jeudi 30 janvier 2014

Antigo Testamento -- história da tradição ou história da salvação

AT -- história da tradição ou história da salvação?
Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Se partirmos de Von Rad, historiador e teólogo do Antigo Testamento, há um aparente confronto entre a pesquisa histórica moderna, histórico-crítica, e a definida pela fé de Israel, a história da salvação. Ele considera que o quadro da história de Israel a partir do método histórico-crítico busca um mínimo irrefutável que é a preocupação com a história. Já a perspectiva querigmática, moldada pela fé, pende para um maximum teológico: se debruça sobre o mundo de testemunhos originado na fé para compreender o quadro querigmático. 

O ponto crucial desse confronto entre a pesquisa histórica moderna e a história da salvação é a ausência de premissas de fé ou de revelação no programa histórico-crítico da história de Israel, uma vez a historiografia moderna não considera a hipótese do elemento Deus.

Mas Von Rad rejeita a ideia de não considerar histórico o quadro querigmático, ou de considerar apenas histórico o quadro histórico-crítico, pois sustenta que a apreciação querigmática também está fundamentada numa história acontecida e narrada, não tendo sido obra de imaginação, pois foi percorrida por uma estrada que o próprio Iavé fez. Assim, a história traduz-se na revelação de Iavé através de atos e palavras. Para ele, não é que o cerne histórico esteja envolto em ficção, mas que a experiência de fé do narrador, presente na saga, é histórica e resulta de um conteúdo teológico.

Dessa maneira, Von Rad considerou que as duas perspectivas da história de Israel podiam imbricar-se na construção da teologia do Antigo Testamento, alertando para o fato de que o quadro querigmático, na maioria das vezes, é ignorado pela corrente histórico-crítica.

Ao adotar a tese de Von Rad de que o Antigo Testamento é um livro de história ou testemunhos, Franz Hesse fez uma nova leitura dela. Considerou que se deve dar uma ênfase teológica a história de Israel, mesmo quando esta é reconstituída pelo método histórico-crítico. Isto é relevante, pois para Hesse a fé precisa basear-se no que aconteceu e não no que se declara ter acontecido.

Hesse parte assim da duplicidade de Von Rad, ou seja, de que a história secular deve tratar da história de Israel, e que a versão querigmática tem relevância teológica. Mas propõe que se trabalhe alguns termos para entendermos a diferença entre as duas perspectivas da história de Israel: real ou irreal, isto é, o que é história e o que é fé, ou tradição; correta ou incorreta, querigma não é formador da fé, mas a realidade histórica, sim.

Hesse procura, assim, derrubar as duas versões da história de Israel ao identificar a apreciação histórico-crítica da história de Israel com a história da salvação. Afirma que a história da salvação está presente em tudo que o povo de Israel experimentou no decorrer dos séculos, em tudo que realizou e em tudo que sofreu. Esta compreensão não anda de mãos dadas com a história de Israel, não pertence a uma esfera superior, não é idêntica à história de Israel, mas é real e correta.

Diz, dessa forma, que é impossível uma separação entre a história de Israel e a história da salvação no Antigo Testamento, que a história da salvação oculta-se na história de Israel, por meio dela e por trás dela. E conclui que toda história do povo de Israel e seus aspectos são os objetos da pesquisa teológica. Hesse fundamenta, assim, a história da salvação na versão histórico-crítica da história de Israel.

Já Walter Eichrodt objeta o dualismo de Von Rad, de dois quadros da história de Israel. Faz uma distinção entre os fatos extrínsecos da história da salvação do Antigo Testamento e a experiência decisiva. Isto é, entre o domínio de Deus sobre o espírito humano através de sua presença no íntimo. É neste ponto, na criação e expansão do povo de Deus, na consciência do relacionamento da aliança, que ocorre a experiência decisiva, sem a qual todos os fatos extrínsecos tornam-se mitos. Eichrodt acha necessária uma reconciliação das duas versões da história de Israel.

Também Friedrich Baumgarten critica a tentativa de Von Rad de solucionar a questão teológica da interpretação da história e da tradição. E o faz com uma afirmação taxativa: diz que nenhuma das duas versões tem relevância teológica para a fé cristã, porque o Antigo Testamento é o testemunho de uma religião não-cristã. Respondendo a Baumgarten, Claus Westermann coloca a questão que qualquer estudante de teologia colocaria: então, a Igreja poderia passar sem o Antigo Testamento?

Vejamos de uma forma rápida, só para ajudar o estudante de teologia do Antigo Testamento, as posições de alguns estudiosos matriciais: Weiser e Hempel reconhecem, a partir de Von Rad, que a realidade histórica e a expressão querigmática, isto é, fato e interpretação formam uma unidade no Antigo Testamento.

Já Georg Fohrer defende que, se existe uma unidade fundamental entre fato e interpretação, entre evento e palavra, não devemos contrapor uma compreensão contra outra, porque os autores do Antigo Testamento se utilizaram de tradições que consideravam históricas.

A história, afirma Wolfhart Pannenberg, constitui o mais amplo horizonte da teologia cristã. Ela é realidade em seu todo desde o nascente Israel até o presente. A revelação de Deus é, portanto, o significado inerente da história e não algo que lhe foi acrescentado. Assim, Pannenberg enquadra a história da salvação na história universal. 

Já Rendtorff propôs que se estabelecesse uma relação entre a história da salvação e a apreciação histórico-critica da história de Israel, combinando a divisão, história de Israel, história da tradição e teologia do Antigo Testamento em um novo gênero de pesquisa. O método histórico-crítico deveria, então, ser transformado e ampliado de forma a incluir também a revelação de Deus na história. 

O ponto de partida da teologia de Von Rad, diz H. J. Kraus, tem um cunho nitidamente histórico-crítico, já que sua teologia do Antigo Testamento é uma teologia das tradições. Parafraseando Kraus, e fazendo a nossa crítica pontual a Von Rad, podemos dizer que a teologia do Antigo Testamento só é teologia pelo fato de “aceitar o contexto textual do cânon como verdade histórica, que carece de explicação e interpretação sumárias”. Ora, se esta é a situação da teologia do Antigo Testamento, então, não deve ser considerada história da revelação.

E eis aqui um resumo que pode ajudar: qual é o centro da teologia do Antigo Testamento?

Para Eichrodt é a aliança; para E. Sellin é a santidade de Deus; para Ludwig Kohler é o fato de que Deus é o Senhor; para Hans Nildberger é a eleição de Israel como povo de Deus; para Günther Klein é o reino de Deus; para Georg Fohrer é o governo de Deus e a comunhão Deus/humano; para Horst Seebass é o governo de Deus; para Uriezem é o fato de que Deus é o foco de todos os escritos; e para Von Rad é o fato de que Iavé é o centro. Ele, porém, parte de um centro secreto: Deus atua na história, e é na história que Deus revela o segredo de sua Pessoa.

A partir de Von Rad e de seus críticos e seguidores podemos dizer que o Antigo Testamento é um livro de história, história de Deus e de Israel, história de Deus e das nações, história de Deus e do mundo.

Fonte
HASEL, Gerhard F., Teologia do Antigo Testamento, Questões Fundamentais no Debate Atual, Juerp, São Paulo. Capítulos 3 e 4. 

Gerhard Franz Hasel (1935-1994) foi um teólogo do Antigo Testamento e deão do Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia na Universidade Andrews. Seus trabalhos mais conhecidos são Teologia do Antigo Testamento: Questões básicas no debate atual e Teologia do Novo Testamento: Questões básicas no debate atual. Em seu livro sobre o Antigo Testamento, Hasel analisa as diferentes teologias construídas no correr do século 20 referentes ao AT.

Antigo Testamento -- Teologia I / Programa 1o. Semestre 2014


FACULDADE TEOLÓGICA BATISTA DE SÃO PAULO

Teologia do Antigo Testamento I

EMENTA

Estudo da Teologia do Antigo Testamento I, as origens dos textos, suas organizações e edições, as diferentes abordagens teológicas sobre as questões vétero-testamentárias e sua importância hoje para a Igreja cristã.

OBJETIVOS

O estudo da Teologia do AT I é essencial porque não se pode pensar em um pastor ou teólogo que não seja solicitado a refletir sobre temas como o ser humano, sua alienação e redenção. Isso significa que todos os profissionais da teologia têm, ou deveriam ter, uma compreensão do pensamento dos hebreus antigos sobre tais questões. A pesquisa da Teologia nesses campos oferece condições teóricas para a superação da consciência ingênua e possibilita o desenvolvimento de uma consciência crítica que permite compreender a riqueza humana.

3. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

Origens do cânone do Antigo Testamento, papel da profecia e do sacerdócio, Deus, Aliança e Antropologia, Adoração e Vida reta.

Fevereiro
1. O que é a Teologia do Antigo Testamento, a Antropologia do AT, a Revelação e a Aliança
Teologia do ser humano, Gn. 1.26+; 2.7+, Salmo 8. Imago Dei --, é um ser social e um ser unitário. Revelação, Gn. 15 e 17. Teologia da Aliança.

Março
A teologia do Deus único, Deuteronômio 6.4, Êxodo 3.14, a Teologia do Caminho (halakhah), o pecado e o arrependimento.

Abril
O Cânone no Antigo Testamento e a Adoração
A construção do cânone do AT e os termos da adoração, horas e dias, formas de adoração. Circuncisão e batismo.

Maio / Junho
Teologia da História e a vida reta
A vida reta e a religião no AT. Panorama sobre a vida ética no AT. Como estudar a ética no AT. A morte e o sheol.

METODOLOGIA 

Optamos por uma abordagem temática dos assuntos, sem descuidar da referência necessária à história dessas áreas da teologia, que permita estabelecer o fio condutor da exposição dos temas. As aulas serão expositivas, com seminários e apresentação de filmes que levem ao debate dos temas tratados.

RECURSOS

Audiovisuais.

AVALIAÇÃO

Os alunos serão avaliados por sua participação em classe (peso 3), pelos seminários apresentados (peso 4) e por uma prova final (peso 3).


BIBLIOGRAFIA

Leitura obrigatória
Lasor, Introdução ao Antigo Testamento, Editora Vida Nova.
Ler: Parte um, cap. 1 – Pentateuco; Parte dois cap. 9 – Profetas Anteriores; Parte três cap. 31 – Escritos, Parte quatro, pp. 635 a 752.
Fromm, Eric, Antigo Testamento, uma interpretação radical, São Paulo, Fonte Editorial, 2013.

Bibliografia básica

Fromm, Eric, Antigo Testamento, uma interpretação radical, São Paulo, Fonte Editorial, 2013.
LASOR, William Sanford, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998 
PINHEIRO, Jorge, História e Religião de Israel, origens e crise do pensamento judaico, São Paulo, Vida, 2007.
SMITH, Ralph, L., Teologia do Antigo Testamento, História, Método e Mensagem, São Paulo, Vida  Nova, 2001.


BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BRIGHT, John. História de Israel, tradução: Euclides Carneiro da Silva; segunda edição. São Paulo:  Edições Paulinas, 1981.
Hasel, F. Gerhard, Teologia do Antigo Testamento, questões fundamentais no debate atual, Rio de Janeiro, Juerp, 1992.
Westermann, Claus, Teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1987.


DISTRIBUIÇÃO DE CARGA HORÁRIA - Exemplo


Estudos Interreligiosos -- 2014, Programa

FACULDADE TEOLÓGICA BATISTA DE SÃO PAULO 

Estudo Interreligioso
CARGA HORÁRIA 
 Dr. JORGE PINHEIRO
SEMESTRE 1o. ANO 2014


1.    EMENTA

O Estudo Interreligioso visa a construção de uma análise racional da experiência cristã e das religiões mundiais. Conceitos, cosmovisão e metodologia do Estudo Interreligioso. Abordagens e leituras das correlações com outras cosmovisões.

2.   OBJETIVOS

O estudo das correlações entre as religiões mundiais e o cristianismo é importante porque possibilita ao aluno abordar outras leituras da realidade. Isso dá aos futuros profissionais da teologia condições de construir uma concepção de mundo que permite o diálogo com outras formas de pensar, mas ao mesmo tempo oferece ao aluno instrumentos para balizar teologicamente sua vida ministerial.


3. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

O propósito básico dos estudos interreligiosos nos remete ao pensamento de Pedro quando disse: “estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (1ª. Pedro 3.15). Nossos estudos, então, focam respostas para perguntas e questões sobre a fé cristã, tanto as questões levantadas pelos próprios cristãos, como os questionamentos apresentados pelos não cristãos.

Fevereiro/ Março
A importância da religião hoje no Brasil. A pergunta sobre Deus e as cosmovisões que caracterizam o pensamento pós-moderno.

Abril
O teísmo enquanto desafio e suas avaliações.

Maio/ Junho
O problema do mal e as diferentes leituras cristãs, de Agostinho a Paul Ricoeur.

 

4.   METODOLOGIA

Optamos por uma abordagem temática dos assuntos, sem descuidar da referência necessária à história dessa área da Teologia, que permita estabelecer o fio condutor da exposição dos temas. Isto porque fazer apologética não deve ser visto como atividade solitária, mas que se faz através do diálogo entre pensadores, igreja e fiéis quando expõem suas diferenças.

5.   RECURSOS

Audiovisuais.

6.   AVALIAÇÃO

Os alunos serão avaliados por sua participação em classe (peso 3), pelos seminários apresentados (peso 4) e por uma prova final (peso 3).

  

7.   BIBLIOGRAFIA BÁSICA

BECKWITH, francis J., CRAIG, William L., e MORELAND, J. P., Ensaios Apologéticos, São Paulo, Hagnos, 2006.
Gouvea, Ricardo Quadros, org., vv.aa., O que eles estão falando da igreja, São Paulo, Fonte Editorial, 2011.
Pinheiro, Jorge, Teologia Bíblica e Sistemática, o ultimato da práxis protestante, São Paulo, Fonte Editorial, 2012.
_____________, Teologia humana pra lá de humana, São Paulo, Fonte Editorial, 2010.


BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

Pinheiro, Jorge, “Matei porque me pisou” e “Sobre o não-ser para viver o ser” in Teologia humana pra lá de humana, São Paulo, Fonte Editorial, 2010.
____________, “A doutrina da eleição – calvinismo, arminianismo e o equilíbrio da doutrina batista” in Revista Teológica, São Paulo, Ano 4, no. 5, 2008.
ROCHA, Alessandro, org., vv.aa., Ecumenismo para o século XXI, Paulo, Fonte Editorial, 2011
Santo Anselmo, Livre arbítrio e predestinação, uma conciliação entre a presciência e a graça divina, São Paulo, Fonte Editorial, 2006.


8.     DISTRIBUIÇÃO DE CARGA HORÁRIA - Exemplo
Atividade
Quantidd pp.
Prazo
Total

Uma leitura


50 páginas


A cada 4 semanas

200
Prova
01
No final do semestre
01
Seminários
01
A cada quinze dias um grupo de alunos apresentará seminário sobre tema definido. Todos os alunos participarão de um seminário durante o semestre.
01














Estudos Interreligiosos -- 1o. semestre 2014

Leitura obrigatória para meus alunos de Estudos Interreligiosos -- 1o. semestre 2014

Religião e Política na Fronteira:
desinstitucionalização e deslocamento numa relação historicamente polêmica[1]

Joanildo A. Burity[2] [joanildo@fundaj.gov.br]

A religião está de volta? Esta é uma pergunta que desde os anos 1990 não se parou de fazer. Se a teoria da modernização dos anos 1950/60 prescrevia a lenta erosão do sentimento e das instituições religiosas como efeito inexorável do avanço da industrialização, da urbanização e da individualização, os discursos críticos e pós-modernos dos anos 1970 e 80, apesar de porem em questão a caracterização sociológico-política da modernização, mantiveram silêncio sobre ou corroboraram a tese da secularização. Da sociologia à política, a verificação empírica e conceitual da referida tese foi posta em segundo plano, como se se tratasse de um datum. Outras coisas eram mais importantes. Por exemplo, a crise econômica dos países periféricos, os autoritarismos, os desafios da construção democrática, a pobreza e as desigualdades sociais.[3]

Em todo o período reinou soberana uma episteme liberal, fundada num dualismo entre espaço público e vida privada, política e religião, profano e sagrado, objetivo e subjetivo. Mesmo entre correntes de pensamento críticas do liberalismo, este dualismo se colocava com força: estava reservado à religião um papel subordinado na configuração da sociedade contemporânea. Em matéria de especificação deste papel no campo político, a episteme liberal definia três grandes linhas normativas: (i) primeiramente, a de que os assuntos e convicções religiosas (ou a expressão de valores últimos) dizem respeito à esfera privada dos grupos e indivíduos, mantendo aí sua legitimidade ainda quando envolvendo práticas exóticas ou repulsivas a uma mentalidade moderna e letrada. Em seguida, sendo a religião um assunto privado, e em vista de assegurar a liberdade necessária para que decisões e ações de caráter público sejam implementadas visando a justiça ou o bem estar do maior número, duas outras linhas normativas são requeridas: (ii) a neutralidade do estado (tomado como sinônimo do espaço público) diante das disputas pela verdade das questões religiosas e das demandas por proteção ou favorecimento feitos por grupos e instituições religiosas ao estado; e (iii) a separação entre igreja e estado, no sentido da autonomia institucional de um domínio em relação ao outro, sob o amparo de algumas garantias constitucionais como liberdade de consciência e culto, e independência das autoridades civis e políticas em relação à autoridade eclesiástica.

Este quadro se reproduziu amplamente onde quer que o modelo ocidental de democracia e economia liberal seduziu elites nacionais ciosas de alcançar a independência ou o desenvolvimento. Com ele parecia estar tudo em seu devido lugar. Mas, aos poucos foi-se acumulando uma evidência contrária às expectativas e à eficiência do marco conceitual e institucional liberal. Da politização do catolicismo e do protestantismo histórico latino-americanos nos anos 1970 e 80 ao crescimento vertiginoso dos pentecostais e carismáticos e à explosão de particularismos étinico-religiosos nos anos 1990, passando pela revolução iraniana; a resistência da Igreja Católica na Polônia e de outros movimentos religiosos nos países do leste europeu; e a disseminação de um misticismo cosmocêntrico oriental entre inúmeros segmentos das camadas médias escolarizadas - tudo aponta para uma configuração do religioso que opera segundo uma lógica de deslocamento de fronteiras e ressignificação ou redescrição de práticas. O efeito contraditório mais marcante destes dois processos é o de que o aprofundamento da experiência religiosa como algo pessoal, individual, íntimo se dá ao par com uma desprivatização ou publicização do religioso.

Esta conjunção de aprofundamento da religião como prática pessoal e desprivatização da religião como força social e política é, a meu ver, muito mais frutífera como agenda para investigação do que a discussão sobre o “retorno do sagrado” ou as querelas sobre a secularização, notadamente se estamos pensando na questão da relação entre religião e política. Se há alguma volta aqui, para efeito de nossa discussão, é a da religião à esfera pública, uma penetração ou reabertura dos espaços públicos - institucionalizados ou não - à ação organizada de grupos e organizações religiosas, e não tanto um reavivamento da adesão religiosa, que teria quase desaparecido e regressaria à esfera da cultura.

É com base nesta caracterização que proponho enfocar tal relação no cenário contemporâneo. E isto será feito, de forma breve, em cinco movimentos: primeiro, partindo-se do princípio de que não estamos falando de uma deontologia da relação religião/política, mas uma construção histórica de longa data da qual a solução liberal é apenas um capítulo - ainda que de profundas consequências. Segundo, diremos que mudanças históricas, ocorridas particularmente a partir dos anos 80, contribuíram para redefinir a fronteira público/privado de modo a alterar ou provocar um realinhamento na relação entre religião e política. Terceiro, a redefinição das fronteiras dissolveu ou deslocou o sentido do político e do religioso - fundamentalmente desterritorializando-os e, em parte, desinstitucionalizando-os. Quarto, o avanço dos processos de democratização, se levou, por um lado, à disseminação das instituições da democracia liberal, provocou, por outro, a progressiva e conflitiva difusão de uma lógica pluralista, cujo efeito mais importante é abrir espaço para que a construção da diferença se dê através da afirmação de identidades (restando ver como estas se relacionam entre si e com o espaço público da política). Por fim, estes processos recolocam o problema - ou a possibilidade - do discurso político da religião e seu lugar numa ordem social pós-tradicional, pós-secular e pós-moderna.

I
Comecemos a detalhar estes cinco pontos do argumento. Nossa colocação inicial é a de que não se trata de discutir se há ou deve haver um vínculo entre religião e política. Simplesmente, ele está historicamente construído e expressa-se seja na massiva imbricação entre religião e cultura, da antigüidade à idade média, englobando com o manto da religião a linguagem da vida cotidiana e das instituições garantidoras da ordem social (cf. Moyser, 1991:12-13; Daniel e Durham, 1999:120) - o estado, a família/tribo/etnia -; seja na ordenação teológico-política do estado absolutista; seja nas disputas, sob a égide do iluminismo e do liberalismo, pela fixação das fronteiras entre os dois domínios. Trata-se, então, de partir da construção histórica desta relação. O que não resolve o problema, porém, pois a única consequência imediata que podemos derivar desta postulação é que o vínculo entre religião e política nunca se rompeu, mas foi construído de diferentes maneiras, sem obedecer a uma lógica linear ou ao ditame de leis irresistíveis do desenvolvimento histórico.[4]

Se o vínculo entre religião e política é um dado histórico, pode-se acrescentar que a questão colocada hoje é se o padrão vigente no ocidente, marcado pelas três linhas normativas mencionadas anteriormente - religião privada, neutralidade do estado e separação igreja/estado -, consegue dar conta do deslocamento e da ressignificação da fronteira religiosa.

Como observa Ferrari, num trabalho recente sobre as implicações legais da “volta do sagrado”, “o processo de ‘desprivatização’ mais uma vez questiona a posição do secularismo como conteúdo exclusivo, ou pelo menos predominante, do estado e das estruturas sociais. A idéia de que o espaço público deve estar totalmente destituído de conotações religiosas (a ‘praça pública desnuda’, evocada por Neuhaus), como pré-requisito para a igualdade e liberdade de seus cidadãos, parece mais frágil hoje do que há alguns anos atrás” (1999:14).

A advertência aqui é que não é a necessidade de certo tipo de relação ou vínculo ou a possibilidade de qualquer vínculo que estão em discussão. É certo que a cena contemporânea tanto enseja casos em que o enfraquecimento do modelo liberal leva a uma abertura do político pela penetração de distintas lógicas do religioso, como tem permitido a recolonização do político pelo religioso, notadamente onde a religião cumpriu um papel de foco da resistência cultural e política a regimes ocidentalizantes. Para complicar ainda mais, esses dois processos estão permanentemente em vias de se transformarem um no outro. Há diferentes maneiras de reconfigurar o vínculo, e poucas são realmente inovadoras. Mas o importante aqui é demarcar: 1) a obsolescência do modelo europeu - liberal, secular e “neutro” - para dar conta dos desenvolvimentos recentes; 2) a impropriedade de inverter a linha de força dominante da política à religião. No novo contexto, mesmo que esta seja a situação inicial, a inserção dos atores políticos e religiosos numa ordem em acelerado processo de pluralização – como nos casos europeu-ocidental, norte-americano e brasileiro – tem impedido uma mera reocupação. Não é mais a mesma religião de volta, não há mais uma só religião de massas em disputa, e a religião não é o único espaço de produção simbólica no domínio social e político. Uma deontologia da relação entre religião e política, portanto, somente recolocaria a curto e longo prazo os impasses da fusão pré-moderna entre religião e ordem socio-política ou da repartição moderna deste vínculo.

II
Meu segundo ponto procura dar substância ao argumento desenvolvido até aqui, destacando que a retomada do vínculo - falsificando a idéia de desaparecimento, perda de plausibilidade ou privatização do religioso - está ancorada em mudanças históricas que vêm desconstruindo a fronteira público/privado de forma a redefinir a relação entre religião e política. Desconstrução entendida aqui em seus termos derridianos: como uma interrupção da lógica binária, polarizadora, que implica numa condição de indecidibilidade entre os dois campos ou conceitos em discussão, o que não impede que um ou outro venham a predominar eventualmente, mas significa que toda oscilação será resultado de decisões ético-políticas, tomadas num terreno em que não há mais o fundamento inapelável de um significado último, transcendental - seja ele a vontade divina, a natureza, a história, a ciência ou o sujeito – e, portanto, questionáveis desde diversas perspectivas e com diferentes consequências.

A desconstrução da fronteira público/privado é o resultado de processos que em muitos casos não estavam previstos e nem mesmo tinham como objetivo alcançá-la. Processos onde a resistência, a insatisfação ou a frustração/desilusão face às formas concretas assumidas pela modernização encontraram no espaço e na linguagem da religião uma de suas superfícies de inscrição,[5] embora aqui seja preciso especificar contextualmente qual (definição ou forma institucional de) religião. Não há nem apagamento da fronteira nem uma mera inversão da posição hegemônica. Há um deslocamento da mesma, que se expressa numa série de indicadores. Apontemos três deles:

1) a crescente atividade reguladora do estado passou a envolver áreas antes consideradas privadas, ou mesmo íntimas, na tentativa de aprofundar a racionalização da provisão social ou de resolver impasses que a ideologia do desenvolvimento identificava em sociedades em vias de modernização. Do controle da natalidade à garantia de oportunidades iguais para as mulheres, sem falar da intervenção em disputas étnicas ou das questões éticas envolvidas na manipulação genética, o ativismo estatal, ao mesmo tempo requerido e auto-justificado, implicou na penetração em áreas onde valores e práticas privadas perderam sua invisibilidade e auto-referencialidade, passando a ser alvo de legislação e políticas públicas, mas também introduzindo sua lógica própria no espaço político;

2) a ampliação da oferta religiosa e a competição entre as diferentes religiões - notadamente nos casos em que uma religião estabelecida oficialmente ou de fato, mantinha um quase-monopólio da adesão e procurava falar em nome da sociedade como um todo - gerou uma busca por assegurar espaços de representação política por parte dos grupos religiosos emergentes, traduzida quer em disputas eleitorais, quer no investimento de recursos públicos em iniciativas educacionais, filantrópicas ou mesmo em demandas internas das organizações religiosas (como, por exemplo, cessão de terrenos para construção de templos). Outro aspecto deste processo foi a escalada dos conflitos inter-religiosos, demandando do estado e dos outros atores políticos tomadas de posição na arbitragem ou resolução dos mesmos;

3) os movimentos culturais e sociais do pós-68 colocaram em xeque uma série de representações da política como espaço estatal, neutro e alheio a questões particulares, reconstruindo posições sociais e culturais antes ocultas na órbita do indivíduo, do pequeno grupo ou dos valores, como posições de sujeito políticas - questões como gênero, raça, meio ambiente, cultura e subjetividade assumiram, então, um caráter de problema político e mobilizaram formas de ação coletiva em defesa de reconhecimento, justiça e participação.

Esses indicadores apontam para uma crescente oscilação e indecidibilidade da fronteira público/privado, que deixa à iniciativa política de atores mobilizados em torno das questões mencionadas - ou seja, regulação estatal da vida privada; demanda por representação ou por resolução de conflitos de base religiosa; e politização de demandas particulares - o traçado da linha divisória. Nas condições em que tais lutas ou mudanças têm se dado, trata-se quase sempre de processos inconclusos, reversíveis e sujeitos a polêmicas que se arrastam por anos a fio, mobilizando freqüentemente o sistema judiciário.

Igrejas ou organizações representativas daquelas vão a público, mantêm interlocução com as autoridades civis e políticas, publicam manifestos, apóiam abertamente candidatos a cargos eletivos, organizam manifestações de rua. O Poder Executivo conclama organismos religiosos a atuarem diretamente, de forma subsidiária ou substitutiva, na implementação de programas sociais em áreas como educação, saúde, violência ou geração de emprego e renda (em moldes que vão das parcerias às políticas de desinvestimento estatal na área social, que transfere a organismos privados a oferta e gestão de serviços de interesse público). Organizações da sociedade civil crescentemente se auto-definem como um “terceiro setor”, público e não-estatal, com pretensões de interferir diretamente nas decisões políticas e nas práticas de mercado, e contam os organismos religiosos entre os que compõem este setor.

Enfim, a linguagem religiosa reforça ou exprime demandas por direitos humanos ou por identidade nacional em contextos nos quais a linguagem da política ou da cultura secular são ainda muito frágeis ou tornaram-se suspeitas de autoritarismo e indiferença à sorte de milhares de pessoas. Em tudo isso, o que é público ou privado, propriamente político ou propriamente religioso, já não pode ser definido de forma categórica e estável.[6]

III
Terceiro ponto, apenas uma advertência e uma especificação do que acabamos de dizer. O vínculo entre religião e política, de um lado, e o deslocamento da fronteira público/privado, de outro, não significam necessariamente um “passo à frente”, algo que devemos acolher como inequivocamente positivo. Em alguns casos, o processo tem dado lugar a retrocessos, com o acirramento da intolerância e do que Freud chamou de narcisismo das pequenas diferenças (cf. Freud, 1976:127-31; Birman, 1994:132-35), bem como a perda ou estreitamento da liberdade de indivíduos e grupos dissidentes ou marginais em relação à representação dominante da comunidade cultural ou da tradição religiosa que ascendem politicamente. Em outros casos, há visível cooptação e instrumentalização de organizações e movimentos religiosos para políticas de governo. Mas um ponto a registrar é que mesmo nestas situações, há um maior “pragmatismo” dos atores religiosos e políticos no manejo de suas diferenças, que aponta para os limites da intransigência num contexto pluralista. Voltaremos a isto mais adiante.

Uma especificação que a discussão anterior pede se refere ao status do político e do religioso. Pois é notório que para além das reafirmações permitidas pela linguagem da “volta da religião” ou da “ampliação da esfera pública ou política”, o que se passa é uma mudança na definição do que seja política ou religião. De um lado, os limites do político extrapolam o estado, o que atesta a insuficiência do neutralismo e da separação entre igreja e estado para disciplinar a relação religião/política. De outro lado, há uma visível desinstitucionalização da religião, que se traduz na proliferação de igrejas, movimentos e grupos informais, que não mais se prendem aos protocolos de autorização ou sanção eclesiástica, bem como na difusão/disseminação do religioso para além das fronteiras reguladas pelas instituições religiosas. Mais e menos do que política e do que religião está implicado em suas múltiplas aparições[7] no mundo contemporâneo. Isto porque o religioso emerge na esteira de um cansaço com a política e a religião institucionalizadas, como vemos na utilização de uma religiosidade mística ou difusa como terapia anti-stress nas empresas, ou quando militantes políticos/sociais buscam o amparo ou consolo da religiosidade para renovarem suas energias utópicas ou mesmo em substituição à atuação política. Quanto ao político, este emerge como antagonismo em meio às mais cândidas expressões de apoliticismo ou misticismo - como vemos nos choques de rua entre monges budistas na Coréia do Sul pelo controle de seu órgão máximo de representação, em 1999, ou na oposição entre evangélicos de centro e evangélicos de direita no caso, respectivamente, da Associação Evangélica Brasileira e do Conselho Nacional de Pastores do Brasil, pela legitimidade de falar em nome dos evangélicos.

O religioso e o político se desterritorializam - multiplicando-se suas instâncias e “flutuando” através das fronteiras culturais, políticas e mesmo econômicas das muitas sociedades contemporâneas. Não quer dizer que estejam em toda parte, nem que possam investir igualmente qualquer espaço social.[8] Antes, a desterritorizalização é relativa à definição que herdamos, tradicionalmente, do modelo estatal e eclesiástico de política e de religião. Há migrações, transversalidade e superposições parciais dos dois terrenos pelos espaços e tempos das sociedades concretas em que vivemos.

IV
Apesar das enormes diferenças de escala que guardam entre si as sociedades latino-americanas e as norte-americanas e européias, todas elas experimentaram nos últimos trinta a quarenta anos processos de construção ou aprofundamento da democratização que disseminaram a forma liberal de democracia e provocaram um incremento da lógica pluralista (cf. Costa, 2000; Sorj, 2000; Burity, 1998; Baquero, 1994; Baquero, 1999; Arditti, 2000; Diamond, 1999; Scholsberg, 1998; Mouffe, 1996:11-19). Como dissemos no início, o efeito mais importante disso para nossa discussão é a afirmação de identidades religiosas a partir de reações, respostas ou diálogos frente à cultura e a política seculares. Identidades religiosas afirmadas como refúgio contra o abandono, a solidão, a incerteza ou os efeitos das crises e reestruturações econômicas, das mudanças tecnológicas e de globalização (cf. Touraine, 1997; Beyer, 1994; Martin, 1998; Haynes, 1998). Identidades religiosas em discussão após décadas de repressão ou controle estatal da prática religiosa, nos países do antigo bloco comunista (cf. Daniel e Durham, 1999). Identidades religiosas dialogando assertivamente com os poderes estabelecidos em defesa de valores comunitários e individuais - muitos dos quais antigos e mesmo incompatíveis com a modernidade (cf. Kymlicka, 1996; Modood, 1999; Bartolomei, 1995).

A conexão entre democracia, pluralismo e identidade que propomos aqui segue de perto a formulação proposta por Chantal Mouffe (1999), para quem a democracia moderna, como articulação entre o liberalismo político (domínio da lei, separação de poderes e direitos individuais) e a tradição democrática da soberania popular, distingue-se das democracias liberais realmente existentes ou da democracia dos antigos pela aceitação que faz do pluralismo. Não da mera existência de uma pluralidade de concepções do que a boa sociedade, de uma mera diversidade de grupos. Mas de uma mudança no plano simbólico, pela qual se dá a legitimação da divisão e do conflito, permitindo “a emergência da liberdade individual e a asserção da liberdade igual pra todos” (Mouffe, 1999:30).

Por meio do pluralismo emerge, assim, uma tensão entre a lógica democrática da identidade e da equivalência, e a lógica do pluralismo, que se baseia na diferença e na multiplicidade de visões do bem. A rigor, e isoladamente, cada uma dessas lógicas tende a anular a outra, o que leva à necessidade de uma constante rearticulação e renegociação, sem um ponto de equilíbrio ou harmonia final. Isto significa, continua Mouffe, que não é possível depender apenas de um acordo quanto a procedimentos. Tais acordos sempre envolvem julgamentos quanto ao que é justo, razoável, aceitável, etc, os quais por sua vez pressupõem “formas de vida” (Wittgenstein) e os embates entre elas. Num contexto pluralista a diferença é que tais “formas de vida”, expressas em paixões, valores, crenças e práticas conflitantes, têm acesso à esfera pública, devendo ser aí “domadas”, isto é, transformadas de identidades antagonísticas em identidades agonísticas.

O estado, neste caso, não pode ser neutro, mas precisa definir os limites de sua tolerância - fundamentalmente em termos da “gramática de conduta” que prescreve liberdade e igualdade para todos (Idem:34 e 36). E a separação entre igreja e estado, fundamental para assegurar o caráter político do pluralismo, “não requer que a religião seja relegada à esfera privada e que os símbolos religiosos devam ser excluídos da esfera pública. Como argumentou recentemente Michael Walzer, o que está realmente em questão na separação entre igreja e estado é a separação entre religião e poder estatal (Idem:36-37). E Mouffe arremata, “na medida em que atuem nos limites constitucionais, não há nenhuma razão por que os grupos religiosos não devam poder intervir na arena política para debaterem a favor de ou contra certas causas” (Idem:37). E ainda: “certamente, em países onde a religião é central na constituição das identidades pessoais, seria anti-democrático proibir certas questões que são importantes para os crentes de entrarem na agenda democrática” (Idem:38).

Naturalmente, a formulação de Mouffe não resolve todos os problemas. A visibilidade pública da questão da identidade - no nosso caso, das identidades religiosas - num contexto pluralista traz consigo uma série de dificuldades a equacionar. Embora concordemos com ela que a solução será política e, portanto, pressuporá o conflito e manterá a divisão (isto é, a não-totalização das soluções alcançadas em relação ao conjunto das demandas ou das formas de identificação existentes na sociedade), os desafios concretos podem representar enormes obstáculos para o avanço do pluralismo.

Menciono aqui, de passagem, alguns destes desafios:

1) o avanço do estado na regulação de assuntos privados e a desprivatização da religião, lançando demandas à esfera política torna impossível definir áreas de competência exclusiva de cada um ou definir, à parte de uma tomada de posição normativa (portanto, somente sustentável em termos hegemônicos), quanto espaço será permitido à expressão da religião na esfera pública e ao estado na esfera privada ou na emergente esfera da sociedade civil;

2) os conflitos interreligiosos contemporâneos podem se manter no nível da violência simbólica ou transbordarem para a violência física; em ambos os casos, a maior presença estatal, chamada a decidir entre partes litigantes com os instrumentos do monopólio da violência legítima ou o poder regulatório da lei e das políticas públicas, nem sempre se dá de forma satisfatória – por desconhecimento da lógica própria de funcionamento das identidades em disputa; pela distância cultural possível entre as elites estatais e certas comunidades religiosas; pela incongruência entre os instrumentos de controle político e as práticas vigentes nas comunidades implicadas;[9]

3) o problema do multiculturalismo, que tem colocado uma série de desafios notadamente às esferas legal e governamental, no que se refere à questão da tolerância e à do equilíbrio entre isonomia no tratamento das diferenças e reconhecimento da especificidade delas (cf. Kymlicka, 1996; Semprini, 1999; Touraine, 1997). O principal limite do multiculturalismo está na tendência ao dogmatismo e ao essencialismo por parte das identidades religiosas em disputa (entre si ou no caso de fusão entre identidade religiosa e identidade política de um grupo ou etnia);

4) o pluralismo facilita o acesso à esfera política e isto, em circunstâncias de forte peso da religião na vida cotidiana, se expressa em termos de aumento na participação política (representação e presença na tomada de decisões) por parte de indivíduos e grupos/movimentos religiosos; tal participação, contudo, na medida em que incorpora atores com pequena ou nenhuma experiência prévia de exposição à esfera política, corre sempre o risco de importar para o campo político formas de intransigência e imposição muito difundidas no campo religioso, ou de se perder no labirinto das redes clientelistas ou corporativistas da política contemporânea.

V
Finalmente, o que dissemos a respeito das dificuldades do pluralismo precisa ser complementado com uma referência à configuração do discurso religioso como discurso político. Parte do tema é captada nas discussões sobre a desprivatização da religião. Dissemos no início que a reconfiguração do religioso opera de acordo com uma lógica do deslocamento de fronteiras e de ressignificação de práticas. Rosenfeld aponta duas consequências da desprivatização,[10] citando o estudo de Casanova (1994) sobre as religiões públicas na política mundial: “repolitização das esferas religiosa e moral privadas” e “renormativização das esferas econômica e política públicas” (Rosenfeld, 1999:41). Ao que Rosenfeld exemplifica: no primeiro caso, os esforços religiosos para criminalizar o aborto e a homossexualidade; no segundo caso, a tentativa de coibir os excessos da economia de mercado pelo recurso a uma concepção religiosa de responsabilidade ou solidariedade social (Ibidem). E no final de seu artigo, mencionando especificamente o Solidariedade polonês e a Igreja Popular brasileira, o autor afirma que “se... a referência à moralidade religiosa serve para avançar preocupações morais, sociais ou políticas amplas, que atravessam um grande número de concepções do bem, englobando tanto perspectivas religiosas como não-religiosas, então o pluralismo compreensivo pode muito bem aconselhar aceitação e, possivelmente, mesmo apoio integral” (1999:64).[11]

Neste caso, podemos acrescentar, a relação entre religião e política se torna indissociável, e implica dois processos articulados. De um lado, uma redescrição da tradição religiosa que põe em andamento o jogo das significações entre as versões oficiais (ortodoxas) e marginais (heterodoxas) da tradição. Conflito interno ao campo religioso. Cada tentativa de politizar o discurso religioso envolve uma revisita à tradição, para reforçar o senso de pertencimento e para melhor confrontar a ortodoxia – quer apontando desvios em relação à pureza das origens, quer ressemantizando a atualidade de dissidentes e mártires no interior da tradição, tomando-os como exemplos de antecipação visionária, independência e compromisso.

É preciso acrescentar, porém, que esta volta ao passado para reavivar sua atualidade e força ético-política precisa ser duplamente qualificada: primeiro, os sentidos não estavam lá, meramente esperando para serem recuperados pelos atores politizantes. Eles só cobram força à luz de um acontecimento, de um desafio ou deslocamento postos pelo presente e que são respondidos por uma visita à tradição. Segundo, o caráter desta leitura heterodoxa pode ser conservadora ou progressista, dependendo do contexto em que é articulada. A heterodoxia é uma posição relacional, que só se define face a uma posição ortodoxa hegemônica, bem como face a um campo de forças externo à religião. Na repolitização do discurso religioso podemos encontrar do integrismo mais reacionário ao pluralismo mais radical, passando por posições centristas e pragmáticas: da política dos aiatolás e da nova direita religiosa norte-americana, à teologia da prosperidade e o projeto político dos neopentecostais brasileiros[12] ou mexicanos, passando pela teologia da libertação, o evangelicalismo latino-americano e as políticas de promoção dos direitos humanos das igrejas européias (notadamente através do movimento ecumênico).

O importante a destacar é que, no cenário contemporâneo, há uma dissseminação/circulação do religioso em busca de eficácia política, que gera condensações em discursos político-religiosos em contextos nacionais. O rebaixamento das barreiras que o modelo iluminista de oposição entre religião e política impunha, encontrou-se com um ativismo religioso crescentemente mobilizado contra o secularismo ou as injustiças e desigualdades, e isto tem permitido uma configuração múltipla das relações entre religião e política. Não se trata de um retorno de algo que havia morrido, nem de um reencantamento do mundo. Onde há retorno ou reencantamento, nunca houve total desencantamento, razão pela qual a religião foi suficientemente forte para se tornar uma força política – ou apenas se trata da ascensão de uma diferente religião ou corrente religiosa dentre as existentes. Tampouco a totalidade do arcabouço liberal cede lugar a algo inusitado. Antes, é sobre as ruínas do liberalismo dos séculos XVII a XIX, mas usando seus cacos ou restaurando seus “monumentos” institucionais meio abandonados, que se reconstrói a relação entre religião e política. É certo que os novos arranjos nem sempre guardam coerência com o liberalismo. Há elementos arcaicos, pré-liberais, que voltam; há novos desenvolvimentos pós-liberais. Por exemplo, a velha idéia da religião como “social glue”, preservando uma identidade nacional da desintegração e fragmentação, se junta à sua idealização como fonte de capital social para o incremento da cidadania, ou antigas formas de retirada do mundo buscam justificar-se como crítica da corrupção e da falsidade na política institucional.

Há, contudo, uma exuberância de casos e tendências a analisar e comparar. O cientista social da religião está hoje numa posição invejável para renovar o conhecimento do vínculo entre religião e política, assim como, no início da era moderna o fizeram Hobbes, Maquiavel, Locke ou Spinoza. Não fazê-lo é injustificável tanto quanto fazê-lo é desafiador.

 
 

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NOTAS
[1] Versão revisada de trabalho originalmente apresentado em workshop sobre religião e política, por ocasião do VIII Congresso Latino-americano de Religião e Etnicidade, promovido pela Associação Latino-americana para o Estudo das Religiões, em Pádua, Itália, de 27/06 a 05/07/2000.
[2] Pesquisador do Instituto de Pesquisas Sociais, Fundação Joaquim Nabuco; professor das pós-graduações em Ciência Política e Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco. Agradeço aos colegas presentes preciosos comentários, que procurei integrar a esta versão do texto. As lacunas que persistam são de minha responsabilidade.
[3] Há hoje um grande corpo de literatura crítica da teoria da secularização ou revisionista. Para alguns exemplos mais recentes, cf. Beckford, 1989; Haynes, 1998: 214-20; Berger, 1999; Vattimo, 1999; Taylor, 1998:1-6; Hervieu-Léger, 1997; Milbank, 1993; Riesenbrodt, 2000. Entre os argumentos que chamo de “revisionistas” estão aqueles favoráveis à tese da secularização, mas que a compreendem como processo descontínuo e mesmo combinado de “secularização-com-intensificada-mobilização-religiosa” ou mesmo como elemento desencadeador da explosão de formas não-tradicionais de religiosidade, “como busca e, a um só tempo, garantia de liberdade religiosa para todos” (Pierucci, 1997:112 e 115; cf. tb. 1998; Wilson, Beckford e Dobbelaere, 1993).
[4] Para análises do caso americano, cf. Jelen, 1995; Chandler, 1999; Carter, 1993. Interpretações mais globais podem ser encontradas em Moyser, 1991; Haynes, 1998 e Lincoln, 1998; Swatos Jr., 1989; Roof, 1991.
[5] Por “superfície de inscrição” entendemos, com base em Laclau (cf. 1990:63, 168-69), uma formação discursiva ou fragmento dela que se torna, sob determinadas condições, “representante” de demandas ou interpretações do social que lhes eram originalmente estranhas ou que não faziam parte de suas formas predominantes. Subjacente a tal entendimento está a idéia de que isto é possível porque as estruturas (discursivas) do social não estão inteiramente fixadas, nem conseguem se manter impermeáveis a tentativas de “recrutá-las” ou mobilizá-las para fins distintos dos que convencionalmente as caracteriza. Se o sentido de um discurso - e este não pode ser entendido apenas num sentido linguístico, mas como um sistema de relações que tanto são linguísticas como extra-linguísticas - é dado por sua relação com outros, mais do que um sistema fechado, aquele pode vir a ser investido (hegemonizado) de diferentes maneiras, podendo tornar-se um espaço em que outros processos de significação vêm a operar.
[6] Para outros tratamentos das implicações constitucionais e políticas do deslocamento da fronteira entre público/estatal e privado/religioso, cf. Rosenfeld (1999); Casanova (1994), Moyser (1991). Ver também o parágrafo IV a seguir.
[7] Gostaríamos de reter deste termo sua dupla referência a “aparecimento” e a manifestações de fantasmas (daquilo que se julgava morto e enterrado, mas que retorna como “assombração”). No primeiro caso, salienta-se o elemento de novidade, enquanto no segundo a insuficiência de uma concepção etapista, linear, de evolução histórica, que veria na presença da religião ou determinadas formas de manifestação política na sociedade contemporânea resquícios de irracionalidade associados à ausência ou deficiências da modernização. Entretanto, parte do que é novo na verdade é muito antigo, e parte do que se julgava morto na verdade ronda como espectro ou se movimenta com vivacidade na cena social.
[8] Alguns autores tem procurado explorar, por exemplo, a questão da busca por espaços ao abrigo da política, isto é, da exposição ao escrutínio público e da mobilização coletiva em função de direitos ou contra sua violação (cf. Melucci, 1996; Maffesoli, 1997; Cochran, 1990).
[9] Este é o caso dos grupos ou instituições que reivindicam a atualidade de tradições culturais e políticas pré-modernas, de base religiosa, para o enfrentamento autônomo de seus problemas de ordem e desenvolvimento, contra os princípios do pluralismo democrático - cf. Kymlicka e Norman, 1996; Kymlicka, 1996; Laclau, 1997.
[10] Segundo Haynes (1998:2), tal processo de desprivatização da religião alcança mesmo sociedades altamente secularizadas, como a Inglaterra.
[11] Para uma interpretação abrangente, global da desprivatização, cf. Haynes, 1998:12-19.
[12] Uma interpretação extremamente original vem sendo proposta, a propósito do movimento pentecostal na América Latina (particularmente no Brasil), por André Corten (1996; 2000). Segundo ele, a despeito do conservadorismo político deste movimento, sua emergência tem colocado desafios para a “língua política” - sistema de autorização do que é aceitável como discurso sobre o social e o político, num dado momento - seja no campo da religião propriamente dito, seja no da cultura e da política.