodato e com o amigo de juventude, Alípio. 

O peso do amor 

A semelhança de Tertuliano, Agostinho concebe a geração do Filho como ato do pensamento do Pai. E o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, é o amor mútuo entre ambos. Esse amor é uma Pessoa. Toda atividade de Deus ad extra decorre de sua natureza e é, por isso, comum às três Pessoas. 

Agostinho concebe imagens da Trindade no espírito humano, por causa de suas faculdades peculiares tais como o lembrar-se, o conhecer e o querer (memória, inteligência, vontade). 

"É no Vosso dom [Espírito Santo] que repousamos. Nele gozaremos de Vós. É o nosso descanso, é o nosso lugar. É para lá que o Amor nos arrebata e que o Espírito Santo levanta o nosso abatimento desde as portas da morte. Na Vossa boa vontade temos a paz. (...) O corpo, devido ao peso, tende para o lugar que lhe é próprio, porque o peso não tende só para baixo, mas também para o lugar que lhe é próprio. Assim, o fogo encaminha-se para cima e a pedra para baixo. Movem-se segundo o seu peso. Dirigem-se para o lugar que lhes compete. O azeite derramado sobre a água aflora a superfície. A água vertida sobre o azeite submerge debaixo deste. Movem-se segundo o seu peso e dirigem-se para o lugar que lhes compete. As coisas que não estão em seu lugar próprio, agitam-se, mas quando o encontram, ordenam-se e repousam". [Idem, op. cit., livro XIII, capítulo 9, pp. 291-292]. 

Este texto não é somente belo. Mil e trezentos anos antes de sir Isaac Newton, Agostinho intuia que há coisas tão leves, que sobem, ao invés de cair. E que todas as coisas só encontram o repouso quando estão no lugar que deveriam estar. E escreve um dos mais belos textos sobre o amor: 

“O meu amor é o meu peso. Para qualquer parte que eu vá, é ele quem me leva. O Vosso dom inflama-nos e arrebata-nos para o alto. Andamos e partimos. Fazemos ascensões no coração e cantamos o cântico dos degraus. (...) É o Vosso fogo, o Vosso fogo benfazejo que nos consome, enquanto vamos e subimos para a paz da Jerusalém celeste. Regozijei-me com aquilo que me disseram: iremos para a casa do Senhor. Lá nos colocará a boa vontade, para que nada mais desejemos senão permanecer ali eternamente”. [Idem, op. cit., livro XIII, capítulo 9, p. 292]. 

Para Agostinho, todo conhecimento é uma forma de amor. Só se ama aquilo que se conhece. E, a busca do conhecimento pressupõe sempre um conhecimento prévio. Para entender o pensamento de Agostinho sobre o amor é bom lembrar que ele vê Deus como unidade plena, viva e guardando dentro de si a multiplicidade. Em Deus há três pessoas consusbstanciais: Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai é a essência divina em sua profundidade insondável. O Filho é o Logos, o verbo, a razão e a verdade, através da qual Deus se manifesta. O Espírito Santo é o amor, mediante o qual Deus dá nascimento a todos os seres. 

É por isso que Agostinho diz: 

"As três coisas que digo são: existir, conhecer e querer. Existo, conheço e quero. Existo sabendo e querendo; sei que existo e quero; e quero existir e saber. (...) Repare, quem puder, como a vida é inseparável nestes três conceitos: uma só vida, uma só inteligência, uma só essência, sem que seja possível operar uma distinção que, apesar de tudo existe". [Idem, op. cit., livro XIII, capítulo 11, p. 293]. 

Assim, para Agostinho, o amor encontra o seu objeto no mesmo lugar que a razão o descobrira: no mais íntimo da alma, onde a memória se abre para Deus e onde mora a verdade. Na doutrina de Agostinho, a metafísica é inseparável da ética. 

A influência platônica

O pensamento de Agostinho sobre o amor tem uma base ética, que vem de Platão. Para o sábio grego, o conhecimento consiste numa vitória da inteligência sobre os sentidos. O filósofo será tanto maior quanto mais se distancia do passageiro, para se apegar as realidades inteligíveis. 

“Eles, os filósofos genuínos, desde os anos juvenis, não sabem o caminho da ágora, nem onde fica o dicastério, ou a sala do senado, ou o lugar onde se tratam dos negócios da cidade. Não escutam, nem lêem os decretos e as leis proclamadas ou escritas. Nem sequer em sonhos participam das facções e nas hetairias, que porfiam na eleição dos magistrados, nas assembléias, nas ceisas ou nos festins (...) nem prestam as suas lascivas seduções”. [J. de Castro Nery, Evolução do Pensamento Antigo, p. 88, PA, Globo, 1944. 

Mas como procurar, quando se desconhece o que se procura? Sócrates já havia observado: "Não buscarias, se já não tivesses achado". Assim, saber é, na maioria das vezes, recordar. 

Trabalhando com conceitos órficos e pitagóricos e com a mística do panteão grego, Platão propõe que o corpo é um túmulo e que se torna necessário um trabalho de purificação interna para expiar a sua queda do Olimpo. Em "Górgias", descreve o tempo de Cronos, quando os homens ainda eram julgados por um processo muito primitivo, em carne e osso. Plutão reclamava que os homens vinham cheios de beleza, muitos títulos, muitas jóias. Com isso, passavam até os assassinoa, ladrões e tiranos. Então, Zeus ordenou que deveriam ser julgados sem corpo. 

É verdade que foi breve a passagem de Platão pela mitologia grega, mas sem dúvida alguns conceitos permaneceram e estão ligados a sua formulação sobre moral. Assim, a terra onde moram temporariamente os mortais é apenas uma sombra comparada a outra. Os bem-aventurados estão lá em cima, nos céus, um lugar puro e ternamente agradável. Dessa forma, Platão defende a tese da imortalidade da alma, usando para isso argumentos da psicologia especulativa. Para ele, as reminiscências pressupõem que as almas estivessem existido antes. Daí, chega à conclusão de que se a alma é imortal, ela está ligada às realidade inteligíveis, pois estas são imateriais, imutáveis e incorruptíveis. Logo, a alma, por sua origem divina, também é imortal. E o corpo, pobre corpo, é um túmulo. 

Mas, o que impele a alma em direção ao bem? O amor. Não o sexo, que se funda na beleza dos corpos, mas se nutre da formosura da alma. No "Banquete", Platão parte do desejo sexual para chegar a forma divina de amor, que gera virtudes e pensamentos imortais. 

Na "Dialética" declara que são verdadeiras apenas as coisas imutáveis, necessárias e eternas. Essas verdades são as idéias, que estão acima do tempo e do espaço, e que só podem ser conhecidas pelo discurso, cujo tipo está nas provas matemáticas, e também pela intuição, que atinge os puros inteligíveis sem usar imagens. 

Todas as idéias são dependentes da Idéia Suprema, que é o Bem. Para Platão, a moralidade humana consiste em imitar a Idéia Suprema, fonte da felicidade. 

A virtude, que é a harmonia das faculdades humanas, é o meio para se chegar ao Bem. O homem, para Platão, é formado por uma alma trina: racional, que mora na cabeça; irascível, que mora no peito; e concupiscível, que mora no ventre. A virtude também se divide em três: a sabedoria, que domina a alma racional; a fortaleza, que robustece a alma irascível; e a temperança, que domina a alma concupiscível. 

No entanto, só a alma racional é espiritual e imortal. É espiritual porque move o corpo, mas é diferente dele. E é imortal porque participa das idéias eternas. 

A influência de Paulo e da tradição cristã 

As epístolas de Paulo, assim como a tradição cristã, fizeram parte da vida de Agostinho. Não podemos esquecer que ele se converteu ao ler Romanos 13. É interessante notar que, em seu livro XIII das Confissões, Agostinho cita Paulo -- que chama de Apóstolo com maiúscula -- 54 vezes, diretamente. Enquanto, em ordem decrescente, os livros seguintes mais citados são Salmos [31 vezes], Isaías [6 vezes] e Mateus [6 vezes]. As demais citações bíblicas estão abaixo desses números. 

Em textos que lembram I Coríntios l3 e também a primeira epístola de João, Agostinho diz que "o amor é a própria essência do homem, e por isso ele não encontra repouso enquanto não encontrar o seu lugar". [Philotheus Boehner e Etienne Gilson, S. Agostinho, Mestre do Ocidente in História da Filosofia Cristã, pp. 164-168, Petrópolis, Vozes, 1988]. 

Assim, para ele o amor é a alegria ontológica mais profunda, e seria uma insensatez querer separar o homem de seu amor. O problema consiste, então, não em relação ao amor como tal, mas unicamente ao objeto do amor. "Porventura, se diz que não deveis amar coisa alguma? De modo algum! Imóveis, mortos, abomináveis e miseráveis: eis o que seríamos se não amássemos. Amas, pois, mas atende ao que é digno do teu amor". [Idem, op. cit., pp. 164-168] . 

O problema central da moralidade é, portanto, para Agostinho -- e aqui ele traduz toda a tradição cristã -- , o da reta escolha das coisas a serem amadas. O amor consiste, principalmente, num peso interior, que atrai o homem para Deus. Amar sinceramente o outro significa amá-lo como a nós próprios, o que só é possível num plano de igualdade: quer elevando-o ao nosso nível, quer elevando-nos ao plano da pessoa amada. 

Entre o amor a Deus e o amor ao homem há um elemento comum: o amor ao bem. Portanto, o amor sempre terá por objeto o ser e o bem. É justo que amemos o próximo como a nós próprios, pois, enquanto bem ele se encontra no nosso nível. 

Amar a Deus, porém, é amar o bem como tal. Já não pode haver igualdade entre o amante e o amado. Para amar a Deus, convenientemente, devemos amá-lo de modo absoluto, com desigualdade. Ou seja, amá-lo mais que a nós próprios. De modo absoluto: sem esperar retribuição e sem comparação. A tradição cristã das testemunhas martirizadas estavam perto demais da vida de Agostinho, de forma que falar desse amor por Deus não era apenas exercício teológico. 

De todas as maneiras, para o bispo de Hipona esse processo não significava aniquilamento do eu, pois, no amor a Deus, esquecer-se equivale a encontrar-se e perder-se a ganhar-se. 

Assim, segundo a tradição apostólica e cristã, tomada por Agostinho, para entrar na plena posse do bem perfeito é necessário que o homem abdique de si próprio. Essa entrega plena a Deus, que assegura a posse de seu objeto, é o amor. 

O amor não é apenas o coração da moralidade, é a própria vida moral. O começo do amor é o começo da justiça, o progresso no amor é o progresso da justiça, a perfeição do amor é a perfeição da justiça. Dominado pelo amor, o homem cumpre cabalmente a lei divina. Amar e fazer o bem tornam-se sinônimos. 

Considerações

Esse amor pregado por Agostinho chegará à plena realidade com seu trabalho A Cidade de Deus. O império está sendo ameaçado, Roma sitiada acusa os cristãos por esta decadência política. E a discussão teológica dos anos anteriores, sobre a relação dialética entre o poder do Espírito e a majestade do amor, cria carne e vira praxis. Agora, como profeta preocupado com o destino da igreja no século presente, o bispo de Hipona clama: 

"Dois amores construíram duas cidades: o amor de si próprio em detrimento de Deus e o amor de Deus em detrimento de si próprio. Uma delas glorifica-se em si mesma e mendiga sua glória junto aos homens, a outra glorifica-se no Senhor. Deus, testemunha de sua consciência, é a maior glória da outra cidade". [A Hamman, Santo Agostinho e Seu Tempo, p. 307, SP, Paulinas, 1989]. 

Dessa maneira, o que era pessoal nas Confissões toma uma dimensão universal na Cidade de Deus. O amor de Deus abarca toda a humanidade. Aliás, quando as pessoas, vivendo a decadência daqueles momentos, diziam que os tempos eram maus, Agostinho replicava: "Os tempos são aquilo que nós somos. Não há bons tempos, há somente boas pessoas". [Idem, op. cit., p. 308]. 

Essa relação entre amor e cidade de Deus, para Agostinho está ligada ao caráter errante da vida cotidiana. 

“Todo homem vaga e procura. O que procura ele? Busca descanso, procura felicidade. Não há ninguém que não procure ser feliz. Pergunta a um homem qualquer o que ele deseja, e te responderá que procura a felicidade. Mas os homens não conhecem a estrada que leva à felicidade, nem o lugar onde a encontrar. Por isso é que eles vagam. Cristo recolocou-nos na boa estrada, no caminho que leva à pátria. Como caminhar? Ama, e correrás. Quanto mais fortemente amares, mais depressa correrás em direção à pátria”. [Idem, op. cit., p. 309]. 

Assim, o amor em Agostinho toma uma conotação universal, dentro da mais pura tradição paulina. Por isso, finalizamos esse estudo com um pensamento chave do pastor de Hipona: 

“Se quiseres saber qual é a cidade e a que chefe obedeces, escruta teu coração e examina teu amor. É o amor que identifica os homens e constrói as cidades. É pelo amor que seremos julgados”. [Idem, op. cit. p. 307]. 

A Cristologia da Agostinho 

1. Mediador. “Cristo nos reconcilia com Deus pelo sacrifício da paz, permanecendo um só com Aquele a quem fez a oferta, unindo em Si mesmo aqueles por quem ofereceu o sacrifício, sendo Ele mesmo um só como ofertante e sacrifício ofertado”. 

Atenção: ele é mediador enquanto homem, não enquanto Palavra. O objetivo total da encarnação da Palavra era que ele fosse cabeça da igreja e agisse como mediador. A intenção de Agostinho não é eliminar o papel da Palavra, mas enfatizar a humanidade de Cristo. O que essa doutrina procura mostrar é que, na humanidade de Cristo, o homem caído e seu Criador possuem um ponto em comum, onde pode ser efetivada a obra da reconciliação e da restauração. 

2. Essa mediação se realiza através da reconciliação -- a divindade participa de nossa mortalidade a fim de que participássemos de sua imortalidade; e da libertação -- liberta nossa natureza das coisas naturais, "a fim de tornar deuses aqueles que eram homens". Não é deificação, mas glorificação, uma libertação de Satanás. 

Agostinho dramatiza: "Do sangue de Cristo como o preço que foi pago por nós e aceito pelo diabo só para, então, ver-se acorrentado". É uma dramatização, uma alegoria. Satanás não possuía nenhum direito sobre a humanidade. O dominío dele, após o pecado, é uma permissão, não uma determinação de Deus. Por isso, Cristo não devia nenhum resgate à Satanás. 

Alguns teólogos consideram que o centro da soteriologia de Agostinho é a libertação do homem das mãos de Satanás. Discordamos desses estudiosos. Agostinho deixa claro que "mediante Sua morte, o mais verdadeiro sacrifício oferecido em nosso favor, Ele expurgou, eliminou e destruiu ... qualquer culpa que tínhamos". "Ele ofereceu este holocausto a Deus, estendeu suas mãos na cruz... e nossas maldades foram propiciadas... Tendo nossos pecados e maldades propiciados por meio desse sacrifício vespertino, nós passamos para o Senhor, e o véu foi removido". 

3. A humildade de Deus. O ensino de Agostinho não tem precedentes. "Cristo demonstrou o amor e a sabedoria de Deus". O que deve levar nossos corações a adorar a humildade de Deus, que conforme revelada na encarnação, rompe nosso orgulho. "Fazemos bem em crer, ou melhor, em manter firme e inabalável em nossos corações, que a humildade demonstrada por Deus, ao nasce de uma mulher e ao ser compelido à morte de modo tão ignominioso por homens mortais, é o remédio supremo para curar nosso orgulho intumescido, o profundo mistério [sacramento] pelo qual os laços do pecado são rompidos". 

Daí tira duas conclusões: 

A. É a humildade objetiva que se mostra na encarnação e na paixão que torna possível nossa reconciliação. 

B. Nossa imitação de Cristo é o efeito da graça divina liberada pelo sacrifício da cruz sobre nossos corações. "Jamais teríamos sido libertados, nem mesmo pelo único mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, se Ele também não fosse Deus. Quando Adão foi criado, ele era obviamente justo, não sendo necessário um mediador. Mas quando o pecado estabeleceu um imenso abismo entre a humanidade e Deus, foi preciso um mediador singular no nascimento, na vida e na morte sem pecado, a fim de que fôssemos reconciliados com Deus e conduzidos à vida eterna mediante a ressurreição da carne. Assim, pela humildade de Deus, o orgulho humano foi repreendido e curado, e mostrou-se ao homem o quanto ele se afastara de Deus, pois foi necessária a encarnação de Deus para a restauração do homem". [J. N. D. Kelly, Doutrinas Centrais da Fé Cristã, SP, EVN, 1994, p. 300]. 

A eclesiologia de Agostinho

A eclesiologia de Agostinho capitulou às pressões dos acordos políticos com o império romano helenístico e do crescente poder da hierarquia da igreja de seu tempo, o que levou-o a distorcer sua própria teologia. Por isso, todos nós, herdeiros da Reforma, discordamos da eclesiologia de Agostinho, mas nem por isso deixamos de ver nele um grande teólogo da igreja cristã. 

Assim, para Agostinho: 

1. A igreja é o domínio de Cristo, Seu corpo místico e Sua noiva -- a mãe dos cristãos. Fora dela não há salvação. Os cismáticos podem ter a fé e os sacramentos, mas não conseguem tirar bom proveito deles, pois o Espírito Santo só é outorgado à igreja. 

2. A igreja da qual Agostinho fala é a igreja católica de seu tempo, com sua hierarquia e sacramentos e com seu centro em Roma. Para ele, é a verdadeira igreja por ensinar toda a verdade e não fragmentos dela e por abranger todo o mundo. 

3. Nesse sentido a igreja de Agostinho é universal, empírica e visível a qualquer momento. É uma comunidade mista, abrangendo bons e maus. 

Bibliografia recomendada 

Agostinho, Confissões, São Paulo, Abril, 1973 
Boehner e Gilson, S. Agostinho, Mestre do Ocidente in História da Filosofia Cristã, Petrópolis, Vozes, 1988 
Cross e Livingstone, The Oxford Dictionary of the Christian Church, Oxford University Press, 1988. 
Finley, Los Griegos de la Antiguedad, Barcelona, Editorial Labor, 1970 
Hamman, Santo Agostinho e Seu Tempo, p. 307, SP, Paulinas, 1989 
Platão, Diálogos / O Banquete / Fédon / Sofista / Político, SP, Abril, 1979 
______O Banquete, Sintra, Portugal, Publicações Europa América, 1977 
W. Walker, História da Igreja Cristã, SP, Aste, 1967 





mercredi 10 mars 2021

Os evangélicos e a realidade

A aliança rebelde e o império do mal

Ou, como os evangélicos constróem a realidade

Jorge Pinheiro, PhD



O pensar evangélico nos constrange. Às vezes nos perguntamos, mas de onde saiu esse sujeito? De alguma caverna? Desceu da Lua e aterrizou aqui por acaso? Mas, se você já pensou em pós-modernidade e virtualização do pensamento e suas consequências éticas, sociais e políticas, está no caminho para entender esta presença que já se aproxima de um quarto da população brasileira. 


Há um verso de Nietzsche que pode nos servir de guia para pensar a religiosidade evangélica:

 

Agora celebramos, seguros da vitória comum, a festa das festas: O amigo Zaratustra chegou, o hóspede dos hóspedes! Agora o mundo ri, rasgou-se a horrível cortina, É hora do casamento entre a Luz e as Trevas…


Nietzsche pensava a ausência de horizontes. Em Além do Bem e do Mal, ele pensa contra a modernidade: faz um libelo contra os valores da modernidade, como o sentido histórico, a objetividade científica e, logicamente, a fé numa razão autônoma. Hoje, um filósofo norte-americano percorre, sob outras condições, questionamentos idênticos aos levantados por Nietzsche: Mark C. Taylor.

    

Ao trabalhar a questão da virtualidade na sociedade pós-moderna, Taylor vai utilizar um conceito que já vinha sendo usado na crítica literária, a idéia de imagologia. Antes, na teoria literária, e agora na filosofia de Taylor, a identidade do sujeito não pode ser encarada como uma forma de ser plena e apriorística, mas como realidade dinâmica ou relacional, onde se cruzam questões de identidade pessoal e social, o que também se dá na virtualidade, que acaba sempre por revelar uma dimensão estrangeira, que é manifestação de um outro. Na medida em que há constante busca identitária, o confronto com este outro supõe sempre uma comparação, explícita ou implícita, e se integra naquilo que, na terminologia filosófica de Taylor, será a imagologia, estudo das representações do outro, que também pode ser entendido como virtualidade.


Essa questão, realidade e imagem, na sociedade imagológica já tinha sido analisada por psicólogos da escola piagetiana. Segundo eles, é difícil ensinar a pensar de modo lógico a um menino que está sob o bombardeio de imagens distantes da lógica, como acontece nos programas infantis. E onde até mesmo as entrevistas ao vivo fazem parte da criação de algum gênio da publicidade. A moda e o show bizz, por exemplo, fazem parte desta realidade, onde o que é apresentado pelo entrevistador não tem nada a ver com a realidade da audiência ou com o próprio artista/produto, já que suas imagens sofrem uma transformação mágica para poder ser popular, ou pelo menos este é o objetivo.

 

Assim, antes, na modernidade, as criações virtuais eram imitações da realidade. Mas hoje, na pós-modernidade, falamos de virtualidade enquanto criação de realidades que não correspondem ao que temos no mundo imediato, quer cultural, social ou político. Por isso, como disse Nietzsche, “rasgou-se a horrível cortina, é hora do casamento entre a luz e as trevas...”. 


Vivemos um momento de complexidade sem precedentes, onde as coisas mudam mais rapidamente que nossa habilidade de compreender. Diante disso, será possível distinguir entre realidade e virtualidade na comunidade imagológica evangélica?

 

As religiosidades evangélicas podem ser chamadas de locais de consumo e apontam para  a construção imagológica de uma monarquia teocrática, onde um rei libertador governará apoiado por profetas. Nesse sentido, o capitão Jair Messias Bolsonaro encarna e sintetiza a imagologia evangélica. Mas uma estrutura não é aquilo que alguém busca, pois as religiosidades enfatizam movimento e troca. O conhecimento simbólico nas religiosidades evangélicas emerge de uma interação entre entendimento e as expressões de fé, que são filtros através dos quais são processadas a informação. Se alguém pensa tais categorias como um vigamento historicamente emergente de interpretação, em constante processo de formação, deformação e reforma, estamos diante de um salto como o das tecnologias de produção e reprodução. 


O movimento evangélico traduz tal rebelião: é pós-moderno, quando nega a modernidade e sua racionalidade hermenêutica, quando aceita que seu universo seja dominado pelo mercado, e quando celebra o consumo como expressão pessoal. Começamos então a ver os modos em que os evangélicos processam a experiência, onde o conhecimento pertence às pessoas, mas está em fluxo constante. Não é apenas uma questão de como pensam, é uma questão de como vêem, ouvem e temem. E aí entram ethos evangélico e política, e questões como aborto, feminismo e movimentos gays, enfim, direitos civis, passam à centralidade do pensar a política. E neste ver, ouvir e temer, as mídias abrem uma percepção nova e capacidades de apercebimento. O ponto em que se faz a troca é uma questão importante. Essas redes de troca não são apenas religiosas, são culturais, políticas, sociais. Entender as religiosidades evangélicas como constituídas por redes de troca é fundamental.


No Brasil de hoje podemos falar de uma multidimensionalidade do tempo na cultura. Ora, antes, sem dúvida, o tempo deveria ser distintamente diferente para evangélicos e o restante da população, mas agora com a presença dos tempos artificiais produzidos pela tecnologia, em especial a mídia informatizada, os ritmos e tempos se interpenetram.

 

Assim, ao analisar o pensamento político da religiosidade evangélica no Brasil, a partir dos profetas midiáticos, podemos dizer que se deu uma ofensiva contra os direitos civis, democráticos e seculares. Os profetas dessas denominações midiáticas adotaram o discurso da crise moral e lançaram as bases para a construção de um pensar político. Assim, formataram um projeto de defesa da hierarquia, com suas desigualdades sociais, que seriam inevitáveis e naturais. Tal postura política tem como modelo imagológico a  monarquia bíblica, expressa nos reinados de Davi e Salomão. Esta direita, diferente de tudo que até então se conhecia no Brasil, foi favorecida pelas oposições ao trabalhismo reformista, cresceu e virtualizou maciçamente sua presença. Normalmente, de forma apressada, chamamos tal movimento de fundamentalista.

 

A Reforma protestante desde os seus primeiros momentos buscou fundações. Conhecemos os princípios basilares apresentados por Lutero: a justificação pela fé, a sola scriptura, o livre exame dos textos sagrados e o sacerdócio universal dos crentes. A partir desses conceitos de liberdade surgiu um conjunto de princípios em cima do qual se levantou a teologia reformada. Tal construção foi vista como base que legitimou a expansão de uma das maiores revoluções religiosas da história ocidental. E, assim, surgiu a teologia reformada como fundamento de todos os protestantismos e também dos evangelicalismos, com seus diferentes matizes e leituras.


A utilização da expressão fundamentalista para a religiosidade evangélica brasileira não está errada, mas se torna reducionista ao prender-se aos aspectos negativos do termo -- conservação, integrismo, retroação – e deixa de ver aspectos relacionais positivos que a busca por fundação implica.


Uma das questões que nos perguntamos quando pensamos a crescente força da religiosidade evangélica é se, de fato, esta religiosidade outorga sentido às massas urbanas. Consideramos que o brasileiro é pessoa potencialmente espiritual, e que essa espiritualidade tende a se expressar em diferentes formas de religiosidades. E essas religiosidades nos grandes centros brasileiros ocupam um espaço privilegiado. Ora, se a espiritualidade é a dimensão da profundidade do ethos brasileiro, na urbanidade essa busca, por várias razões, é incrementada e direcionada ao evangelicalismo. Basta ver que no Brasil urbano a comunidade evangélica cresceu 61,45% em dez anos (IBGE, 2012). Assim, se a população brasileira urbana é religiosa, essa religiosidade foi catalisada pelo maciço processo de evangelização dos últimos setenta anos.

 

A espiritualidade traduzida nas religiosidades das cidades brasileiras está presente em todas as ações do ethos brasileiro, na cultura, na educação, na ética e na política. Por isso, cada vez mais expoentes das comunidades se pronunciam publicamente sobre questões que antes pertenciam estritamente a esfera civil não-religiosa. 


Em razão disso podemos dizer que enquanto fenômeno urbano a religiosidade evangélica é, dialeticamente, fator de agregação e desagregação. Podemos, até explicitar essa dualidade com alguns exemplos. Durante a redemocratização brasileira, nos anos pós-ditadura militar, evangélicos e suas comunidades se dividiram enquanto forças reformistas de apoio aos governos trabalhistas e forças reativas que se ligaram aos governos de oposição ao trabalhismo. Assim, as religiosidades evangélicas são desagregadoras quando se mobilizam contra os direitos civis e o estado de direito. Mas agregam quando defendem a vida como direito humano. Com isso, constatamos que as religiosidades evangélicas podem ser uma coisa ou outra ou mesmo, enquanto comunidades, ambas. Essas são marcas da história evangélica recente. Mas, é claro que seria um erro uniformizar a atuação dos evangélicos. O certo é que evangélicos, em nome dos fundamentos e virtualidades das doutrinas de suas comunidades, confrontam a laicidade no Brasil.


Um Brasil ávido de fundamentos

 

O Brasil desde 1940 vem numa acelerada marcha de urbanização. Em 1940, 30% da população do país viviam em cidades. Hoje, 83% da população moram em cidades, portanto, oito em cada dez brasileiros vivem em núcleos urbanos. Além do aumento da população urbana ocorre no país uma urbanização do território: há crescimento da população urbana, do número de cidades, e os núcleos urbanos passam a se espalhar por todos os estados e regiões do país. 


Surge, então, uma rede urbana ampla, interligada e complexa. Expande-se, assim, o modo de vida urbano, apoiando-se nos sistemas de transportes, telecomunicações e informações. Por outro lado, ocorreu uma tendência à desconcentração de atividades. Temos, então, uma situação em que permanece o peso acentuado das metrópoles, ao mesmo tempo em que há a desconcentração ou repartição de atividades entre as metrópoles e outros núcleos.

 

A religiosidade evangélica montou a cavalo no processo de urbanização. A procura evangélica por fundamentos é uma mostra de que o fenômeno não traduz um movimento espontâneo, mas foi dirigido para a construção de raízes que lhe dessem estabilidade e permanência. As antigas instituções religiosas, primeiramente calcadas no catolicismo rural e depois no protestantismo de migração e de missão, estão presentes nessa procura evangélica por fundamentos. E tal processo não tem definições precisas e sólidas, as religiosidades evangélicas urbanas necessitam de um permanente olhar à frente. E nesse olhar à frente, vêem que as necessidades estruturais da sociedade e o descontentamento nem sempre claro das populações as levam a busca de fundamentos.

 

Ao acrescentarmos a variável urbanização ao evangelicalismo brasileiro, entendemos que a procura por fundamentos é também produto da globalidade e que, embora possa assumir formas antiglobais, sua tendência é partilhar as características da globalidade. Ou seja, surge como desequilíbrio e traz insegurança para as massas, e o movimento evangélico, calcado em fundamentos, apresenta-se como opção de sentido, esperança e vida para essas massas. Os estudos publicados pelo IBGE mostram que em 1970 a população protestante/ evangélica tinha 4,8 milhões de fiéis, e que em 1980 passou a 7,9 milhões. Constatou que na década de 90, a velocidade de crescimento das comunidades protestantes e evangélicas foi quatro vezes maior que a da população brasileira. Assim, em 1991 chegou a 13,7 milhões; em 2000 a 26 milhões. E em 2010, a 42,3 milhões, ou seja 22,2% dos brasileiros. Atualmente, o movimento como um todo caminha para ser um quarto da população.

 

Como vimos, uma das características da religiosidade evangélica é a procura por fundamentos. Tal tendência pode ser ilustrada não como retorno às tradições históricas da Reforma, mas como leituras imagológicas do Antigo Terstamento. De tal forma, que o movimento evangélico hoje é expressão profunda da virtualidade.

 

Assim, expressões do fenômeno evangélico são ressignificadas. São produções sintetizadas e sincretizadas de diferentes tradições, mas em especial do imaginário judaico-cristão. São formas particulares de adaptação à urbanização e uma resposta aos efeitos da tribalização multicultural.

  

E deixamos a conversa


O desafio das religiosidades evangélicas consiste em não demonizar sua presença na política brasileira. Se os evangélicos consideram que a realidade é uma construção da fé e da oração, que remove montanhas, devemos reconhecer que a ética protestante, calvinista, cumpre um papel social importante. Ao proibir o consumo do álcool, de drogas, a prostituição e os jogos de azar, por exemplo, melhoram a situação familiar. Por outro lado, defendem a economia de livre mercado, que não é o inimigo, pois possibilita a escensão social. O inimigo é o império do mal e sua decadência moral. 


Podemos, caso utilizemos critérios modernos de análise, falar em tempo da mentalidade conservadora versus tempo da mentalidade progressista. Mas tais critérios de análise, embora sejam aparentemente facilitadores, já não cabem na multidimensionalidade do tempo na cultura. Devemos, então, falar de conflitualidade endêmica da sociedade brasileira e, como consequência, dos dilemas presentes na relação política versus movimento evangélico. 

 

Temos que ver que a realidade se expressa de forma imagológica na política das religiosidades evangélicas. Isto faz com que as propostas evangélicas interseccionadas enquanto governamentais, quer no que se relaciona à pessoa, à família ou às comunidades, se entrelaçam e produzem mutações e novas qualidades no tempo político brasileiro.

 

Donde, o Apocalipse, tão caro à escatologia evangélica, se apresenta como interseção entre a realidade divergente de tempo privado e tempo público. E aqui me lembro de George Lucas, quando disse que sua inspiração para moldar a aliança rebelde na Guerra nas Estrelas foi a luta dos guerrilheiros vietcongues, ou seja, da Frente de Libertação Nacional do Vietnã. E Lucas disse: "Estamos lutando contra o maior império do mundo e somos apenas um monte de sementes de feno com chapéus de pele de cabra que nada sabem". Hoje, os evangélicos brasileiros se rebelaram contra o império do mal. Ou seja, as religiosidades evangélicas por sua virtualidade colocam desafios culturais – éticos e políticos – à laicidade brasileira. Isto porque o tempo evangélico deixou o corner e  traduz para seu público variáveis éticas, políticas e socias, que plasmam tempos de confronto com a sociedade laica e pluralista.

 

Essa rebelião caminha com a ascensão e presença marcante do movimento evangélico. Nesse sentido, resistem ao império do mal. Mas, não há porque demonizar as religiosidades evangélicas. É necessário sim buscar compreensões culturais e históricas que  levem as lideranças da sociedade civil a uma atualização do pensar a política no Brasil, reconhecendo que o país não está diante de nuvem passageira, mas de realidades que interagem profundamente com os desafios do estar brasileiro hoje.