mardi 27 novembre 2012

Até naqueles dias

Por Jorge Pinheiro

Uma das temáticas do humano é a presença do Espírito e sua correlação com o Cristo, pois a humanidade é emancipada por esta correlação. Temos, através do Espírito, uma humanidade emancipada, esperançosa e exultante. Traçado o curso da humanidade, no qual o presente triunfa, os humanos experimentam o livramento da alienação. Ou como canta Maciel Melo, em “Até Naqueles Dias”.

“Eu não consigo viver sem seu dengo, meu amor
É bom demais estar com você
Acho bonito, acho muito lindo
Ver você sorrindo, ouvir você dizer
Que eu sou dengoso e meio desligado
Que sou descarado e não sabe o porquê
Me ama com tanto xamego”.

O desejo de Eterno pode ser sintetizado na ceia do Cristo, no seu sofrimento, mas também na alegria da ressurreição. Quando o humano cresce no presente se reveste de semelhança. Comer o pão juntos, na comunidade da fé, é ato afetivo e de cuidado com a humanidade machucada. Por isso, quando o Cristo olhou a humanidade, ficou com misericórdia porque ela estava abandonada e aflita. Daí que vamos bailar algumas idéias sobre a ceia do Cristo.

A teologia diz que há salvação para aqueles que estão no Cristo. O Espírito da vida no Cristo é a vida liberta do destino de acabamento e alienação. De fato, o Eterno enviou o seu Cristo em humanidade semelhante a nós e disse não à alienação no humano, a fim de que um novo destino se cumprisse no humano segundo o Espírito. Com efeito, os humanos que vivem no Espírito amam as coisas que são do Espírito.

Daí o amor-serviço para fazer o bem bom sem olhar se judeu ou grego, pois o Eterno mostrou o seu prazer: Cristo se acaba quando o humano dorme e acorda na alienação. O amor-serviço fala com os que estão caídos e diz que Cristo preferiu não estar assentado, mas entregou a vida pela humanidade. O amor-serviço traz paz aos caídos, porque não pesa a mão, ao contrário quer pessoas novinhas em folha. Sigam os meus pés, manejem e treinem do meu jeito, porque tenho amor-serviço e estou agachado, só assim vocês vão dormir folgados, disse o Cristo. É isso mesmo, no Cristo o humano não vive no rabo de arraia, mas na sapiência. É mestre sim, mas do bem, de delicadeza.

Temos, então, um alinhamento igual à esquerda e à direita pela certeza, a exclusão temporal de alguns e a inclusão da humanidade. Ao analisar o alinhamento igual à esquerda e à direita vemos que o ir além do humano repousa sobre a certeza, proveniente do presente em Cristo. Essa misericórdia do Eterno não depende do escrito, porque o humano não tem como responder às exigências do escrito, que expressa o Eterno que está do outro lado. Assim, o presente chega com o Cristo, que na sua dor e prazer dá o indulto às alienações humanas. A liberdade diante do escrito não depende do humano aqui, mas do humano para lá de humano. Assim, há um ir além nessa correlação entre o escrito e o presente. 

“Me chama de nego, quando quer xodó
Aí começa aquela agonia
Que faz a gente levantar do chão
A gente esquece a hora e passa o dia
E a noite vem sem prestar atenção
Que prós amantes, tanto faz
O que importa é o impulso, é o desejo, é a paixão”.

Uma toada linda é a animação, que não pisa a fraqueza da humanidade. Quando alguém é apanhado com a faca na mão, no momento do golpe vil, humanos desarmam, mas não esquecem a amor-serviço do Espírito. Ajudam e obedecem à lei do Cristo. Por isso desobriga e é desobrigado pelo Eterno. A desobrigação da pena foi cantada por Cristo, porque esquecer o dinheiro que foi levado é difícil, mas é o que Eterno faz comigo e você. E é o que nos leva à rede, na varanda, no fresco da tarde. É resultado do amor-serviço, da desobrigação e do gozo, quando a comunidade da certeza acende o farol alto e mostra à humanidade que a rede e a taba são possíveis, mesmo quando o mar não está para peixe.

Cristo fala de liberdade. Para ser livre não basta a certeza, é necessário permanecer. Mas o que é isso? É continuar na certeza. No humano para lá de humano não deve haver cera. Permanecer é constância e ser humano no Cristo. Mas para ser livre é preciso também conhecer o axioma. E o que é conhecer? É gostar de dormir com, mesmo que tenha que comer sal juntos. Depois, então, é que se vai descobrir, inteirar. É a partir daí que o humano caminha em direção à liberdade. E a liberdade passa a ser a vida distante da azáfama da alienação.

O eterno acorda e dorme no partir do pão. Gente é parecença chamada a viver a experiência humana como comunidade da certeza. Pode beber e comer bênçãos nas celebrações de todos juntos. Gente é convocada a conviver na consistência do Cristo.

“Eu te amo quando é de manhã
Eu te amo quando é meio-dia
Eu te amo quando é de noite
Eu te amo todo santo dia
Eu te amo de qualquer maneira
Eu te amo até naqueles dias
Que por qualquer besteira você briga
E se intriga sem qualquer razão
Eu te amo, eu te quero, te desejo
Eu te dou meu coração”.

Liberdade no Cristo é ir para a cama sem a faina da alienação, das coisas que amarram e impedem o movimento do Espírito. Descobrir o significado de duas toadas, conhecer e ficar, na celebração do Cristo leva ao axioma e ao livramento da azáfama da alienação, acabamento e escombros.


Maciel Melo, compositor e cantor, no Programa Estação Nordeste,
na Rede Globo, em 04/julho/2009, cantando a música "Até Naqueles Dias".

lundi 26 novembre 2012

O punhal de Abraão

Por Jorge Pinheiro


“Quando chegaram ao local que Deus havia indicado, Abraão fez um altar e arrumou a lenha em cima dele. Depois amarrou Isaque e o colocou no altar, em cima da lenha. Em seguida pegou o punhal para matá-lo". Gênesis 22.9-10.


Eis um dos textos mais desnorteadores do Antigo Testamento. Abraão, em obediência a Deus, se prepara para sacrificar seu filho. Neste artigo vamos fazer a leitura desse texto a partir de um ensaio teológico, "Temor e tremor", escrito por Sören Kierkegaard, em 1843.


O sacrifício de Isaac por Alonso Berruguete, 1526


Sören Kierkegaard (1813-1855), dinamarquês, é fundador da teologia da existência. Ele recusou o ideal de um saber intelectual e universal, defendido por Hegel, e mostrou o caráter voluntário e singular da vida cristã, que se consubstancia no ato de fé.


Kierkegaard foi conhecedor dos clássicos. Amou a música e a literatura, a filosofia clássica e moderna. Fruto dessa paixão, construiu uma teologia da existência que teve o objetivo de confrontar idéias e experiências à luz do cristianismo.


Sua teologia baseou-se em conhecimento e experiências sentimentais. A partir de problemas pessoais procurou explicação para a existência. Não se contentou em analisar o conteúdo da consciência e daí construir uma teologia da existência. Relacionou conhecimento e experiências e estabeleceu entre elas uma dialética. É através da dialética que percebe as experiências da existência: estética, ética e experiência da fé.


Experiências da existência


A experiência estética é básica na realidade humana. Os valores estéticos estavam presentes no romantismo e influenciaram artistas e intelectuais do século XIX. É difícil definir essa experiência, porque é diversificada, embora sempre tenha uma característica comum: o desejo. O desejo produz satisfação afetiva, emocional e material, e a principal experiência estética é o desejo erótico.


Mas, a experiência estética não nos realiza plenamente. Muitas vezes, os objetivos não são claros e se perdem por não haver plena satisfação.


Há uma outra experiência humana que, ao contrário da experiência estética, é de mais fácil definição: a experiência ética. Isto porque é marcada por uma vida governada por normas morais. O herói da experiência ética é o marido fiel.


Kierkegaard combina a teoria do amor romântico com a teoria do acordo matrimonial, na forma de amor cristão entre duas pessoas que reconheceram em Deus o responsável por esta união. O casamento cristão, indissolúvel, pleno de companheirismo, é um discurso de exaltação ao amor. O casamento é o meio através do qual homem e mulher fazem uma opção, tendo Deus como testemunha. É aqui que se evidencia a experiência ética: os dois terão que resistir aos dias maus para manter a vida conjugal.


Assim, casamento é risco, mas, ao mesmo tempo, a mais profunda experiência para se atingir tal sentido de vida. O casal deve entender que o heroísmo moral da vida cotidiana é a única forma de desviá-los dos caminhos que comprometem a relação conjugal. Só o heroísmo ético, aliado à ajuda de Deus, pode salvar a vida conjugal e a vida moral.


Mas o casamento não é a única e derradeira experiência humana. A fé é uma fonte de inspiração e um espaço de reflexão e existência.


O cristianismo de Kierkegaard era composto por duas realidades marcantes: por um lado, o cristianismo com suas doutrinas e seus paradoxos, e, por outro, a tensão psicológica com que ele recebia essas doutrinas e paradoxos em meio aos problemas existenciais.


Nesse sentido, "Temor e Tremor" é uma introdução ao mundo cristão de Kierkegaard. O objetivo do livro é mostrar, através da história do patriarca Abraão, que a experiência ética não é absoluta, fica ofuscada diante das exigências da experiência da fé.


Abraão não hesitou em sacrificar Isaque e esta entrega lhe deu o filho de volta. A experiência da fé é entrega ao Deus que não vemos e comunica-se através do silêncio. As duas primeiras experiências, estética e ética, não podem existir sem a experiência da fé. A fé deve estar presente tanto na experiência estética quanto na ética. A fé é uma experiência que desestrutura experiências e possibilita o encontro com a realidade da vida cristã.


Mas fé implica fazer escolha, já que é solitude e colocar-se sob o olhar atento de Deus. Esse estar só no sofrimento nos leva ao sentido da subjetividade e da existência. Em 1848, Kierkegaard passou pela experiência de conversão e registrou em seu Diário: "A totalidade do meu ser está transformada... Mas a crença no perdão dos pecados significa crer que aqui no tempo o pecado é esquecido por Deus, que é realmente verdade que Deus o esquece".


E, em 1850, escreveu em seu Diário: "A peculiaridade da raça humana é: justamente porque o indivíduo é criado à imagem de Deus, o 'indivíduo' está acima da raça. Isto pode ser entendido erroneamente (...) reconheço. Mas isso é o cristianismo. E é aí que a batalha deve ser travada".


Deus é subjetividade infinita. O cristianismo é uma fé histórica, mas como os resultados dos fatos históricos são incertos, o importante é a escolha. Crer em Deus é um salto de fé, um compromisso com o absurdo. A pessoa faz uma escolha por aquele fato histórico porque significa tanto que arrisca a vida por ele. "Então vive; vive inteiramente cheio da idéia, e arrisca sua vida por ela; e sua vida é a prova de que crê".


Não precisa haver provas para a pessoa crer e viver a fé. Sem riscos não há fé. Por isso, há no pensamento de Kierkegaard, uma palavra chave: o amor. É por amor que Deus decide agir, mas como seu amor é a causa, seu amor também é o fim. Deus quer estabelecer relações com o ser humano.


"Deus encontra sua alegria em vestir ao lírio com mais esplendor que Salomão" (Fragmentos Filosóficos, p. 59).


O amor de Deus ensina, mas também leva a um novo nascimento, passando do não ser ao ser, pois "o fazer nascer pertence a Deus cujo amor é regenerador" (Fragmentos, p. 68).


Deus busca transformar o não ser do ser humano. Assim, "para obter a unidade, Deus deve se fazer igual ao seu discípulo", e para isto toma a forma de servo. Deus sofre a fome, o deserto, tudo experimenta por amor ao ser humano. Kierkegaard afirma que só Deus pode salvar o indivíduo do desespero.


O salto da fé


O sentido estético da existência nos é dado, também, pela busca da realização profissional e pelo consumo e posse de bens. Abraão fez essa experiência estética, mas ela não bastou. Por isso disse a Deus: "Ó Senhor! Ó Deus Eterno! De que vale a tua recompensa?" O sentido ético na vida do patriarca não foi dado por sua relação com Sara, pois não foi um marido exemplar (cf. Gênesis 12.13; 20.2), mas pelo nascimento de Isaque. O filho prometido possibilitou a Abraão essa experiência ética, mas, ainda assim, faltava ao patriarca a experiência da fé, a entrega a Deus daquilo que lhe era mais caro.


Abraão não está na situação do herói que deve escolher entre valores subjetivos e objetivos. Deus não está testando a sabedoria de Abraão. A força de sua fé fez com que Abraão optasse por Deus. Caso o sacrifício se tivesse consumado, Abraão não teria como justificá-lo à luz de uma ética humana. Seria o assassino de seu filho. Permaneceria toda a vida indagando acerca das razões do sacrifício e não obteria resposta. Do ponto de vista humano, a dúvida permaneceria para sempre.


No entanto, Abraão não hesitou: a fé fez com que ele saltasse da razão e da ética para o plano do absoluto, âmbito em que o entendimento é cego. Abraão ilustra na sua radicalidade o desafio da fé. A fé representa um salto, a ausência de mediação humana, porque não pode haver transição racional entre o finito e o infinito. A fé é inseparável da angústia, o temor de Deus é inseparável do tremor.


Por isso, o punhal de Abraão é o símbolo desse salto. É desespero e angústia. Mas o movimento da lâmina, que aparentemente antecede a morte, conduz ao grito de Deus: Abraão! O movimento da lâmina leva a um renascer, a um novo sentido de vida, ao encontro com o filho amado.

O sacrificio de Isaac por Marc Chagall, 1966


Tudo o que a existência envolve de afirmação da fé não pode ser explicado pelo pensamento enquanto representação e significação. O conceito jamais dá conta das tensões e contradições que marcam a vida pessoal. Existir é existir diante de Deus, e a incompreensibilidade da infinitude divina faz com que a consciência vacile como diante de um abismo. Não podemos apreender racionalmente a contemporaneidade do Cristo, que faz com que a existência cristã se consuma num instante e ao mesmo tempo se estenda pela eternidade.


Essa virtude teologal traduz adesão pessoal a Deus e combina reflexão e êxtase. É procura infindável e visão instantânea da verdade. É paradoxo: a alienação é condição da perdição, mas Cristo veio ao mundo para resgatar o ser humano. Qualquer teologia que não leva em conta essas tensões, derivadas de estar o finito e o infinito em presença um do outro, não constitui fundamento adequado da vida.


O duplo movimento do infinito


Quando nos colocamos diante de nós próprios e de nosso destino, olhamos um fato que nenhuma lógica pode explicar: a fé. Esta não é substituição afetiva provisória que dura enquanto não se fortalecem as luzes da razão. É um modo de existir. E esse modo nos situa em relação ao absurdo e ao paradoxo. O paradoxo de Deus feito ser humano e o absurdo das circunstâncias do advento de Cristo.


Cristo, Deus tornado ser humano, é o mediador. É por meio de Cristo que o ser humano se situa existencialmente perante Deus. Cristo é o fato primordial para a compreensão que o ser humano tem de si. Não há mediação conceitual, prova racional que nos transporte à compreensão da divindade. A mediação é o Cristo vivo, histórico, é o fato do sacrifício do cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.


Aqui se situam as circunstâncias que fazem da encarnação de Cristo um absurdo: a verdade não nos foi revelada com as pompas da representação e significação do objeto pelo pensamento. Ela foi vivida pelo Filho de Deus, que morreu na cruz como criminoso. O acesso à verdade depende da crença no absurdo, pois, como afirma o apóstolo Paulo, "Deus pega os sábios nas suas espertezas". É o absurdo que possibilita a verdade. Caso permanecesse a distância infinita que separa Deus e o ser humano, jamais teríamos acesso à verdade. É a mediação do paradoxo e do absurdo que nos coloca em comunicação com Deus. Por isso devemos dizer: creio porque é absurdo. Este é o caminho do encontro com Deus.


Em seu Diário, Kierkegaard escreveu em maio de 1843, época em que trabalhava no texto de Temor e tremor: "A fé, portanto, tem esperança nessa vida igualmente, mas apenas em virtude do absurdo, não por causa da razão humana; do contrário, seria meramente sabedoria mundana e não fé".


Assim, estamos diante do "duplo movimento do infinito", que nos leva a romper com a finitude, mas possibilita, por meio da fé, recuperá-la. É possível tornar a vida compatível com o amor de Deus. A renúncia nos conduz a uma relação negativa com o mundo, mas a fé nos traz para uma nova relação com o mundo, agora construtiva.

mardi 20 novembre 2012

Violência, uma raiz sem raízes

Por Jorge Pinheiro, de São Paulo

Uma leitura ontológica do espírito, da consciência e da matéria, a base de ser e estar violento: “multiplicarei o teu sofrer e a tua conceição: em dor darás à luz filhos”. (1)

A violência estabelece uma proposição: um princípio atemporal e não espacial, sobre o qual a razão titubeia, uma vez que aparentemente transcende a concepção de humanidade, mas, ao mesmo tempo, reduz qualquer expressão humana. Parece estar além da razão: é impensável. 

  Caim mata Abel

Podemos, no entanto, partir do postulado de que há uma violência ontológica, que antecede toda violência manifesta. Esta causa maior é a raiz sem raiz de tudo que foi e é violência. Despida de atributos não tem, a princípio, nenhuma relação com a violência expressa. É a violência que é e está além da razão de ser violento.

Há uma bomba nuclear de efeito retardado nas grandes cidades brasileiras, que tentam esconder, mas que dá sinais de que está pronta para explodir, agora. E também na Palestina.

O que é violência está simbolizado no ser violento sob dois aspectos: por um lado, é o não-espaço da subjetividade, aquilo que a mente não pode excluir, nem conceber por si mesma. Por outro lado, a violência incondicionada é dinâmica. A consciência é inconcebível quando separada do movimento, pois é ele que leva à mudança. Tal aspecto da violência é simbolizado na ideação“multiplicarei o teu sofrer e a tua conceição: em dor darás à luz filhos”. Um símbolo gráfico da violência presente no parir a vida. Este axioma fundante da violência, ontológico, remete àquilo que podemos simbolizar como características trinitárias da violência.

A natureza da causa da violência, derivada de causa aparentemente sem causa, aflora como consciência da violência, impessoal, que permeia a natureza. Esta causa da violência é o campo da consciência, que transcende a relação com a existência e da qual a existência consciente é um símbolo condicionado. Mas, ao atravessar pela negação a dualidade entre existência e consciência, sobrevém a tríade da violência: o espírito de violência, a consciência da violência e a matéria da violência.

Você vê meninas anos grávidas, garotos que dizem abertamente: morrer, para mim, é lucro. Não têm autoestima, nenhuma perspectiva de futuro, e ninguém faz nada, nem escola, nem governo, ninguém está preocupado com eles. Nas grandes cidades brasileiras e tanbém na Palestina.

Espírito de violência, a consciência da violência e a matéria da violência devem ser consideradas não como independentes, mas correlações que constituem a base do ser ou estar violento. Considerada esta trindade ontológica da violência como a raiz da qual procedem todas as manifestações violentas, a expressão“multiplicarei o teu sofrer e a tua conceição: em dor darás à luz filhos” assume o caráter de ideação do que ainda não é humano. Ela é a fonte da força de toda violência individual e social e fornece os elementos para a análise da violência que perpassa o humano e sua história. Tal raiz pré-humana é o absoluto expresso no “multiplicarei o teu sofrer e a tua conceição: em dor darás à luz filhos”, base da violência objetiva. Tal ideação do porvir humano é a raiz da violência individual e social, porque a substância pré-humana é o substrato da matéria violenta em seus diferentes graus.

A correlação dos aspectos da violência ontológica, de origem, é fundante da existência enquanto violência manifesta. A ideação da humanidade, separada de sua substância, não se manifesta como violência individual e social, uma vez que é somente através de um veículo, a alienação da ideação, que a violência aflora como violência que é, como ato alienado que necessitou de base física para apresentar-se como momento de uma complexidade maior, natural e humana. Da mesma forma, a substância do humano, separada da ideação da humanidade, permaneceria como uma abstração da qual a violência não poderia emergir. A violência-manifesta, assim, é permeada pela correlação, que é fundamento de sua existência como violência que se manifesta.

A repressão deixa um rastro de insegurança e de prejuízo na comunidade, comércio fechado, escolas sem aulas, população com medo. E esta não é uma situação apenas das grandes cidades brasileiras, mas também da Palestina. Os maiores consumidores de violência estão nos Estados Unidos...

As correlações entre violência-manifesta, espírito e matéria da violência são símbolos da violência ontológica, presentes no universo manifestado da violência. Essa correlação é alienação existencial, a ponte através da qual as idéias são impressas enquanto substância da natureza da violência, presentes na forma de leis da natureza e da sobrevivência do humano. A alienação, dessa maneira, é dinâmica da ideação do humano, é meio que guia a manifestação.

Ou como disse Lameque, ser violento mítico consciente do ciclo da violência, apresentado nas escrituras hebraicas: “Ada e Zilá, ouçam a minha voz. Escutem, mulheres de Lameque, as minhas palavras: matei um homem, porque me machucou. E um jovem, porque me pisou. Se são mortas sete pessoas para pagar pela morte de Caim, então, se alguém me matar, serão mortas setenta e sete pessoas da família do assassino”. (2)

Assim, a consciência humana procede também da ideação da violência, e fornece os meios que possibilitam à violência individualizar-se como substância do humano. A alienação em suas manifestações é o elo entre o espírito e a matéria da violência, presença que, dialeticamente, equilibra vida e morte, permanência e destruição.

24/10/2009

Fonte: ViaPolítica/O autor

Referências
1. Gênesis 3.16.
2. Gênesis 4.23-24. 

lundi 19 novembre 2012

Israel e o futuro

Em 1995 (20/11) escrevi artigo para a Folha de S. Paulo intitulado Aliança e Fundamentalismo em Israel. Embora o artigo não tenha sido publicado, acho que nos dá algumas diretrizes para a discussão sobre o moderno Estado de Israel e o futuro. Por isso, vamos partir dele.
Aliança e Fundamentalismo em Israel
Em entrevista a Folha de S. Paulo, falando sobre a Palestina, o filósofo francês André Glucksmann, que é judeu, afirmou que o fascismo está de volta. Declaração inquietante, pois para ele o Hamas, Movimento de Resistência Islâmico, e o partido Kach, que defende a existência de Israel como estado teocrático, são cara e coroa dessa moeda fascista emergente.
É certa que para a vítima de qualquer atentado, não importa muito de onde vem a bala, se do Hamas ou do Kach. Porém, é necessário ir além das aparências. Definições apressadas impedem a compreensão do que está acontecendo com a oposição em Israel.

Ela tem um amplo espectro, que vai do Likud ao partido Kach. A política do Likud, para os territórios ocupados, é a da autonomia limitada, enquanto a política do Kach, elimina qualquer possibilidade de negociação com árabes e palestinos. Por ser considerado “racista e antidemocrático”, o partido Kach foi colocado à margem do processo eleitoral, pela Corte Suprema israelense, em outubro de 1988. Dois anos depois, seu líder, o rabino Meir Kahane, foi assassinado em Nova York.
Apesar as aparentes diferenças, há uma questão teológica que unifica o pensamento religioso em Israel: é a questão da aliança. O conceito de aliança é o centro da teologia judaica. É anterior à própria legislação recebida por Moisés no Sinai, pois, acreditam os judeus religiosos, foi feita com Abraão, 400 anos antes da saída do Egito. Segundo o rabino-chefe de Israel, Israel Meir Lau, em entrevista ao correspondente da Folha, Otávio Dias, os judeus religiosos se opõem à paz ‘porque seguem a Torá, a Bíblia, que descreve as fronteiras prometidas por Deus a Abraão, Isaque e Jacó’. Nessa aliança conforme descrito no capítulo 15 de Gênesis, Deus promete entregar à descendência de Abraão uma terra que vai do rio do Egito (leia-se Nilo) até o Eufrates. Essa é a terra da promessa, Eretz Israel, para os judeus religiosos em todo o mundo.
Para nós, ocidentais, é difícil entender a centralidade da terra de Israel na fé judaica. Nos últimos dois mil anos de diáspora, os judeus expressaram a fé nessa aliança com uma frase: “O ano que vem, em Jerusalém”. Por essa Eretz Israel lutou uma galeria de homens, a começar por aqueles descritos na Bíblia, passando por heróis nacionais, como o rabino Matatias e seus filhos Macabeus, até os guerrilheiros judeus durante a ocupação britânica. Todos esses homens estavam imbuídos do conceito de aliança. Muitos deles seriam hoje chamados, no mínimo, de fundamentalistas.

O que une a oposição israelense é esse conceito, que faz parte da história do judaísmo: uma terra, prometida por Deus, que não se limita as atuais fronteiras, mas está em expansão. Para milhares de judeus, que pensam como o rabino Kahane, a entrega da faixa de Gaza, Jericó e Jenin aos palestinos, a devolução das terras no sul do Líbano, e das colinas sírias do Golã levarão Israel à derrota frente a seus inimigos. Por isso, para os religiosos judeus, Israel só tem sentido enquanto Estado teocrático, segundo a aliança e regido pelas leis de Moisés. Para os crentes nessa visão, a coalizão dirigida por Yitzhak Rabin [assassinato posteriormente] representa os inimigos de Deus dentro de Israel.
O pensamento religioso é a fonte da existência de Israel. Rabin representou, e sua coalizão representa, o ideal ocidental para a Palestina, pressionado por Washington desde a época em que James Baker era secretário de estado, no governo de George Bush. É interessante lembrar que em maio de 1989, Baker em discurso perante a Comissão Americano-Israelense de Assuntos Públicos afirmou que o governo de coalizão do Likud com os trabalhistas deveria abandonar a política de um Grande Israel, interromper a instalação de colônias nos territórios ocupados e negociar a paz com os palestinos. O que acabou levando a coalizão a uma séria crise.

Historicamente, uma experiência parecida, de forte pressão política externa, a da helenização, explodiu na guerra dos macabeus, que teve início no ano 166 a.C., e que levou Israel a vitória e a um expansionismo inédito. Outra experiência, a ocupação romana, teve resultado inverso: acabou com Israel enquanto nação.

É cedo para definir os caminhos da iniciante pacificação palestina. Mas, sem dúvida, olhando a história judaica, é muito difícil imaginar uma Eretz Israel distante do nacionalismo teocrático.



Uma viagem pelo Israel bíblico

Deus prometeu uma terra a Abraão, fazer dele uma grande nação e através dele abençoar todas as famílias da terra. Prometeu a Abraão um herdeiro, gerado por ele, uma descendência como as estrelas do céu e uma terra que iria do Nilo ao Eufrates. Sim, foram cumpridas literalmente: primeiro durante o reinado de Davi e Salomão (1 Rs 4:21), quando o seu poderio político, diplomático e militar estendeu a presença hebréia a toda a Palestina. E depois durante o auge da dominação dos hasmoneus.
A benção que Abraão representaria para os povos é o Messias. Jesus, o Cristo, trouxe a salvação para todos os povos. E os filhos de Abraão, filhos da fé em Cristo, são como as estrelas do céu.

A aliança que Deus fez com Abraão é eterna, porque Deus quer que um remanescente de Israel aceite o Messias e seja salvo. Assim, a centralidade da terra de Israel estava dentro dos planos de Deus no Antigo Testamento, era a concretização da aliança feita com Abraão. Enquanto a antiga aliança vigeu, a promessa e seu cumprimento estiveram diante de Israel. No entanto, há uma condicionante, não da parte de Deus, mas da parte de Israel (Ex. 19:5-6). As promessas de reconstrução, como Amós 9:11-15, Zc 8:2-3; 9:9-10 referem-se ao tempo do Messias, quando Jerusalém e o templo exultaram com a presença do filho de Deus.
A promessa a Abraão foi incondicional, mas já se cumpriu. Incondicional é diferente de contínua. A promessa tinha um objetivo, uma finalidade, preparar o caminho para o Messias e a redenção da humanidade. As maldições da lei mosaica não entram em choque com a promessa, apenas mostram que Deus é justo e que o pecado poderia afastar Israel das bênçãos da promessa. E que a alienação dos judeus da terra que Deus lhes deu é uma conseqüência da condicionalidade das bênçãos.

É fundamental entender que a nova aliança é firmada com a casa de Israel. Essa nova aliança não tem mais como centralidade uma geografia específica, um lugar definido no planeta. Ela é cósmica, e está escrita no coração. Dentro dessa perspectiva é que devemos ler Ez 37:15-28. É uma promessa escatológica, para o Israel espiritual, que reúne a igreja e os remanescentes do Israel físico. Sem dúvida, a posteridade de Davi durará para sempre. Quer através dos remanescentes, quer através dos filhos espirituais de Abraão. Na verdade, conforme vemos em Hebreus 8:8-12 a velha aliança desapareceu. Vivemos uma nova aliança, que é não somente eterna, mas permanente, contínua.

Foi prometido que viria um rei, um descendente de Davi, que teria seu reino estabelecido pelo próprio Deus. Viria como criança, mas é maravilhoso conselheiro, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz, terá o espírito de Iaveh, sábio, inteligente, julgará com justiça, desprezado, homem de dores, ferido, humilhado, etc.

Assim há dois momentos do ministério do Filho do Homem: o primeiro de Servo Sofredor, Cordeiro de Deus, ferido e morto para salvação de todo aquele que nele crê; e Filho do Deus Altíssimo, aquele que virá para julgar e reinar para sempre.

Os discípulos queriam saber se era aquele momento em que o Cristo haveria de restaurar a realeza em Israel. No capítulo 11 de Romanos há dois conceitos paulinos que devem nortear nossa análise: o endurecimento por parte de Israel e a plenitude (pleroma) dos gentios. A relação dialética desses dois conceitos leva a uma síntese...”e assim todo Israel será salvo” (v. 26). Em que sentido Paulo está utilizando a expressão todo? No versículo 32, ele usa todos no sentido de israelitas incrédulos, que encontram a salvação através do arrependimento e da fé.

Em relação ao versículo 26 podemos optar por três variáveis: Paulo está falando do Israel espiritual; pode estar falando do Israel racial ou ainda de um remanescente do Israel histórico. Dificilmente, poderíamos aceitar que todo Israel significa a salvação universal de homens e mulheres israelitas devido sua origem genética, já que tal idéia entra em choque com o que Paulo ensina (2:28-29).

Por isso, o mais lógico, se aceitamos que o texto fala mesmo do Israel racial é considerar que esse todo refere-se a aqueles que, pela fé, aceitam a Jesus como seu salvador pessoal. A crescente conversão de judeus mostra que a noção daquilo que sobrou, resto ou remanescente realiza-se plenamente no conceito assim todo Israel será salvo. Se entendermos assim, fica claro que a graça fundamenta a eleição. Ou seja, o que esteve separado - antes eram oliveiras diferentes - já não será assim. Agora, são uma só.

O centro nevrálgico do livro de Jeremias é Jr 31:31-34. Depois do fracasso da antiga aliança (cf. versículo 32 e Ez 16:59) a vontade de Iaveh aparece sob nova luz. Depois de uma catástrofe (cf. Is 4:3; 6:13; 7:3; 10:19-21; 28:5-6; 37:4; 37:31-32; Am 3:12; 5:15; 9:8-10; Mq 4:7; 5:2; Sf 2:7-9; 3:12; Jr 3:14; 5:18; Ez 5:3.) sobrará apenas um resto. Se tomarmos a profecia como já realizada, após a catástrofe de 587 surge uma nova idéia: o resto encontrar-se-á entre os deportados (Ez 12:16). No exílio este resto se converterá (Ez 6:8-10 cf. Dt. 30:1-2) e Iaveh reunirá esse remanescente para a restauração messiânica (cf. Is 11: 11-16; Jr 23:3; 31:7, 50:20; Ez 20:37; Mq 2:12-13). Mas, após o regresso da diáspora babilônica, aqueles que sobraram, de novo se afastam da vontade de Deus e se colocam debaixo de sua ira (Zc 1:3; 8:11; Ag 1:12).

Mas Cristo é e será o verdadeiro rebento do novo e santificado Israel. É interessante notar que, ao contrário de Israel, as nações pagãs não terão um remanescente (Is 14:22-30; 15:9; 16:14; Ez 21:37; Am 1:8). Como nos dias de Noé, uma aliança eterna foi firmada através de um acordo inteiramente novo (Is 54: 9-10). As alianças antigas caducam por três razões: a iniciativa de Iaveh de perdão dos pecados (Jr 31:34, Ez 36:25, 29; Sl 51:3-4, 9); a responsabilidade e a retribuição pessoal (Jr 31:29; Ez 14:12 e ss.); e a interiorização da religião.

Assim, a Lei não é mais uma carta externa, mas uma inspiração que atinge o coração (Jr 31:33; 24:7; 32:39). Através do Espírito de Iaveh o judeu ganha um coração novo (Ez 36:26-27, Sl 51:12; cf. Jr 4:4 e ss.) e é capaz de conhecer a Deus (Os 2:22 e ss.). Esta aliança eterna e nova, proclamada por Ezequiel (Ez 36:25-28), está nos últimos capítulos de Isaías (Is 55:3; 59:21; 61:8) e expressa no Sl 51, será inaugurada pelo sacrifício de Cristo (Mt 26:28) e sua realização será anunciada por Paulo (2Co 3:6; Rm 11:27) pelo escritor de Hebreus (8:6-13; 9:15 e ss.) e por João (I,5:20).

Há um grande equívoco na formatação do conceito Israel histórico no período de pós-plenitude dos gentios: é a equalização entre a existência de um remanescente e a existência de um Estado judeu que por razões escatológicas seria restaurado enquanto Estado nacional. Se tomarmos Ef 2:11-22 vemos que Cristo, o Homem Novo, protótipo da humanidade restaurada pelo sangue da cruz, aniquila o primeiro Adão, eliminando as divisões entre os homens (Cl 3:10-11; Gl 3:27-28).

Os sacerdotes que aceitaram a Jesus, como o Messias prometido, sofreram vários tipos de pressões: econômicas, pois perderam seus direitos em relação ao ofício no templo, sociais, familiares e físicas. Logicamente, viram-se tentados a voltar ao antigo ofício e abandonar o Caminho. O escritor de Hebreus, no entanto, mostra que Cristo sintetiza toda a religião judaica a um nível superior: está acima dos anjos, é um sumo-sacerdote fiel e misericordioso, tem o único e verdadeiro sacerdócio, é anterior e está acima dos sacerdotes levitas, sua mediação e sacrifícios são eternos.

Vejamos Êxodo 19 com atenção. O povo hebreu estava próximo de Horebe, mas não podia subir ao monte com Moisés. Mas agora a igreja surge sobre a própria rocha (Mt 21:42, Sl 118:22) e os crentes podem se aproximar de Cristo. O novo sacrifício, de Cristo, sobrepõe-se aos antigos sacrifícios. Rejeitando as boas novas em Cristo, os judeus perderam suas prerrogativas, agora transferidas para a igreja (I Pe 3:9; At 28:26-28; cf. Jo 12:40). Logicamente essa afirmação completa-se com Rm 11:32 e 1Tm 2:4, entre outros, porque não podemos declarar que haja uma rejeição escatológica do remanescente.



A dialética do Israel histórico

Unidade e diversidade expressam-se na história do povo de Deus. Em relação aos judeus podemos citar Joiachim Heinrich Biesenthal (1800-1886), Jehiel Zvi Lichtenstein (1827-1912), e nesse século, Victor Buksbazen, Charles Lee Feinberg, Moshe Immanuel Ben-Maeir, Louis Goldberg, Arnold Fruchtenbaumm e David Stern, entre outros, como grandes comentaristas e teólogos dos Evangelhos e Novo Testamento. Sem dúvida, a igreja cristã tem muito a aprender com eles.

Mas fora da área acadêmica, nossos irmãos judeus, que aceitaram a Yeshua como seu Mashiach, cumpriram no passado remoto, recentemente e hoje um papel fundamental na pregação da Palavra, tanto na Palestina como no resto do mundo. Um nome que gostaria de citar é o ex-rabi-chefe da Bulgária, Daniel Zion, que teve seu encontro com Mashiach numa situação muito parecida com o apóstolo Paulo. Estava orando o Shacharit quanto Yeshua lhe apareceu. A visão repetiu várias vezes e Yeshua disse-lhe que era o Mashiach de Israel. Daniel Zion foi rabino-chefe na Bulgária de 1928 a 1948. Aceitou Yeshua o Mashiach em 1930. Escreveu mais de 20 livros. Quando Hitler invadiu a Bulgária e quis enviar milhares de judeus para os campos de concentração poloneses, Rav Daniel intercedeu junto ao rei Bóris II para que ele não o permitisse. Dessa maneira, conseguiu salvar 50 mil judeus dos campos de concentração. Depois da guerra foi para Israel, tornando-se rabino numa sinagoga de Yaffa. Nos sábados de manhã conduzia os serviços normais da sinagoga e à tarde dava aulas de Novo Testamento às suas ovelhas. Proclamou abertamente sua fé em Yeshua e sempre foi respeitado, tanto pela comunidade judia búlgara em Israel como pelas autoridades israelenses. Morreu em 1979 e hoje é considerado um herói do judaísmo e da resistência antifascista. E, logicamente da igreja cristã, também. Isto, ao meu ver, é unidade e diversidade, hoje, no relacionamento entre judeus e a igreja cristã.

Outro exemplo. Meu irmão de longas lutas de evangelização de judeus, o rabino Mário Najmanovich. Rabino messiânico, os ofícios da sinagoga de Najmanovich são acompanhadas com música e danças hebraicas, na mais pura tradição revivalista. Aqui, mais uma vez, vemos unidade e diversidade na relação entre o remanescente judaico e a igreja: os ofícios da sinagoga acontecem aos sábados, são realizados em hebraico e português, com folclore, danças, Torah e todos os elementos de vestuário e paramentos que caracterizam o culto da sinagoga. E aos domingos temos o culto cristão. Cristo é adorado, assim, num só espaço, por culturas diferentes, seguindo tradições diferentes.

O capítulo 14 de Zacarias anuncia que a adoração de Iaveh se estenderá por todo o cosmo, unificando os tempos (o dia único), transformando os lugares (nivelamento de Jerusalém), fazendo desaparecer as ocasiões e mesmo as lembranças de idolatria. Os movimentos do combate escatológico combinam-se com as descrições da criação das coisas novas. Traduz a riqueza da topologia escatológica, que vemos nos textos do AT que se referem ao monte Sião e à Jerusalém.

Ezequiel 40-48 apresenta um plano da reconstrução religiosa e política de Israel na Palestina. É um debruçar-se sobre o passado para ver o futuro. É o texto de um reformador e organizador da nova comunidade. Nesse sentido ele apresenta ao judaísmo diretrizes que deverão balizar todo o movimento reformador judaico de Esdras até a nascente igreja cristã, servindo, sem dúvida, de base de apoio para o texto inspirado de João no Apocalipse. Aqui encontramos o ideal de santidade e da presença de Deus, que terá sua tradução no culto racional dos cristãos.

Assim, Israel tem um lugar especial na história humana e na história da redenção. Sua reconstrução, enquanto nação, exercerá uma influência cada vez maior sobre a igreja. Essa influência durante centenas de anos coube a Roma, o centro da fé cristã antes da Reforma. Com a Reforma o conceito de centro geográfico do cristianismo sofreu um esfacelamento e muitas correntes cristãs passaram a sentir-se órfãs por falta desse elemento balizador.

Atualmente, com a existência do Estado de Israel, há um movimento crescente que considera Jerusalém cidade santa do cristianismo e Israel a terra da promessa. Tudo indica que começamos a viver um momento de inversão na história do cristianismo, um contra fluxo na teologia paulina, onde o judaísmo tende a penetrar forte com tradições, costumes e liturgia dentro do culto cristão.

Logicamente, esta tendência não se dá apenas ao nível da forma, mas da exegese e da hermenêutica. Se esse movimento é positivo, no sentido que cria as bases para uma síntese judaico-cristã, onde os galhos se unem para formar uma só oliveira; ou negativo, já que quebra a liberdade cristã e nos leva de volta à lei e à morte, não podemos dizer. Um dado, porém, deve ser levado em conta: o surgimento do Estado de Israel possibilita a evangelização em massa dos judeus. A volta a Israel é um movimento crescente, porque cada vez mais rabinos pregam que os Estados Unidos serão destruídos por um ataque nuclear e que o lugar menos seguro para um judeu viver será na América.

Esta é a posição de judeus como Tom Hess, e cristãos como Charles Parham e David Wilkerson. Diante do temor de outro holocausto e de uma crise econômica ao estilo de 1929, milhares de judeus passaram a aplicar parte de suas posses em Israel. Esse movimento de volta a Israel, que chamamos aliyah foi fomentado por pessoas influentes, como o ex-prefeito de Jerusalém Teddy Kollek, pelo primeiro-ministro Yitzhak Shamir e pelo rabino ortodoxo Menachem M. Shneerson, líder falecido do movimento Lubavitch, entre outros.

A presença do Estado de Israel no cenário político internacional não aconteceu por acaso. Até agora, os cristãos mantiveram Israel, através de apoio militar, financeiro, político e diplomático. Para os cristãos e para a política ocidental, Israel sempre foi visto como um aliado estratégico no Oriente Médio. Mas prefiro olhar meus irmãos judeus como irmãos que precisam de Cristo. Diante disso, a tarefa cristã é a pregação do evangelho aos judeus. Talvez para isso Deus tenha reconstruído a nação judaica. Por amor. Para que um remanescente conheça seu Messias e o dia do Senhor se realize.




A propósito do Milênio e do papel escatológico do Estado de Israel

Falar sobre a história da Igreja nos leva a falar sobre o Estado de Israel, em especial por causa da utilização que setores da igreja fazem das Escrituras, impossibilitando uma clara pregação neotestamentária do Evangelho aos judeus, já que idolatram a velha aliança. Quando partimos de uma postura teológica cristocêntrica, encontramos sérias dificuldades em aceitar exposições em voga, quanto ao milênio e ao papel futuro do Israel histórico.

Sem dúvida, a apocalíptica, diferente da profecia clássica, tem três objetivos: falar de eventos futuros (cf. Ap 1:3; 22:7 e 10); revelar fatos ocultos no momento presente (Lc 1:67-79; At 13:6-12); e ministrar consolo e exortação, geralmente em linguagem de alto impacto (At 15:32; I Co 14:3, 4 e 31).

Nossa primeira pergunta é se os princípios hermenêuticos utilizados na apocalíptica devem ser os mesmos que se aplicam aos outros gêneros literários encontrados no texto sagrado, ou se necessitamos de um método hermenêutico especial. Os procedimentos tradicionais para a profecia clássica são as análises contextual, histórico-cultural, léxico-gramatical e teológica.

Mas o grande problema é saber quando devemos interpretar o texto literalmente e quando deve ser analisado simbolicamente ou analogicamente. É o caso a expressão “besta que sai do mar” (Ap 13:1). Esta expressão, besta que sai do mar, não pode ser encarada como uma expressão literal. É uma pessoa, é uma cidade, é um poder? Assim, o problema não está em antepormos um método literalista a outro estritamente simbólico. Um recurso pode ser o método analógico, que toma as declarações literalmente, mas depois as contextualizam.

Outro problema é se a linguagem apocalíptica tem universalidade ou se uma mesma palavra pode ter significados diferentes. Como é o caso dos números, das cores e de conceitos.

Mas o maior problema da hermenêutica apocalíptica, no meu entender, é definir se o texto reflete uma contração profética, tem cumprimento evolutivo ou cada passagem tem uma única realização intencional.

Devido a essas dificuldades, opto pela seguinte hermenêutica em relação à literatura apocalíptica: análise histórica e cultural para definir um que condições o texto foi produzido, e checar se a profecia foi cumprida ou não; análise léxica e sintática, a fim de determinar que palavras foram utilizadas em sentido simbólico ou analógico; análise teológica para determinar se há passagens paralelas ou ciclos que se repetem dentro da mesma profecia.

Logicamente, não posso perder de vista de que estou diante de um texto figurativo e, por isso, com forte conteúdo simbólico e analógico.

Em relação ao livro do Apocalipse minha posição aproxima-se ao paralelismo progressivo de Hendriksen, defendido por Hoekema, que considera a existência de sete seções paralelas, que descrevem num crescendo a relação entre a igreja e o mundo, desde o primeiro século até o retorno de Cristo.

Teríamos assim um primeiro bloco nos capítulos 1 a 3, que é a visão do Cristo glorificado, formando uma unidade com as cartas e as igrejas. Um segundo bloco nos capítulos 4 a 7, que é o da igreja sofrendo perseguições, tendo ao fundo o Cordeiro vitorioso.

O terceiro bloco, que vai dos capítulos 8 a 11, mostra a igreja vingada, protegida e vitoriosa. No quarto bloco, dos capítulos 12 a 14, temos a visão de dois auxiliares de Satanás, que fazem oposição à igreja.

O quinto bloco, nos capítulos 15 e 16, mostra a visitação final da ira de Deus sobre os impenitentes. No sexto bloco, nos capítulos 17 a 19, temos a queda das forças do secularismo e da impiedade que se opõem ao reino de Deus.

E por fim, no último bloco do livro, temos a derrota de Satanás, o juízo e o triunfo final de Cristo e de sua igreja, e o universo restaurado.

Sem dúvida, nessas sete seções há uma progressão escatológica, que nos fornecem a cada passo maiores informações sobre a luta de Cristo e sua igreja com Satanás e as forças da impiedade.

Esta é a única passagem da Bíblia que fala claramente de um reino de mil anos. É uma passagem que divide-se em duas partes: a primeira que fala do acorrentamento de Satanás (1 a 3) e a segunda do reinado de mil anos com Cristo.

Como acredito e expus, os capítulos 20 a 22 não descrevem o que se segue à volta de Cristo, mas o versículo 20:1 nos leva, de novo, ao princípio da era cristã.

A derrota de Satanás começou com a primeira vinda de Cristo (cf. 12:7-9), logicamente o reinado de mil anos de Ap 20:4-6 acontece antes da volta de Cristo, porque depois (Mt 16:27; 25:31-32; Jd 14-15, 2 Ts 1:7-10) temos o juízo final. E como este juízo está ligado à volta do Rei Jesus, Senhor dos senhores, parece-me claro que o reinado deve acontecer antes e não depois do retorno de Cristo.

Particularmente, dentro da tradição judaica, mil é todo o número que não se conseguia contar. É um período completo, mas de extensão indeterminada. Estamos vivendo a era do Evangelho. Satanás está acorrentado pela verdade da proclamação do Evangelho (Mt 28:19), por isso, e graças a Deus por isso, podemos pregar o Evangelho e fazer discípulos de todas as nações.

É claro que ele pode operar ainda, fazer o mal, mas não pode enganar as nações a ponto de impedi-las de ouvir e aprender a verdade de Deus (Jo 12:31-32). Podemos definir esta situação em duas conclusões: o acorrentamento de Satanás na era do Evangelho significa que ele não pode impedir o crescimento do Evangelho (Mt 13:24-30; 47-50); (b) e que ele não pode reunir todos os inimigos de Cristo para atacarem a igreja.

A segunda parte do texto mantém o mesmo período de tempo, mas muda de perspectiva. Se nos versículos 1-3 a ação acontecia na terra, agora João vê o que está acontecendo nos céus. Vê os mártires e todos aqueles que resistiram aos poderes da impiedade e já morreram.

Só há uma ressurreição física (Jo 5:28-29; At 24:15). “Viveram e reinaram com Cristo durante mil anos” fala daqueles que estão com Cristo (Fp 1:23; 2 Co 5:8; Ap 3:21), hoje, sentados em tronos, na glória, participando do reinado de Cristo.

Assim como não temos indicações de que João esteja falando de um reino de mil anos, literais, aqui na terra, também não temos nenhuma indicação de que o centro desse reino será a Palestina ou Jerusalém histórica.

samedi 17 novembre 2012

Longuet, socialisme et religion


L'OFFICE UNIVERSITAIRE DE RECHERCHE SOCIALISTE
17 Novembre 112

Longuet, socialisme et religion


La synthèse est difficile, dit le conférencier, entre le point de vue blanquiste de Perceau et le point de vue mystique d’André Philip ; mais nous pouvons nous rencontrer toutefois sur une partie des idées exprimées par l’un et par l’autre.

Pour nous, l’action socialiste, c’est la conquête des masses, en vue de leur éducation pour la transformation profonde de la société.

Nous examinerons donc la question des rapports entre le socialisme et la religion en fonction de l’action socialiste ; nous nous demanderons dans quelle mesure notre attitude en face du problème religieux peut attirer et conquérir ou au contraire éloigner ces masses.

Le socialisme poursuit non la lutte contre la Divinité mais contre le capitalisme ; il est vrai que Perceau dirait que la divinité est un rempart du capitalisme.

Les pays où le socialisme évolue sont les pays industriels où domine le christianisme, et nous savons que, dans le cours des âges, le christianisme a beaucoup évolué ; le christianisme primitif était un mouvement populaire, ayant des aspirations socialistes ; il est vrai que c’était plutôt un socialisme de mendiants qu’un socialisme de producteurs ; le christianisme des catacombes est bien loin du catholicisme des siècles suivants ; dès après Constantin, cet aspect social du christianisme disparaît et la religion devient la religion des possédants et des puissants, qu’elle défend contre les révoltés.


La Réforme

La Réforme, quoi qu’on en ait dit, a été un grand mouvement d’émancipation ; elle a représenté la révolte de la raison contre l’orthodoxie ; elle a été un précurseur de la Révolution et de l’évolution de la démocratie moderne.

Calvin, il est vrai, a montré de l’étroitesse d’esprit ; on peut dire qu’il a exprimé la vraie religion du capitalisme ; sa doctrine de la prédestination des âmes semble aussi envisager la prédestination d’origine divine aux biens et aux malheurs de ce monde ; mais il ne faut pas ignorer la gauche et l’extrême gauche du mouvement, pénétrées d’idées socialistes, comme les niveleurs de Cromwell qui poursuivaient l’abaissement des riches comme les mouvements anabaptistes des paysans allemands qui prêchaient l’égalité et la fraternité au nom du Christ. Certes, le protestantisme a revêtu des formes diverses et ces mouvements populaires n’ont rien de commun avec la forme hiérarchisée du protestantisme anglican telle que l’avait établie Édouard VI.


La lutte contre l’esprit de l’Église romaine

La lutte contre l’esprit de l’Église romaine a pris elle aussi des formes différentes ; réforme protestante en Angleterre, en Allemagne, en Suisse ; forme plus rationalisée du déisme et de l’athéisme des intellectuels français au XVIIIe siècle, qui ont représenté la hardiesse d’esprit d’une classe en plein essor, classe qui monte, qui a confiance en elle et s’attaque à la puissance qui s’oppose à elle ; le point culminant de cette ascension anticléricale a été l’éphémère triomphe hébertiste pendant la Révolution. Ce mouvement s’est continué au cours du XIXe siècle avec Renan, Darwin, Herbert Spencer ; mais la fin de ce siècle marque une régression de la pensée bourgeoise ; à ce moment, la bourgeoisie apeurée, considérant la religion comme une gendarmerie intellectuelle, commence à professer qu’il faut une religion pour le peuple.

C’est contre ce caractère que s’élève Marx quand il dit que la religion est l’opium du peuple.
Otto Bauer, dans une brochure récente, fait remarquer que, en effet, la religion peut être cet opium ; c’est également la pensée de Jaurès dans le discours où se trouve la poétique allusion à la «vieille chanson qui berçait la misère humaine» et pourtant il arrive que la religion prête son idéologie à la révolte instinctive. Le discours sur la Montagne, l’apologue du chameau et de l’aiguille, certains prophètes, certaines paroles du Christ ont exalté la révolte des souffrants contre les oppresseurs. Un tel état d’esprit se trouve parfois chez les catholiques, à plus forte raison, le trouvons-nous chez les sectateurs des religions que Vandervelde appelle les religions de liberté.


En Angleterre et aux États-Unis

En Angleterre et aux États-Unis, les mouvements ouvriers sont liés à des aspirations religieuses ; on peut citer l’exemple de Keir Hardie, le grand socialiste dont Vaillant disait qu’il semblait un grand prophète de la Réforme, un contemporain des anabaptistes. Les protestants qui appartiennent à des sectes non conformistes rallient souvent les rangs du parti socialiste ; ces religions de liberté n’ont qu’un principe, qu’un livre : la Bible ; chacun l’interprète selon sa propre inspiration et l’on peut affirmer, après des séjours prolongés, en Angleterre et aux États-Unis, que certains aboutissent à des conclusions très hardies.
Le pasteur Holmès, avec lequel le conférencier s’est trouvé en relations, et qui est pasteur à New York, appelle Dieu la catégorie de l’idéal, ce qui est une définition peu gênante. Il professe qu’un athée qui a des convictions désintéressées est plus près de Dieu qu’un croyant injuste. Et l’on peut dire que ce pasteur est plus près de nous qu’un patron oppresseur et athée.


Sur le continent

Sur le continent la position est différente. En Allemagne, la plupart des protestants sont réactionnaires, bien que les luthériens aient une gauche, plus faible qu’en Angleterre.
En Allemagne catholique, en France, on trouve toujours l’Église contre la démocratie et le socialisme. Parfois, à de courtes époques, on a pu trouver des prêtres libéraux, comme Lammenais, mais ils ont été vite reniés, excommuniés et chassés.

Politiquement, l’Église s’est toujours opposée à l’esprit de la Révolution. Elle a soulevé la Vendée contre la République ; elle s’est associée à fond avec les réactionnaires de la Restauration ; elle a soulevé contre elle le mouvement de 1830. En 1848, quelques ministres catholiques ont paru se rapprocher du peuple ; mais tout de suite après ils ont rallié le parti de l’ordre, et l’on peut citer comme symbole le spectacle tiré par Charles Longuet : près de Varlin montant son calvaire vers Montmartre, un prêtre en soutane conduisant la foule hurlante, et nous avons vu de ces prêtres plein de haine, excitant les passions pendant l’Affaire Dreyfus.
Il faut tenir compte de cet état d’esprit et ne pas abandonner la revendication de la laïcité de l’école, ne pas nous laisser ravir la liberté de conscience ; mais nous ne voulons pas à notre tour nous montrer intolérants et entrer en lutte avec les idées religieuses.

Notre but est la transformation sociale ; nous croyons que dans un milieu plus libre, les idées se modifient ; à l’inverse, le radicalisme professe qu’il est nécessaire de modifier les idées d’abord.

Il paraît impossible que le parti se place maintenant sur le terrain sur lequel se plaçait le parti blanquiste, et d’ailleurs selon le mot d’Engels «on ne saurait rendre à Dieu de plus grand service que de déclarer l’athéisme obligatoire».

D’ailleurs, nous n’avons pas l’ambition de supprimer tout sentiment religieux ; ce qui est odieux, c’est la pression économique qui oblige ceux qui sont dans une certaine dépendance à affecter des convictions religieuses qu’ils n’ont pas.

Otto Bauer disait que même dans la cité socialiste, il y a aurait des heures, où devant la tombe d’un être cher, on sentirait que le sens de la vie échappe à la science. Le but du socialisme n’est pas de proscrire ces expansions de la nature ; son but c’est de conquérir les masses.
Il faut dire aux producteurs : vous êtes des exploités, vous êtes des victimes de l’ordre social, vous avez des intérêts communs, unissez-vous ; nous ne pouvons ajouter : si vous avez des croyances, vous ne pouvez pas participer à l’action socialiste.


Une confusion à éviter

On est souvent tenté de faire une confusion entre la doctrine du matérialisme historique, telle que l’a expliquée Marx et le matérialisme philosophique des encyclopédistes.

Il peut y avoir une filiation entre les deux doctrines, et certains socialistes les ont professées toutes les deux : entre autres Plekhanof et Lénine ; mais d’autres, au contraire, Fritz Adler, par exemple, physicien philosophe, ont développé la doctrine du matérialisme en se refusant à approfondir l’inconnaissable.

Max Adler, distingué professeur autrichien, professe le matérialisme historique et le concilie avec ses conceptions religieuses.

Dans l’Internationale, il est bien des différences de pensée ; mais il est certain qu’il nous faudra nous dresser contre l’Église, non contre les conceptions religieuses, mais contre l’influence politique qu’elle cherche à conserver et qui est un boulevard de la défense capitaliste.

Nos camarades autrichiens pensent que dans le parti, l’élite des militants libres-penseurs a un rôle éducateur spécial à jouer pour le développement de la culture socialiste de demain, mais pourtant nous n’avons pas à poser la question préalable au point de vue religieux aux éléments qui viennent à nous.

Il suffit qu’ils acceptent notre doctrine, la reconnaissance de la lutte des classes, l’organisation pour la socialisation des moyens de production et d’échange, tous les points qui sont sur un autre plan que la religion.

Ne tombons point dans l’erreur des Soviets ; cette conception aboutit à la formation de révolutionnaires professionnels, entraîneurs officiels de la masse, et résolument matérialistes et athées. On a fermé les églises, déporté les prêtres sans succès. d’ailleurs, car l’histoire démontre qu’on ne peut arracher les croyances par la force ; et cette politique peut faire courir des risques à la Révolution.

Mais nous, nous voulons grouper les masses, capter les jeunes enthousiasmes, et les faire servir au grand œuvre de la libération humaine.

Si dans certaines âmes subsiste un reste des doctrines du christianisme primitif, nous n’avons pas à repousser les éléments qui viennent à nous avec franchise et loyauté.

vendredi 16 novembre 2012

A violência da globalização

Quando o fascismo e a intolerância ressurge na Europa, como resposta à crise cultural, econômica e social, este texto do filósofo francês Jean Baudrillard apresenta algumas questões que devem ser analisadas. Eis um bom desafio para esses feriados mornos.
Jorge Pinheiro.

A violência da globalização
Por Jean Baudrillard

Seria a globalização uma fatalidade? De alguma forma, todas as outras culturas que não a nossa escapavam à fatalidade da troca indiferente. Onde se situará o limiar crítico da passagem ao universal e, depois, ao mundial? Que vertigem será esta que impulsiona o mundo para a abstração da Idéia, e esta outra vertigem que incita à realização incondicional da Idéia?

Porque o universal era uma Idéia. Quando se realiza no mundial, ela se suicida enquanto Idéia, enquanto fim ideal. Como o humano se tornou a única instância de referência e a humanidade imanente a si mesma passou a ocupar o vazio deixado por Deus morto, o humano agora reina sozinho, mas já não tem motivação final. Não tendo mais inimigo, engendra-o do interior e secreta todos os tipos de metástases inumanas.

Conquistas da modernidade e do progresso

Donde a violência do mundial - violência de um sistema que persegue qualquer forma de negatividade, de singularidade, inclusive a forma última de singularidade que é a própria morte - violência de uma sociedade em que estamos virtualmente proibidos de conflito, proibidos de morte - violência que, de certa maneira, põe fim à própria violência e que trabalha para instalar um mundo livre de qualquer ordem natural, seja a do corpo, a do sexo, a do nascimento ou a da morte.

Mais do que de violência, seria necessário falar de virulência. Trata-se de uma violência que é viral - que atua por contágio, por reação em cadeia, e destrói, pouco a pouco, todas as nossas imunidades e nossa capacidade de resistência.

Entretanto, nada está decidido, e a globalização não ganhou por antecipação. Diante desse poder homogeneizante e dissolvente, se vê, em toda parte, levantarem-se forças heterogêneas - não só diferentes, mas também antagônicas. Por trás das resistências cada vez mais intensas à globalização, sociais e políticas, é preciso ver mais do que uma rejeição arcaica: uma espécie de revisionismo dilacerante quanto às conquistas da modernidade e do “progresso”, de recusa não apenas da tecno-estrutura mundial, como também da estrutura mental de equivalência de todas as culturas.

Este ressurgimento assume aspectos violentos, anômalos, irracionais em relação a nosso pensamento esclarecido - formas coletivas étnicas, religiosas, lingüísticas - mas, igualmente, formas individuais de perturbação do caráter ou neuróticas. Seria um erro condenar esses sobressaltos como populistas, arcaicos ou mesmo terroristas. Tudo o que faz um acontecimento hoje o faz contra essa universalidade abstrata - inclusive o antagonismo do islamismo com os valores ocidentais (pelo fato de ser a mais veemente contestação desses valores, é que, hoje, o Islã é seu inimigo número um).

Vingança de culturas singulares

Quem poderia impedir o sucesso do sistema mundial? Certamente não o movimento antiglobalização, que só tem por objetivo frear a desregulamentação. Seu impacto político pode ser considerável, mas o impacto simbólico é nulo. Essa violência é também uma espécie de peripécia interna que o sistema pode superar sem perder o controle da situação.

O que pode impedir o êxito do sistema não são alternativas positivas, são singularidades. Ora, estas não são positivas nem negativas. Não são uma alternativa; são de outra ordem. Não obedecem mais a um juízo de valor nem a um princípio de realidade política. Podem, pois, ser o melhor ou o pior.

Não é possível, portanto, confederá-las numa ação histórica conjunta. Impedem o sucesso de todo pensamento único e dominante, mas não são um contra-pensamento único - elas inventam seu jogo e suas próprias regras do jogo.

As singularidades não são necessariamente violentas, e algumas são sutis, como as da língua, da arte, do corpo ou da cultura. Mas há algumas violentas - como a do terrorismo. É a que vinga todas as culturas singulares que pagaram com seu desaparecimento a instauração desse único poder mundial.

Despeito feroz entre culturas

Não se trata, portanto, de um “choque de civilizações”, mas de um confronto - quase antropológico - entre uma cultura universal indiferenciada e tudo o que, em qualquer área, conserva algo de uma alteridade irredutível.

Para o poder mundial, tão radical quanto a ortodoxia religiosa, todas as formas diferentes e singulares constituem heresias. Por esta razão, estão condenadas a entrar, querendo ou não, na ordem mundial ou a desaparecer. A missão do Ocidente (ou melhor, do ex-Ocidente, visto que há muito deixou de ter valores próprios) é submeter, por todos os meios, as múltiplas culturas à lei da equivalência.

Uma cultura que perdeu seus valores só pode se vingar nos valores das outras. Inclusive as guerras - como a do Afeganistão - visam primeiro, para além das estratégias políticas ou econômicas, a normalizar a barbárie, a obrigar todos os territórios a se alinharem. O objetivo é dominar toda e qualquer região refratária, colonizar e domesticar todos os espaços selvagens, tanto no espaço geográfico quanto no universo mental.

A instalação do sistema mundial resulta de um despeito feroz: o de uma cultura indiferente e de baixa definição em relação a culturas de alta definição; o dos sistemas desencantados, que perderam a intensidade, em relação a culturas de alta intensidade; o das sociedades dessacralizadas em relação a culturas ou formas sacrificiais.

Humilhação contra humilhação

Para tal sistema, qualquer forma refratária é virtualmente terrorista. É o caso ainda do Afeganistão. Que, num território, todas as permissões e liberdades “democráticas” - a música, a televisão, inclusive o rosto das mulheres - possam ser proibidas, e que um país possa tomar o contrapé total do que chamamos de civilização - qualquer que seja o princípio religioso invocado -, tudo isso é insuportável para o resto do mundo “livre”.

Não se considera que a modernidade possa ser renegada em sua pretensão universal. Que ela não seja vista como a evidência do bem e o ideal natural da espécie, que se conteste a universalidade de nossos costumes e de nossos valores - ainda que por algumas mentes imediatamente caracterizadas como fanáticas -, tudo isso é um crime em relação à visão do pensamento único e do horizonte consensual do Ocidente.

Esse confronto só pode ser compreendido à luz da obrigação simbólica. Para compreender o ódio do resto do mundo em relação ao Ocidente, é preciso inverter todas as perspectivas. Não se trata do ódio daqueles de quem se tirou tudo e aos quais nada se retribuiu mas, sim, do ódio daqueles a quem tudo se deu sem que eles pudessem retribuir. Não é, portanto, o ódio da espoliação e da exploração, é o ódio da humilhação.

E é a este que responde o terrorismo do 11 de setembro: humilhação contra humilhação. O pior para a potência mundial não é ser agredida ou destruída, é ser humilhada. E a potência foi humilhada pelo 11 de setembro, porque os terroristas lhe infligiram, então, alguma coisa que ela não pode retribuir. Todas as represálias são apenas um aparelho de coação física, ao passo que ela foi desfeita simbolicamente.

A guerra responde à agressão, mas não ao desafio. O desafio só pode ser aceito humilhando o outro em resposta (mas, de modo algum, esmagando-o sob bombas, nem trancando-o como cães em Guantânamo).

Saturação da existência

A base de qualquer dominação é a ausência de contrapartida - sempre segundo a regra fundamental. O dom unilateral é um ato de poder. E o “império do bem”, a violência do bem, consiste exatamente em dar - sem contrapartida possível. Consiste em ocupar a posição de Deus. Ou do Senhor, que deixa a vida ao escravo em troca de seu trabalho (mas o trabalho não é uma contrapartida simbólica; portanto, as únicas respostas, afinal, são a revolta e a morte). Deus, pelo menos, dava espaço para o sacrifício.

Na ordem tradicional, sempre existe a possibilidade de retribuir - a Deus, à natureza ou a qualquer outra instância, sob a forma do sacrifício. É o que garante o equilíbrio simbólico dos seres e das coisas. Não temos, hoje, mais ninguém a quem retribuir, a quem restituir a dívida simbólica - e é essa a maldição de nossa cultura.

Não que nela seja impossível o dom e, sim, que nela o contra-dom é impossível, visto que todas as vias sacrificiais foram neutralizadas e desmontadas (resta apenas uma paródia de sacrifício, visível em todas as formas atuais da condição de vítima).

Estamos, desse modo, na situação implacável de receber, receber sempre, não mais de Deus ou da natureza, mas através de um dispositivo técnico de troca generalizada e de gratificação geral. Tudo nos é virtualmente dado e, queiramos ou não, temos direito a tudo. Estamos na situação de escravos aos quais se deixou a vida e que estão ligados por uma dívida insolúvel.

Tudo isso pode funcionar durante muito tempo graças à inserção na troca e na ordem econômica mas, num dado momento, a regra fundamental a vence, e a essa transferência positiva corresponde, inevitavelmente, uma contratransferência negativa, uma ab-reação violenta a essa vida cativa, a essa existência protegida, a essa saturação da existência. Tal reversão assume a forma de uma violência aberta (o terrorismo faz parte dela), ou da negação impotente, característica de nossa modernidade, do ódio de si e do remorso - todas paixões negativas que são a forma degradada do contra-dom impossível.

Veredicto e condenação da sociedade

Aquilo que detestamos em nós, o obscuro objeto de nosso ressentimento, é esse excesso de realidade, esse excesso de poder e de conforto, essa disponibilidade universal, essa realização definitiva - o destino que, no fundo, o “grande inquisidor” reserva às massas domesticadas em Dostoievski. Ora, é exatamente isso que os terroristas criticam em nossa cultura - donde a repercussão que o terrorismo encontra e o fascínio que exerce.

Tanto quanto no desespero dos humilhados e dos ofendidos, o terrorismo se baseia, por exemplo, no desespero invisível dos privilegiados da globalização, em nossa própria submissão a uma tecnologia integral, a uma realidade virtual esmagadora, a um domínio das redes e dos programas que traça, talvez, o perfil involutivo da espécie inteira, da espécie humana tornada “mundial” (a supremacia da espécie humana sobre o resto do planeta não seria à imagem da supremacia do Ocidente sobre o resto do mundo?). E esse desespero invisível - o nosso - é irremediável, pois decorre da realização de todos os desejos.

Se o terrorismo decorre, pois, desse excesso de realidade e de seu prazo impossível, dessa profusão sem contrapartida e dessa resolução forçada dos conflitos, então a ilusão de extirpá-lo como um mal objetivo é total, dado que, sendo como é, em seu absurdo e em seu contra-senso, ele é o veredicto e a condenação que esta sociedade emite em relação a si mesma.


Tradução: Iraci D. Poleti
Jean Baudrillard é filósofo, autor, dentre outros livros, de “La Guerre du Golfe n’a pas eu Lieu” (1991), “Le Crime Parfait” (1994) e “L’Esprit du Terrorisme” (2002), todos editados pela Galilée. Este texto foi extraído de seu ensaio, “Power Inferno” (ed. Galilée, Paris, 94 páginas).

mardi 13 novembre 2012

"A terra é sempre a tua negra algema"

"Tu és o louco da imortal loucura,/ o louco da loucura mais suprema./ A Terra é sempre a tua negra algema,/ prende-te nela a extrema Desventura./ Mas essa mesma algema de amargura,/ Mas essa mesma Desventura extrema/ Faz que tu’alma suplicando gema/ E rebente em estrelas de ternura". (“O assinalado”, Cruz e Souza, primeira e segunda estrofes).


Zumbi dos Palmares, líder negro quilombola

O Brasil viveu 370 de escravidão. O povo negro trazido a força da África trabalhou para a população branca sob miséria, sem salário ou qualquer outro direito -- viveu escravo. Esse foi um dos fatos mais tristes da história humana.

Mas, Jesus proclamou a chegada do Reino de Deus, que é um reino de justiça, paz e alegria. E é o apóstolo Paulo quem diz: "o Espírito de Deus produz o amor, a alegria, a paz" (Gálatas 5:22).

É bem verdade que, muitas vezes, nós cristãos deixamos a proclamação do Reino de Deus de lado e vivemos sob a tutela do reino deste mundo. Por isso, cristãos e batistas escravizamos o povo negro. Embora o princípio da liberdade religiosa tenha sido parte integrante da fé dos primeiros batistas ingleses e a luta pela liberdade vista como um direito humano, é importante lembrar que o protestantismo histórico brasileiro, herdeiro das tradições sulistas norte-americanas, se não foi abertamente escravista, foi condescendente e omitiu-se diante da exclusão forçada dos negros africanos seqüestrados para o Brasil e de seus descendentes, os afrobrasileiros. E a história batista no Brasil confirma isso.

O missiólogo batista Donaldo Price explica porque os primeiros colonos batistas vieram para o Brail. “Os primeiros batistas que aqui chegaram, chegaram como imigrantes, não como missionários. Chegaram depois da derrota sulista na guerra entre os estados, ou a guerra civil norte americana. E queriam vir para uma nação que ainda tivesse escravatura, assim escolheram o Brasil”.

Passados 124 anos do decreto que reconheceu o direito do povo negro à liberdade, muitos ainda não reconhecem a discriminaçao sofrida e os direitos do povo negro. É por isso que o historiador batista Marco Davi de Oliveira constata que “os negros nas denominações evangélicas são colocados no devido lugar da animação da comunidade de fé, onde seus dons e talentos são usados para a motivação dos cultos e das celebrações, mas poucos negros ocupam os cargos de liderança e as comissões de ponta das matrizes. Essa constatação pode provocar uma discussão interessante e, ao mesmo tempo, levantar a seguinte questão: a divisão já não está presente no universo evangélico nacional? Os negros têm, de fato, os mesmo direitos que os brancos na Igreja brasileira?”.

O apóstolo Paulo exorta para que na Igreja não exista diferença "entre judeus e não judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus". (Gálatas 3:28 ). É por isso que, como cristãos e batistas, conscientes do pecado cometido, pedimos perdão a Deus e aos irmãos afrodescentes, nos somamos a luta pelos direitos de cidadania plena e saudamos o Dia da Consciência Negra.
Do amigo e companheiro, Jorge Pinheiro.

lundi 12 novembre 2012

Jorge Pinheiro, memórias

Leia, a seguir, a entrevista de Jorge Pinheiro com Omar L. de Barros Filho, editor de ViaPolítica, sobre "Novela de memórias: um pedaço de mim", onde o autor detalhadamente discorre sobre o livro e sobre as bases de sua opção religiosa.


VP - Você ainda é jovem. Políticos, jornalistas e escritores, em geral, escrevem suas memórias já tarde, quando o ocaso se aproxima. Por que você está lançando seu livro agora?

Jorge Pinheiro - Obrigado pelo jovem. Tenho 63 anos, saudáveis até agora, mas 63 anos nos levam a pensar no trânsito em direção à eternidade. Donde, começou a contagem regressiva. As idéias do livro partem de dois fatores, o papel da utopia socialista na minha vida e os demônios que infernizaram a minha juventude.

Na verdade, como novela de memórias o livro tem dois personagens: eu mesmo e a utopia socialista. Quando falo utopia não estou menosprezando o sonho do socialismo, mas colocando-o num patamar de realização permanente, histórica e trans-histórica. Ou seja, vejo o caminhar permanente da utopia, sinto o seu cheiro agradável, mas não necessariamente vou vivê-la como desejaria.

E os demônios, seguindo Nietzsche, são os pecados da juventude que se tornam virtude na velhice. São os pesadelos que andam sempre ao lado dos sonhos. Nesse sentido, como qualquer texto biográfico, o meu livro tem função de exorcismo. Exorcizar fantasmas e demônios e ficar com a utopia geradora de novos sonhos.

O livro é a primeira parte de uma trilogia esperada. É a minha história e a história da minha utopia, onde tudo o mais é cenário. É biografia, mas também ficção, pois sonhos e demônios são personificados, interferindo na vida do autor e de seu sonho maior.

VP - Qual o período de sua história pessoal que é abrangido pela obra que em breve será lançada?

Jorge Pinheiro - A história cobre os anos de 1969 a 1973. Ou seja, minha militância no Movimento Nacionalista Revolucionário/MNR, o primeiro exílio, a militância no Chile de Allende, a prisão depois do golpe de Pinochet e a condenação por fuzilamento.

Se levarmos em conta que fui para o paredón para ser fuzilado e hoje posso contar a história para vocês, é fácil entender os demônios da minha história pessoal.

VP - Você sente algum tipo de nostalgia em relação ao período marcado pela ação política de 68, passados 40 anos do ocorrido?

Jorge Pinheiro - Vocês publicaram a coisa de semanas um ótimo artigo sobre Daniel Cohn-Bendit http://www.viapolitica.com.br/artigo_view.php?id_artigo=58, onde ele pede às novas gerações que esqueçam o Maio francês. Eu e minha mulher, Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos, temos trabalhado bastante sobre esta questão. E, ao contrário de Cohn-Bendit, não negamos a contemporaneidade de 1968. Ao contrário, agradecemos a Deus por aquele kairós, enquanto esforço de ruptura com uma sociedade arcaica e sem sintonia com o novo que se avizinhava, e de construção de um socialismo democrático e revolucionário. Chamar o movimento de 68 de rebeldia juvenil é não entender a riqueza criativa do kairós histórico. É negar as lutas que partiram de estudantes e trabalhadores da França em direção aos EUA, Itália e Alemanha, e jogar no lixo as lutas entre o capital e o trabalho, as guerras do Vietnã, Laos, Camboja e as insurreições populares no Chile, Portugal e Nicarágua.

Não tenho nostalgia, porque não situo minha ação no passado, mas no presente, enquanto ativista político-social que sou. O Maio francês abriu um novo momento na história do planeta e não se limitou à Europa. Espraiou-se pelo mundo. E minha vida política, quer no Brasil, no Chile, na Argentina e mesmo na Europa, esteve correlacionada ao Maio francês. Aprendi desde pequeno que não se cospe no prato em que se come. Creio que cresci em relação à minha ingenuidade militante e juvenil, mas isso não significa negar os momentos nobres e poderosos da minha militância nos anos 60 e 70.

Minha conversão ao cristianismo, que é um ato de fé no sacrifício do Cristo, de forma nenhuma implicou um abandono de minha consciência política. Nós, batistas, consideramos inalienável a liberdade de consciência e acreditamos que cada pessoa é livre perante Deus em todas as questões de consciência.

Nesse sentido, sou um utópico: acredito que devo me posicionar a partir de uma ética da responsabilidade social. Isso implica entender o paradoxo da multicultura relacional brasileira: vivemos num país onde impera a moral autoritária do senhor, da casa grande e da senzala, e a moral libertária da contracultura – a moral do “não existe pecado do lado de baixo do Equador/ vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor”.

Por isso, qualquer atuação no campo social implica compreender esta realidade. Mas, consciente de que as sociedades devem se organizar através de relações democráticas, considero que a igreja na América Latina tem como desafio embasar seu compromisso no imperativo protestante: liberdade, conhecimento e justiça.

Tal processo se expandirá conforme cresça a consciência de que temos a tarefa de transformar o Brasil num país onde todos possam acessar condições dignas de vida e justiça social. E, logicamente, todo o continente.

VP- Como ocorreu o processo vivido por você -- um militante marxista radical considerado perigoso pela ditadura militar brasileira -- de rompimento com sua política e o posterior encontro com o cristianismo, a Igreja Batista, a teologia? Como você lida com essa questão hoje?

Jorge Pinheiro – Jesus proclamou a chegada do Reino de Deus, que é um reino de justiça, paz e alegria. É bem verdade que, muitas vezes, o cristianismo tem deixado a proclamação do Reino de Deus de lado e procurado viver sob a tutela do reino deste mundo. Mas, só para mostrar o envolvimento cristão protestante na transformação do mundo, vou me remeter à história da militância cristã na Inglaterra do século 18.

William Wilberforce e William Pitt são nomes conhecidos na Inglaterra, mas não entre nós. Amigos desde a universidade, esses dois homens, no século 18, chegaram ao Parlamento no início dos seus vinte anos. Pitt elegeu-se primeiro-ministro e ganhou o apelido de "o jovem", para diferenciá-lo do pai, que também ocupara o cargo. E resolveu implantar um projeto político audacioso: acabar com o tráfico de escravos, liderado pela Inglaterra. Projeto difícil, pois a maioria dos parlamentares estava direta ou indiretamente ligada ao tráfico.

Pitt convocou Wilberforce para ajudá-lo na tarefa. E foi assim que dois movimentos marcaram a Inglaterra: a campanha contra a escravidão, que começou em 1789, com um discurso de William Wilberforce na Câmara dos Comuns, e as campanhas pelas reformas trabalhistas, que desembocaram no movimento social cristão. Em 23 de fevereiro de 1807, o tráfico de escravos foi interrompido, graças à intensa militância cristã e política de Wilberforce.

A partir desse momento, as campanhas abolicionistas foram lideradas por outro ativista, Thomas Fowell Buxton. Ambos, Wilberforce e Buxton, pertenciam a um pequeno grupo protestante surgido na paróquia de Clapham, vilarejo distante oito quilômetros de Londres. Assim, a comunidade de Clapham, aliada a grupos não-conformistas, e através da publicação de literatura, realização de palestras e mobilizações de rua, foi responsável por algumas das manifestações sociais mais importantes da Inglaterra. Em 25 de julho de 1833, o Ato de Emancipação libertou os escravos em todo o império britânico.

O significado dessa ação repercutiu em todo o mundo, inclusive no Império brasileiro, estrategicamente ligado à Inglaterra, através de três intelectuais: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Luiz Gama. Nabuco, que era diplomata, se inspirou no cristianismo militante de Wilberforce para organizar o movimento que levou a monarquia brasileira a aprovar a Lei do Ventre Livre. Somada à pressão britânica, a militância de Nabuco contribuiu para determinar a abolição da escravatura, em 1888.

Junto com as campanhas abolicionistas, as reformas trabalhistas mobilizaram outros intelectuais protestantes vindos do anglicanismo, como John Malcolm Ludlow (1821-1891), Charles Kingsley (1819-1875) e Thomas Hughes (1822-1896), que lutaram pelo fim da escravidão, contra o trabalho infantil nas fábricas e pela jornada de dez horas. Essas mobilizações levaram a uma ampla reforma social e ao surgimento do movimento social cristão inglês.

Assim, os protestantes deram início ao movimento social inglês. Homens como Ludlow, Kingsley, Maurice e Hughes criaram o socialismo cristão na Inglaterra. Com plena consciência do que estava fazendo, Maurice afirmou “a necessidade de uma reforma teológica inglesa, como meio de evitar uma revolução política e de trazer o que de bom existe nas revoluções estrangeiras, tem estado cada vez mais impresso no meu pensamento”.

O movimento inglês repercutiu com força nos Estados Unidos. E, apesar da visão escravista de muitos protestantes estadunidenses, como Richard Furman, líder batista da Carolina do Sul, que, de certa forma, traduzia o sentimento generalizado entre os grandes fazendeiros sulistas, no norte surgiu um forte movimento protestante contra a escravidão. Seu primeiro grande ativista foi Charles G. Finney, seguido por abolicionistas como Theodore Weld e Lymann Beecher.

Um romance marcará a campanha abolicionista e entrará para a história da literatura mundial: “A cabana do pai Tomás”, de Harriet Stowe. Numa leitura escatológica milenarista, Harriet Stowe considerava que a escravidão não era apenas um pecado do Sul, mas que a culpa era nacional e, por isso, o juízo seria nacional.

No livro, atacava a consciência nacional escravista na esperança de que uma purificação da alma dos Estados Unidos livrasse o corpo político da vingança divina. É interessante que o argumento de Wilberforce, exposto em suas campanhas, sobre a inviolabilidade do conceito de que todos os homens são iguais, foi usado pelo presidente estadunidense Abraham Lincoln no ato de 1863, que aboliu a escravidão nos Estados Unidos. Lincoln, cujo mandato se desenrolou em meio à Guerra de Secessão, compartilhava a visão de Wilberforce de que era uma imoralidade possuir um outro ser humano e citava o inglês em seus discursos.

Com a guerra, veio a vitória do norte e a abolição da escravatura. Finda a escravidão, a discussão sobre a industrialização do país, os danos humanos, misérias e exclusão que produzia entraram na ordem do dia. Surgiram assim os “protestantes públicos” que, ao contrário dos “privatistas”, falavam de cristianismo social, evangelho social, serviço social. Expoentes desse pensamento foram Washington Gladden, ministro congregacional de Ohio, o escritor Charles Sheldon, que produziu uma obra até hoje famosa, “Em Seus Passos Que Faria Jesus?”, e o pastor batista Walter Rauschenbusch.

Rauschenbusch (1861-1918) era de origem alemã. Levantou a questão do evangelho social, a partir de uma leitura que combinava a doutrina bíblica da responsabilidade social e os socialistas utópicos. Defendeu uma democracia econômica e política e propôs uma atuação através dos sindicatos.

“Nossa economia política tem sido por muito tempo o oráculo de um deus falso. Ensinaram-nos a ver as questões econômicas do ponto da vista dos bens e não do homem. Disseram-nos como a riqueza é produzida e dividida e consumida pelo homem, e não como a vida e o desenvolvimento do homem podem melhorar e serem promovidos pela riqueza material. É significativo que a discussão do consumo da riqueza esteja negligenciada na economia política, contudo a questão humana é a mais importante de todas. A teologia deve ser cristocêntrica, mas a economia política deve tornar-se antropocêntrica. O homem é cristianizado quando põe Deus acima de si próprio, a economia política será cristianizada quando colocar o homem acima da riqueza. É isso que uma economia política socialista faz”, afirmou em “Christianity and the social crisis”.

No mesmo livro, dizia que “nada dará a classe trabalhadora uma compreensão real de seu status de classe e de seu objetivo final do que a luta permanente para conquistar suas reivindicações mínimas e para eliminar as pressões reacionárias contra seus sindicatos. Nós partimos do princípio de que uma organização fraternal da sociedade não terá força se for apoiada apenas por idealistas. Ela (a organização fraternal da sociedade) necessita da sustentação firme da classe trabalhadora, cujo futuro econômico depende do sucesso desse ideal. A classe trabalhadora industrial é, consciente ou inconscientemente, a força para a realização desse princípio. Assim, aqueles que desejam a vitória, desde um ponto de vista religioso, terão que fazer uma aliança com a classe trabalhadora. Mas o princípio protestante da liberdade religiosa e o princípio democrático da liberdade política levam à vitória através da aliança da classe média, que também deseja a conquista do poder, com a classe trabalhadora; dessa maneira, o novo princípio cristão, que busca uma organização fraternal da sociedade, deve aliar-se para a conquista que ambos querem”.

Acho que estou em boa companhia, principalmente quando me lembro do companheiro Martin Luther King Jr., pastor batista, e um dos maiores militantes da causa social em todos os tempos.

VP - Como essa crise e a superação dela aparecem no livro? A revolução e Cristo ainda caminham juntos na América Latina? Por quê?

Jorge Pinheiro – Hoje, na América Latina, muitos intelectuais, pastores e teólogos protestantes estão organizados ao redor de projetos político-sociais. Mas, logicamente, a preocupação primeira das igrejas protestantes é com a vida espiritual das pessoas e sua renovação em Cristo. Hoje, não poucos evangélicos atuam inspirados na fé cristã em movimentos populares, sindicatos, partidos políticos e ministérios de ação social de suas igrejas. E, em relação ao nosso país, atuar politicamente já faz parte da vida dos protestantes brasileiros.

Em termos de organização, vou falar de dois movimentos que, embora novos, têm fermentado positivamente o solo militante evangélico. O primeiro é o movimento da Missão Integral, que procura envolver as igrejas locais com o compromisso social. Na visão da Missão Integral, da qual faço parte e sou um dentre muitos teóricos, a proclamação do Evangelho tem conseqüências sociais quando olha o ser humano como totalidade.

Assim, a teologia da Missão Integral busca a justiça social porque entende a fé como intervenção política, material e espiritual, e acredita que a transformação das pessoas e as mudanças estruturais estão correlacionadas.

E porque acreditamos que o ser humano é a imagem de Deus, a Missão Integral é uma teologia para aqueles que carecem de bens e possibilidades, mas que, como os demais, são imagem de Deus. Os despossuídos de bens e possibilidades têm conhecimento, habilidades e recursos. Tratá-los com respeito significa propiciar condições para que sejam arquitetos de mudança em suas comunidades, ao invés de impor soluções. Trabalhar com os despossuídos e expropriados envolve a construção de relações que conduzem a uma mudança mútua.

E, para a Missão Integral, quem pode e deve atuar assim são as igrejas locais. O futuro da missão integral se define, pois, em termos de capacitar as igrejas locais para que transformem as comunidades das quais fazem parte. As igrejas, como comunidades de cuidado e inclusividade, estão no coração do que significa fazer missão. As pessoas são, em particular, atraídas à comunidade cristã antes de serem atraídas pela mensagem cristã.

Esse jeito de produzir inclusão social nasce de baixo, nasce nas igrejas, traduz uma teologia do Reino de Deus, comunitária, a experiência de caminhar com as comunidades. Olhando assim, a igreja não é meramente uma instituição, mas comunidade na qual se concretizam os valores do Reino de Deus.

A participação dos despossuídos e expropriados na vida da igreja leva a encontrar novas maneiras de ser igreja no contexto da cultura brasileira. Dessa maneira, a Missão Integral, que hoje envolve centenas de igrejas evangélicas brasileiras, é uma teologia social. Tal atividade se amplia para incluir avanços até a transformação de valores, a valorização das comunidades e a cooperação em questões de justiça. Em sua presença entre os despossuídos e expropriados, a igreja está numa posição singular para restaurar a dignidade das pessoas, apresentando valores que produzem recursos e criam redes de solidariedade.

Mas os problemas continuam presentes, por isso toda ação de transformação é permanente. Temos problemas políticos e sociais, como pobreza, violência, corrupção. Má qualidade dos serviços públicos nas áreas de educação e saúde, agressões contra o meio ambiente. Por isso, num momento em que a visibilidade e o reconhecimento da presença protestante reclamam expressões políticas de responsabilidade e serviço, nós, ou seja, um grupo de evangélicos de igrejas diferentes e de diferentes partes do Brasil, estamos atuando na construção de um movimento chamado Evangélicos pela Justiça.

Bem, você deve estar pensando, mas por que dois movimentos: Missão Integral e Evangélicos pela Justiça? Considero que a Missão Integral, que hoje já é estudada como matéria em muitas faculdades de teologia, visa atuar através das igrejas, sugerindo programas e propostas para estas atuarem nos lugares onde estão implantadas. Aqui, então, o agente é a igreja local: agente de transformação social.

Já no caso do movimento dos Evangélicos pela Justiça desejamos ter neste primeiro momento uma atuação conscientizadora sobre os formadores de opinião do mundo protestante. Ao mesmo tempo, temos uma preocupação definitivamente política, pois queremos uma alter sociedade, que supere o capitalismo e suas orientações ideológicas, o neoliberalismo e as chamadas terceiras vias. Trata-se de meta histórica e estratégica, que necessita de um programa de transição, e que envolverá contribuições de dentro e de fora do campo protestante. Mas, acima de tudo, não é um projeto que envolva a criação de um poder evangélico ou apoiado na religião.

Por isso, nós, os Evangélicos pela Justiça, rejeitamos os modelos de fusão entre instituições religiosas e poder político. Não porque consideramos a política indigna ou contrária à mensagem do Reino de Deus, mas porque acreditamos que as instituições políticas de uma sociedade democrática devam ser construções históricas, pactuadas entre pessoas de qualquer fé ou de nenhuma fé. E que o papel dos cristãos é testemunhar de sua fé também nas questões sociais e políticas.

Assim, a luta contra a globalização excludente e suas formas de legitimação ideológicas, seculares e religiosas, conservadoras ou progressistas, é um projeto que exige estratégia histórica, que vai além das confissões religiosas, remetendo à aspiração de uma humanidade livre e democrática. Mas é um projeto legítimo para quem vê a fé cristã como chamado ao compromisso com a libertação de todas as formas de escravidão, opressão e discriminação, que negam nos seres humanos a imagem de Deus e nos impedem de um encontro com nosso Criador. É isso aí.

Fonte: http://www.viapolitica.com.br/anima_view.php?id_anima=65
Artigo original publicado em 12 de Maio de 2008


Sobre o entrevistado

Omar L. de Barros Filho é editor de ViaPolítica e membro de Tlaxcala, a rede de tradutores pela diversidade lingüística. Esta tradução pode ser reproduzida livremente na condição de que sua integridade seja respeitada, bem como a menção ao autor, aos tradutores, aos revisores e à fonte.

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