mercredi 23 octobre 2024

O espectro do vermelho, o livro

Cristianismo & Política

O PT através do espelho




O espectro do vermelho

Jorge Pinheiro




Jorge Pinheiro

Montpellier, Hérault, France, janeiro de 2022.

É Pós-Doutor (2011), Doutor (2006) e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2001). Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2001). Professor e Jornalista Profissional. Atua nas áreas das Ciências da Religião e Teologia, com especialização nas relações entre política e religião.




"Que mau encontro foi este, que o ser humano, livre por natureza, tenha perdido a memória de sua condição e o desejo de regressar a ela?" Etienne de la Boétie, Discurso sobre a servidão voluntária (1571).



Apresentação 


Introdução 


Capítulo Um

O Brasil e o socialismo de 1945 a 1980


Capítulo Dois

O trotskismo e a Nova Esquerda


Capítulo Três 

Os militares e as raízes cristãs do PT


Capítulo Quatro

O espectro do vermelho


Capítulo Cinco

Leitura teológica do espectro do vermelho


Considerações finais 


Bibliografia

 


Apresentação


Absolutamente arrebatado pela leitura deste livro, venho desfrutar da honraria que o autor generosamente me confiou: apresentá-lo. É um desfrute intelectual, sem dúvida, pois o tema não é simples e é desenvolvido com rigor por alguém que foi partícipe da história: o encontro entre o cristianismo social e a fundação do Partido dos Trabalhadores. Mas o arrebatamento é raramente de origem puramente intelectual – acabo a leitura tomado por sentimentos de orgulho e de esperança, afetos fundamentais para que a luta política se reavive, tendo em conta a utopia. E o momento exige o reavivar, o crer de novo naquilo que, como indivíduos e como coletividade, podemos realizar na história.  


De onde vêm esses bons sentimentos, em uma hora dessas? Vivemos um momento trágico no nosso país: uma pandemia mortal que atingiu todas as famílias, de um modo ou de outro; um governo nefasto, imprevisto, que se sustentou até aqui apesar de tantos crimes (comuns e de responsabilidade) por ele cometidos; uma população exausta, explorada até a última gota de suor por um modelo produtivo ultraliberal que criou quarenta novos bilionários em 2021, o mesmo ano em que ressurgiu uma outra epidemia, outrora extinta, a da fome; uma reforma educacional que objetiva alijar os estudantes de escolas públicas não apenas das universidades, mas de conhecimentos humanísticos básicos para o desenvolvimento da consciência crítica e cidadã. Ter qualquer otimismo parece, até mesmo, irresponsável.


Acho que a irresponsável esperança sentida, ao encerrar a leitura deste livro vem da evidência que ele apresenta: nós, como povo, não somos apenas isso. Se é verdade que o pensamento autoritário, bonapartista, esteve sempre presente no Brasil, aliado aos interesses dos ricos, também é verdade que se construiu um pensamento de esquerda consequente que, nesse mesmo país autoritário, foi capaz de ganhar eleições e de governar. Um pensamento que, apesar de tributário das grandes questões da esquerda mundial, é autóctone, próprio da nossa terra, das nossas características. E para o qual contribuiu decisivamente a existência um cristianismo social, de libertação, que vê na igualdade material uma exigência do evangelho. Esses elementos, historicamente relacionados, hoje nos apresentam duas perspectivas fundamentais: é possível pensar a política de forma utópica, liberta de um suposto determinismo rentista; e é necessário reafirmar o caráter comunitário da fé cristã, que ultrapasse a salvação da alma individual e que se preocupe com a realização do Reino na terra, libertando os oprimidos.


O texto apresenta uma singular mistura de profundidade teórica, rigor e reflexão com o testemunho dos fatos históricos narrados - e daí vem o prazer da leitura. Jorge Pinheiro é Pós-Doutor em Ciências da Religião, professor de teologia, mas também é jornalista e professor de jornalismo. Vivenciou a luta das esquerdas durante a ditadura militar, foi membro fundador da Convergência Socialista, organização que foi uma das tantas que participaram na fundação do Partido dos Trabalhadores. Viveu no Chile de Salvador Allende, tendo presenciado tanto a dinâmica da esquerda brasileira no exílio quanto a morte de diversos companheiros com o golpe de 1973 naquele país. Voltou ao Brasil e participou do processo de surgimento de um novo partido de massas, o Partido dos Trabalhadores. E é pastor batista. Por tudo isso, o autor nos apresenta os fatos históricos dando-lhes um sentido existencial autêntico extremamente interessante.


O autor apresenta as experiências de esquerda logo após a redemocratização de 1945, dando destaque à fundação do Partido Socialista Brasileiro pela defesa, então inédita, de uma renovação do socialismo pela democracia. Analisa, com amargor, os elementos que nos levaram ao golpe de 1964 e a subsequente formulação da narrativa falsa que identifica nos militares uma reserva moral da nação, espécie de mito estruturante do pensamento autoritário que nos assombra até hoje. Fala da organização da esquerda durante a ditadura e reflete sobre a importância de um ator social novo – o sindicalismo industrial de massas. E conta como o sindicalismo foi capaz de aglutinar, durante a ditadura ainda, diversos grupos de esquerda (socialistas, social-democratas, cristãos sociais, trotskistas, stalinistas, progressistas identitários...) numa espécie de confederação de esquerdas, que será denominado de Partido dos Trabalhadores. Como unidade de pensamentos tão diversos, o PT surge sem uma plataforma ideológica clara, apenas uma crença difusa no socialismo e outra na democracia. Democracia interna, que permitisse a discussão entre as tendências partidárias, e externa, que considera a democracia como valor e como estratégica para a conquista do poder. Com isso, o PT já nasce longe dos socialismos reais autoritários, e buscará definir qual socialismo é o seu.


Paralelamente, o autor nos fala do desenvolvimento do cristianismo social, seja ele católico ou protestante. Pensamento que tem um marco icônico, a encíclica Rerum Novarum, de 1891, do Papa Leão XIII. Nela o Papa opõe-se ao pensamento materialista, tal como o comunismo. Mas também é muito claro ao defender a dignidade dos operários. A exploração desmesurada de um irmão em Cristo é eticamente insustentável, sendo também uma espécie de materialismo. Com clareza, com força, a igreja coloca-se ao lado dos explorados. Mas foi apenas no Concílio Vaticano II (1961) e a Conferência de Puebla (1979) que a igreja faz sua “opção preferencial pelos pobres” que dá base teórica à Teologia da Libertação. Essa ideia central já era presente na atuação de católicos e protestantes no mundo, especialmente na América Latina, e pode ser traduzida na afirmação de que o cristianismo, uma religião de paz e de amor, só pode ser pleno se todos os irmãos possuam uma dignidade que também é material. O cristianismo é uma religião comunitária e, como tal, a salvação individual está em segundo plano. O importante é que a comunidade se liberte, toda, da opressão e que possa salvar-se coletivamente. 


Embalados por essa ideia, bispos, pastores, padres e leigos latino-americanos lançaram-se à construção de uma igreja que atuasse no mundo, que ajudasse os fiéis na luta por melhores condições de vida. Formaram-se, por exemplo, Comunidades Eclesiais de Base e Círculos Bíblicos que, dentro ou fora dos templos, se reuniam para louvar a Deus, ler a Bíblia e... lutar por direitos. Foram fortes, durante a ditadura, a Juventude Estudantil Católica e a Juventude Operária Católica, que se opuseram firmemente ao arbítrio. Muitos cristãos foram mortos em virtude da fidelidade que demonstraram aos valores sociais do cristianismo. Nada mais natural, portanto, que essa maneira social de viver o cristianismo participasse, em um país mormente cristão, na formação e na ideologia de um Partido dos Trabalhadores.


O livro não se furta a críticas sobre a caminhada do PT, nem ao progresso de visões individualistas do cristianismo, mas não darei spoilers aqui. O certo é que consegui entender e explicar, um pouco melhor, meus sentimentos iniciais de orgulho e de esperança. Tudo o que Jorge Pinheiro narra aqui é história do Brasil recente – é a nossa história. Compõe o patrimônio imaterial do país, sentimental de muitos de nós. Critica-se a política por ser feita sem a participação popular, os caciques partidários tomando as decisões sem ouvir ninguém. Pois bem, o PT não foi criado assim. Há problemas, numa caminhada tão longa e de tanto sucesso eleitoral, claro. Mas algo da democracia interna original segue animando esse partido. Outros partidos não poderiam surgir assim, valorizando seus filiados e a política como um todo? O mesmo se pode dizer do cristianismo. Se uma fé individualista ganhou espaço e, fanatizada, serviu de base fiel a um governo que nega os valores mais caros ao cristianismo, isso não pode apagar toda a trajetória de um cristianismo social que lutou, e luta, ao lado dos pobres, com testemunho de amor e com profundidade teológica. 


Fui, durante toda minha vida profissional, professor de direito, especialmente de direito constitucional. Assim, ouso fazer uma derradeira reflexão que me acompanhou durante a leitura deste livro. Trata-se do valor da democracia “burguesa”, das regras do jogo eleitoral e da importância do Estado de Direito. Muitos dizem, não desprovidos de alguma razão, que uma mudança radical na vida dos trabalhadores só se dará com a derrubada violenta da ordem, do direito, da democracia. A questão ganha ainda mais importância a partir de 2016, ano em que o instituto constitucional do impeachment foi utilizado com o objetivo de derrubar um governo eleito, com o qual a maioria do Congresso Nacional não concordava, mas que não realizara qualquer crime de responsabilidade seriamente argumentável. Seria ingenuidade do Partido dos Trabalhadores continuar jogando um jogo de cartas marcadas? Não seria mais honesto retirar-se da luta eleitoral e apostar na organização popular para a derrubada do sistema? 


A proposta parece-me ser de uma grande ingenuidade, vício que admiro como virtude na luta política. Fortalecer a democracia e o Estado de Direito é o único caminho para levar a esquerda ao poder no Brasil. Note-se que os dois casos de rompimentos institucionais recentes – o golpe civil-militar de 1964 e o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff em 2016 – se deram pelo desrespeito à lei. Quando Lula foi impedido de ser candidato, em 2018, a Presidente da República, isso se deu pela alteração da jurisprudência eleitoral de décadas, operada apenas para o seu caso concreto. Em suma: quando o direito é descumprido, é a esquerda que sofre. 


O Brasil é um país de base escravocrata em que os donos do poder nunca se importaram com o direito nem com a democracia, que sempre utilizaram a violência contra o povo para o submeter e realizar lucros exorbitantes. Volto ao tema da ingenuidade como vício ou virtude: eu acreditava sinceramente que a Constituição Cidadã de 1988 houvesse sepultado esses tempos. Enganei-me. A esquerda precisa ser, nesses tempos extremos, defensora do direito e da democracia, únicos meios de garantir acesso legítimo ao poder. Pois os poderosos não precisam de leis, têm canhões.


Este livro de Jorge Pinheiro tem essa virtude, dentre outras: lembrar-nos de que a luta política é a única capaz de manter nossos sonhos vivos. A ele agradeço pela honra dessa apresentação, bem como pela alegria do convívio. 


Leonardo Tricot Saldanha

Professor de Direito Constitucional. Doutor em Direito pela PUC/RS, mestre em Direito pela UFRGS. Doutorando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Montpellier. Ex-Juiz do TRE/RS no período de 2010 a 2016 e Ex-Secretário Executivo Regional da Juventude Franciscana do Rio Grande do Sul no período de 1988 a 1991. 

Introdução


Desde a primeira República com a chegada dos imigrantes europeus, em especial espanhóis e italianos, surgiram tentativas de construção de um partido operário que tivesse condições de ação político-eleitoral. Mas todas essas tentativas fracassaram. Até mesmo o Partido Comunista, fundado em 1922, por seu posicionamento ambíguo em relação à democracia e por traduzir, durante a longa presença de Josef Stálin na liderança da União Soviética, uma política ditada por interesses externos, mais precisamente do Cominter, não conseguiu ser este partido. Com o final do Estado Novo surgiu o Partido Trabalhista Brasileiro como organização populista, que combinava uma liderança burguesa e pelego-sindical com base eleitoral popular e de trabalhadores urbanos. Mas também não foi o partido operário sonhado pelos militantes socialistas da primeira República. 


Outra experiência que vale a pena ressaltar foi a do Partido Socialista Brasileiro, fundado por intelectuais e políticos socialistas-democráticos em 1947. Tendo que enfrentar, à esquerda, o PCB, marxista-leninista, e à direita, o PTB, burguês, o PSB também não conseguiu construir o sonhado partido operário de massas, com inserção sindical e expressão político-eleitoral. Por esses motivos, quando no final dos anos 1970 surgiu o Partido dos Trabalhadores, que nucleou amplos setores sindicais e de trabalhadores fabris em todo o país, a esquerda brasileira, com raras exceções, começou a olhar tal fenômeno como algo novo na história brasileira. O sonho tornava-se realidade. 


Passados anos da fundação do PT, algumas questões são levantadas, todas girando ao redor da pergunta: que partido é esse? É marxista-leninista? É social-democrata? E se é socialista, que socialismo é esse? 


Ao se olhar com atenção para o fenômeno ficou claro que o PT rompia os padrões de um partido operário. Afinal, desde seu início teve uma forte presença cristã, que atuou nele através de organismos populares criados pela própria Igreja, como as Comunidades Eclesiais de Base. Mas não ficou aí a ruptura com o esquema clássico. Praticamente todas as correntes ideológicas do socialismo se fizeram presentes na formação do PT, indo do stalinismo, expresso nas correntes ligadas ao Partido Comunista do Brasil, PC do B, passando por seus opositores históricos, os trotskistas, até chegar aos social-democratas e socialistas lights, como foram chamados aqueles aparentemente não muito comprometidos com a idéia de revolução.


É interessante notar que no correr dos primeiros anos do PT essas correntes do marxismo-leninismo foram sendo depuradas, deglutidas ou expurgadas. Prevaleceu um núcleo sindical, sem definição ideológica, e uma ampla base sentimentalmente socialista que, no entanto, nunca definiu claramente que socialismo era esse. Agora pretendemos voltar à discussão sobre os socialismos petistas, sem deixar de fora a questão religiosa, pois vemos na construção do PT a presença, quer direta, quer invisível, do cristianismo. Nesse sentido, não negamos a existência de um pensamento socialista no PT, mas entendemos esse socialismo enquanto fenômeno que traduzia realidades plasmadas na sociedade brasileira e que afloraram enquanto mitos de origem da política. 


Este livro cobre os primeiros anos da história do PT, e não pretende analisar os governos de Luís Inácio Lula da Silva ou mesmo o meio governo de Dilma Roussef. Mas passados quase meio século de sua fundação a pergunta inicial, que partido é esse, se amplia e somos obrigados a perguntar: é um partido trabalhista? Mas que tipo de trabalhismo? É hoje um partido burguês? Acreditamos que a abordagem realizada fornecerá elementos que permitirão entender o processo vivido pelo PT e para onde ele caminha. Nossa análise toma como ponto-de-partida os documentos e as resoluções de encontros e congressos acontecidos entre os anos de 1979 e 1999, assim como matérias jornalísticas, artigos, editoriais e entrevistas, publicadas pela imprensa do PT e pela imprensa não partidária, mas recorremos também a documentos da esquerda anteriores a esse período e também a documentos posteriores. Isto porque, fazemos sim uma análise histórica, mas não esquecemos a leitura sistemática do socialismo no PT. Embora o pensamento socialista no Partido dos Trabalhadores não possa ser compreendido apenas a partir da releitura das resoluções oficiais de encontros e congressos, por maior que seja sua importância, entende-se que será de relevância fazer a releitura desses documentos como ponto-de-partida para a compreensão do papel do cristianismo na construção do Partido dos Trabalhadores. 


Dessa maneira, as apreciações e comentários sobre o Partido dos Trabalhadores, sua história e formação baseiam-se em documentação bibliográfica. É, ainda, nossa intenção apresentar memórias e testemunhos que corroborem a documentação bibliográfica, já que fizemos parte da direção de um grupo político, a Convergência Socialista, que teve participação na formação do Partido dos Trabalhadores. Muito do que expomos aqui foi pesquisado e desenvolvido em minha tese de doutorado Teologia e Política, Paul Tillich, Enrique Dussel e a Experiência brasileira, publicada em 2006. 


O tema central de interesse é o socialismo em seus diversos matizes em sua correlação com o cristianismo e como ambas correntes de pensamento se aninharam no partido em formação, indo desde o socialismo de intelectuais que atuavam junto ao Movimento Democrático Brasileiro, como Fábio Munhoz, Francisco de Oliveira, Francisco Weffort, José Álvaro Moisés, Paul Singer, Roque Aparecido da Silva e Vinícius Caldeira Brant, aos agrupamentos da nova esquerda como Ação Popular, Convergência Socialista, Liberdade e Luta, Movimento pela Emancipação do Proletariado, Política Operária até as correntes representadas por lideranças religiosas de expressão nacional, como aquelas dos bispos católicos, Adriano Hipólito, Benedito Uchoa, Cândido Padim, Pedro Casaldáliga, dom Pelé, Tomás Balduíno, e outros que, diretamente ou indiretamente, influenciaram na construção do novo partido. Logicamente, tal questão nos leva a uma outra: como, a partir da luta entre as diversas correntes -- Democracia Radical, Articulação, Democracia Socialista, A Hora da Verdade, Vertente Socialista, Força Socialista, Brasil Socialista, O Trabalho, Movimento Tendência Marxista, e independentes -- deu-se um caldeamento que possibilitou a consolidação da opção socialista democrática. Ou, como afirmou Lince: o PT “teve que aprender, na prática e aceleradamente, o exercício da transposição de suas grandes bandeiras gerais em projetos políticos concretos, capazes de afirmar a sua vocação de instrumento de luta por uma nova hegemonia na sociedade brasileira” (LINCE, 1993, p.98). 


Quando pensamos nos componentes religiosos presentes no socialismo do Partido dos Trabalhadores, três questões exigem uma reflexão mais profunda. A primeira delas é: podemos dizer que existe, de fato, uma relação histórica e convergente entre cristianismo e socialismo? E, se existe, como essa relação se deu na formação e desenvolvimento do pensamento socialista no Partido dos Trabalhadores? E a terceira questão que nos desafia é saber se este pensamento socialista, onde estão presentes componentes religiosos, e mais precisamente cristãos, leva a um tipo de socialismo diferente daquele proposto pelos partidos comunistas no século XX. Essas três questões definem o nosso trabalho neste livro.


Capítulo Um

O Brasil e o socialismo de 1945 a 1980


O pensamento socialista e, mais especificamente, o marxismo, em sua elaboração sobre as religiões e sobre o cristianismo teve a sua formulação mais aguda num manuscrito escrito por Karl Marx, em 1845, quando estava exilado em Bruxelas, que ficou conhecido como as Teses sobre Feuerbach. Nesse momento, nos ateremos à quarta tese, por sua importância para o desenvolvimento da pesquisa e para a discussão metodológica do trabalho. Nela, Marx afirma: 


Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo no mundo religioso, representado, e não real. O seu trabalho consiste em resolver o mundo religioso na sua base mundana. Ele perde de vista que depois de completado este trabalho ainda fica por fazer o principal. É que o fato desta base mundana se destacar de si própria e se fixar, um reino autônomo, nas nuvens, só se pode explicar precisamente pela divisão e pelo contradizer-se a si mesma desta base mundana. É esta mesma, portanto, que tem de ser primeiramente entendida na sua contradição e depois praticamente revolucionada por meio da eliminação da contradição. Portanto, depois de, por exemplo, a família terrena estar descoberta como o segredo da sagrada família, é a primeira que tem, então, de ser ela mesma teoricamente criticada e praticamente revolucionada (MARX, s/d, p.208-210). 


Dessa maneira, Marx parte do fato de que a religião torna o ser humano estranho a si mesmo e desdobra o mundo em um mundo religioso, imaginário, e um mundo real. Por isso, considera que o trabalho do teórico consiste em dissolver o mundo religioso em sua base terrena. Por isso vai dizer que Feuerbach não percebe que, findo este trabalho, o principal ainda está por fazer. O fato de que a base terrena se separe de si mesma e se estabeleça nas nuvens, como reino independente, só pode ser explicado pela dissociação interna e pela contradição dessa base terrena consigo mesma. O que deve, portanto, ser feito antes de qualquer coisa é compreendê-la em sua contradição e depois remover essa contradição. Assim, por exemplo, após descobrir que a família terrena é o segredo da ‘Sagrada Família’, é a família terrena que deve ser criticada teoricamente e revolucionada. Marx explica a crença religiosa por meio das contradições da sociedade humana e de suas dissociações, que induzem o ser humano a projetar fora do mundo, em um paraíso, a realidade na qual desejaria viver. Mas como indica Radice, na quarta tese sobre Feuerbach “Marx afirma de modo explícito que a forma religiosa reflete um conteúdo histórico. Por estar impotente, o ser humano imagina uma potência divina, por estar abandonado cria uma providência” (1967, pp. 6-7). 


E aonde levam essas visões? Aqui está a redescoberta pelo pensamento marxista oficial, no final dos anos 1960, da importância da consciência religiosa. Em seu décimo congresso o Partido Comunista Italiano diria que é necessário compreender como “a aspiração a uma sociedade socialista não só possa abrir caminho em homens que têm uma fé religiosa, mas que tal aspiração pode encontrar em uma sofrida consciência religiosa um estímulo frente aos dramáticos problemas do mundo contemporâneo” (RADICE, 1967, p.10-11). Dizemos redescoberta da importância da consciência religiosa porque Gramsci, algumas dezenas de anos antes do décimo congresso do PCI, já havia afirmado que “a religião cristã, que – em certos períodos históricos e em condições históricas determinadas – foi e continua a ser uma necessidade, uma forma necessária de racionalidade do mundo e da vida” (PORTELLI, 1984, p.32).  E o mais interessante é que Gramsci afirma ser o marxismo herdeiro de dois movimentos culturais, a Reforma protestante e a Revolução francesa: 


A filosofia da práxis pressupõe todo este passado cultural, o Renascimento e a Reforma, a filosofia alemã e a revolução francesa, o liberalismo laico e o historicismo; em suma, o que está na base de toda concepção moderna da vida. A filosofia da práxis é o coroamento de todo movimento de reforma intelectual e moral, dialetizado no contraste entre cultura popular e alta cultura. Ela corresponde ao nexo Reforma protestante mais Revolução francesa: trata-se de uma filosofia que é também uma política e uma política que é também uma filosofia (PORTELLI, 1984, p. 188).


O marxismo pode, então, ser entendido como desenvolvimento que se dá a partir de três correntes da Reforma protestante: a luterana que legou Hegel, a calvinista que legou Ricardo e a economia clássica, e a huguenote que criou o jacobinismo. Segundo Portelli, “a estas três fontes originais, Gramsci tenta ligar a tradição cultural italiana, principalmente Maquiavel, como precursor do jacobinismo, e Croce como desenvolvimento historicista da filosofia alemã. O marxismo torna-se assim um ponto de convergência destas três correntes sob a forma de crítica radical” (PORTELLI, 1984, p. 188-189).


Dessa forma, para Gramsci, a Reforma foi não somente uma reforma no nível da economia, filosofia e política, mas também uma revolução cultural, no sentido de que procurou forjar uma nova humanidade. Para Gramsci a consciência religiosa cristã, que se traduziu em revolução cultural no século XVI, teve um caráter de suma importância na construção do pensamento contemporâneo. Ou, nas suas palavras: “da primitiva rusticidade intelectual do homem da Reforma (leia-se Lutero) decorreu a filosofia clássica alemã e o vasto movimento cultural de onde nasceu o mundo moderno” (PORTELLI, 1984, p. 189). Ao situarmos a redemocratização do Brasil em 1945, com o fim do Estado Novo e o surgimento de novos partidos, e em especial do Partido Socialista Brasileiro, consideramos que toda esta novidade político-partidária não se faz à margem de discussões caras à modernidade, como o processo do conhecimento, a história da riqueza e da acumulação capitalista e a questão da liberdade humana e política. Temas que quase sempre enfocamos como meramente políticos, mas, como alertou Gramsci, têm também base na Reforma protestante e em seus desdobramentos no nível do pensamento e da práxis. 


Depois da redemocratização de 1945, dois partidos vão polarizar a esquerda do país, o Partido Comunista Brasileiro, PCB, e o Partido Socialista Brasileiro, PSB. Nestes dois partidos traduziram-se duas visões diferentes de socialismo, que no correr dos vinte anos seguintes atrairiam importantes setores da esquerda brasileira. Mesmo com o golpe militar de 1964 e a conseqüente ilegalidade dos partidos políticos do período anterior, intelectuais e militantes migraram para as organizações da esquerda clandestina levando idéias e projetos político-partidários. Assim, as idéias socialistas não morreram, mas foram transplantadas para organizações que procuravam sobreviver sob precárias condições de clandestinidade e exílios. Parte dessa esquerda lançou-se à luta armada, sofrendo baixas e distanciando-se cada vez mais de suas bases sociais. A esquerda armada e o que representou para a história das idéias socialistas no Brasil é parte do capítulo, assim como a autocrítica a essa política militarista. Junto com outros companheiros, um deles Túlio Roberto Cardoso Quintiliano (IEVE, 1995), assassinado durante o golpe do general Augusto Pinochet no Chile, fomos autores da primeira crítica pública do esquerdismo militarista da época. Elaboramos um documento, A propósito de um sequestro, no qual, a partir da análise do sequestro do embaixador da Suíça no Brasil por grupos guerrilheiros, discordávamos da política armada (CERDEIRA, 2005). Com a crise do governo militar e a abertura política no final dos anos 70, idéias e militantes voltam à luz e sem armas, mas com bagagem ideológica, desembarcam no recém-criado Partido dos Trabalhadores. Qual fênix, velhos debates ganham novos foros. Entre eles, o socialismo, mas que socialismo?


O período que cobre os anos de 1945 a 1964 é conhecido pela historiografia brasileira como “a era dos partidos”. A deposição do ditador Getúlio Vargas no dia 29 de outubro de 1945 aprofundou o processo de democratização vivido pelo país nos dois últimos anos e que tinha levado o governo Vargas a promulgar em 28 de fevereiro a Lei Constitucional número nove, fixando eleições e estabelecendo que o Parlamento modificaria a Carta outorgada em 1937.


As eleições para presidente da República, para deputados e senadores que comporiam a Assembléia Constituinte continuaram marcadas para o dia dois de dezembro. A esta altura doze partidos se mobilizavam para a participação eleitoral: o Partido Social Democrata (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Republicano Democrático (PRD), o Partido Libertador (PL), o Partido Republicano (PR), o Partido Comunista do Brasil (PCB), o Partido Popular Sindicalista (PPS), o Partido Republicano Progressista (PRP, do ex-interventor Ademar de Barros), o Partido Agrário Nacional (PAN), o Partido Democrata Cristão (PDC), o Partido de Representação Popular (PRP, do integralista Plínio Salgado) e a União Democrática Nacional (UDN). Desses, apenas quatro conseguiram conquistar um número expressivo de eleitores. Mas outros partidos ainda estavam em processo de gestação, entre os quais o futuro Partido Socialista Brasileiro, o único no espectro político a defender um socialismo democrático. 


Em 1945, a idéia de democracia estava viva para os intelectuais e estudantes, e também para a classe média, mas para os trabalhadores urbanos, por terem adquirido direitos sociais durante a ditadura, havia um profundo sentimento de gratidão à pessoa de Getúlio Vargas. Como a vivência da democracia no Brasil era pequena e não se estabelecera uma cultura democrática, a maioria dos operários preferia a garantia do espaço social que a liberdade política. No combate ao regime de Vargas havia setores à direita, como os latifundiários, empresários ligados ao capital estrangeiro, e setores à esquerda, como os liberais e socialistas. E foi nesse ano, que um grupo de intelectuais e políticos fundou a Esquerda Democrática (Hecker, 1998). Um poema do Guilherme de Figueiredo, militante da Esquerda Democrática, reflete o clima político da época. No Poema da Moça caída no Mar, Guilherme de Figueiredo lança um apelo aos militares, aos cristãos e ao “homem pequenino que mora numa prisão” (referência ao líder comunista Luís Carlos Prestes) para que salvem o país que está se afogando. 

 

Mário de Andrade, depressa/ A moça caiu no mar.../ A moça caiu no mar!/ Não estão ouvindo vocês?/ Vamos todos, vamos todos,/ Venha quem quiser ajudar./ Murilo põe na vitrola/ Um concerto de Mozart/ Sobral Pinto mande cartas/ Brigadeiro desça do ar/ General chame os amigos/ Que a moça caiu no mar.


A moça caiu no mar/ Já sente o gosto de sal/ Seus cabelos estão frios/ Chamai Tristão para rezar./ Vêm os peixes fluorescentes/ Comer-lhe os dedos da mão/ Vem doutor Getúlio Vargas/ Devorar-lhe o coração/ Vem os peixinhos do DIP/ Os peixes dos Institutos/ Peixões da Coordenação./ Chico Campos, Góes Monteiro/ Receitam constituição/ De 37 – não, não!/ Se ela não morrer afogada/ Morrerá dessa poção,/ Marcondes Filho oferece/ Uma complementação/ Oh! Que vontade que eu sinto/ De dizer um palavrão.


Amigos por que esperais?/ A moça caiu no mar/ Palimércio, Palimércio/ Traze a tua legião,/ Ressuscita Rui Barbosa/ Ressuscita Castro Alves/ Vejam todos quantos são./ João que chame Maria/ Maria chame João/ Venha o homem pequenino/ Que mora numa prisão/ Meu pai, você nem precisa/ Fazer mais revolução. (BENEVIDES 1981, p.39-40). 


Mas o sonho de uma frente nacional que depusesse Getúlio Vargas e tirasse “a moça do mar” não se concretizou, porque Luís Carlos Prestes, anistiado pelo governo, apoiou o ditador. E Afonso Pena Júnior assim comentou o fato:


Não foi possível, não foi/ Tirar a moça do mar/ Porque o homem pequenino/ Que morava na prisão/ E a gente botou na rua/ Para entrar no mutirão/ Carregou para outra banda/ Os caboclos do arrastão./ E a moça afogou no mar./ Nosso Senhor lhe perdoe/ Que eu não perdôo não/ Pois deixou morrer a moça/ E acabou-se a geração… (BENEVIDES 1981, p. 40). 


Fernando de Azevedo, professor paulista, expressou a posição da Esquerda Democrática, em março de 1945, ao criticar a aliança de Luís Carlos Prestes e dos comunistas com Getúlio Vargas. Ele e seus companheiros temiam que uma união ao redor de Vargas pudesse resultar no fortalecimento das forças conservadoras, que naquele momento desfraldavam a bandeira democrática, mas que, depois de conquistarem o poder, se lançariam na repressão às minorias. Assim, com a redemocratização, os campos políticos foram se definindo: democratas e socialistas por um lado, comunistas por outro. Dois anos depois, socialistas oriundos da Esquerda Democrática e da UDN fundaram o Partido Socialista Brasileiro, PSB. Seus dois líderes de maior expressão eram João Mangabeira e Hermes Lima, e a proposta central do PSB, o “socialismo democrático”, em oposição ao comunismo stalinista, visto como correia de transmissão da política internacional da União Soviética. Foi nesse ambiente, de fragilidade do consenso e da democratização, que a intelectualidade brasileira estreou suas lutas, aderindo às causas populares. Alguns à esquerda, abjuram o liberalismo da UDN para em seguida entrarem no Partido Socialista Brasileiro ao tempo em que outro segmento, comprometido com o stalinismo firmava posição dentro do Partido Comunista — declarado ilegal em 1947 e com os parlamentares cassados em 1948 (CORRÊA, 1999). Pécaut em estudo sobre os intelectuais da geração 1954-1964, analisando esse contexto declara: "... o ardor democrático dos intelectuais de 1945 tinha poucas chances de durar. Tendo admitido, por cálculo ou impotência, o aspecto corporativista do regime, pouco inclinados aos prazeres da política partidária e, além disso, pouco instrumentados para tomar parte nela, não tinham motivos para celebrar as virtudes da ‘democracia formal’ que de qualquer forma nunca exaltaram assim" (PÉCAUT, 1989, p.99). 


Segundo Cabrera (1995), apesar das limitações impostas pela própria realidade da organização partidária, o PSB teve peso na intelectualidade de esquerda que se opunha ao stalinismo, ou seja, em dissidentes do PCB, cristãos sociais e trotskistas. Apesar de suas limitações, formulou propostas avançadas em termos sociais. Seu programa não lembra os dos partidos da social-democracia européia do pós-guerra, que, por exemplo, caminharam para um crescente alinhamento com os Estados Unidos, e tiveram condições de disputar a hegemonia das massas com os comunistas. O PSB reafirmou o socialismo e fez a defesa da socialização dos meios de produção. Seu programa, nos marcos do regime democrático, posicionou-se à esquerda, denunciando os males da sociedade capitalista brasileira, afirmando que a solução viria com a superação do regime de “exploração do homem pelo homem”. Mas, ao fazer a defesa de tal superação, afirmava os marcos da democracia e da pluralidade, embora dissesse que a democracia não podia ser vista de maneira estática. De certa, maneira, o PSB entendeu que o socialismo não podia deixar de experimentar a exigência da justiça como necessidade permanente. 


E se o mundo deixava para trás os terrores da Segunda Guerra Mundial, onde a presença do nazifascismo na Europa e do Estado Novo, no Brasil, foram tão marcantes, naquele momento, em todo o mundo e também no Brasil, a democracia passava a ser defendida como instrumento de controle do poder político, como consentimento social representativo dos instrumentos de força do estado. Dessa maneira, os socialistas sabiam que por existir na política uma relação entre autoridade, justiça e poder, a democracia tornava-se necessária na medida em que possibilitaria correções contra o uso errôneo da autoridade política. Assim, para eles, socialismo e democracia eram necessidades complementares. Por isso, seu programa apontava para um conjunto de medidas que deveriam aprofundar a democracia e o controle popular do Estado.


Para entender a construção deste ideário, é importante ver que um de seus fundadores e também teórico, João Mangabeira, que mais tarde ficaria conhecido como “o apóstolo do socialismo democrático”, tinha sido preso em 1936 por fazer a defesa dos comunistas que realizaram o levante conhecido como a Intentona Comunista. Mas ao ser libertado em 1937 assim expôs suas idéias, que mais tarde seriam as da Esquerda Democrática: 


Não sou comunista nem integralista, porque sou contra todas as ditaduras (...) sou homem da esquerda. Declaradamente da esquerda. Assim, sou pela liberdade ampla do pensamento e da cátedra, pela exposição livre de todas as doutrinas, pelo livre exame sem restrições. Sou pela separação entre Igreja e Estado. Na ordem social, sou pelas reivindicações proletárias e pelos deveres maiores impostos à propriedade. (...) Sou por todas as soluções tendentes a retirar o país do estado de colonização em que se encontra. 


Na formação de Esquerda Democrática, no Rio de Janeiro, além de Mangabeira participaram dois intelectuais de primeira linha: Hermes Lima, jurista, professor universitário que perdera a cátedra em 1936 por seu combate ao fascismo, e Domingos Velasco, goiano que participara dos levantes tenentistas e se tornara deputado federal em 1934. Em São Paulo, socialistas opositores do Partido Comunista Brasileiro criaram a União Democrática Socialista -- UDS e depois se uniram à Esquerda Democrática. Entre os fundadores estavam Paulo Emílio Salles Gomes, Antônio Cândido, Aziz Simão, o presidente da União dos Trabalhadores Gráficos, João da Costa Pimenta, e Febus Gikovate. 


Mas a Esquerda Democrática, apesar dessa presença de intelectuais progressistas, não era ainda um partido socialista. Defendia o voto universal, direto e secreto, com representação proporcional, liberdade de pensamento em todas as formas de expressão, direito de greve, e autonomia sindical. Nesse sentido, era mais que nada um movimento liberal de esquerda, conforme definiu Chacon (1998). Nas eleições de 1945, o PSD, locomotiva partidária do Estado Novo, conquistou 2.528.169 votos, elegendo o presidente da República, 151 deputados federais e 26 senadores, obtendo a maioria absoluta do eleitorado nacional. Faziam parte do PSD o próprio Getúlio Vargas, seus parentes próximos, como Êrnani do Amaral Peixoto, interventor no Rio de Janeiro em 1937 e genro do ditador, familiares de políticos de confiança de Vargas, como o general de brigada Ismar de Góis Monteiro, irmão do general Pedro Aurélio de Góis Monteiro (PSD/AL), que fora ministro da Guerra em 1934/35, Agamenon Sérgio de Godói Magalhães (PSD/PE), ministro do Trabalho em 1934/37 e cunhado do cônego Olímpio de Melo, interventor no Distrito Federal em 1936/37.  E também grandes proprietários de terras, Maurício Graco Cardoso (PSD/SE), caciques políticos como Israel Pinheiro (PSD/MG), e grandes comerciantes como Cristiano Monteiro Machado (PSD/MG). 


A UDN, que obteve 1.574.241 votos nas eleições, surgiu como o maior partido de oposição, elegendo 87 parlamentares para a Constituinte. Era uma oposição representativa do setor privado, pois dele faziam parte alguns dos mais importantes banqueiros do país, como José de Magalhães Pinto, fundador do Banco Nacional de Minas Gerais, Pedro Aleixo, diretor do Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais, e empresários da comunicação, como Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, Herbert Moses, de O Globo, Paulo Bittencourt, do Correio da Manhã, e os Mesquita, de O Estado de S. Paulo.  Tal composição levou os setores de esquerda da UDN a se deslocarem em direção a um partido que não estivesse comprometido com o grande capital.


Em abril de 1946, na sede da UNE no Rio de Janeiro, foi criado o Partido da Esquerda Democrática com programa e estatutos próprios que seriam a base para os do PSB. Nessa convenção, a Esquerda Democrática, já partido, defendeu a socialização dos meios de produção, decretada pelo voto do Parlamento democraticamente constituído e executada pelos órgãos administrativos eleitos em cada empresa. Para diferenciar-se dos comunistas apresentava-se sem “uma concepção filosófica de vida” e disposta “a realizar suas reivindicações por processos democráticos de luta política” (CHACON, 1998, p.171). 


Um primeiro elemento que chama a atenção é que o PSB não se afirmava como um partido marxista, embora influenciado pelo pensamento de Karl Marx e de outros teóricos marxistas. O PSB reconhecia esta contribuição e se pretendia um espaço aberto a todos que desejassem lutar por uma sociedade fundada no socialismo e na liberdade. No PSB mescla-se o socialismo democrático, desvinculado da tradição stalinista, com um socialismo inspirado no pensamento de Rosa Luxemburg e uma concepção liberal do Estado e da sociedade. Analisando o programa do PSB, sua prática política e sua trajetória, (...) o mesmo se constituiu num partido-semente, agitador de uma nova concepção política e cultural que deu base a um projeto de cidadania coletiva que, ao contrário dos projetos dos liberais orgânicos e mesmos dos comunistas, combinava as dimensões políticas e sociais da democracia (VIEIRA, 2002, p.181-182). 


Ao definir a sociedade almejada separam-se do liberalismo econômico udenista e do socialismo dos comunistas: "O partido não considera socialização dos meios de produção e distribuição a simples intervenção do estado na economia (...) e realizar-se-á gradativamente, até a transferência, ao domínio social, de todos os bens possíveis de criar riqueza, mantida a propriedade privada nos limites das possibilidades de utilização pessoal, sem prejuízo do interesse coletivo” . 


Assim, como expõe Cabrera (1995), o PSB em seu programa tinha como objetivo o fim dos antagonismos de classe e se colocava como defensor dos interesses políticos dos trabalhadores. Admitia a possibilidade de realizar algumas de suas reivindicações em regime capitalista, mas afirmava sua convicção de que a solução dos problemas sociais e econômicos, como a democratização da cultura e da saúde pública, só seria possível mediante a execução integral de seu programa (MORAES FILHO, 1981). 


O programa do PSB consistia de doze pontos que sintetizavam o tipo de sociedade projetada pelo partido. A propriedade deveria ser gradualmente socializada, passando para a mão dos trabalhadores, a partir da ação parlamentar. O mesmo deveria acontecer com a terra que, nos casos de latifúndio, seria transformada em propriedade coletiva. Os itens que tratam da democratização, da organização do trabalho, da saúde e de educação, da organização política do Estado, do crédito, das finanças públicas, reforçam esta busca de transformação da sociedade. Diante da impossibilidade imediata de aplicação desses pontos programáticos, foram formulados nove pontos de transição, que partindo da ação imediata deviam levar às condições para a implantação do programa socialista. Assim as reivindicações transitórias propunham um programa de nacionalizações de bens, empresas, energia, terra, de adequação do crédito, do estímulo ao cooperativismo, da autonomia sindical, de aperfeiçoamento da democracia e da implantação de mecanismos de saúde pública e educacional que respondessem às necessidades do País. No Congresso que elaborou a Constituição de 46, de composição predominantemente conservadora, a Esquerda Democrática, com dois parlamentares, Hermes Lima e Domingos Velasco, defendeu a reformulação da estrutura agrária, a liberdade partidária e sindical e denunciou a pressão policial sobre entidades populares. No movimento sindical, os socialistas defenderam a autonomia sindical sem o controle estatal. Foram favoráveis à unidade sindical, desde que decidida pelos trabalhadores e não uma unicidade definida por lei. Alguns militantes levantaram-se contra o imposto sindical e outros o admitiram desde que gerido pelos sindicatos. 


Mesmo sendo oposição às concepções e práticas do PCB, a Esquerda Democrática colocou-se na defesa de sua existência legal e dos mandatos de seus parlamentares sob os princípios da inviolabilidade do mandato popular, a independência da Câmara dos Deputados e a inconstitucionalidade da medida. É interessante notar que desenvolveram a combinação dos princípios democráticos, incluindo a convivência com a diferença. Em abril de 1947, a segunda convenção do Partido da Esquerda Democrática resolveu pela sua transformação em Partido Socialista Brasileiro. Os objetivos eram os de definir com clareza seu socialismo e retirar os trabalhadores dos cultos ao chefe Luís Carlos Prestes, do PCB, e ao caudilho Getúlio Vargas, do PTB. Plínio Mello, jornalista nos anos 1940, contou em entrevista à revista Teoria e Debate que deixou a diretoria do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo em 1947. Desde 1945, quando caiu a ditadura do Estado Novo, ele acompanhou o processo de reorganização partidária, integrando a Esquerda Democrática. Na sua II Convenção Nacional, em abril de 1947, a Esquerda Democrática transformou-se no Partido Socialista Brasileiro (PSB). Assim, muitos dos militantes trotskistas dos anos 1930, no Brasil, passaram às fileiras do PSB: João da Costa Pimenta, Aristides Lobo, Fúlvio Abramo, Febus Gikovate, Mário Pedrosa, com o jornal Vanguarda Socialista (Hecker, 1998), e Plínio Mello (1989), que foi um dos promotores da mudança do nome da Esquerda Democrática para Partido Socialista. Plínio Mello foi secretário-geral do PSB de São Paulo. 



Capítulo Dois

O trotskismo e a Nova Esquerda


As raízes do trotskismo brasileiro encontram-se nos enfrentamentos internos do Partido Comunista da União Soviética e na Terceira Internacional. A oposição de León Trotski a Josef Stálin, na década de 1920, determinou a reconfiguração do movimento comunista internacional com a formação da Oposição Internacional de Esquerda e, posteriormente, a Quarta Internacional, em 1938, proposta como partido mundial da revolução. Através da criação de seções nacionais e da divulgação da teoria de que a revolução é permanente e mundial ou não será, e do Programa de Transição, Trotski acreditou que poderia criar um movimento que teria condições de lutar contra o capitalismo, contra a social-democracia, contra o stalinismo e a proposta de “socialismo em um só país”, feita por Stálin.


Karepovs e Marques Neto (1991) resgataram a trajetória dos trotskistas brasileiros das origens até o ano de 1966. O trotskismo durante esses anos se caracterizou por reunir pequenos grupos de militantes, sem inserção no movimento operário e de massas, composto principalmente por intelectuais e estudantes. Contudo, ficou conhecido por sua radicalidade e capacidade de interpretar a realidade social brasileira. Segundo os autores, isto permitia aos trotskistas “enunciar realidades que escapavam a outras organizações políticas contemporâneas” (KAREPOVS, MARQUES NETO, 1991, p.103-104). O trotskismo contribuiu ainda para romper com o monolitismo do partido único, dando um caráter pluralista à historia do movimento operário e fornecendo chaves teóricas para a discussão dos impasses e derrotas dos projetos da esquerda.


No Programa de Transição, base do pensamento político do grupo de Mário Pedrosa, Trotski analisa o que chama de “as premissas objetivas para uma revolução socialista”. Para ele, a situação política mundial caracterizava-se pela crise histórica da direção do proletariado, e a premissa econômica da revolução proletária alcançara o ponto mais elevado atingido sob o capitalismo. 


“As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer. As novas invenções e os novos progressos técnicos não conduzem mais a um crescimento da riqueza material. As crises conjunturais, nas condições da crise social de todo o sistema capitalista, sobrecarregam as massas de privações e sofrimentos cada vez maiores. O crescimento do desemprego aprofunda, por sua vez, a crise financeira do Estado e mina os sistemas monetários estremecidos”. 


"As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer. Sem vitória da revolução socialista no próximo período histórico, toda a civilização humana está ameaçada de ser conduzida a uma catástrofe. Tudo depende do proletariado, ou seja, antes que nada, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária” . 


Em entrevista aos seus camaradas do Socialista Workers Party dos Estados Unidos, realizada no México, Trotski explicou como via esta questão da crise da direção revolucionária. Disse que a consciência de cada classe social está determinada por condições objetivas, pelas forças produtivas, pelo estado econômico do país, mas que essa determinação não se realizava de forma mecânica. 


A consciência, em geral, atrasa-se; atrasa-se em relação ao desenvolvimento econômico e esse atraso pode ser mais ou menos acentuado. Em tempos normais, quando o desenvolvimento é lento, quando as coisas progridem a pouco e pouco, esse atraso não pode ter conseqüências catastróficas. Em larga medida, esse atraso significa que os trabalhadores não estão à altura das tarefas impostas pelas condições objetivas. Numa altura de crise em contrapartida, esse atraso pode ser catastrófico. 


Diante desse dilema, Trotski se perguntou se deveria adaptar o programa à situação objetiva ou à mentalidade dos operários? E, partindo do que chamou de “as três condições para uma nova sociedade” explicou aos camaradas do SWP a importância de um programa de transição nas mãos na vanguarda revolucionária: 


A primeira condição para uma nova sociedade é que as forças produtivas estejam suficientemente desenvolvidas para dar à luz um nível superior. As forças produtivas estarão suficientemente desenvolvidas para isso? Sim, estavam suficientemente desenvolvidas no século 19, não tanto como nos nossos dias, mas suficientemente. Hoje, especialmente nos Estados Unidos seria muito fácil a um bom estatístico demonstrar que se as forças produtivas americanas fossem libertadas, poderiam ser duplicadas e triplicadas mesmo atualmente. Penso que os nossos camaradas deveriam fazer observações estatísticas desse tipo. A segunda condição: tem que haver uma classe progressiva que seja suficientemente numerosa e que tenha influência econômica suficiente para impor a sua vontade à sociedade. Essa classe é o proletariado. Ela deve representar a maioria da nação, ou ter a possibilidade de dirigir a maioria. A terceira condição é o fator subjetivo. Essa classe tem que compreender a posição que ocupa na sociedade e possuir as suas próprias organizações. É a condição que falta atualmente do ponto de vista histórico. Do ponto de vista social não é somente uma possibilidade, mas uma necessidade absoluta no sentido em que será ou o socialismo ou a barbárie. Essa é a alternativa histórica. 


Concluiu, então, que esse era um programa científico por estar baseado numa análise objetiva da situação, mas que, possivelmente, não pudesse ser compreendido no seu conjunto pelos operários, por isso “seria muito bom que a vanguarda o compreendesse no próximo período”. 


É neste contexto de luta política e teórica que Mário Pedrosa e seus camaradas assumem a tarefa de construir a alternativa trotskista no Brasil e posteriormente participam da formação do Partido Socialista Brasileiro. O grupo dirigido por Mário Pedrosa estruturou-se ao redor do jornal Vanguarda Socialista, e teve influência na dimensão sindical do projeto do PSB, que combinou o objetivo da unidade com a liberdade de escolha da forma de organização pelos trabalhadores. Exemplo disso é que o autogoverno dos trabalhadores fez parte do projeto de cidadania do PSB (NASCIMENTO, 2000). Mas, o PSB não sofreu apenas influências do trotskismo. Segundo Vieira (1991), no PSB mescla-se o socialismo democrático, desvinculado da tradição stalinista, um socialismo inspirado no pensamento de Rosa Luxemburg e uma concepção liberal do Estado e da sociedade.


As idéias trotskistas plantadas na política brasileira por Mário Pedrosa e seus companheiros, influenciaram centenas de jovens militantes das gerações seguintes. Assim, o trotskismo esteve presente, vinte anos depois, na resistência à ditadura militar, na composição de partidos clandestinos de esquerda, entre os quais devemos citar a Convergência Socialista e o Partido Operário Comunista-POC, e na própria formação do PT. Tornamos-nos amigos de Mário Pedrosa à época de nosso primeiro exílio, no Chile, durante o governo do presidente Salvador Allende. E foi sob a liderança intelectual de Mário Pedrosa que, junto a outros companheiros, formamos o Grupo Ponto de Partida, pequena organização trotskista no exterior, que deu origem ao Grupo Liga Operária. Este, por sua vez, a partir de sua atuação clandestina em fábricas do ABC paulista, caminhou para a formação do Movimento de Convergência Socialista. 


A partir do trabalho de Gustin e Vieira (1995), podemos assinalar alguns elementos da proposta política do PSB, já que os autores caracterizam o partido como “união de agremiações de pensamento”, formada por grupos socialistas-cristãos e socialistas-liberais; com “grupo de antigos combatentes”, tenentes ligados à Revolução de 1930; “agremiações clandestinas”, como os grupos trotskistas; e sindicalistas, principalmente o grupo da União dos Trabalhadores Gráficos. Dessa maneira, o PSB, em sua prática política e trajetória, se constituiu num partido-semente, agitador de uma nova concepção política e cultural que deu base a um projeto de cidadania coletiva que, ao contrário dos projetos dos liberais orgânicos e aqueles dos comunistas, combinava as dimensões políticas e sociais da democracia. 


A proposta do PSB previa o controle social dos espaços nacionalizados ou estatizados, por representantes dos trabalhadores e pelo Congresso. Numa visão não-estatista do nacionalismo, a preocupação central era socializar, o objetivo final era o controle social dos meios de produção e a democratização do Estado, bases de um projeto nacional alternativo, condição para uma cidadania coletiva. Assim, em 1950, a Folha Socialista, do PSB, publica dois projetos do militante paulista Aziz Simão que propõem o controle operário das indústrias nacionalizadas e o controle parlamentar das empresas do Estado (SIMÃO, 1950). 


Na verdade, desde sua fundação, o PSB fez a crítica do liberalismo econômico e procurou separar-se dos comunistas, colocando-os na esfera da democracia socialista, conforme afirma sua declaração de princípios: "A nossa intransigência na via democrática significa, necessariamente, a opção pela implantação gradual e evolutiva do socialismo, compreendendo períodos de avanço e de retrocessos, segundo o esquema normal da rotatividade democrática. Acreditando na pregação e na conscientização, optamos pelo caminho do convencimento e do voto”. 


Por isso, o PSB teve como lema o binômio Socialismo e Liberdade. E sua estrutura partidária, discutida e implantada em vários estados, continha uma novidade: os grupos de base. Segundo Fúlvio Abramo, "os estatutos reconhecem que a linha política do Partido se forma através e pela colaboração de todos os grupos: estes constituem as unidades básicas da organização: deles é que deve subir, às instâncias dirigentes, o reflexo do pensamento partidário; da soma de suas opiniões, debatidas em assembléias democráticas de grupo é que se formam a orientação e o alvo partidários”. 


Paralelamente explicitam a oposição ao “capitalismo de estado” que expressaria o caso soviético, apresentam um projeto de socialização não-estatista e democrática exigindo a combinação socialismo e democracia. Idéias estas que se farão presentes, não sem choques, na construção do ideário do PT, e que neste livro serão analisadas a partir da perspectiva teológica. Sobre a questão agrária o projeto proposto por Fúlvio Abramo foi inovador. Contempla um Código para o trabalhador rural, com extensão da legislação trabalhista para o campo, um Código da propriedade rural que limita a área, permite desapropriações e cooperativas, um Código de comércio e até um Código da terra e da planta com medida de proteção ao meio ambiente. Em Pernambuco, Gilberto Freire foi o primeiro presidente do PSB, mas também foram destaque Osório Borba, jornalista, e o operário Mário Apolinário dos Santos. Na Paraíba, Aluísio Campos foi eleito deputado estadual em 1950. Em Minas, Roberto Gusmão, foi eleito presidente da UNE no período da campanha “O petróleo é nosso”. Mas outros dois intelectuais também marcaram o cenário em Belo Horizonte: Fernando Correia Dias, sociólogo, e Hélio Peregrino. Aliás, comentário da época dizia que o PSB em Belo Horizonte era formado pelo doutor Hélio Peregrino e meia dúzia de pacientes.


O PSB entre os anos de 1947 a 1965 aprofundou na sociedade brasileira a discussão política a respeito do socialismo democrático e participou da vida política através da presença de sua bancada parlamentar na Câmara dos Deputados e de sua atuação no campo. As Ligas Camponesas foram a maior dessas atuações, e tiveram como seu principal líder, o advogado Francisco Julião. Pelópidas da Silveira ganhou as eleições para a prefeitura do Recife, à época a terceira maior cidade do país e João Mangabeira ocupou o ministério das Minas e Energia e, depois, o ministério da Justiça durante o governo de João Goulart. A idéia central dos fundadores do PSB pode ser traduzida na constatação de que a atualidade do socialismo resulta do fato de que a compatibilização entre liberdade e justiça social, como aspirações humanas, é tarefa pendente na sociedade capitalista e, por isso, deve orientar os socialistas na luta por transformações. 


À medida que estes elementos vão ficando na história, é fundamental que se busque novas contribuições para manter viva a adesão cidadã ao socialismo, e a partir dela perspectivas de mudanças que assegurem aos excluídos pelo atual e perverso sistema político e econômico, os direitos elementares ao exercício da cidadania. Democracia significa muito mais que um espaço de escolha dos dirigentes através de eleições, democracia significa a participação de todos na vida da família, da escola, da empresa ou de qualquer reunião de pessoas. Elas têm desejos, idéias e sonhos diferentes. Para que possam decidir entre opções diversas elas conversam, ouvem umas às outras, discutem. Se todas concordam com uma opção ocorre o consenso. Se for preciso decidir entre mais de uma possibilidade votam e deve prevalecer a decisão da maioria. Quem for minoria deve respeitar a decisão, mas tem todo direito de continuar apresentando suas idéias e pode, no futuro, ser maioria. 


Na ação parlamentar, em 1948, João Mangabeira propôs projetos para liberação da estrutura sindical e convocou eleições sindicais com normas democráticas. Os projetos foram arquivados. Mas, uma das ações mais importantes na história do PSB foi a campanha do petróleo. Ela começou com o discurso de Hermes Lima condenando o anteprojeto sobre a questão petrolífera apresentado pelo presidente Dutra em 1946. Apontou para o perigo representado pelos trustes petrolíferos, criticou a alegada falta de capitais internos. Orientou a bancada na defesa do monopólio estatal do petróleo. Recomendou ao PSB ampla agitação e participação na campanha que começava. Mobilizaram-se os militantes e os estudantes. O presidente da UNE em 1947/48 era Roberto Gusmão do PSB e depois Rogê Ferreira em 1949/50. 


Em 1950, quando o jornal Última Hora denunciou que havia uma articulação da direita para não dar posse ao presidente eleito Getúlio Vargas, o PSB, mesmo derrotado nas eleições, saiu em defesa da democracia. Frente à pressão udenista o senador Domingos Velasco declarou que a posição dos socialistas é a de quem alerta o Sr. Getúlio Vargas.


"Desejamos, como defensores da Constituição, que ele se mantenha na Presidência da República até o fim de seu mandato. E assim desejamos porque, como socialistas democráticos, somos contrários a qualquer golpe, a qualquer ditadura, a qualquer substituição de governo que implique em retrocesso político, mas exigimos dos poderes constituídos a punição de todos os corruptores e dilapidadores da fortuna pública” . 


Fechando o ano de 1953 ocorreu a 5a. Convenção anual do PSB que direcionou a política para duas questões: industrialização e reforma agrária, voltadas para a elevação do nível de vida do povo, de sua capacidade de produção e consumo. 


A década de 1950 marcou um momento de crescimento econômico e participação política no país. Para definir sua oposição ao getulismo e ao udenismo, o PSB apresentou a candidatura de João Mangabeira à presidência da República. A derrota foi calamitosa, não obteve nem 1% dos votos. A reflexão sobre esse resultado levou o PSB a trabalhar com alianças mais amplas com partidos como PCB e PTB. Elas levaram a um crescimento eleitoral no parlamento e em administrações municipais e estaduais. Em Pernambuco, em 1952, Ozório Borba, jornalista pernambucano que militava na imprensa carioca, foi lançado para governador do Estado com apoio não só do PSB, mas também do PCB. Uma rápida campanha deu-lhe a vitória em Recife e Olinda, sendo derrotado pela votação do interior. Os correligionários batizaram-no de “governador de Olinda e Recife”. Era o início da “Frente do Recife” que levou o socialista Pelópidas da Silveira à Prefeitura. Este construiu avenidas, implantou linhas de ônibus elétrico, modernizou os mercados. Criou associações de bairro e audiências coletivas quinzenais em que discutia com o povo. Pelópidas, como vice-governador, foi decisivo para a vitória de Cid Sampaio em 1962. Seria substituído na prefeitura por Miguel Arraes que se tornaria governador de Pernambuco, em 1962, desenvolvendo ações na área da distribuição da terra, e combate ao analfabetismo com projeto de um jovem chamado Paulo Freire. 


Em São Paulo, desde 1948, o vereador Cid Franco iniciara a defesa da autonomia municipal e das eleições diretas para prefeito. O vereador Jânio Quadros, que atuava com ele em demandas populares, participou da campanha, e em 1953, foi candidato a prefeito de São Paulo com o apoio do PSB. O janismo cresceu e acabou dominando o PSB em São Paulo e depois em outros estados. A seção de São Paulo só conseguiu romper com o controle janista em 1957 e nacionalmente só em 1960, quando optou pelo apoio ao general Lott e não ao Jânio Quadros para presidente. A aliança com Jânio significou um crescimento inicial para os socialistas, mas acabou se traduzindo em perda programática e de identidade partidária. Após a vitória de Jânio na Prefeitura de São Paulo, em 1953, ocorreu a greve dos trabalhadores têxteis, metalúrgicos, marceneiros, carpinteiros e gráficos, conhecida como “greve dos trezentos mil”. Segundo Paul Singer, em artigo publicado pela Folha Socialista, o socialista Remo Forli, presidente do sindicato dos metalúrgicos, e seus companheiros buscavam resultados econômicos efetivos, sem a radicalização puramente política desenvolvida pelos comunistas. 


Nos anos 60 não apenas o Brasil, mas o mundo, foi marcado por sonhos de mudanças. Durante o governo de Jânio, o PSB fez oposição à política interna, mas apoiou sua política externa, que se posicionara pela autonomia de Cuba. A revolução cubana começava a exercer influência sobre os socialistas brasileiros, pois surgia como possibilidade de uma sociedade mais justa na América Latina. Paul Singer, secretário do primeiro Comitê da Defesa da Revolução Cubana, comenta que “houve radicalização de toda a esquerda e também do Partido Socialista que se tornou mais socialista, mais de esquerda, obviamente mais radical nas suas formulações” . Com a renúncia de Jânio Quadros, o PSB ficou na linha de frente da defesa da legalidade. Segundo o deputado Aurélio Viana, em discurso após a renúncia, "nossa luta não é em torno de homens, mas de princípios, de idéias. A garantia de legalidade democrática é o primeiro princípio que nos deve unir a todos (...). Estou satisfeito e orgulhoso de liderar um partido pequeno, mas que está procurando por todos os meios formar, firmar-se como partido e se projetar defendendo as instituições democráticas". 


Os socialistas participaram de manifestações públicas pela posse de Goulart. No Estado da Guanabara, Bayard Boiteux, liderança do PSB entre os professores foi preso. A deputada Adalgisa Nery assinou a solicitação de impeachment contra Lacerda que implantou a censura à imprensa e repressão aos legalistas. As manifestações dos metalúrgicos, ferroviários e portuários contaram com a participação dos militantes operários do PSB. Mas o Congresso votou pelo parlamentarismo. Durante o período em que Tancredo Neves foi o primeiro-ministro os parlamentares socialistas cobravam o cumprimento do programa de governo exigindo reformas. Tancredo chegou a declarar quando embarcava para Roma que voltaria para responder às interpelações formuladas por deputados liderados por Aurélio Viana. Quando o gabinete Tancredo renunciou, o PSB apoiou a indicação de San Thiago Dantas, mas acabou sendo indicado em solução de compromisso Brochado da Rocha, que ficou apenas dois meses. O gabinete que o sucedeu, dirigido por Hermes Lima que em 1958 mudara para a legenda do PTB, foi na prática presidencialista. João Mangabeira, presidente do PSB, foi Ministro de Minas e Energia no gabinete Brochado da Rocha e Ministro da Justiça no gabinete Hermes Lima.


A renúncia de Jânio Quadros à presidência da República provocara um movimento de defesa da legalidade contra a tentativa dos militares e setores conservadores de evitar a posse de João Goulart. O governo Goulart buscava realizar reformas e para isso procurou apoio na mobilização de sindicatos e nas massas populares. Mas os setores conservadores radicalizavam pela manutenção de seus privilégios. E como pano de fundo, instaurava-se a crise do modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações, alavancado pela atuação estatal na área de bens de capital, no planejamento e nos subsídios. 


Neste cenário o PSB ampliou sua inserção nas lutas sociais e sua participação nos espaços institucionais. No Parlamento, Aurélio Viana, Barbosa Lima Sobrinho, Adalgisa Nery e outros deputados socialistas se tornaram lideranças nacionalmente respeitadas. No movimento estudantil Altino Dantas era a maior liderança do PSB, no movimento sindical urbano Remo Forli, e na luta pela reforma agrária, Francisco Julião. Em novembro de 1961, o PSB realizou sua 9a. Convenção, em memória de Osório Borba, que fora jornalista, deputado constituinte e militante do partido, no Rio de Janeiro. As resoluções acentuavam a necessidade de uma frente popular, da unidade das esquerdas e a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. No clima de agitação política, poucos à esquerda prestaram atenção à reorganização da direita. Em novembro de 1961, fora criado o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), que junto com o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e setores civis e militares desempenhariam papel decisivo na derrubada do governo Goulart. 


Nas eleições de 1962, o PSB cresceu em representação parlamentar, com candidatos próprios ou apoiando candidatos de partidos próximos como na eleição do governador Arraes em Pernambuco. Para Paul Singer, 

o Partido Socialista estava começando a atrair a esquerda, que estava nos anos sessenta em todos os partidos. O Partido Socialista era o único dos legais, de expressão, que era de esquerda. (...) O Partido Socialista seria assim um pouco como um terreno neutro para a esquerda onde esses vários grupos podiam colaborar com projetos ideológicos, seminários ou criação de frente única (...) o Partido Socialista, com sua modesta sede no centro da cidade, era um terreno em que todo mundo se entendia, podia vir e se sentir à vontade” . 


No período presidencialista João Mangabeira continuou como ministro da Justiça, mas acabou renunciando ao cargo por discordar de medidas tomadas pelo governo. Dentro do PSB, Mangabeira traduzia o pensamento da ala mais moderada. Os mais radicais cresciam. Apesar das discordâncias, Mangabeira era respeitado como um socialista democrático histórico. 


Em 31 de março se dá o golpe que derruba João Goulart e a democracia brasileira. A tentativa de realização de reformas estruturais daria lugar a uma modernização associada ao capital estrangeiro, excludente da participação popular. Até 1965, quando se deu sua extinção legal, o PSB, através do núcleo paulista, continuou a editar a Folha Socialista. Numa das vendas públicas do jornal, já clandestino, Altino Dantas, que entrara para o partido em 1961, foi preso. Entre uma prisão e outra, o futuro presidente da UNE começou a analisar, assim como milhares de jovens, a possibilidade de outra via para a construção do socialismo no Brasil.


Aparentemente, existem apenas dois posicionamentos extremos em relação à novidade que o Partido dos Trabalhadores representou na história política brasileira: a postura que considera o PT nada mais do que o último dos partidos comunistas; e a postura que vê no PT o início de algo inteiramente novo. Na verdade, as duas leituras desprezam o fato histórico de que a partir dos anos 1960 surge uma nova esquerda no cenário político brasileiro e que está se fará presente na formação do Partido dos Trabalhadores. Podemos dizer como já o fez Mondaini de Souza, que o Partido dos Trabalhadores constituiu na sua formação algo novo no cenário social e político brasileiro, mas novidade permeada de tradições e permanências legadas pelo passado. Ou como afirmou: "A nova esquerda traz em seu âmago – ora negando, ora afirmando – a velha esquerda, já que os agentes da renovação história têm como paradigma os agentes da conservação histórica, seja para negá-los abertamente ou para incorporá-los implicitamente" (SOUZA, 1995, p.8). 


A nova esquerda do final dos anos 1960, em especial na França e Estados Unidos, se caracterizou por fazer uma leitura frankfurtiana, psicanalítica e rebelde do marxismo. Assim, autores como Herbert Marcuse, Wilhelm Reich e Rosa Luxemburg foram descobertos e transformaram-se em referenciais teóricos na leitura de Marx, em especial do jovem Marx de Os manuscritos econômico-filosóficos.


“A petrificação da teoria marxista viola o princípio básico que a Nova Esquerda proclama: a unidade de teoria e prática. Uma teoria que não tenha acompanhado a evolução da prática capitalista não terá possibilidades de guiar a prática que visa à abolição do capitalismo. A redução da teoria marxista a sólidas estruturas divorcia a teoria da realidade e confere-lhe um caráter abstrato, remoto, ‘científico’, que facilita a sua ritualização dogmática” (MARCUSE, 1978). 


Mas a teologia e o pensamento cristão, através de pensadores como Paul Tillich, influenciaram a nova esquerda. James Farrell (1998) e Doug Rossinow (1998) analisaram a importância da presença do pensamento cristão protestante e da espiritualidade evangelical na formação da nova esquerda norte-americana, que reafirmou valores ligados a ética social. Localizaram nessa presença, por exemplo, a dimensão moral do movimento dos direitos civis de Martin Luther King Jr. e o existencialismo cristão de Paul Tillich. Farrell e Rossinow foram unânimes ao afirmar que nos anos 1960, a vanguarda da nova esquerda norte-americana leu e discutiu Albert Camus, Dietrich Bonhoeffer e Paul Tillich. Em relação a Tillich, dois de seus livros marcaram essa presença na nova esquerda, a História do Pensamento Cristão e Coragem de Ser. Assim, para Rossinow (1998), a nova esquerda trouxe para a mesa de discussão da política norte-americana o cristianismo reformado, o evangelho social e o feminismo popular. 


Marcuse (1978) e Reich (1975), porém, foram os críticos do capitalismo posterior à Segunda Guerra mundial que discutiram o poder, a ideologia, a cultura e a repressão sexual a partir de novas perspectivas. Embora tenham trazido para o marxismo o ar fresco de uma leitura não dogmática e contextualizada de Marx, o poder para os dois ainda era visto apenas num sentido negativo, onde o futuro não existia, e se existia era como sombra ou barbárie. 


“Na fase suprema do capitalismo, a revolução mais necessária parece ser a mais improvável. A mais necessária porque o sistema estabelecido somente se preserva através da destruição global de recursos, da natureza, da vida humana, e das condições objetivas que poriam fim a tudo isso” (MARCUSE, 1978, p.16). 


Assim, a nova esquerda viu a revolução como processo prenunciado sob forma ideológica pelas contra-imagens e contra-valores que contradiziam a imagem do universo capitalista, como “as manifestações de um comportamento não competitivo, a rejeição da virilidade brutal, o desmascaramento da produtividade capitalista do trabalho, a afirmação da sensibilidade, a sensualidade do corpo, o protesto ecológico, o desprezo pelo falso heroísmo no espaço exterior e nas guerras coloniais, o Movimento de Libertação das Mulheres (...), a rejeição do culto puritano, antierótico, da beleza e do asseio plásticos” (MARCUSE, 1978, p.38-39). Para a nova esquerda todas essas tendências contribuíam para o enfraquecimento do princípio do desempenho capitalista. Já nos anos 1980, essas questões do poder, da ideologia e da repressão sexual foram analisadas por dois outros teóricos, Michel Foucault e Félix Guattari, mas desde a perspectiva de inclusão, de atração do novo, que antes a nova esquerda não tinha visto. Assim, esses dois lados do processo capitalista, de destruição das forças produtivas, mas também de inclusão e apropriação da revolta cultural e ideológica, aparentemente antagônicos, serão debatidos pelos teóricos da nova esquerda, o que trouxe novos conteúdos, como o da biopolítica e da política do corpo, à teoria marxista.


Essas leituras não foram hegemônicas no pensamento da nova esquerda brasileira, que privilegiou a análise do “crescimento das forças anticapitalistas no Terceiro Mundo, (...) que reduz as reservas de exploração” (MARCUSE, 1978, p.16), mas estavam presentes nas discussões de uma parcela das lideranças, o que possibilitou, nos anos 1980, uma leitura nova das questões de gênero, sexualidade e das questões nacionais que envolvem os povos indígenas e afrobrasileiros. Assim, a vanguarda da nova esquerda brasileira acompanhou os debates que aconteciam na Europa e nos Estados Unidos, leu marxistas não ortodoxos como Rosa Luxemburg, León Trotski e Che Guevara, e travou contato com pensadores cristãos, como Martin Luther King Jr. e Ernesto Cardenal. E se essa nova esquerda procurava levar a imaginação ao poder, por que não resgatar a ética humanista do socialismo?


A radicalização do movimento de massas nos anos 1960 e em especial a vitória da revolução cubana geraram as condições para o surgimento de uma nova esquerda desvinculada da tradição stalinista. A esta conjuntura acrescente-se um ingrediente novo, o crescimento da esquerda católica, em especial no movimento estudantil. É neste contexto que surgem duas organizações políticas que marcarão o pensamento da esquerda: a Política Operária-Polop, e a Ação Popular-AP. Mas aqui também se fará presente a influência do trotskismo, já que essa esquerda, parte da qual, duas décadas mais tarde, vai desaguar no Partido dos Trabalhadores, procurou nas idéias do revolucionário russo base para sua ação militante. Segundo Gorender, “A influência das idéias de Trotski não se restringiu ao trotskismo ortodoxo e orgânico. O crescimento do PCB e a sofisticação das suas teses reformistas impressionaram negativamente intelectuais do Rio, São Paulo e Minas Gerais, que aceitaram as idéias de Trotski sem rigor dogmático e buscaram outras fontes de inspiração em Rosa Luxemburg, Bukharin e Talheimer” (1987, p.35). 


Para a Polop convergiram antigos militantes do PCB, da Juventude Socialista do PSB do Rio de Janeiro, da Juventude Trabalhista do PTB de Minas Gerais, e socialistas independentes. Entraram para a Polop militantes conhecidos na política e na intelectualidade brasileira, como Theotônio dos Santos, Moniz Bandeira, Ruy Mauro Marini, Juarez Guimarães, Emir e Eder Sader, Michel Lowy e Eric Sachs, mais conhecido pelo pseudônimo de Ernesto Martins. Unificados pela crítica ao PCB e procurando novas fontes teóricas, deram origem à Organização Revolucionária Marxista que, por editar o periódico Política Operária (jornal e depois revista), ficou conhecida como Polop. Esta foi, sem dúvida, a precursora da nova esquerda no Brasil e a primeira organização, depois dos trotskistas, a realizar uma análise da revolução brasileira que confrontou a concepção da revolução por etapas proposta pelo stalinismo (MIRANDA, TIBÚRCIO, 1999). Defendeu a necessidade de elaboração de um programa socialista para a revolução brasileira, que deveria levar em conta a revolução proletária e a insurreição armada. Sua linha de formulação teórica a distanciou dos sindicatos, mas encontrou terreno fértil entre os jovens universitários (SAUTCHUK, 1995).


A Polop foi assim uma das matrizes da nova esquerda brasileira, tendo sido o primeiro agrupamento a se organizar como opção partidária ao PCB, em fevereiro de 1961, excetuando as organizações trotskistas. Nesse congresso de fundação, reuniu “círculos de estudantes provenientes da Mocidade Trabalhista de Minas Gerais, da Liga Socialista de São Paulo (luxemburguistas), trotskistas e dissidentes do PCB do Rio, São Paulo e Minas” (WRIGHT, ARNS, 1985, p.102). Mas, a presença e permanência dos militares no poder levaram a esquerda brasileira a um processo de fracionamentos. Assim, três anos depois do golpe, do fracionamento da Polop surgiram algumas das principais organizações que povoaram o universo da esquerda brasileira no final dos anos 60 e início dos 70: Comando de Libertação Nacional, Vanguarda Popular Revolucionária, Partido Operário Comunista, Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares, Organização de Combate Marxista-Leninista-Política Operária, Movimento Comunista Revolucionário e Movimento pela Emancipação do Proletariado.


 “Desde o seu surgimento, a Polop deu mais importância ao debate teórico e doutrinário dentro da esquerda marxista do que a um projeto de construir uma alternativa política ao PCB. Não chegou, dessa forma, a se constituir em uma organização nacional, embora tenha alcançado certo prestígio nos meios universitários (...)” (WRIGHT, ARNS, 1985, p.102).


Em permanente choque com as posições defendidas pelo PCB, a Polop não aceitava o chamado para a formação de uma aliança com a “burguesia nacional”, a fim de fazer frente ao imperialismo e à herança feudal no campo brasileiro. Elaborou um Programa Socialista para o Brasil, onde afirmava que o modo de produção no país era capitalista e por isso exigia transformações socialistas imediatas, sem necessidade de uma etapa intermediária, nacionalista-democrática. Com o golpe militar de 1964, a Polop pendeu para a guerrilha, participando em duas articulações em aliança com ex-militares cassados pelo novo regime. A principal delas, a Guerrilha de Caparaó, aconteceu em 1967, liderada por militares vinculados ao Movimento Nacionalista Revolucionário, MNR.


Na verdade, em 1967, aconteceu com a Polop um impacto semelhante ao ocorrido no interior do PCB com a desestalinização. Influenciada pelo movimento guerrilheiro que se alastrava pela América Latina sob a inspiração da Revolução Cubana, viveu duas grandes cisões. A primeira em Minas, quando uma parte dos militantes constituiu o Colina. E em São Paulo, uma ala à esquerda da organização se uniu aos militantes remanescentes do MNR e criaram a Vanguarda Popular Revolucionária, VPR.


Após as cisões que geraram a VPR e o Colina, essa organização restou claramente debilitada. Reagiu a isso, aproximando-se da Dissidência Leninista do Rio Grande do Sul (do PCB) e de mais alguns círculos de militantes, para constituir o Partido Operário Comunista (POC). O POC conseguiu ter certa expressão no Movimento Estudantil de 1968, onde atuava sob a designação de Movimento Universidade Crítica. Suas propostas políticas assinalavam uma nítida continuidade da linha seguida anteriormente pela Polop. Procurou também estabelecer alguma presença junto do meio operário das capitais (WRIGHT, ARNS, 1985, p.105).


Em 1970, militantes se desligaram do POC para voltar a constituir a Polop. Fizeram a autocrítica das ações armadas e da estratégia guerrilheira, concentrando seus militantes no trabalho de propaganda junto a operários. E rebatizaram a Polop como Organização de Combate Marxista-Leninista - Política Operária, OCML-PO (MIRANDA, TIBÚRCIO, 1999). Mas essa nova Polop durou pouco. Antes de completar um ano de vida, a organização foi dividida pela Fração Bolchevique da Polop que, em 1976, adotou o nome de Movimento pela Emancipação do Proletariado, MEP. Esse fracionamento colocou um ponto final nos 15 anos de história da Polop.  O caso da Ação Popular é peculiar. Trata-se de uma síntese construída nos anos 60 entre o socialismo e o catolicismo social. As origens da AP, suas propostas e sua trajetória nos ajudam a compreender subjetividades, potencialidades e contradições de projetos socialistas construídos posteriormente. As relações entre religião e política surgiram então como discussões dentro dos agrupamentos de esquerda: existe uma possibilidade de sacralização da política? Podemos falar em secularização da religião num sentido político? 


A experiência da AP nos ajuda a entender a relação entre esquerda cristã e socialismo, que nas décadas de 1970/80 retornou com força a partir da atuação das pastorais e das Comunidades Eclesiais de Base, fundadas na teologia da libertação. Na verdade a renovação intelectual do catolicismo brasileiro é bem anterior a esse processo, tendo sido influenciada, a partir do final do século XIX, pelo catolicismo social francês. Essa influência, até os anos 1920, foi sobretudo institucional, já que ordens religiosas francesas assumiram a formação do clero em várias dioceses brasileiras. A partir de 1920, essa influência chegou através da Ação Católica Francesa e depois via Jacques Maritain. Essas influências possibilitaram um diálogo com a modernidade, com a secularização e a participação nos processos democráticos. Depois da Segunda Guerra Mundial, Emmanuel Mounier e o padre Lebret, entre outros, vão introduzir o pensamento social no meio católico francês, criando as condições para o surgimento da esquerda cristã brasileira (GARCÍA-RUIZ, LÖWY, 1997). Mas de 1930 a 1960, um brasileiro será o porta-voz desse novo catolicismo social no país, Alceu de Amoroso Lima (SANDERS, 1968). E a partir de 1960, outros intelectuais cumpriram papel marcante na formação de catolicismo social brasileiro. Entre eles podemos citar Cândido Mendes, frei Benvenuto Santa Cruz, que foi o principal colaborador brasileiro do padre Lebret, o teólogo frei Gorgulho, Plínio de Arruda Sampaio, Francisco Whitaker, Luís Eduardo Wanderley e Vinícius Caldeira Brandt (LÖWY, GARCÍA-RUIZ, 1997) e, logicamente, dom Helder Câmara. É interessante notar que nas suas viagens ao Brasil, entre 1947 e 1960, o padre Lebret realizou encontros no convento dos dominicanos em São Paulo, com alguns dos mais importantes intelectuais da esquerda não-comunista brasileira, entre os quais Mário Pedrosa, Antônio Cândido, Azis Simão e outros. Mas, o fenômeno do surgimento da nova esquerda no Brasil não estava desconectado das experiências revolucionárias que se davam em outras partes do mundo, em especial o impacto das revoluções chinesa, cubana e nicaragüense. A partir desse quadro internacional e das reflexões do catolicismo social, é interessante notar a tensão vivida pelos militantes da AP, que procuravam uma síntese entre o humanismo cristão e o ideário da revolução comunista. Esta tensão se traduzia em crise da espiritualidade, pois o discurso da luta de classes levava às propostas de luta armada, o que aparentemente significava uma ruptura do mandamento do amor. Essa questão levou para dentro das organizações de esquerda brasileiras uma nova discussão, já realizada nas décadas de 1920 e 1930 por Tillich e outros teólogos socialistas: qual a relação existente entre espiritualidade e política?


A Ação Popular nasceu entre militantes estudantis da Juventude Universitária Católica e de agremiações da Ação Católica. Segundo Jacob Gorender, esses militantes queriam criar um veículo de ação política “que permitisse a liberdade de atuação e não envolvesse a hierarquia católica hostil a politização esquerdizante” (1987, p.36-37). Em junho de 1962, em um congresso em Belo Horizonte, fez-se o lançamento da AP. No ano seguinte, em um segundo congresso em Salvador, a AP decidiu-se pelo socialismo humanista, buscando inspiração em Mounier, Teilhard de Chardin, Maritain e Padre Lebret. Teve uma vertente protestante, cujo representante mais conhecido foi Paulo Stuart Wright. Na maioria composta de lideranças estudantis, como Herbert José de Souza (Betinho), José Serra, Vinícius Caldeira Brant, Aldo Arantes, e outros, teve também a adesão de lideranças camponesas, como Manoel da Conceição e José Gomes Novais, e de lideranças operárias.


Antes do golpe militar de 1964, a organização publicou os jornais Ação Popular e Brasil Urgente, este último fundado pelo frei Carlos Josaphat, que fazia a defesa das reformas de base e das lutas dos trabalhadores, e que levou milhares de católicos às posições de vanguarda (GORENDER, 1987). Após o golpe, esses ativistas se lançaram à clandestinidade ou deixaram o país.


“Nos anos seguintes a AP reorganizava, aos poucos, sua estrutura, apoiando-se para tanto, especialmente, no meio universitário. E inicia uma demorada discussão para redefinir seus princípios políticos e filosóficos (...) De 1965 a 1967, em meio a controvertidas polêmicas, a organização caminha para a adoção do marxismo como guia teórico de suas atividades” (WRIGHT, ARNS, 1985, p.100). 


A AP deslocou militantes para as fábricas e para o meio rural e fez experiências de implantação em meios populares como o ABC paulista; na Zona Canavieira em Pernambuco; na região Cacaueira da Bahia; na área de Pariconha e Água Branca em Alagoas; e no Vale do Pindaré, no Maranhão, “onde se notabilizou a figura do líder camponês Manoel da Conceição, que teve uma perna amputada como decorrência de ferimento provocado por forças policiais e maus tratos na prisão” (WRIGHT, ARNS, 1985, p. 101). 


Em 1968, surgiu uma dissidência, o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, PRT, liderada pelo padre Alípio de Freitas, Vinícius Caldeira Brant e Altino Dantas. O PRT foi duramente golpeado pela repressão em 1971, e desapareceu. No mesmo ano, a Ação Popular iniciou um processo de aproximação com o Partido Comunista do Brasil, de linha maoísta, e no ano seguinte as duas organizações fundiram-se. Um pequeno setor que passou a ser conhecido como AP Socialista manteve-se independente e, em 1973 aproximou-se da Polop e do MR-8, mas acabou por ser desarticulado pela repressão (MIRANDA, TIBÚRCIO, 1999). 


Desde 1929, diversos grupos políticos reuniram-se como oposição de esquerda ao stalinismo. Esses grupos quase sempre traduziam os ensinamentos de León Trotski, comandante do Exército Vermelho durante a Revolução Russa, de 1917, e depois da morte de Lênin, principal opositor de Stálin.


Em 1953, apesar da presença trotskista no PSB, surge o Partido Operário Revolucionário dos Trabalhadores, PORT, que seguia as diretrizes de Homero Cristali, mais conhecido pelo pseudônimo político de J. Posadas, então responsável pelo Bureau Latino-Americano da Quarta Internacional, fundada por Trotski, no México, em 1938. Durante anos seguintes, o PORT publicou o jornal Frente Operária. Na década de 1960, o PORT ficou conhecido por sua postura à esquerda do PCB. Estava presente em três estados, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco, mas neste estado ligou-se às lutas das Ligas Camponesas e teve vários militantes presos ainda no governo Goulart. Depois do golpe militar, sofreu uma dura repressão política, mas conseguiu reorganizar sua estrutura principalmente nos meios estudantis de São Paulo, Brasília e Rio Grande do Sul (WRIGHT, ARNS, 1985). Militantes foram deslocados para trabalhar como operários na indústria, como foi o caso de Olavo Hansen, morto em 1970 no DOPS de São Paulo, após ter sido preso distribuindo panfletos em uma manifestação de 1º de Maio. Entre 1970 e 1972, o PORT de novo foi atingido por ondas de prisões, ocorrendo o mesmo com sua dissidência, a Fração Bolchevique Trotskista (FBT). O que caracterizou a linha política do PORT no período foi a defesa do papel desempenhado pela União Soviética no contexto internacional; a condenação da luta armada, sustentada por grupos de esquerda; e o chamado para que militares nacionalistas se opusessem à ditadura e liderassem a redemocratização do país. 


Em 1968, constituiu-se a Fração Bolchevique Trotskista, dentro do PORT, principalmente no Rio Grande do Sul, enquanto em São Paulo formava-se outra dissidência denominada Primeiro de Maio. Em 1976, essas duas organizações iriam se unificar sob a sigla de Organização Socialista Internacionalista, OSI, mais conhecida no meio estudantil como Liberdade e Luta.


Em 1971, militantes da FBT exilados no Chile reuniram-se a ex-militantes de organizações armadas e criaram o grupo Ponto de Partida, que publicamente fez a crítica da estratégia de guerrilha em curso no Brasil. O grupo exortou à esquerda a ligar-se ao movimento operário e sindical e a preparar-se para o processo de redemocratização do país. Apoiado pelo PST argentino, liderado por Nahuel Moreno, e pelo Socialist Workers Party norte-americano, em dezembro de 1973, remanescentes do grupo Ponto de Partida e socialistas independentes fundaram a Liga Operária. Em abril de 1974, o primeiro grupo de militantes da Liga Operária entrou clandestinamente no Brasil e fundou suas primeiras células em São Paulo e no ABC paulista. Alinhada à minoria da Quarta Internacional, que reunia os partidos argentino, boliviano, peruano, norte-americano e dissidência em Portugal, a Liga Operária opunha-se à política do Partido Operário Comunista, POC, que, a partir de 1972, no exílio, assumiu as concepções do Secretariado Unificado da Quarta Internacional, que tinha como expoente o economista belga Ernest Mandel (WRIGHT, ARNS, 1985). 


Apesar de seu fracionamento organizativo, segundo Voigt, o monoclassismo operário do trotskismo defendido pelas organizações da Quarta Internacional possibilitou uma aproximação com o trabalho de base da Igreja e com o corporativismo dos sindicalistas combativos.


“As correntes trotskistas deram uma contribuição histórica ao movimento social no Brasil ao formular teoricamente a proposta de autonomia política dos trabalhadores, além de realizarem um acerto tático ao se recusarem a ingressar na resistência armada ao regime. Passado o confronto, estes grupos puderam sair do isolamento político em que se encontravam e participar como segmentos da esquerda organizada na articulação do PT” (VOIGT, 1990, p. 69).  


Também Gorender (1987) considerou importante esta posição do trotskismo em rejeitar a estratégia cubana da guerra de guerrilhas e a estratégica chinesa da guerra popular.


“Sob o enfoque da revolução permanente, continuaram a se inspirar no modelo insurrecional soviético, seja no aspecto tático, seja no objetivo estratégico da ditadura do proletariado. Em conseqüência, atribuíram prioridade às lutas da classe operária nas cidades sob a direção do partido de vanguarda. Os trotskistas defendiam o caminho armado para a conquista do poder, porém recusavam o terrorismo e a luta armada isolada das massas” (GORENDER, 1987, p.83). 


Em dezembro de 1973, quatro meses depois do golpe militar que derrubou a Unidade Popular no Chile, foi fundada a Liga Operária, em Buenos Aires. Em 1977, a Liga Operária teve parte de sua liderança no ABC paulista presa, e o autor deste livro, um de seus líderes, que estava na Europa desde o final de 1976, permaneceu lá até 1978. Libertados os militantes do ABC, a Liga Operária realizou uma conferência interna para definir a política partidária. Optou por concentrar seus esforços na plantação de células operárias, na militância sindical e numa campanha aberta e pública a favor da democratização do país. Para viabilizar seu principal objetivo naquele momento, a democratização do país, organizou um movimento que ficou conhecido como Convergência Socialista.


A Convergência nasceu de um núcleo de militantes que começou a fazer uma reflexão sobre a experiência da guerrilha no Brasil no início dos anos 70. Esse núcleo original se constituiu no Chile em torno de um grupo que se chamava Ponto de Partida, que naquela época recebeu uma grande influência do Mário Pedrosa. Na verdade, Mário Pedrosa trouxe esses jovens militantes para o marxismo revolucionário e para a Quarta Internacional. Depois do golpe do Pinochet uma parte dos companheiros conseguiu exílio na Argentina e entra no Brasil na clandestinidade em 1974 (ARCARY, 1990, s/p). 


Na verdade, a idéia de uma Convergência Socialista, nós trouxemos da Espanha. Depois da morte do generalíssimo Francisco Franco, o Partido Socialista Operário Espanhol, PSOE, apresentou-se à sociedade como a alternativa de oposição ao regime franquista. Assim, de cinco a sete de dezembro de 1976, antes de sua legalização, organizou seu primeiro congresso depois da morte do ditador, o primeiro na Espanha depois de 32 anos. O 27o. Congresso reuniu em Madri líderes e políticos socialistas como Willy Brandt, presidente da Internacional Socialista, Olof Palme, primeiro ministro de Suécia, Bruno Kreisky, primeiro ministro da Áustria, Anker Joergeson, primeiro ministro da Dinamarca, o líder socialista chileno Carlos Altamirano, o italiano Pietro Nenni. Todos chegaram para legitimar como secretário geral dos socialistas espanhóis a Felipe González, que dirigia o partido, junto com Alfonso Guerra, desde o congresso anterior, quando substituiu a velha guarda representada por Ramón Llopis.


As bandeiras levantadas no 27o. Congresso lembravam as reivindicações populares da Espanha republicana. Carlos Altamirano, por exemplo, propôs a união de comunistas e socialistas na construção de um bloco anticapitalista. Falou-se também em marxismo e República, rechaçou-se qualquer possibilidade de acomodação ao capitalismo, defendeu-se a escola pública única e a administração da justiça através de tribunais populares eleitos pelos cidadãos.  


O programa aprovado pelo 27o. Congresso era socialista e republicano. Falava de autodeterminação, autogestão e intervenção, mas a atuação prática do PSOE foi flexível e habilidosa. Sua palavra de ordem eleitoral “Socialismo é liberdade” tocou fundo naqueles que desejavam um trânsito firme e decidido em direção à democracia. Assim, o principal beneficiário do voto das esquerdas foi o PSOE. Mas o PSOE não era a única corrente da esquerda socialista. Entre as várias existentes se destacava a Convergência Socialista, com presença na Catalunha e em Madri. A Convergência Socialista foi constituída em julho de 1974 e em 1976 realizou seu primeiro congresso regional na Catalunha. Nessa época, teve início a busca da unidade socialista.


O PSOE, através de Felipe González, representava a possibilidade de construção de uma Espanha aberta e plural. Assim, a direção do partido se deu como objetivo nos primeiros meses de 1977 aglutinar os socialistas espanhóis. Embora não tenha conseguido incorporar todas elas, trouxe para o PSOE a Convergência Socialista, grupo de origem católica, que lutava pela formação de um partido socialista que reconhecesse as nacionalidades.


A Convergência Socialista traduzia uma feliz combinação. Ao se posicionar nas fileiras do socialismo trazia para o presente a heróica luta da esquerda espanhola e ao reafirmar sua origem cristã retirava das mãos da direita e do franquismo a bandeira do catolicismo. O PSOE não colocava em dúvida o socialismo da CS e a esquerda católica via nela a opção por um socialismo que, ao invés de se mostrar ateu e anticlerical, levantava as bandeiras solidárias do cristianismo. Assim, a entrada da Convergência Socialista para o PSOE não somente fortaleceu o socialismo e a transição para a democracia, mas permitiu um diálogo com os católicos da Espanha pós-franquista.


Este sentimento foi traduzido nas entrevistas de muitos exilados ao voltarem à Espanha. O cantor e compositor Joan Manuel Serrat, por exemplo, pisou em solo catalão em agosto de 1976, onze meses depois de seu exílio forçado. Ele tinha sido beneficiado pela anistia concedida pela Coroa espanhola em agosto de 1976. Serrat chegou disposto a ter “um papel político e social, como todo mundo”. Filiou-se à Convergência Socialista, partido que conheceu no exílio. E declarou: “Estou com a CS da Catalunha na luta por criar um Partido Socialista da Catalunha. Amo a Catalunha e sou partidário do socialismo. Não há nenhuma contradição nisso” (MOTTA, 1976, s/p). E deu uma entrevista à revista Interviú (ALFIERI, 1976), onde expôs suas posições políticas e contou porque se filiou à Convergência Socialista.


-- E por que você se afiliou à Convergência Socialista da Catalunha?     

-- Porque acho que, enquanto o autêntico Partido Socialista da Catalunha não é uma realidade e todos os socialistas independentes não podem se aglutinar em um único partido, a Convergência é onde me sinto realmente bem, e onde posso compartilhar o que sinto e onde posso ser mais útil.     

-- Que socialismo você quer para a Espanha? O que você entende por socialismo?     

-- Você está me examinando? Isso é feio... Você sabe disso...     

-- Mas concretamente, você se considera marxista?     

-- Eu sou socialista, genuinamente consciente, mas penso também penso que a história é um processo.     

-- Eu sempre achei que você tinha uma veia anárquica, não necessariamente ideológica, pois suas atitudes pessoais eram freqüentemente mais éticas e espontâneas que políticas. Como você vai articular esta sua personalidade não muito inclinada à disciplina militante com a Convergência Socialista?     

-- A contribuição principal que posso dar é meu trabalho, e meu trabalho não é necessariamente disciplinado, já que permite uma certa anarquia, nele me sinto livre. Se tivesse outro tipo de atividade, minha militância seria de outro tipo.     

-- Com sua entrada para a Convergência Socialista muda a sua produção artística? Você vai continuar a ser o mesmo cantor de antes?     

-- Claro, eu continuo o mesmo!     

-- Mas o seu trabalho pode mudar...     

-- Bem, isso se verá. Você me perguntou em que estou trabalhando agora. Quando terminar a gente vai poder conversar. Por enquanto estou nos esboços; as idéias devem amadurecer.     

-- Você conheceu muita gente no exílio? Muitos políticos?    

-- Vi de tudo, políticos, operários, pessoas que sabem das coisas, pessoas que não sabem nada. Em onze meses você vê muita gente... e deixa de ver muitas outras.     

-- Durante este período, amadureceu sua decisão de entrar para a Convergência?     

-- A Convergência Socialista apareceu e eu fui atraído para ela. Escolhi a opção que me pareceu mais interessante. No momento certo de medir a importância e real representatividade de cada grupo político se verá qual é a força popular do partido. Para mim interessam os catalães que se chamam López ou Fernández, mas também o proletariado que não é catalão, mas trabalha na Catalunha e que constitui uma realidade que não podemos ignorar (ALFIERI, 1976, s/p).


Assim, a regional catalã da Convergência Socialista iniciou, em 1977, conversações com a regional de Madri, que participava da Federação de Partidos Socialistas, sobre a viabilidade de unificação com o PSOE. Fruto dessas conversações, no dia 15 de maio foi celebrado o congresso que unificou a Convergência Socialista ao Partido Socialista Operário Espanhol. As alianças com a Convergência Socialista e com os socialistas catalães, aliadas ao carisma de Felipe González e à popularidade de Alfonso Guerra, foram as responsáveis de que o PSOE passasse dos 10% previstos pelas pesquisas aos 29% que conquistou em 15 de junho de 1977. Com 118 cadeiras no Parlamento converteu-se na segunda força política do país, com um milhão de votos a menos que a UCD de Adolfo Suárez. Assim, o Partido Socialista Operário Espanhol conquistou nas urnas a credencial de “principal partido da oposição”, título que nos últimos anos do regime de Franco pertencera ao Partido Comunista Espanhol de Santiago Carrillo. 


Nessa época, como membro da direção da Liga Operária brasileira e da Fração Bolchevique da Quarta Internacional, eu vivia no bairro de Aluche, na periferia de Madri. Nossas atividades estavam voltadas à construção da seção espanhola da Quarta Internacional, tanto em Madri, como em Vigo, na Galícia. O fato de ser trotskista, aliado à história da oposição de esquerda e do POUM durante a Guerra Civil, possibilitou conversações com lideranças do proletariado madrilenho e com dirigentes sindicais, o que me levou a acompanhar de perto o processo de democratização espanhol e a unificação dos socialistas. Assim, trouxe a experiência vivida pelos socialistas espanhóis para o Brasil. Aprovada pelo comitê central do PST a proposta de centralizarmos a luta pela democratização na construção do Partido Socialista, iniciamos o processo do lançamento público da Convergência Socialista, que desde seu início foi além da leitura dogmática do marxismo, situando-se no campo da nova esquerda européia e norte-americana. Surgiu, dessa maneira, como novidade no espectro da esquerda brasileira. 


“Nos últimos dias do mês passado, diversos núcleos que participam desse movimento pela criação de um partido socialista deram um passo adiante. Em reunião realizada na PUC de São Paulo, no dia 28 passado, criaram o movimento Convergência Socialista, que tem como objetivo a unificação de todos os setores que lutam pela criação de um partido socialista”. 


E a reportagem esclarecia que participaram do encontro cerca de 200 pessoas, representando aproximadamente vinte entidades. E dizia ter sido formada uma coordenação provisória integrada por todos os grupos que participam da Convergência Socialista, a fim de desenvolver esforços na tentativa de uma reunião nacional, “pois a intenção é criar antes das eleições de novembro próximo pelo menos um amplo movimento pró-criação do PS” . A partir daí a Convergência Socialista manteve um debate com a esquerda brasileira, realizando conversações com Almino Affonso, Chico Pinto, Edmundo Moniz, Fernando Henrique Cardoso, José Álvaro Moisés, Plínio de Arruda Sampaio, e a Tendência Socialista do MDB, no Rio Grande do Sul (BUCCHIONI, BARROS FILHO, 1979).


A Convergência se lança como um movimento que pretende unir todos os socialistas, dispersos em muitos agrupamentos clandestinos, que tivessem posicionamento pela construção de um partido socialista dos trabalhadores. Nesse período começamos a ter uma unidade maior com os sindicalistas do ABC. No 1º de maio de 1978 a esquerda toda se dividiu entre comemorar com os sindicalistas do ABC ou fazer o 1º de maio com os da oposição em Osasco. Nós fomos a única corrente de esquerda que comemorou o 1º de maio no ABC. Dessa relação com eles surgiu o apoio eleitoral, no segundo semestre (ARCARY, 1990, s/p).


A Convergência Socialista definiu, então, como tática apoiar candidatos operários dentro das listas do PMDB, 

uma mediação para tentar construir a independência política de classe. Procuramos o Lula, ele não quis ser candidato. Apoiamos o Benedito Marcílio, que era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Quando propusemos, como condição do acordo eleitoral, que no programa da candidatura estivesse explicitado que éramos por um partido socialista dos trabalhadores, o Marcílio nos disse: ‘Digamos por um Partido dos Trabalhadores, não se coloque o socialista. Construamos primeiro um PT e depois discutamos o que é o socialismo, porque os trabalhadores não sabem’. Aí surgem as primeiras articulações que vão originar o movimento pró-PT. Nesse processo começam a se unir muitos outros companheiros. Mas foi uma iniciativa pioneira. Nós temos orgulho (ARCARY, 1990, s/p). 


E no 9o. Congresso dos Metalúrgicos de São Paulo, em janeiro de 1979, em Lins (SP), Zé Maria, do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e militante da CS, propôs um manifesto chamando "todos os trabalhadores brasileiros a unir-se na construção de seu partido, o Partido dos Trabalhadores". A moção foi aprovada. 


A proposta de formação de um Partido de Trabalhadores começou a ser veiculada pelo jornal Versus, influenciado pela organização Convergência Socialista, em meados do ano de 1978. Tal proposta se materializou na tese que o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, apresentou no 9º Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos, Mecânicos e de Material Elétrico do Estado de São Paulo realizado na cidade de Lins, em janeiro de 1979. A tese propunha um chamado a todos os trabalhadores brasileiros para a construção de “seu partido, o Partido dos Trabalhadores”. Tal partido deveria excluir a colaboração com a burguesia, deveria ser “de todos os trabalhadores da cidade e do campo”, mas “sem patrões”. (BIANCHI, 2001, p.104).


Mas, se por um lado realizava conversações com as lideranças da esquerda, montava seus núcleos nas fábricas do ABC e atuava nas oposições sindicais classistas, por outro, a Convergência Socialista adotou a linguagem da nova esquerda européia e norte-americana, apresentando através do jornal Versus a política sob novas perspectivas. Entre as acusações que sofreu, era de que estava formada por estudantes e intelectuais, e que sua política de proletarização de quadros através do trabalho nas fábricas do ABC e a ida para os bairros operários, não poderia mudar a realidade de que seus militantes vinham da classe média. Na verdade, essa acusação já tinha sido feita antes à Polop e também à AP. Mas, como já tinha afirmado Marcuse, essa era uma característica da nova esquerda, que “assume um caráter aparentemente elitista, em virtude de seu conteúdo intelectual: um assunto mais para ‘intelectuais’ do que para ‘trabalhadores’” (1978, p.39). 


O predomínio de intelectuais (e de intelectuais antiintelectuais) no movimento é, de fato, obvio. Pode muito bem ser expressivo do crescente uso de intelectuais de todos os gêneros tanto na infraestrutura como no setor ideológico do processo econômico e político. Além disso, à medida que a libertação pressupõe o desenvolvimento de uma consciência radicalmente diferente (uma contraconsciência), capaz de suplantar o fetichismo da sociedade de consumo, ela pressupõe um conhecimento e uma sensibilidade que a ordem estabelecida, através do seu sistema de classes na educação, interdita à maioria das pessoas. Em sua fase atual, a Nova Esquerda e, necessária e essencialmente, um movimento intelectual (...) (MARCUSE, 1978, p.39). 


Consciente do papel intelectual que jogava, a Convergência procurou abrir ao máximo o espectro de suas relações com a radicalidade opositora ao regime: enfocou a questão negra e abrigou em suas fileiras ativistas do movimento negro unificado. E apoiou também outras minorias que começavam a se organizar. Um exemplo: em 1980, no Rio de Janeiro, durante a Semana Santa, foi realizado o I Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais. Participaram cerca de oitocentas pessoas e se fizeram presentes os grupos Eros de São Paulo, Somos de Sorocaba e do Rio de Janeiro, Beijo Livre de Brasília, Libertos de Guarulhos, Ação Lésbico-Feminista, e a Facção Homossexual da Convergência Socialista.  Manteve também um diálogo com a América Latina, Estados Unidos e Europa, através de relacionamento com partidos e pensadores trotskistas e da nova esquerda. E procurou participar do processo revolucionário latino-americano, mandando, por exemplo, militantes para a Nicarágua, que acompanharam a queda do regime de Somoza.


Dessa maneira, a tradição democrática do PSB, a revolução comportamental da nova esquerda e a crítica trotskista do stalinismo fizeram parte da história da esquerda brasileira no século XX e construíram compreensões da realidade que se fizeram presentes na formação do pensamento socialista no PT. Mas é importante entender como foram construídas as relações políticas entre o cristianismo social e essas correntes de esquerda.


Capítulo Três

Os militares e as raízes cristãs do PT


Para entender as relações construídas entre o cristianismo social e os socialistas democráticos, a nova esquerda e o trotskismo, devemos analisar como surgiu na Igreja cristã, católica e protestante, um pensamento crítico do capitalismo e de defesa das populações expropriadas e excluídas nas sociedades modernas. E como os séculos XIX e XX foram de revolução social, começaremos a partir daí, já que a Revolução Francesa colocou o pensamento católico e, por extensão, toda a cristandade diante de profundos desafios (VIDLER, 1961). Assim, os anos que se seguiram ao pontificado de Pio VI foram de choques com a nova ordem social que se estabelecia na Europa e, em especial, na França. De todas maneiras, este foi um período de aproximações e rupturas, e Napoleão Bonaparte, entre os muitos papéis, cumpriu o de por fim no longo conflito entre católicos e protestantes franceses.


Foi também como homem de estado [Napoleão] que impôs o fim do cisma na Igreja francesa. Até que ponto ele era um crente católico é discutível, mas teve o sentido exato do papel que a Religião desempenha para dar unidade, coesão e contentamento a uma sociedade. A utilidade social da Religião não foi, claro, idéia sua: Voltaire, Rousseau, Chateaubriand e muitos outros condutores do pensamento francês já se lhe tinham referido de várias forma (VIDLER, 1961, p.18). 


Embora os choques entre Napoleão e os papas Pio VI e Pio VII traduzissem as difíceis relações entre o poder napoleônico e a Igreja católica, ela mostrou-se disposta ao diálogo com a nova ordem social, já que sua preocupação centrava-se no liberalismo teológico, que era visto como inimigo. Pensadores católicos, como o teólogo Félicité Robert de Lamennais, aconselharam a Igreja a refletir sobre as questões sociais na Europa, em especial as liberdades política e de imprensa, mas as propostas de Lamennais, apesar de sua amizade com o papa Gregório XVI, não produziram o efeito que ele esperava.  Ainda era cedo para a Igreja apresentar ao mundo sua compreensão acerca da nova realidade do mundo.


No final do século XIX, a Europa vivia momentos de conflitos trabalhistas, com o fortalecimento dos sindicatos anarquistas (IWW) e socialistas (II Internacional dos Trabalhadores). Diante da polarização de classes, Leão XIII, cujo pontificado durou de 1878 a 1903, produziu a encíclica Rerum Novarum ("Das coisas novas"), que veio à luz no dia 15 de maio de 1891. O documento discutia os direitos e as responsabilidades do capital e do trabalho, descrevia aquilo que a Igreja entendia como função do governo, e defendia os direitos dos trabalhadores à organização de associações para tentarem conseguir salários e condições de trabalho justas. Esta foi a primeira tentativa da igreja, desde a revolução francesa, de fazer uma leitura dos novos tempos. Dessa maneira, a partir de Leão XIII, a Igreja católica se lançou à reflexão das questões sociais, partindo da defesa da pessoa e da dignidade do ser humano. Isto fica claro quando Leão XIII fala do direito natural, “estável e perpétuo” e do direito do ser humano possuir “as coisas exteriores”, “tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem depois de nos terem servido” (DE SANCTIS, 1972. p.15-18) . Na verdade, a encíclica traduzia a imersão da Igreja na crise social do século XIX, quando afirmava que “o homem [...] é senhor de suas ações; também sob a direção da lei eterna e sob o governo universal da Providência divina, ele é, de algum modo, para si a sua lei e a sua providência” (DE SANCTIS, 1972. p.16-17). Esse sentido da imersão da Igreja católica nas questões sociais traduzia na encíclica de Leão XIII a preocupação com a difícil situação do cristianismo, pois reconhecia que a consciência do cargo apostólico impunha “como um dever” (DE SANCTIS, 1972. p.20-21) tratar de tais problemas.


Assim, Leão XIII levantou a tese, sem dúvida revolucionária para a época, do direito dos operários de se associarem para a defesa de suas justas reivindicações, e, posicionando-se contra o pensamento político liberal, disse que era dever do Estado interferir no campo social e econômico, para a proteção dos que não tinham como se defender. Mas, denunciou também o perigo representado pelo comunismo, que vinha abalar valores fundamentais da sociedade e da cultura. Leão XIII percebeu a gravidade da situação, que ameaçava levar para dentro da Igreja as tensões entre capitalismo e socialismo, que distendiam as estruturas da sociedade civil. Os católicos, como o conjunto da sociedade, estavam divididos entre católicos liberais e católicos sociais. Leão XIII procurou definir um ponto de equilíbrio entre os extremos que se confrontavam.


Mas a revolução não acabou no século XIX. Na verdade, se estendeu século XX adentro com a expansão das idéias socialistas e o surgimento de Estados comunistas que se opuseram à Igreja e ao cristianismo. Assim, a revolução, como movimento social de transformação, criou uma permanente instabilidade, levando muitos a considerarem que os dias da Igreja estavam contados.


"Caso se fizesse uma avaliação completa das mudanças revolucionárias que têm tido lugar nos mundos do pensamento e da invenção, nas estruturas política e social, e nas condições de vida e trabalho, e caso se levasse em conta a origem das Igrejas na ordem pré-revolucionária ou o Ancien Régime, então a sua sobrevivência com tantas das suas antigas características e acessórios intactos é admirável, para não dizer mais. Não sobreviveram porque estavam bem preparados para a rebelião em que se veriam involuntariamente envolvidos, ou porque, quando os alcançou, mostraram prontos poderes de adaptação às novas circunstâncias" (VIDLER, 1961, p.271). 


A Igreja católica não mostrou prontas respostas às novas circunstâncias, mas evitou perder-se no dilema: ou a liberdade absoluta do desenvolvimento espontâneo ou a radical abolição da liberdade, com suas consequências. Procurou um meio termo, que permitisse reter o princípio da iniciativa privada e sua fecundidade, e o da intervenção pública, e sua não menos evidente necessidade. Assim, diferentemente do liberalismo econômico e do socialismo, a Igreja recusou-se a resolver o dilema, pois discerniu na realidade capitalista uma força insubstituível, uma estrutura modificável, um princípio condenável (BIGO, 1969, p.143). Exemplo disso é a encíclica Quadragesimo Anno ("No quadragésimo ano") do papa Pio IX, lançada em 1931, que denunciou os efeitos da concentração do poder econômico sobre os trabalhadores e a sociedade, pediu a distribuição da riqueza segundo as exigências do bem comum e da justiça social, defendeu o direito à propriedade, mas também a oportunidade de acesso à mesma, e declarou que a propriedade tem uma finalidade social e um papel na promoção da harmonia entre as classes sociais. Assim, a Quadragesimo Anno condenou aquilo que mais tarde chamaremos de capitalismo selvagem: 


Ora, a livre concorrência, ainda que dentro de certos limites seja justa e vantajosa, não pode de modo nenhum servir de norma reguladora à vida econômica. [...] Urge, portanto, sujeitar e subordinar de novo a economia a um princípio diretivo, que seja seguro e eficaz. A prepotência econômica que sucedeu à livre concorrência não o pode ser; tanto mais que, indômita e violenta por natureza, precisa, para ser útil à humanidade, de ser energicamente refreada e governada com prudência; ora, não pode refrear-se nem governar-se a si mesma. Força é, portanto, recorrer a princípios mais nobres e elevados: à justiça e caridade sociais (DE SANCTIS, 1972, p.80-83).


E, mais adiante, acrescenta: 

É coisa manifesta como nossos tempos não só amontoam riquezas, mas acumula-se um poder imenso e um verdadeiro despotismo econômico nas mãos de poucos, que mais das vezes não são senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, com que negociam a seu talante. Esse despotismo torna-se intolerável naqueles que, tendo em suas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõem do sangue de que vive a economia, e manipulam de tal maneira a alma da mesma, que não pode respirar sem sua licença (DE SANCTIS, 1972, p.84-85).


Ainda na Quadragesimo Anno, Pio XI definiu a posição que os bispos deveriam ter na relação dos católicos com os sindicatos: 


Pertence aos bispos, se reconhecerem que tais associações são impostas pelas circunstâncias e não oferecem perigo para a religião, permitir que os operários católicos se inscrevam nelas, observando a este respeito as normas e precauções recomendadas por nosso predecessor Pio X, de santa memória. A primeira e a mais importante é que, ao lado dos sindicatos, existam sempre outros grupos com o fim de dar a seus membros uma séria formação religiosa e moral, para que eles depois infiltrem nas organizações sindicais o bom espírito que deve animar toda a sua atividade (DE SANCTIS, 1972, p.60-62).


E na Divini Redemptoris, lançada em 1937, Pio XI ao condenar o comunismo considerou o liberalismo como a causa direta daquele mal. 


Não haveria nem socialismo nem comunismo se os que governam os povos não tivessem desprezado os ensinamentos e as maternais advertências da Igreja; eles, porém, quiseram, sobre as bases do liberalismo e do laicismo, levantar edifícios sociais que à primeira vista pareciam poderosas e magníficas construções, mas bem depressa se viu que careciam de sólidos fundamentos, e se vão miseravelmente desmoronando, um após outro, como tem que desmoronar tudo quanto não se apóia sobre a única pedra angular, que é Jesus Cristo (DE SANCTIS, 1972, p.122-123). 


Dessa maneira, a partir da Rerum Novarum, três princípios vão estar no centro das encíclicas sociais. O primeiro será a vida, a dignidade e os direitos da pessoa humana. O critério de justiça de toda a política estará no grau com que ela protege a vida humana, favorece a dignidade humana e respeita os direitos humanos. Este princípio será o fundamento da doutrina da Igreja com respeito à guerra, à paz e à vida social. O segundo princípio será o da solidariedade, que será visto como definidor da formação de um mundo novo. É uma expressão moral de interdependência, um aviso de que a humanidade é uma família, sejam quais forem as diferenças de raça, nacionalidade, ou poder econômico. Os povos das terras mais distantes não são inimigos ou intrusos e os pobres não são um fardo, mas irmãs e irmãos, pessoas que os cristãos são chamados a proteger. E o terceiro, que vem como desenvolvimento deste segundo, será o da opção preferencial pelos pobres, no sentido de que os excluídos têm o primeiro direito de reivindicação perante a consciência e as práticas humanas. Embora a linguagem seja nova, já que surge a partir do final dos anos 1960 na América Latina, ela foi absorvida pela Igreja enquanto compreensão das palavras de Jesus em Mateus, ou seja, de que a humanidade será julgada em termos da resposta que tiver dado “ao menor entre estes” .


Do lado protestante, o século XIX foi um século inglês. A Inglaterra era o berço da revolução industrial, Londres possuía o centro financeiro mais importante do Ocidente, o comércio britânico rodeava a Terra e a marinha britânica dominava os mares. Os protestantes ingleses estavam reunidos na igreja oficial, a anglicana, mas também em denominações não-conformistas, como a metodista, a batista, a congregacionalista e algumas menores. Mas havia o temor de que aquele tempo de prosperidade e liberdade fosse engolfado em dias como os da Revolução francesa. Assim, o medo e a esperança, que se misturavam, levaram a sociedade inglesa, através de suas igrejas e sociedades religiosas, a encarar a questão social como um desafio para os cristãos.


E foi assim que dois movimentos marcaram a Inglaterra: a campanha contra a escravidão, que começou em 1789, com um discurso de William Wilberforce na Câmara dos Comuns, e as campanhas pelas reformas trabalhistas, que desembocaram no movimento social cristão. Em 23 de fevereiro de 1807, o tráfico de escravos foi interrompido, graças à intensa militância cristã e política de Wilberforce. A partir desse momento, as campanhas abolicionistas foram lideradas por outro ativista, Thomas Fowell Buxton. Ambos, Wilberforce e Buxton pertenciam a um pequeno grupo protestante surgido na paróquia de Clapham, vilarejo distante oito quilômetros de Londres. Assim, a comunidade de Clapham, aliada a grupos não-conformistas, e através da publicação de literatura, realização de palestras e mobilizações de rua, foi responsável por algumas das cruzadas sociais mais importantes da Inglaterra (SHELLEY, 2004). E em 25 de julho de 1833, o Ato de Emancipação libertou os escravos em todo o império britânico. O significado dessa ação repercutiu em todo o mundo, inclusive no Império brasileiro, estrategicamente ligado à Inglaterra. Da mesma maneira, as reformas trabalhistas mobilizaram outros intelectuais protestantes vindos do anglicanismo, como John Malcolm Ludlow (1821-1891), Charles Kingsley (1819-1875) e Thomas Hughes (1822-1896), que lutaram pelo fim da escravidão, contra o trabalho infantil nas fábricas e pela jornada de dez horas. Essas mobilizações levaram a uma ampla reforma social e ao surgimento do movimento social cristão inglês. 


"Foi como reação ao socialismo anticlerical de Robert Owen e ao cartismo, que os protestantes deram início ao seu movimento social. Homens como Ludlow, Kingsley, Maurice e Hughes deram origem ao socialismo cristão na Inglaterra" (VIDLER, 1961, p.97). Dessa maneira, Maurice afirmou, “a necessidade de uma reforma teológica inglesa, como meio de evitar uma revolução política e de trazer o que de bom existisse nas revoluções estrangeiras para se conhecer a si própria, tem estado cada vez mais impresso no meu pensamento"(VIDLER, 1961, p.97). 


Nos Estados Unidos, apesar da visão escravagista de muitos religiosos, como Richard Furman, líder batista da Carolina do Sul, que, de certa forma, traduzia o sentimento generalizado entre os grandes fazendeiros sulistas, no norte surgiu um forte movimento evangélico contra a escravidão. Seu primeiro grande ativista foi Charles G. Finney, seguido por abolicionistas como Theodore Weld e Lymann Beecher. Mas um romance marcará a campanha abolicionista e entrará para a história da literatura mundial: A Cabana do pai Tomás, de Harriet Stowe. Numa leitura escatológica milenarista, Harriet Stowe considerava que a escravidão não era apenas um pecado do sul, mas que a culpa era nacional e, por isso, o juízo seria nacional. No livro atacava a consciência nacional escravagista na esperança de que uma purificação da alma dos Estados Unidos livrasse o corpo político da vingança divina (SHELLEY, 2004). Mas veio a guerra e, com a vitória do norte, a abolição da escravatura. Finda a escravidão, a discussão sobre a industrialização do país e os danos humanos, misérias e exclusão que produzia, entraram na ordem do dia. Surgiram assim os “protestantes públicos” que, ao contrário dos “privatistas”, falavam de cristianismo social, evangelho social, serviço social. Expoentes desse pensamento foram Washington Gladden, ministro congregacional de Ohio, o escritor Charles Sheldon, que escreveu uma obra até hoje famosa, Em Seus Passos Que Faria Jesus?, e o pastor batista Walter Rauschenbusch.


Rauschenbush (1861-1918) era de origem alemã. Levantou a questão do evangelho social, a partir de uma leitura que combinava a doutrina bíblica da responsabilidade social e os socialistas utópicos. Defendeu uma democracia econômica e política e propôs uma atuação através dos sindicatos. 


Nossa economia política tem sido por muito tempo o oráculo de um deus falso. Ensinaram-nos a ver as questões econômicas do ponto da vista dos bens e não do homem. Disseram-nos como a riqueza é produzida e dividida e consumida pelo homem, e não como a vida e o desenvolvimento do homem podem melhorar e serem promovidos pela riqueza material. É significativo que a discussão do consumo da riqueza esteja negligenciada na economia política, contudo a questão humana é a mais importante de todas. A teologia deve ser cristocêntrica, mas a economia política deve tornar-se antropocêntrica. O homem é cristianizado quando põe Deus acima de si próprio, a economia política será cristianizada quando colocar o homem acima da riqueza. É isso que uma economia política socialista faz (RAUSCHENBUSH, 1910, p.371).


E, mais adiante:

Nada dará à classe trabalhadora uma compreensão mais real de seu status de classe e de seu objetivo final do que a luta permanente para conquistar suas reivindicações mínimas e para eliminar as pressões reacionárias contra seus sindicatos. Nós partimos do princípio de que uma organização fraternal da sociedade não terá força se for apoiada apenas por idealistas. Ela [a organização fraternal da sociedade] necessita da sustentação firme da classe trabalhadora, cujo futuro econômico depende do sucesso desse ideal. A classe trabalhadora industrial é, consciente ou inconscientemente, a força para a realização desse princípio. Assim, aqueles que desejam a vitória, desde um ponto de vista religioso, terão que fazer uma aliança com a classe trabalhadora. Mas o princípio protestante da liberdade religiosa e o princípio democrático da liberdade política levam à vitória através da aliança da classe média, que também deseja a conquista do poder, com a classe trabalhadora; dessa maneira, o novo princípio cristão, que busca uma organização fraternal da sociedade, deve aliar-se para a conquista que ambos querem (RAUSCHENBUSH, 1910, p.409). 


A leitura da questão social como prioridade da igreja também levou os protestantes à cooperação confessional, assim como à formação de associações não confessionais. As Associações Cristãs de Moços (1851) e a Christian Endeavor Society (1881) procuraram dar à juventude uma formação ética, social e religiosa. Sob a coordenação de Dwight Moody, um “protestante privatista”, surgiu em 1886 o Student Volunteer Movement, que tinha como finalidade recrutar jovens para o trabalho missionário, e que estava ligado a um organismo interconfessional dirigido por John R. Mott (1865-1955). Nessa mesma época, começou a surgir um movimento ecumênico entre as igrejas históricas norte-americanas: Samuel S. Schmucker (1799-1873) escreveu Apelo Fraternal às Igrejas Americanas e, mais tarde, foi fundado o Federal Council of the Churches of Christ in America.


Mas o século XX golpeou o caminhar social que a igreja protestante estava construindo, ao colocá-la diante de um problema novo: as duas guerras mundiais. Em 1914, as igrejas protestantes, em sua maioria, consideraram a guerra contra a Alemanha justa e apoiaram a declaração de guerra em 1917, transformando-se em agências do governo. Com o final da guerra, o crescimento do nacionalismo e o fortalecimento da política beligerante implementada pelo governo dos EUA, denunciadas pelo Comitê Nye, o protestantismo norte-americano tomou conhecimento do erro cometido e procurou voltar à defesa de políticas pacifistas. Assim, durante II Guerra Mundial forneceu capelães para as forças armadas norte-americanas, deu suporte à Cruz Vermelha e no pós-guerra ajudou na reconstrução das igrejas irmãs européias.


Mas, com o final da II Guerra Mundial uma grande parte do mundo tornou-se stalinista. Os países stalinistas incluíam mais da metade da Europa, a maior parte da Ásia e um país latino-americano (Cuba). Durante os quase 40 anos que se seguiram, católicos e protestantes enfrentaram oposição e perseguição nesses países: cristãos foram presos, internados em campos de trabalhos forçados e mortos. Nos países do Ocidente, em especial nos Estados Unidos e na Europa, a proposta da democracia liberal de separação entre o Estado e as igrejas nacionais protestantes perdeu força e elas, mais uma vez, voltaram a exercer o papel de agências do governo.


Vidler (1961) considerou que a Igreja dessa era de revolução tende a uma volta à ação social e, contraditoriamente, à leitura interiorizada da Bíblia: fatos que se equilibram com a tendência ao fracionamento e ao surgimento de seitas. Assim, a era da revolução é a era do cisma. E Robertson agrega: "Os homens hoje estão divididos entre aqueles que conservaram as suas raízes e perderam o contato com a ordem da sociedade existente, e aqueles que têm observado os seus contatos sociais e perdido suas raízes espirituais" (2000, p.274). 


A partir da segunda metade do século XX, o capitalismo tomou caminhos que reforçaram sua singularidade no mundo (ROBERTSON, 2000), processo esse que chamamos imperialismo. Assim, em teoria, o mundo passou a ser visto como entidade única ao longo de várias trajetórias, onde perdem força as sociedades nacionais, que foram ingredientes vitais no processo geral de formação deste capitalismo contemporâneo. Mas os processos de construção dos imperialismos geraram modificações nos componentes centrais das culturas e da compreensão do que é o ser humano. A ideia de humanidade foi relativizada, quer a partir do processo de diferenciação dos estados nacionais, quer pela forte tendência na direção à unicidade mundial. Tal situação favoreceu o surgimento do pensamento conservador protestante, que se aprofundou com a mundialização e com a crise do pensamento liberal. Para Robertson (2000), mesmo sem negar que certos aspectos da modernidade, que ampliaram em muito o processo de mundialização, não se pode esquecer que esta deslanchou faz tempo e que o pensamento conservador protestante norte-americano, assim como suas expressões brasileiras, não cresceram por si só. Mesmo naqueles lugares onde os traços culturais e institucionais norte-americanos não estavam presentes, mas sim os descontentamentos com as diversidades culturais da modernidade, aí os fundamentalismos protestantes ganharam força. Tal fenômeno, apesar das singularidades imperialistas, está ligado à produção da diferença, que é um ingrediente do capitalismo contemporâneo, envolvido na variedade dos mercados nacionais, culturais, étnicos, de gênero e estratificados socialmente. Ao mesmo tempo, o mercado ocorre no contexto das práticas econômicas mundializadas, onde o capitalismo tem que se acomodar à materialidade do mundo com suas contingências culturais. O capitalismo contemporâneo apresenta, então, generalizações referentes à compreensão do mundo como campo global, onde os modos culturais devem ser mapeados. Por isso, o pensamento conservador protestante, com seu viés de defesa da singularidade imperial norte-americana, se aprofundou a partir dos anos 1970. Aparentemente, esse fundamentalismo político-religioso foi o resultado de uma expressão da identidade social. Mas só dizer isso é uma leitura redutora da realidade. É importante levar em conta o problema das particularidades do cenário global e da disseminação de ideias sobre o valor desses particularismos. É preciso focalizar a necessidade das sociedades em declarar suas identidades para propósitos internos e externos. Nesse sentido, o fundamentalismo protestante seria reação e não criação. Mas é preciso também levar em conta a perspectiva de que existe um núcleo na ideia de que a expectativa de identidade é construída dentro do processo geral do capitalismo contemporâneo, o que contribuiu para o surgimento de interpretações concorrentes da história mundial e suas direções. Colocados juntos, estes aspectos, relativização e proliferação de orientações quanto à situação global, estimularam a emergência do discurso sobre os fundamentos da fé cristã e sua ligação umbilical com a democracia imperial norte-americana. Dessa maneira, com a expansão da presença norte-americana no mundo, que fez frente ao crescimento do mundo comunista, o Brasil colocou-se na posição de país que integra o Ocidente democrático, e a expansão dos interesses comerciais e ideológicos norte-americanos no Brasil, para além das questões de fé, levaram as igrejas protestantes a se alinharem na luta contra o comunismo. E na América Latina, com a revolução cubana, aprofundou-se a Guerra Fria. De um lado, formando parte do bloco anticomunista, estavam as igrejas protestantes e, de outro, a crescente mobilização, via sindicatos e partidos, das classes trabalhadoras e intelectuais. E os católicos caminharam no sentido contrário ao dos protestantes.


No final dos anos 1960, quando a teoria do desenvolvimento começou a entrar em declínio, a estratégia da revolução conquistou corações e mentes latino-americanos. Intelectuais e partidos políticos de esquerda abandonaram a proposta do desenvolvimento, bandeira levantada entre outros pela Comissão Econômica para América Latina -- CEPAL, ligada à ONU, e promovida pelo governo de John Kennedy através da Aliança para o Progresso, e seguiram os passos de Che Guevara e Fidel Castro. Dessa maneira, a guerrilha surgiu na Colômbia, Guatemala e Bolívia, e foi-se espalhando pelo resto da América Latina. Seguindo o sentido revolucionário que começou a incendiar o continente, teólogos protestantes, num primeiro momento, e católicos, posteriormente, optam pela estratégia da revolução. E o caminho da revolução levou a uma reflexão que privilegiou a construção teológica a partir da valorização da história, da cultura e da diversidade de formas de manifestação do encontro do ser humano com Deus.


A Teologia da Libertação surgiu assim como fruto de uma reflexão sobre problemas objetivos vividos na América Latina. Opressão e miséria são fenômenos documentados em todos os países latino-americanos. Mas tais fenômenos não são suficientes para explicar o surgimento de uma teologia e dos movimentos de libertação que cresceram a partir da vitória da revolução socialista em Cuba, em 1959. A existência da miséria não basta, é necessário que a pessoa oprimida perceba a necessidade de lutar pela própria libertação. Deve tomar consciência do estado de opressão e entender que tal situação pode ser vencida (DUSSEL, 1992).


"Para além do desenvolvimentismo está uma nova postura, que se transmite depois, rapidamente, à teologia, e será toda uma nova linguagem, uma interpretação econômica, política e, logicamente, teológica da libertação" (DUSSEL, 1972, p.109).


A expressão teologia da libertação definiu o sentido dessa reflexão, ao considerar que a libertação é o horizonte regulador da fala sobre Deus e que o Deus do discurso é fonte da libertação. Dessa maneira, nesta construção teológica, Deus se manifesta nos diferentes momentos do processo histórico. A teologia passa, então, a ser força geradora de ações que viabilizam uma práxis, oriundas das necessidades das circunstâncias sob as quais um povo está submetido.


Por isso, a teologia adquire uma importância capital. Antes, nossos sacerdotes iam à Europa cursar Direito Canônico (...), depois fomos fazer sociologia, economia e política, mas agora se redescobriu que é na teologia onde se encontra a questão. Porque a teologia é a conscientização de todo o processo que se está vivendo; é na teologia que se deve começar a insistir, cada um, em todos os níveis, porque é necessário redescobrir os critérios interpretativos de nossa fé, para que, diante de situações novas, possamos também inventar soluções novas (DUSSEL, 1972, p.170). 


Assim, o conceito libertação, nos anos 1960/70, surge a partir da realidade cultural, social, econômica e política sob a qual se encontrava a América Latina. E é a partir do quadro vivido no continente que o conceito se consolida. Libertação, então, passa a ser toda “ação que visa criar espaço para a liberdade” (BOFF, 1980, p.87). Essa é a origem primeira e o contexto da reflexão teológica que se desenvolveu a partir de uma práxis concreta, num contexto político, social e cultural determinado. Nasceu, a teologia da práxis libertadora. Ou como afirmou Assman em 1972: 


Acabou-se o tempo do desenvolvimento e começou a era da libertação, pois que libertação é o novo nome do desenvolvimento. Partir desta situação histórica para refletir sobre a fé cristã não significa limitar o conceito de libertação ao plano econômico (embora aí esteja a prioridade). A libertação do homem no curso da história exige não só melhores condições de vida, uma mudança radical de estruturas, uma revolução social; exige algo mais: uma nova maneira de ser do homem, uma revolução cultural permanente (ASSMAN, 1972, p.164).


Embora tenhamos elaborações como a da Conferência do Nordeste -- Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro , de 1962, e Towards a Theology of Liberation de Rubem Alves (1969), foi no encontro da Conferência do Episcopado Latino-americano, realizado em Medellín, em 1968, que a Teologia da Libertação adquiriu direito de cidadania (VIDALES, 1974). Partindo das propostas do Concílio Vaticano II, a conferência de Medellín faz três afirmações que nortearam o pensamento dessa teologia: que os países pobres estavam submetidos ao imperialismo; a igreja latino-americana vivia num meio social em processo revolucionário; e que a igreja latino-americana deveria buscar sua transformação, diante da miséria e da injustiça. Assim, a Conferência do Episcopado Latino-americano não viu a libertação reduzida à esfera espiritual, mas enquanto ação transformadora que se estende ao ser humano como totalidade, cobrindo as esferas das relações familiares, sociais e políticas. Se, por um lado, as opressões do ser humano latino-americano direcionaram a teologia da libertação, por outro, ela também sofreu influência de teólogos europeus que procuraram interpretar a mensagem de Cristo e a história da salvação em base política. Esses teólogos, entre os quais podemos citar J. B. Metz, H. Cox e J. Moltmann negavam a interpretação escolástica e as abordagens existenciais e procuravam na práxis política uma interpretação da mensagem cristã. Ou como diz o próprio Metz: 


A salvação a que se refere a esperança da fé cristã não é uma salvação privada. A proclamação desta salvação empurrou Jesus para um conflito mortal com os poderes políticos de seu tempo. Sua cruz não está no privatissimum da esfera indivíduo/pessoa, e muito menos no sanctissimum da esfera puramente religiosa. Ela está além do umbral da reservada esfera privada ou da protegida esfera puramente religiosa. Ela está ‘fora’, como formula a teologia da Carta aos Hebreus. O véu do templo foi definitivamente rasgado. O escândalo e a promessa desta salvação são públicos (1968, p.11). 


Na busca de contribuições, a teologia da libertação procurou responder ao desafio de definir os problemas e os caminhos para o diálogo entre as populações pobres latino-americanas. E mesmo sem saber se tinha a capacidade de contribuir na solução destas crises, deve-se reconhecer que tentou. Pessoas e grupos interessados na superação das crises, mesmo aqueles que não compartilhavam de nenhuma crença religiosa, aproximaram-se da teologia da libertação por entender que a reorganização democrática da sociedade tinha a ganhar com as contribuições que vinham dela. Mas, se havia crise do mundo, se havia crise no Brasil, de onde a teologia devia partir? Dussel, numa reflexão sobre erros e acertos do passado, ressaltou a importância do esforço de se fazer uma teologia que enfrente as crises presentes. E caminhará a partir da complexidade do mundo do pobre, conceito este que levará a dois outros: vítima e excluído. Já que para ele exclusão, do latim exclusióne, é uma categoria sócio-econômica, cultural, de gênero, de cor, conforme expõe: “É necessário levantar um princípio absolutamente universal que é completamente negado pelo sistema vigente que se globaliza: o dever de produção e reprodução da vida de cada sujeito humano, especialmente peremptório nas vítimas desse sistema mortal, que exclui os sujeitos éticos e só inclui o aumento do valor de troca” (DUSSEL, 2000, p. 573). 


Aqui o pobre é visto como vítima e excluído: é aquele que tem negada sua eticidade à vida. Assim, se exclusão é pobreza, é, no entanto, antes de qualquer coisa, morrer no começo, fome, doença, mortalidade infantil, marginalidade. É a negação do dom da vida. E a complexidade desse mundo não pode ser esquecida por aqueles que desejam fazer teologia e apresentar ao mundo a boa nova da salvação. Afirma, também, que há um esforço para silenciar o mundo do pobre-vítima-excluído. Esse esforço se faz presente através de ideologias que visam o mercado como transcendente. E esse engano dos capitalismos imperiais alargaram a brecha entre participantes do mercado e excluídos, impõe o pensamento único, e objetiva calar o excluído. A economia é colocada acima da ética, a política é negada enquanto relação e é pregada a morte das ações de transformação social, a fim de calar as vozes dos não incluídos neste mercado visto como sagrado. Esta realidade foi vivida pela sociedade brasileira durante o governo militar. E, como afirma GORRINGE (1997), citando um teólogo sobre este momento vivido pela América Latina e o Brasil, "é a este vazio (...) que somos levados pela dominação do capitalismo de mercado. Politicamente, proclama-se que todas as funções do Estado devem ser transferidas à empresa privada. O que temos de fato são governos civis que exercem seu poder através do uso de aparatos policiais e militares, O slogan é: o Estado social escraviza, o estado policial liberta". Hinkelammert cita o chefe da polícia secreta do Chile, que, no auge da sua imposição de políticas monetaristas, disse: "A segurança nacional é como o amor: nunca é demais. A metafísica do capitalismo empresarial é necessária para justificar este uso do terror do Estado contra os inimigos de livre empresa" (GORRINGE, 1997, p.211-227). 


Diante das pressões reais do estado autoritário no Brasil, a teologia se fez práxis e procurou construir um caminho da liberdade. E a expressão maior dessa tentativa de construção foram as Comunidades Eclesiais de Base. Em janeiro de 1979, D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu fazia um balanço das CEBs: "Hoje são quase 50 mil Comunidades Eclesiais de Base, organizando cerca de um milhão e quinhentas mil pessoas, no Brasil. Elas identificam o pecado-raiz de toda a opressão: ... esse grande pecado é agora social e se chama sistema capitalista" no término do III Encontro Intereclesial de Comunidades de Base, em julho de 78 na Paraíba. "Já não se contam mais nos dedos as Comissões Diocesanas de Justiça e Paz" (1979, p. 14-15). A Igreja Católica foi, talvez, o primeiro setor organizado, com peso efetivo na sociedade brasileira, a empunhar a bandeira de luta pelos direitos humanos. Ligada às parcelas mais exploradas do povo, sofrendo a perda de padres e freiras perseguidos e mortos, a Igreja se organizou para combater as ameaças à Justiça e à Paz. Deixa, enfim, o regaço dos poderosos, não sem contradições e conflitos dentro de sua própria estrutura.


Logicamente, diante de um Partido dos Trabalhadores em formação, principalmente por parte dos agrupamentos socialistas, havia desconfiança ao engajamento da igreja na luta pelos direitos dos oprimidos, por causa de sua tradição heteronômica. Mas para o bispo e teólogo não havia razões para tal desconfiança. 


A Igreja, na sua essência, é comunidade de fé, de esperança e de amor. Sua maior eficiência, fermentadora e renovadora da comunidade humana, sempre dependeu de seu comportamento e de sua atuação com comunidades. Sem dimensão comunitária a Igreja não é Igreja. Sem abertura para os problemas da comunidade/sociedade, a Igreja não está em condições de realizar sua missão, ser continuação da ação libertadora de Jesus Cristo, ser sinal de esperança para o homem angustiado e sofredor. É verdade que nem sempre a consciência comunitária da Igreja funcionou com tanta clareza. Houve períodos históricos em que os cristãos, inclusive em nível de hierarquia, se deixaram envolver demasiadamente pelos interesses de grupos do poder, e assim se acomodaram. Essas colocações são importantes para entender o interesse da Igreja pelos problemas da humanidade e os instrumentos que ela criou, como por exemplo as Comunidades Eclesiais de Base (CEB), as Comissões de Justiça e Paz, etc... Não visam dominar, elas visam servir melhor (HIPÓLITO, 1979, p. 15).


Diante disso, para os socialistas, durante anos circunscritos à clandestinidade e ao exílio, uma questão deveria ser esclarecida: o que são de fato essas comunidades católicas? D Hipólito esclare:

 

Comunidade: as pessoas se aproximam livremente, se sentem responsáveis, descobrem e atuam nos mais diversos elementos de interesse comum. Eclesial: o ponto de partida e de chegada, os elementos formadores e aglutinadores, os métodos de ação, etc, são os mesmos da Igreja. Base: a comunidade de base tem como princípio fundamental o relacionamento primário das pessoas: pessoas que se conhecem, que se estimam, se complementam, se ajudam mutuamente. Todos atuamos em nível de base. A CEB, embora não seja constituída para fazer política, tem de se preocupar com os problemas políticos e tem parte ativa no processo político. Tem a preocupação de integrar as pessoas da base no processo social, como direito/dever da pessoa humana, e de levá-la à participação consciente e crítica (1979, p. 15).


Foi essa visão das CEBs, fruto da reflexão teológica da práxis libertadora, que levou a uma aliança de parte da catolicidade com a formação do Partido dos Trabalhadores, conforme argumentava o bispo de Nova Iguaçu: 


Para participar do processo social, o Povo precisa de instrumentos válidos e eficientes. Entre esses instrumentos estão, por exemplo, os sindicatos e os partidos políticos. Os sindicatos devem ser órgãos de participação eficiente na defesa dos direitos dos seus sindicalizados. Estão a serviço dos trabalhadores como comunidade de trabalho que constrói a Pátria, e não a serviço de grupos do poder, de demagogos e pelegos. O Estado onipotente conseguiu, também no Brasil, corromper a filosofia dos sindicatos, reduzindo-os a instituições de beneficência e lazer. (...) Um partido trabalhista que corresponde realmente a uma grande corrente do pensamento popular, na classe dos trabalhadores será, mais cedo, ou mais tarde, uma necessidade imperiosa. (...) Mas um Partido Trabalhista que esteja entregue à liderança dos trabalhadores, e não seja manipulado por uma elite burguesa que deseja apenas conquistar o poder (HIPÓLITO, 1979, p. 15).


E se tal aliança é possível, está colocada a discussão das relações entre cristianismo e socialismo. E tem início uma aproximação entre católicos e socialistas que vai marcar a construção do pensamento desse novo partido. "Sem disfarçar as divergências em pontos fundamentais, podemos admitir uma luta comum por uma causa comum: a justiça social. Quero crer que sem o Cristianismo como pano de fundo, o Socialismo não se explica suficientemente. Muitos elementos do socialismo são de fato cristãos” (HIPÓLITO, 1979, p. 15).


Assim, para o bispo, a história da catolicidade é passível de críticas. Muitas vezes, suas opções e alianças com os grupos de poder fizeram com que se afastasse e dificultasse seu relacionamento com parte da população excluída de bens e possibilidades. Tal situação potencializou o distanciamento entre o cristianismo e o socialismo. Mas o socialismo erra quando nega a existência da base solidária e comunitária do ideal cristão. Assim, a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base possibilitaram, no contexto brasileiro, o diálogo e a aproximação necessários ao partido em construção. E os socialistas aprenderam a entender as contradições da hierarquia e a fazer alianças com os católicos: 


Qualquer que seja o resultado da reunião, a luta entre as tendências conservadoras da Igreja e os setores progressistas vai continuar. Ela não é um fenômeno apenas superestrutural, ela reflete um processo mais amplo de lutas sociais, e faz parte da movimentação política das massas latino-americanas, hoje num processo irreversível de construção de sua própria história. (...) Se os homens são aquilo que fazem, a Igreja está sendo aquilo que seus sacerdotes têm praticado. E essa prática de discussão e organização das bases de nossa sociedade nós precisamos compreender e avaliar (HIPÓLITO, 1979, p. 14-15).


Não somente a lutar juntos, a novidade é que começaram a pensar juntos, a pensar a catolicidade com seus acertos e desacertos. 


(...) se analisarmos o caminho da Igreja através de todos os seus documentos e o nível do seu comprometimento histórico, desde a encíclica “Rerum Novarum” do Papa Leão XIII, promulgada em l931, até o discurso do Papa João Paulo II em Monterrey, na sua chegada ao continente para a abertura da Conferência. Porém, até onde o comprometimento da Igreja chegou, não era possível acreditar numa meia-volta, e num retorno às omissões cúmplices com as classes dominantes. Daí que as interpretações, que viam em Puebla um plebiscito para a “teologia da libertação”, falharam totalmente. Há, sem dúvida, no interior da Igreja, a corrente simpática a um alinhamento direto com as classes dominantes, mas a grande maioria do episcopado presente no México sabe que as decisões do Medellín foram demasiadamente profundas para serem abolidas por um ato de vontade (MARIA, 1979, p.14). 


As contradições existiam, mas a questão era: será possível contar com um setor do catolicismo nesta construção de um partido de trabalhadores? Paulo J. Krischke (1979), na época exilado brasileiro que lecionava na Universidade Autônoma do México e era integrante do Latin American Research Unit, respondeu à pergunta mostrando que os socialistas não podiam descartar a possibilidade de que setores da hierarquia tentassem despolitizar as bases da igreja e esvaziar o projeto das CEBS.


(...) na medida em que o período atual de transição e conflitos abertos com o governo tiver sido superado. Porém, se tal superação realmente se concretizar, com a “volta dos militares aos quartéis, dificilmente se poderia exigir das bases da igreja mobilizadas politicamente, uma “volta dos cristãos à Igreja”, ou seja, unicamente para suas atividades religiosas... Como vimos em Gramsci, “uma concepção ativa do mundo” (ao contrário do fanatismo sectário de uma doutrina de segurança nacional) conduz necessariamente a uma expressão partidária e ao questionamento do poder, sempre que seja essa uma “religião historicamente necessária”, quer dizer, que corresponda ao desenvolvimento orgânico da sociedade. Além disso, o exercício das atividades internas da igreja não é incompatível com sua expressão exterior face a uma prática política pluralista. Antes (...) elas se reforçam mutuamente. Já vai longe o tempo em que a igreja podia aspirar a uma unidade monolítica, ou ao controle disciplinar da maioria da instituição eclesiástica. Assim, o surgimento de setores religiosos sensibilizados politicamente gera um potencial de atuação partidária, que pode ser canalizado tanto por orientações de esquerda, como de direita ou de centro, porém, principalmente por tendências terceiristas ou centristas, dadas as características da ideologia social-cristã e sua forte penetração recente entre a liderança e as bases da Igreja ( KRISCHKE, 1979, p.15).


Assim, socialistas e políticos de esquerda aprenderam a acompanhar com atenção o movimento pendular da hierarquia católica. Em análise de conjuntura no jornal Versus, escrevemos sobre a possibilidade de que a Igreja viesse a apoiar o novo partido, pois cada vez mais se distanciava da ideia de construir um partido democrata-cristão: 


(...) até agora os cardeais e bispos brasileiros têm-se pronunciado contra a formação de um partido ligado à Igreja. E há razões para isso. Primeiro porque a Igreja no Brasil não está coesa ideologicamente A corrente democrata-cristã vai desde um Franco Montoro até a um Nei Braga, desde um dom Paulo Arns ou um dom Hélder Câmara até a um dom Sigaud. E juntar tudo isso num único partido seria problemático. Além disso, há a experiência internacional, naqueles lugares onde a Igreja lançou partidos políticos e estes fracassaram cai também o prestígio da Igreja. O exemplo mais complicado dessa situação é a própria Itália, onde a Santa Sé não sabe como se livrar do peso que é o Partido Democrata Cristão. Por isso, a tendência maior é que a Igreja jogue no seu papel atemporal, e tenha elementos nos mais diferentes partidos. Aliás, é o que tem feito desde 1945: apresentar uma cara antiditatorial e democrática, sem lançar-se como opção política definida" (PINHEIRO, 1979d, p 28-32).


Dessa maneira, a teologia e sua práxis passaram a fazer parte das discussões da esquerda, que viu nas Comunidades Eclesiais de Base aquilo que lhe faltava, meios de chegar às massas empobrecidas do país. Ao mesmo tempo, as esquerdas descobriram que a massa de trabalhadores sindicalizados era católica e tinha ligações com as CEBs. Tais realidades eram indiscutíveis e possibilitaram não somente um diálogo entre católicos, uma minoria protestante, os sindicatos e as esquerdas, mas ações e mobilizações conjuntas que caminharam em direção à criação de um partido de classe. 


O estilo personalista de ditadores, de regimes e governos militares, foi chamado por Karl Marx de bonapartismo, em sua análise do golpe de estado de Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão. No 18 Brumário de Luís Bonaparte, Marx (MARX, ENGELS, 1981) analisa as intenções e razões do golpe, mostrando como, diante da crise de direção da burguesia, do acirramento das contradições sociais, e da crescente força do movimento de massas, a única saída para a burguesia era um governo forte, com base no aparelho militar, que se colocasse acima dos interesses imediatos de sua própria classe. Ou seja, surgia o governo de arbítrio, acima do Legislativo e do Judiciário (PINHEIRO, 1979a).


O conceito, enriquecido posteriormente por dois teóricos preocupados com a tendência ao surgimento de governos fortes no século 20, Antonio Gramsci e León Trotski, passou a fazer parte da terminologia da sociologia política. Gramsci para o mesmo conceito utilizará um sinônimo, cesarismo. Trotski arriscou uma previsão: a de que a tendência nos países dependentes e semicoloniais era a do surgimento de governos de tipo bonapartista, devido à própria fraqueza estrutural do capitalismo nesses países.


Um bonapartismo não é igual a outro. Não há dois governos bonapartistas inteiramente iguais, mas sempre terão características centrais semelhantes; a sua própria razão de existência será sempre uma aguda contradição e choque de classes e o debilitamento político da burguesia. Daí o papel das forças armadas, as restrições às liberdades e o surgimento de um Executivo que exerce o papel de juiz, de árbitro (PINHEIRO, 1979a). Nesse sentido, a partir de 1964, os governos militares brasileiros foram bonapartistas. Mas o bonapartismo de Geisel, possivelmente como o de Castelo Branco, foi o mais típico dos quatro, já que não somente arbitrou, mas equilibrou-se entre interesses distintos, às vezes fazendo acordos, às vezes golpeando. Por isso, nos deteremos em seu governo e estilo, por considerá-lo modelo do bonapartismo militar brasileiro e por nos dar condições de analisar o processo de conjunto do período militar. Assim, entendendo o estilo de Geisel como uma conseqüência, ao menos em parte, do momento histórico em que governou, podemos traçar um perfil do “estilo político” do bonapartismo militar brasileiro, sem perder de vista algo importante: desde o início seu governo tinha como meta criar as condições para uma abertura política no Brasil, sem, no entanto, desestabilizar o poder burguês. O presidente Ernesto Geisel foi o primeiro presidente do movimento de 1964 que exonerou um ministro do Exército. Também foi o primeiro a punir ostensivamente um general do Exército, Ednardo D´Ávila Mello, em janeiro de 1976. E mandou prender em 1978, um general – Hugo Abreu – que poucos meses antes tinha sido um de seus assessores mais chegados. Estes gestos sem precedentes indicavam um estilo de governar, que tem desnorteado analistas. Seu estilo é considerado, em geral, agressivo e personalista, e muitos militares sempre temeram que esses gestos pudessem colocar em risco a unidade corporativa das Forças Armadas, ou mesmo o regime de poder vigente no país. Mas essa interpretação era uma simplificação, já que não levava em conta as condições do momento, e o amplo leque de significações que cada gesto presidencial contém e produz. Em primeiro lugar, o general – dentro de sua meta de governo, desenvolvimento com segurança – sempre agiu em nome da hierarquia e da disciplina militar. Assim, combinando sua diretriz política de governo (a chamada distensão), as pressões sociais do momento e a estrutura hierárquica das Forças Armadas, podemos dizer que os generais Frota e d´Ávila Mello foram punidos por não adotarem a diretriz política do governo e por não cumprirem à risca, em suas áreas de responsabilidade, as ordens presidenciais (PINHEIRO, 1979a).


Como estamos a falar de um governo bonapartista e de um estilo bonapartista, aqui diretriz política de governo e diretriz presidencial se combinam. Aliás, esta é uma das chaves para entender o bonapartismo: ele destrói as estruturas da democracia burguesa substituindo-as pelo princípio do chefe, que norteia a conduta no interior das Forças Armadas. Assim, hierarquizada militarmente a sociedade civil, chega o momento em que governo e executivo, propriamente, se confundem. Do ponto de vista estritamente político, os gestos do presidente, ao punir homens da própria revolução, tinham uma significação mais ampla, pois pretendiam justamente mostrar que Geisel podia e devia transcender o regime, estar acima dele, e colocá-lo sob o controle de princípios que supunha desvirtuado na prática. Nesse sentido, o general Geisel é o primeiro presidente pós-64, desde Castelo Branco, que pretendeu falar não em nome do regime, apenas, mas da nação como um todo. Evidentemente, os generais presidentes anteriores também supunham falar em nome da nação. Mas devido à própria situação histórica, o momento os levou a esbarrar no jogo pendular entre direita e esquerda. Tinham limites estritos determinados, surgidos dos compromissos com setores específicos burgueses e dos acordos com a linha dura, o núcleo não castelista que se pretendia portador da legitimidade e intérprete da pureza revolucionária. Mas, se o bonapartismo, desde os primeiros anos da ditadura, 

assumira o controle das chaves dos cárceres e dos cofres, os partidos políticos estavam inertes, a atividade parlamentar resumira-se ao exercício de investigação dos limites do Congresso, e os empresários faziam seus negócios no varejo enquanto seus órgãos de classe banqueteavam o regime no atacado. Concluíra-se o processo de desmobilização da sociedade brasileira. De todas as instituições de âmbito nacional e tradição política só uma não coubera inteira no acerto: a Igreja (GASPARI, 2002, p.236).


É bem verdade que até 1967 ela marchou ao lado do regime, mas em nenhum momento entregou sua independência aos novos donos do poder.


"Como instituição a Igreja podia fazer muitas coisas, menos uma: dar a César sua própria desmobilização. Ao contrário do empresariado, do funcionalismo público civil e militar, dos partidos políticos e do Congresso, ela não precisava de remuneração terrena ou licença do governo para existir. Essa independência decorria de um patrimônio espiritual amarrado a conceitos de civilização que estavam sendo revogados no Brasil" (GASPARI, 2002, p.236).


Mas, essa aliança com o bonapartismo não traduzia a realidade de toda a igreja católica no Brasil. Uma mudança tivera início ainda na década de 1950. A doutrina social da igreja católica, que teve como ponto de partida Leão XIII, começou a tomar corpo no Brasil nos anos 50. É dessa época a fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB (1952), que teve Dom Hélder Câmara como seu primeiro secretário-geral; a reestruturação da Ação Católica, que englobava a Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Estudantil Católica (JEC) e a Juventude Universitária Católica (JUC), sob uma ênfase espiritual e evangelizadora.


Mas nos anos 60, a JUC engaja-se no processo político, rebela-se contra os bispos diocesanos e alia-se a organizações de esquerda não-católicas. Betinho, Herbert José de Souza, homem preocupado com a fome e a miséria no Brasil, por exemplo, em 1962 era líder da JUC e, no correr dos anos 60, transformou-se num dos expoentes da Ação Popular, um dos partidos políticos mais ativos de toda a esquerda, oriundo da JUC e da JOC. É interessante notar que em abril de 1962, a 5a Assembléia do Episcopado apoiou as reformas de base de João Goulart e, no ano seguinte, com base na encíclica Pacem in terris (1963), exigiu a participação das ‘massas populares’ no processo de desenvolvimento. Nos anos 63/64, três encíclicas eram discutidas dentro e fora da Igreja, e amplamente analisadas pela imprensa brasileira: Rerum novarum, de Leão XIII, Mater et magistra e Pacem in terris, as duas últimas de João XXIII. E foram elas que formaram a primeira base teórica da moderna esquerda cristã brasileira (PINHEIRO, 2001 a, p. 127).


Desde 1961, o clero católico estava dividido em três tendências: conservadora, reformista e revolucionária. A ala conservadora era liderada pelo cardeal dom Jaime Câmara, arcebispo do Rio de Janeiro, por dom Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre, e por dom Eugênio Sigaud, autor de Reforma Agrária, questão de consciência (SIGAUD, 1962). 


A ala reformista estava sob a direção do cardeal dom Carlos Carmelo Mota, arcebispo de São Paulo, de dom Hélder Câmara, bispo auxiliar do Rio de Janeiro e depois arcebispo de Olinda e Recife, de dom José Távora, arcebispo de Aracaju, e de dom Serafim, arcebispo de Natal. Aliados aos reformistas estavam os dominicanos e uma grande parte do clero secular, que procurava uma ligação maior com as organizações de classe e os sindicatos. Junto a eles, atuava a Ação Católica, que englobava a JEC/JUC e a Juventude Operária Católica. (...) O setor revolucionário era liderado por dom Jorge Marcos, bispo de Santo André, e por vários padres, entre os quais podemos citar Francisco Lage, de Belo Horizonte, Ruas, de Manaus, Almery e Senna, do Recife, Alípio de Freitas, que junto com Julião, dirigiu as Ligas Camponesas, Aloísio Guerra, autor de A Igreja está ao lado do povo?, frei Josaphat, diretor do jornal Brasil Urgente e dom Padim, assistente da Ação Católica. (...) Em 1961, quando esteve no Brasil, frei Cardonnel, intelectual dominicano francês, lançou as bases para a organização da esquerda católica. (...) Depois de oito meses no Brasil (afirmou Cordonnel), penso que o primeiro problema, o mais urgente, é a luta contra a miséria (...). Impugnar esta luta em nome do perigo comunista representa a pior das hipocrisias (SCHILLING, 1979, p.92,94,99).


Por causa de seu pronunciamento, foi mandado de volta à França, mas sua pregação deu origem à Ação Popular (PINHEIRO, 2001 a, p. 126). Em 1964, o golpe contra João Goulart se deu num momento em que ainda eram pequenas e frágeis as áreas da hierarquia católica sensibilizadas com as mobilizações populares. 


É consenso entre os historiadores que a hierarquia da Igreja desempenhou um papel fundamental na criação do clima ideológico favorável à intervenção militar, engajando-se na campanha anticomunista sustentada pelas elites conservadoras: contra a Reforma Agrária, contra os movimentos grevistas, contra as reivindicações dos sargentos, cabos e soldados das Forças Armadas, contra a aliança de cristãos e marxistas que começava a ocorrer nas entidades sindicais e estudantis (WRIGHT, ARNS, 1985, p.147).


Mas, sem dúvida, esta não era uma postura monolítica da Igreja católica, pois antes do golpe militar, bispos, sacerdotes e leigos apoiaram as Reformas de Base. E logo depois, ainda em 1964, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, num pronunciamento ambíguo, publicado pelo jornal carioca Correio da Manhã de 3 de junho daquele ano, procurou definir um certo distanciamento do novo regime.


Não há dúvida que a ação militar deve consolidar a vitória mediante o expurgo das causas da desordem. Entretanto, o critério da correção e os métodos a serem empregados na busca e no trato dos culpados, as medidas saneadoras e as penalidades não são atribuição da força como tal, mas de outros valores, sem os quais a força não passaria de arbitrariedade, de violência e tirania. Que os acusados tenham o sagrado direito de defesa e não se transformem em objeto de ódio ou de vindita. (...) Cumpre-nos declarar que não podemos concordar com a atitude de certos elementos que têm promovido mesquinhas hostilidades à Igreja, na pessoa de bispos, sacerdotes, militantes leigos e fiéis (GASPARI, 2002, p.237).


Mas é em 1968 que a Igreja vive o marco de sua virada contra o arbítrio, a repressão militar e as torturas. Este foi o ano das grandes mobilizações contra o regime e de feroz repressão militar. Foi o ano da decretação do Ato Institucional 5, mas ao mesmo tempo o ano em que tiveram início as primeiras experiências das Comunidades Eclesiais de Base. E, em fevereiro de 1969, através do documento Presença da Igreja, escrito por D. Jaime Câmara e aprovado pela CNBB, definitivamente a Igreja católica colocou-se na oposição ao bonapartismo.


"A situação institucionalizada no mês de dezembro último [refere-se ao AI-5] possibilita arbitrariedades, entre as quais a violação de direitos fundamentais, como o de defesa, de legítima expressão do pensamento e de informação: ameaça à dignidade da pessoa humana, de maneira física ou moral; institui poder que, em princípio, torna muito difícil o diálogo autêntico entre governantes e governados, e poderá levar muitos a uma perigosa clandestinidade” (PRANDINI, PETRUCCI, DALE, 1986, p.120). 


No correr do regime bonapartista, dezenas de padres e leigos católicos atuaram na oposição, quer através de entidades das sociedades civil e religiosas, quer integrados às organizações e partidos clandestinos de esquerda. Na contra-ofensiva, o regime sentiu-se livre para prender e torturar padres e leigos católicos. 


"Dos dois fenômenos, um era acessório e transitivo, pois nem todos os terroristas eram padres, muito menos se podia dizer que todos os padres simpatizassem com a esquerda, quanto mais com a esquerda armada. O segundo fenômeno era essencial e permanente: o regime fazia da tortura de presos um instrumento primordial de investigação e não pretendia mudar de posição" (GASPARI, 2002, p.267).


Situação esta que formatou nos anos de chumbo a solidariedade militante entre os cristãos e a esquerda brasileira. Ou, como mais tarde dirá Philip Potter, ex-Secretário-Geral do Conselho Mundial de Igrejas no prefácio do livro Brasil: Nunca Mais: "Foi este Jesus que falou aos seus discípulos, assim como a nós: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. E aquela verdade é conhecida e praticada quando se é justo e se afirma a dignidade de cada ser humano (WRIGHT, ARNS, 1985, p.19).


Podemos dizer, comparando o governo Geisel com o de Médici, que embora mantendo seu profundo conteúdo de classe burguês, o estilo bonapartista de Geisel não foi tão ideológico no sentido imediato do termo, já que não representou o setor militar comprometido com prescrições estritas, nem com grupos específicos da sociedade civil, mas com a estrutura capitalista da sociedade como um todo. Por isso seu governo foi mais complexo e contraditório e menos definido ideologicamente. Os gestos autoritários de Geisel não foram aleatórios, nem produto de um temperamento contraditório. Tudo indica que Geisel, e a inteligência técnico-militar que o rodeou, tinha metas a cumprir nos cinco anos de governo, e de acordo a cada momento foi elaborando as táticas aparentemente mais viáveis a cada situação. Podemos dizer também que Geisel (e Golbery, logicamente) tinha uma noção aguda do momento de transição vivido no país. E tentou levar a cabo a reabilitação de um programa político. Implementando-o à maneira bonapartista: acima dos partidos, das classes sociais e dos próprios grupos funcionais, militares e tecnocratas, que estiveram na gestão do Estado até aquele momento. Como toda estratégia bonapartista, a de Geisel visava à unidade nacional sob a hegemonia não contestada da burguesia. Esta estratégia durante o seu governo teve uma formulação política mais precisa, que era a de preparar o país para uma conciliação nacional. Conciliação esta supervisionada por seu sucessor – o general Figueiredo – e logicamente pelas Forças Armadas. A esta estratégia, Geisel foi acrescentando em momentos precisos uma tática bastante utilizada pelo bonapartismo: aquela que consiste em dar a todos a nítida impressão de que é vítima constante de fortes pressões vindas do interior da sociedade, às quais precisa antecipar-se ou enfrentar. São os shows bonapartistas montados especialmente e que permitem ao executivo manter o autoritarismo. Geisel, o mais político dos presidentes do movimento de 64, obteve certos êxitos com esta tática bonapartista. E a utilizou intensamente. Podemos citar alguns exemplos: o show montado ao redor da descoberta da gráfica do Partido Comunista, logo no início de seu governo (antes de completar um ano); o massacre da direção do Partido Comunista do Brasil; as cassações de parlamentares do MDB; o caso do general Sílvio Frota e outros militares e a repressão ao Movimento de Convergência Socialista (PINHEIRO, 1979a). Mas já no final de seu governo, quando uma nova etapa da história do Brasil se abria, principalmente a partir das mobilizações operárias e sindicais de 1978, esta tática começou a desgastar-se. Ela, ao contrário, causava um efeito inverso na sociedade. Já não atemorizava, mas incentivava. Isto porque o governo Geisel viveu dois períodos distintos: o antes e o depois de maio de 1978. E nem tudo que valia para março/abril de 1978 podia, por exemplo, ser aplicado em junho/julho do mesmo ano. Exemplo, a lei antigreve.


Assim, o bonapartismo de Geisel foi mais rico porque teve que dar respostas a um número de problemas sociais maiores do que seus antecessores e porque conseguiu fazê-lo sem ocasionar grandes e bruscas rupturas na estrutura autoritária do regime. 


Por ser bonapartista o regime, os militares e o governo que se sucederam a partir de 1964 formaram um todo. E nesse sentido, excluindo o governo de Vargas no período que vai de 1932 a 1943, eles foram os únicos que tentaram elaborar uma doutrina de conjunto, e para ser cumprida num longo período, para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Antes de pensar sobre a viabilidade desse projeto integrado de desenvolvimento, é importante analisar as bases sobre as quais se apoiou. A partir do material publicado pelos teóricos da Escola Superior de Guerra, conforme analisamos no jornal Versus (PINHEIRO, 1979), é possível tirar algumas conclusões: "Os militares consideraram que o movimento de 31 de março teve um caráter de revolução, que implicou num processo tríplice: a formação uma nova camada dirigente que teria como meta a destruição do pensamento tradicional, tanto ao nível político, como econômico" (PINHEIRO, 1979b). 


Tendo em vista a crise anterior a 1964, dos anos 1961-63, e levando em conta que para derrubar o governo de Goulart necessitaram do apoio dos setores tradicionais, que em termos estratégicos não mereciam nenhuma confiança, os militares passaram a se considerar reserva moral da nação e única alternativa de governo. Tomando sua aliança com os setores tradicionais ou oligárquicos como tática, tentaram excluí-los do processo político, sempre que estes se mostravam ousados ou como fator de aglutinação do descontentamento ou da oposição. 


É um reducionismo afirmar que o movimento de 31 de março foi a expressão da penetração do capital estrangeiro no Brasil. Embora o movimento tenha desde o primeiro momento se considerado como parte da geopolítica ocidental, ele considerou também que era possível o desenvolvimento a partir de uma acumulação da riqueza. Daí que a visão que teve foi exatamente inversa à defendida pelas correntes nacionalistas radicais de “que a dependência aumenta na proporção direta da entrada de divisas e investimentos transnacionais” (PINHEIRO, 1979b). Aclarando. Uma das teses econômicas defendidas pelos teóricos da Escola Superior de Guerra-ESG, ao nível da economia, foi que a entrada de capital estrangeiro pode gerar uma acumulação de riqueza, que se num primeiro momento apresenta-se como problemática, tende a produzir uma decolagem, ou seja, um processo gradual de desenvolvimento, a partir de certo grau de acumulação. Daí consideraram de secundária importância no processo geral da economia a questão da dívida externa. 


Levando em conta a impossibilidade de fazer crescer a economia em todos os seus itens, a política econômica da inteligência militar procurou criar o que eles chamaram de pólos de desenvolvimento, começando pelos setores de ponta, já que estes por realizar mais rápido a mais-valia atrairiam mais investimentos estrangeiros. Já ao nível do Estado começaram, ou continuaram, esta seria a expressão correta, a dar importância ao setor de bens de capital, mas desde que estivesse relacionado diretamente com o resto do parque industrial brasileiro. Ou seja, a política de substituição de importações nesse setor só passa a ser prioritária quando seus custos são menores ou iguais aos do competidor estrangeiro. O que pode parecer uma contradição com um plano geral de desenvolvimento, mas surgiu de um fenômeno concreto, a descapitalização da economia. Aqui também deve ser levada em consideração a política de construção de grandes obras, que junto à questão militar levou alguns economistas a verem características do modo de produção asiático no projeto militar, que esteve mais ligado à rápida realização da mais-valia do que à intenção de diminuir as tensões sociais geradas pelo desemprego, embora seja importante notar que algumas dessas grandes obras tiveram claro fim estratégico.


A teoria política desenvolvida pela ESG e sintetizada na Lei de Segurança Nacional mais do que expressar um fenômeno conjuntural de repressão mostrou que os militares acreditavam estar enfrentando de fato uma revolução (PINHEIRO, 1979b).


Mas, devido à internacionalização do capital e à interdependência da economia a nível mundial, é impossível um processo de desenvolvimento sem desequilíbrio, sem romper a relação estratificada entre os países industrializados e os países periféricos, ainda que esse desequilíbrio se dê dentro das margens do capitalismo. Ou seja, a acumulação do capital e de riqueza terá sempre um limite, caso se mantenha a sangria que representa o déficit do balanço de pagamentos e da dívida externa. E mesmo que se dê importância secundária a este fenômeno, o certo é que a sangria existe e é ela que funciona como um dos fatores de dependência e que torna impossível o desenvolvimento como meta integrada. A verdade é que o equilíbrio fracionado da situação mundial favoreceu naquele momento o projeto hegemônico brasileiro. De forma conjuntural, mas favoreceu. Em termos mais gerais e históricos, o pensamento militar, desenvolvido como teoria da ESG a partir principalmente de 1964, considerou que a liberdade deve estar condicionada aos ditames da razão segurança.


Esta é a lição dada por um dos teóricos da ESG, general Meira Matos, em palestra proferida em 1978 na Câmara Americana de Comércio para o Brasil, em Washington. Segundo o general: "O Brasil tem condições geopolíticas para emergir entre as grandes nações do mundo e se tornar um dos países mais importantes, uma potência em condições de influir nas decisões de ordem mundial".


Nesta frase estava sintetizado o projeto político-militar brasileiro. E uma leitura mais atenta do texto nos conduz à certeza de que o projeto de poder brasileiro incluía a construção de arsenal nuclear. A noção de potência capaz de “influir nas decisões de ordem mundial” estava vinculada à posse de armas nucleares e à capacidade de dispará-las. Poder mundial sem poder nuclear era visto como ficção num mundo dominado pelo conceito de soberania. Em decorrência, o general Meira Matos e toda a inteligência militar consideraram que a busca de status de potência conduz a mudanças e a conflitos nas relações tradicionais. 


Mas tudo tem o seu preço. E se no plano sul-americano o projeto do Brasil potência despertaria receios e reações, corridas ao poder militar pelos regimes militares, no plano interno o preço era a supressão da liberdade, pré-condição implícita na predominância da doutrina de segurança, tal como se depreende do pensamento do general Meira Matos. Ele próprio disse que a segurança é o ônus que o Brasil tem que pagar para “emergir entre as grandes nações do mundo”. 


Diante do bonapartismo militar, uma parte representativa do protestantismo histórico não se colocou na oposição ao regime, nem mesmo optou pela neutralidade, ao contrário, fez-se solidário. 

 

Em seu artigo “A Bíblia cativa, Cristo no céu e a igreja ausente”, de 1989, Mendonça cita o teólogo presbiteriano norte-americano Richard Shaull, ao falar da efetividade do sacerdócio universal dos crentes na oportunidade que os ativistas das Comunidades Eclesiais de Base tinham no exercício de seus dons:“ (...) os católicos romanos revivesceram uma das maiores ênfases da Reforma Protestante do século XVI e a estão agora pondo em prática de uma maneira que os protestantes nunca foram capazes de fazê-lo” (MENDONÇA, 1989, p.178).


Partindo da afirmação de Shaull, Mendonça explicava as causas da perda de espaço por parte das igrejas protestantes históricas para a Igreja católica e para as pentecostais como fruto de uma crise eclesiológica. Esta crise estaria decorrendo do vazio cristológico, do desajuste entre a história da salvação e o momento histórico, e da pressão ideológica oriunda do primeiro mundo e que realimentava essa defasagem histórica. E Mendonça afirmava: "O grande debate que se processa nas igrejas girando em torno das teses fundamentalistas contra o comunismo, (...) embora em linguagem teológica, não passa de teses ideológicas que se esforçam por desviar a atenção das igrejas das grandes massas desvalidas. A grande crise eclesiológica reside no fato de que as igrejas não estão se dando conta disso"” (MENDONÇA, 1989, p.181). 


Em nosso estudo, verificamos que a situação descrita por Mendonça remonta a processos históricos que tiveram origem nas próprias contradições do transplante do protestantismo para o Brasil. E que no correr do século XX, essas contradições se aprofundaram, consolidando tendências. Optamos, então, por analisar as raízes de uma das denominações protestantes, a batista brasileira, por acreditar que a partir dela, respeitados os diferentes modelos missionários, podemos entender melhor a opção do cristianismo protestante durante os anos do bonapartismo militar.  


A primeira igreja batista brasileira foi fundada em 1882 em Salvador, embora nessa época já existissem duas outras organizadas por sulistas norte-americanos, residentes na região de Santa Bárbara do D'Oeste e Americana, em São Paulo. Foram os casais de missionários norte-americanos Willian Buck Bagby e Anne Luther Bagby, e Zacharias Clay Taylor e Kate Stevens Crawford Taylor, que deram início ao movimento batista no Brasil. Iniciaram sua missão em Salvador, na Bahia. Chegaram ali no dia 31 de agosto de 1882 e no dia 15 de outubro, fundaram a primeira igreja batista brasileira com cinco membros: os dois casais de missionários norte-americanos e o ex-padre Antônio Teixeira. Essa origem, no entanto, remonta ao escravismo norte-americano, conforme analisa Elizete da Silva: 


A denominação Batista também foi atingida pelo divisionismo ocasionado pelas atitudes frente à escravidão. Em 1845, os batistas norte-americanos separaram-se conforme o posicionamento contra a escravidão. Organizou-se a Convenção Batista do sul para abrigar as igrejas que admitiam o trabalho escravo, representando delegações de oito estados do sul escravista. Foi a Convenção Batista do Sul dos EUA que estabeleceu a denominação Batista em solo brasileiro. (...) A guerra de Secessão, na década de 1860, concretamente demonstrou a divisão vigente na sociedade e no protestantismo norte-americano. "Nos Estados Livres, a ascensão dos evangélicos de mentalidade reformista tinha dado um novo sentido de direção e de propósito moral a uma classe média ascendente tentando se adaptar a uma nova economia de mercado. O Sul com seus degredados trabalhadores cativos e seus brancos pobres e preguiçosos - parecia estar, para a maioria dos nortistas, num processo de violação flagrante da ética trabalhista protestante e do ideal da concorrência aberta” (2003, p.11). 


Após a derrota do sul, muitos confederados, inclusive ex-combatentes, vieram tentar a sorte no Brasil, especialmente em São Paulo. A relação entre a religião e a vida política, para os agentes da imigração norte-americana para o Brasil era olhada de forma maneira bastante estreita, já que parte deles, pastores protestantes, a exemplo do Rev. B. Dunn, via o país como uma nova Canaã, a terra prometida onde os confederados derrotados poderiam reconstruir suas vidas, seus lares e suas propriedades, incluindo a mão-de-obra escrava. Em seu livro Brazil, The Home for Southieners, Dunn apresentou o país dessa maneira, o que ajudou os sulistas olharem o Brasil como uma alternativa segura. O médico M. F. Gaston, por exemplo, veterano do Exército Confederado e originário da Carolina do Sul, que escreveu Hunting a Home in Brazil, faz no livro um relato minucioso das vantagens que os sulistas encontrariam aqui. O sudeste brasileiro, com terras quase virgens, era apresentado como possibilidade para bons empreendimentos. Ele disse, após ter visitado as terras da região de Campinas, que 

as vantagens para o cultivo do algodão nessa região dão-lhe primazia sobre a parte meridional dos Estados Unidos. O elemento adicional do trabalho escravo está aqui apto a trazer resultados que não podem ser assegurados pelo trabalho assalariado nos Estados Sulistas; e tão logo os negros se tenham familiarizado com o modo adequado de trabalhar o algodão, poderemos antecipar uma produção excedendo a qualquer uma que já tenha sido realizada nos Estados Unidos (STEIN, 1968, p.49). 


A propaganda desses agentes da imigração surtiu efeito: cerca de dois mil e quinhentos sulistas se deslocaram para São Paulo. A esperança de encontrar terras em abundância com mão-de-obra escrava mobilizou famílias inteiras. E assim chegaram as primeiras famílias batistas à colônia de Santa Bárbara D’Oeste. Porém, nem todos os batistas aqui chegados eram favoráveis à escravidão. Na verdade, os batistas tiveram duas atitudes frente à ela: os primeiros colonos eram favoráveis e foram proprietários de escravos. Já os missionários e os batistas brasileiros em geral, após a abolição, em 1888, condenaram o escravismo como incompatível com a fé cristã. Essas diferentes atitudes demonstram as dificuldades que tinham para tratar do assunto. Em Santa Bárbara D’Oeste, primeiro núcleo batista, o trabalho escravo existiu como mão-de-obra usada na agricultura e em tarefas domésticas. Os colonos batistas eram senhores de escravos, a exemplo da senhora Ellis, dona de um sítio e que providenciara hospedagem nos primeiros meses ao casal de missionários W. Bagby, fundador da Primeira Igreja Batista do Brasil. Conforme o diário da senhora Bagby, “depois de dormir uma noite na capital paulista, os missionários tomaram o trem para Santa Bárbara, onde chegaram sob forte aguaceiro. Na estação os aguardavam os enviados da senhora Ellis, com dois cavalos e um escravo, para carregar a bagagem. A estrada até o sítio estava bem lamacenta mas ao chegar, foram carinhosamente recebidos” (MATHEWS, 1972, p.24).


Conforme conta Crabtree, a Junta de Richmond, nos EUA, ao avaliar, em 1859, as possibilidades de envio de missionários para o Brasil, admitiu que havia similaridades entre os dois países e uma vantagem que deixaria os missionários norte-americanos bem aclimatados em terras brasileiras, o fato de, em ambos os países, haver escravidão: “o Brasil era como os Estados Unidos, tem escravos e os missionários enviados pela Convenção Batista do Sul não podiam sentir-se constrangidos a combater a escravatura e assim envolver-se na política do país”( CRABTREE, 1962, p. 58). E o missiólogo batista Donaldo Price confirma as razões de tal escolha: "Os primeiros batistas que aqui chegaram, chegaram como imigrantes, não como missionários. Chegaram depois da derrota sulista na guerra entre os estados, ou a guerra civil norte americana. E queriam vir para uma nação que ainda tivesse escravatura, assim escolheram o Brasil"(2001, p.39). 


Mas, se a Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos trouxe para o Brasil uma tradição conservadora, há uma outra matriz, liberal, no pensamento batista que remonta às suas origens inglesas. (...) "desde os primórdios do protestantismo no Brasil, seus seguidores estiveram associados a movimentos liberais, os quais favoreceram sua radicação. Há, portanto, entre o liberalismo brasileiro e o protestantismo uma afinidade de propósitos em muitos pontos" (AZEVEDO, 1996, p.302). 


As pressões conservadoras, no entanto, tornaram-se permanentes no pensamento batista do sul dos Estados Unidos, no correr do século XIX, com a adesão à doutrina da exclusividade batista em termos de fidelidade neotestamentária, que ficou conhecida como landmarquismo. Assim, apesar de sua origem liberal e de seu passado de lutas em favor das liberdades civis, democráticas e do cidadão na Inglaterra e nas colônias norte-americanas nos séculos XVII e XVIII, as igrejas batistas do sul dos Estados Unidos, no século XIX, acabaram cedendo às pressões do landmarquismo, fundamentando o pensamento conservador dentro das igrejas ligadas à Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos. E foi a existência e permanência desse paradoxo, pensamento landmarquista, conservador e fundamentalista e pensamento democrático e liberal que possibilitou o diálogo entre a igreja batista brasileira e o bonapartismo militar. E essa convergência aconteceu a partir da postura e ações dos batistas brasileiros em relação à presença dos Estados Unidos (AZEVEDO, 1996). Pelas páginas do Jornal Batista evidencia-se que aquele país foi apresentado como um modelo político e religioso para a América Latina. A outra América era tratada como um novo Israel, com papel especial no plano de Deus para a história global, em função de sua formação protestante. A partir daí as relações entre os dois países devem ser incrementadas (AZEVEDO, 1996). Assim, o pensamento batista brasileiro, expresso em órgãos como O Jornal Batista não traduziu apenas o liberalismo inglês do século XVII. Ao receber uma influência direta dos batistas do sul dos Estados Unidos, miscigenou-se e gerou o que chamamos de pensamento liberal-conservador. Mesquida (1994) explica esta dialética que uniu a educação protestante de origem missionária à sociedade brasileira no final do século XIX e no correr da primeira metade do século XX, a partir de quatro hipóteses: (1) do desejo das elites liberais do sudeste brasileiro de se aproximarem dos Estados Unidos e de imitarem seu modelo político, econômico e cultural; (2) do interesse norte-americano de exercer hegemonia cultural, econômica e política no Brasil; (3) do fato de que a maçonaria contribuiu para a implantação dos protestantes no Brasil; (4) devido à desestruturação da sociedade brasileira nos últimos trinta anos do século XIX, fato que ofereceu oportunidade a atores sociais internos e externos de minar a ordem econômica, política e social. Estas contradições, que construíram o pensamento liberal de viés conservador do protestantismo batista, são analisadas por Martins (1992). Segundo a pesquisadora, 

a inter-relação entre o social e o religioso, durante os anos 70 e 80, nas igrejas batistas de Ribeirão Preto mostra que a população pesquisada percebe, de modo geral, a ausência de alterações no aspecto doutrinário (estritamente religioso), poucas e superficiais alterações adaptativas no aspecto estrutural e orgânico, e muitas decorrentes de alterações sócio-culturais observadas na membresia. (...) A percepção da secularização se evidencia pela disponibilidade entre liderança religiosa e membresia. Esta disparidade decorre da postura individualista da membresia na busca do atendimento de suas necessidades religiosas e materiais, rejeitando a ação política como forma de atendimento dessas necessidades. A liderança religiosa, por outro lado, vê no atendimento das necessidades materiais e/ou religiosas da membresia a possibilidade de ação política independentemente do momento de crise que deve ser o responsável pela rejeição sócio-política encontrada na membresia (MARTINS, 1992, p. IV).


A pesquisa realizada em Ribeirão Preto oferece elementos para entender o perfil do pensamento batista brasileiro nos anos 70 e 80. Nada muda em relação à eclesiologia e à doutrina, mas no nível das relações sociopolíticas, ao mesmo tempo em que à membresia é oferecido um discurso de afastamento da ação política, os dirigentes da igreja batista mantêm um estrito vínculo com o poder bonapartista. Assim, os batistas brasileiros, a partir das contradições inerentes ao seu próprio pensamento político, de matriz liberal-conservadora, caminharam para a realização de uma aliança não explicita com o bonapartismo militar, a partir de suas relações históricas e ideais com os Estados Unidos (AZEVEDO, 1996).  Mas este não foi um processo linear. Antes do golpe militar de 1964, setores da igreja batista traduziam seu liberalismo a partir de uma leitura do evangelho social, proposto por pensadores batistas norte-americanos como Rauschenbusch. Afirma Burity: 


A despeito de serem os batistas historicamente arredios aos posicionamentos político-ideológicos, foi dentre eles que surgiu uma das mais concretas demonstrações de como os protestantes liam a realidade brasileira. Trata-se do Manifesto dos Ministros (MM), apresentado à nação brasileira e à denominação Batista em particular, em setembro de 1963, publicado no jornal denominacional, O Jornal Batista, e na revista da mocidade, Juventude Batista, assinado pela Ordem dos Ministros Batistas do Brasil (OMBB) (1988, p.27). 


No Manifesto publicado pelo O Jornal Batista em 14 de setembro de 1963 (REIS PEREIRA et al.,1963) a Ordem dos Ministros Batistas do Brasil, entidade que congregava os pastores que serviam às igrejas da Convenção Batista Brasileira, em assembléia geral, realizada em Vitória, apresentou uma proposta que traduzia anseios diante do imperativo social vivido pela nação. É certo que tal Manifesto não refletiu o conjunto dos batistas brasileiros, pois, conforme analisa Burity, 

para a estrutura organizacional dos batistas, rigorosamente falando, não há nenhuma fala representativa do conjunto dos membros das igrejas, pelo fato de não haver o peso de um colegiado superior, como ocorre em denominações como a Metodista, a Presbiteriana, a Luterana, etc. Teoricamente, cada congregação é autônoma e vincula-se à Convenção Batista Brasileira sem ser a ela submetida. Trata-se de uma federação de igrejas. Um pronunciamento em nome da denominação só é possível por delegação explícita de poder para tal através da Convenção, reunida em assembléia (1988, p.33). 


Mas, sem dúvida, expressou sentimentos de parte de sua liderança. Por sua importância para o estudo das contradições internas do pensamento batista brasileiro diante do bonapartismo militar, consideramos importante apresentar aqui trechos do documento.


Reconhecemos ser um privilégio dos batistas brasileiros a infindável responsabilidade de contribuir não somente para a solução dos problemas que no momento assoberbam o nosso povo, como também para a determinação do seu destino histórico. Não o afirmamos apenas porque sejamos uma parcela apreciável desse mesmo povo, mas porque entendemos ser essa participação inerente à missão de “sal da terra e luz do mundo”, que o Senhor mesmo nos outorgou. (...) Entenderam-no assim também Guilherme Carey, o pai das missões modernas e corajoso batalhador contra o sistema das castas na Índia, Roger Williams, o pioneiro da liberdade religiosa em nosso continente, Walter Rauschenbusch, o arauto das implicações sociais do Evangelho, Martin Luther King Jr., o campeão da luta pelos direitos da minoria negra oprimida, e tantos outros batistas ilustres através dos tempos (REIS PEREIRA et al., 1963, primeira página).


No Manifesto, os pastores batistas, embora dissessem reconhecer a importância e o significado das instituições, afirmavam que a legitimidade de qualquer regime, sistema ou instituição, está condicionada às possibilidades que criam para a plena realização da pessoa e de sua humanidade. Dessa maneira, se apresentaram como defensores da liberdade em todas as suas formas de expressão: liberdade de consciência, de religião, de imprensa, de associação, de locomoção, bem como da autodeterminação dos povos, desde que livremente manifesta. Para eles, tais concepções de direitos e deveres da pessoa humana estavam presentes na Constituição Federal de 1946, na carta das Nações Unidas e na Declaração dos Direitos Humanos, e deveriam ser universalmente aplicados, de maneira “a banir da face da terra a exploração do homem pelo homem ou pelo Estado, em qualquer das suas formas, e os totalitarismos de toda espécie, assegurando-se a prática da verdadeira democracia” (REIS PEREIRA et al., 1963, primeira página).


Os pastores signatários do Manifesto alertaram a denominação Batista e, por extensão, a nação, para a inadequação da estrutura social, política e econômica do país e sugeriram a necessidade de um exame objetivo da realidade brasileira, com a finalidade de reestruturação da sociedade em moldes que possibilitassem o atendimento das aspirações e necessidades do povo. 

Essa necessidade ressalta da verificação (...) da irracional aplicação dos recursos públicos, que deveriam antes se destinar, mais liberalmente, aos ministérios da Saúde, Educação e Agricultura, para a solução de problemas sociais angustiantes; da sobrevivência de regimes feudais de propriedade e exploração da terra; da generalizada pobreza das populações carecentes do alimento indispensável à sobrevivência; da injustiça na distribuição das riquezas e da utilização destas para o cerceamento das liberdades essenciais; da inadequada exploração das nossas riquezas naturais, cujo aproveitamento não só deveríamos intensificar, como fazer revestir-se de significação social; do crescente empobrecimento do patrimônio nacional pela remessa para o exterior dos lucros extraordinários auferidos em nosso país; da corrupção que tem campeado nos pleitos eleitorais, na prática policial (quer preventiva, quer corretiva), na previdência social, no preenchimento de cargos públicos, na aplicação dos recursos sindicais, etc. (REIS PEREIRA et al., 1963, primeira página).


Condenaram, ainda, a repressão policial aos movimentos populares da cidade e do campo, que deveriam antes que nada ser “carinhosamente estudados para que viessem a ser orientados construtivamente para o bem geral, através do atendimento das suas justas reivindicações”, como também aos “movimentos de greve, que se constituem em instrumento legítimo de reivindicação social e de preservação dos direitos dos trabalhadores” (REIS PEREIRA et al., 1963, primeira página). E, traduzindo um anseio de parte do povo brasileiro, defenderam a realização de reformas de base, que foram assim nominadas: 


a) reforma agrária, que venha atender às reivindicações do homem do campo explorado; b) reforma eleitoral, que venha liquidar as circunstâncias que possibilitam e estimulam os nossos maus costumes políticos; c) reforma administrativa, que ponha termo ao nepotismo, ao filhotismo e à ineficiência tão generalizada quanto onerosa dos serviços públicos; d) reforma da previdência social, que venha pôr em funcionamento as nossas leis sociais com o pleno reconhecimento e o efetivo atendimento dos direitos dos que trabalham” (REIS PEREIRA et al., 1963, primeira página).


Mas as pressões contra o pensamento liberal de esquerda expresso no Manifesto dos Ministros batistas, tanto externas como internas, foram fortes e cresceram dentro da denominação os setores que faziam a leitura conservadora do liberalismo batista. E assim, os batistas foram girando à direita e lançaram uma Campanha Nacional de Evangelização que teve claros argumentos políticos para sua organização: "a urgência dessa hora requer uma cruzada nessas proporções. As crises na atual conjuntura nacional e mundial exigem uma mobilização total e apressada de todas nossas forças" (BELL, 1963).


A discussão política tornou-se acalorada dentro do Jornal Batista. Os setores conservadores, alinhados com a oposição ao governo de João Goulart, ganharam espaço e expressão. Assim, discutiu-se até se Jesus foi revolucionário ou reacionário: 


Se temos o Novo Testamento por regra de fé e prática e a Jesus como nosso exemplo, por que, como ele, não nos colocamos acima das paixões políticas? Estamos como igrejas tentando diretamente influenciar na política e isto Jesus não fez! Na suposição de estarmos sendo influenciados pelo Velho Testamento, cabe então dizer que até agora a nossa mensagem não está sendo dirigida nem ouvida pelos opressores, mas pelos oprimidos. Estamos colocando em suas bocas termos de reivindicações sociais, protestos pelas injustiças, semeando ódio e discórdias. Falamos aos crentes que se assentam nos toscos bancos de nossas igrejas, na sua quase totalidade paupérrimos e sem qualquer influência na administração pública. Isto Amós não fez; nem Paulo! Onde então a fonte de nossa inspiração revolucionária? (RANGEL, 1963, p.8).


E o jornal lançou um apelo ao povo brasileiro, afirmando que sombras se estendiam sobre a vida política brasileira e que a hora era incerta. E diante disso, perguntava “como pode Deus nos abençoar enquanto falamos de revolução sangrenta e nos preparamos para matar nosso vizinho, amigo, e colega, e até o nosso irmão se for necessário, para estabelecer a só chamada justiça social?” (GIANNETA, 1963, p.8). E o pensamento batista foi-se atrelando à pregação feita pelos teóricos da Guerra Fria. Num artigo sobre o comunismo, Natanael Rangel, um dos mais expressivos articulistas de O Jornal Batista na época, dizia: 


Em 1903 Lenine fundou o movimento conhecido como bolchevismo com o apoio de dezessete companheiros. No ano de 1917, o mesmo Lenine conquistou a Rússia com um partido de aproximadamente 40 mil membros. Por volta de 1959 o partido de Lenine havia conquistado um bilhão de pessoas. Em uma geração o comunismo ateu arrebanhou para a esfera sob seu controle mais de um terço da população do mundo. Há hoje no mundo cinco crianças aprendendo nas escolas pormenores sobre o comunismo ateu, para cada criança recebendo quaisquer ensinamentos, seja onde for, a respeito de Cristo. Tais fatos são atemorizantes, mas inelutavelmente verdadeiros, é o que revela o Dr. Fred Schwarz em “Você pode confiar nos comunistas”, livro que a crítica vem consagrando como um dos mais completos e mais perfeitos sobre o comunismo. Para o Dr. Schwarz, batista de convicção, o comunismo não é apenas um sistema político e um sistema econômico mas também uma filosofia de vida que se opõe a todo e qualquer sistema religioso. Vale a pena ler “Você pode confiar nos comunistas”, à venda na Casa Publicadora Batista por apenas Cr$330,00. (RANGEL, 1963a, p.8). 


E aqueles que defendiam o Evangelho social, principalmente os estudantes universitários, passaram a ser tachados de comunistas. 


Dou logo nome aos bois. Trata-se dos agentes internos e externos da União Cristã de Estudantes do Brasil, particularmente de suas células acadêmicas – as associações cristãs acadêmicas. Aquilo que em 1927 era uma União de Estudantes para o trabalho de Cristo, hoje não passa de mais um órgão bem disfarçado do Comunismo Internacional. (...) Aí começa o chavão comunista. Condena-se a manutenção do estado atual e mobiliza-se a juventude para a luta contra a exploração e a miséria. Ninguém poderá ser neutro e ficar do lado da democracia e da livre iniciativa. A mocidade deve levantar-se contra os esquemas estruturais importados, isto é: contra os Estados Unidos da América do Norte. O que se pretende é retirar os jovens de nossas igrejas locais, para lança-los nas mãos dos agitadores comunistas. E a isto se dá o nome de “testemunho cristão”. Uma obra perniciosa. Lobo sob manto de ovelha. Já é tempo de desmascarar o embuste comunista da UCEB (LIMA, 1964, p.4). 


Mas da mesma maneira que inimigos externos foram atacados, inimigos internos eram descobertos e denunciados. O que obrigou até mesmo à Comissão de Ação Social da Convenção Batista ter de explicar que não apoiava a revolução. Na reunião de seu quorum local, realizada a 14 de dezembro de 1963, a Comissão de Ação Social da Convenção Batista Brasileira tomou conhecimento das considerações feitas pelo pastor Delcyr de Souza Lima em artigo intitulado “Rabo de Foguete”: 


Como bem se poderá verificar pelo texto gravado (e que será proximamente impresso), nunca falou o pastor Dr. Lauro Bretones de evangelho importado, ou usou qualquer expressão que honestamente pudesse justificar a idéia de que se pretende atrelar a Igreja à Revolução. (...) pela sua grosseria e pelo seu absurdo deixamos de comentar, embora a repilamos com veemência, a insinuação de que atuamos no seio da Denominação com o mesmo espírito, métodos e propósitos dos agitadores comunistas. Confiamos na nobreza e na inteligência de nossos irmãos. E prosseguimos, olhos postos na gloriosa visão do Reino de Deus! Pela Comissão de ação Social, Hélcio da Silva Lessa, relator (LIMA, 1964, p.4).


Veio o golpe e os batistas brasileiros construíram um profícuo relacionamento com o bonapartismo militar. E o Manifesto dos Ministros batistas passou a ser visto como demonstração de não ortodoxia, pois se articulara com o pensamento liberal de esquerda. Uma demonstração de como o texto foi percebido pela corrente crescentemente hegemônica entre os batistas brasileiros foi o editorial de O Jornal Batista do dia cinco, assim como o do dia 12 de abril de 1964, em que o presidente da Ordem dos Ministros batistas, José dos Reis Pereira, procura desmontar a argumentação do Manifesto, ele que tinha sido um de seus signatários (REILY, 1984).


Segundo o reverendo Jaime Wright tal postura de alinhamento com os militares tinha uma lógica, a de que os evangélicos, de um modo geral, sempre aspiraram a uma rápida ascensão econômica e social. E com o golpe militar deram-se as condições para esta ascensão social. E, por isso, em 1964, os evangélicos foram os primeiros a apoiar o golpe. 


"No centro de São Paulo, vi constrangido do meu escritório um grupo de estudantes do Mackenzie saindo às ruas no dia dois de abril dando vivas à revolução". 


"Em todos os setores da repressão que visitei sempre encontrei evangélicos (...). O chefe do SNI (extinto Serviço Nacional de Informações) em São Paulo era um presbítero. O chefe do CIE (Centro de Informações, hoje Centro de Inteligência do Exército) era um presbiteriano. (...) Certa vez, o diretor do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), em São Paulo, me disse que a repressão não estava preocupada com protestantes de modo geral, mas com os católicos. ´Os protestantes trazem seus probleminhas e ficamos sabendo de tudo´, disse-me o diretor". 


Azevedo (1996) afirma que a celebração do indivíduo, no pensamento protestante em geral e do protestantismo batista em particular, é uma resposta moderna ao problema do lugar do ser humano na sociedade. 


"No entanto, esta resposta convive com valores pré-modernos. Entre os batistas, a autonomia (rejeição a qualquer axiologia de origem exterior e transcendente) convive com a teonomia e mesmo com a eclesiologia" (AZEVEDO, 1996, p.309).


Esses valores facilitaram o alinhamento da igreja batista brasileira ao pensamento bonapartista militar. Tal alinhamento consolidou-se a partir de duas matrizes presentes na formação dos batistas brasileiros: uma de origem liberal e outra conservadora, a ideologia salvacionista, expressão teológica do landmarquismo, que se fortaleceu diante das pressões do imperialismo e da Guerra Fria. Tal realidade levou parte expressiva dos pastores batistas e por extensão da denominação a reafirmarem esses conteúdos conservadores e optarem por uma práxis solidária com o regime bonapartista. Esse posicionamento foi reforçado por contradições internas da denominação, não resolvidas nas décadas anteriores, que são as do permanente choque entre a ideologia salvacionista e a teologia do evangelho social. 


Apesar da aparente neutralidade e omissão diante da repressão, torturas e arbitrariedades do regime, seria um erro uniformizar a atuação de batistas e protestantes. Sem negar o apoio dado ao regime militar bonapartista, é necessário ver que tal fenômeno não era monolítico e isento de contradições. Ou como explica Freston (1998): 


O protestantismo como baluarte da ditadura. Nessa fase, a sociologia do protestantismo é dominada por brasileiros de origem protestante, mas rompidos com suas igrejas. Escrevendo durante o regime militar, sua produção salientava a alienação protestante. (...) Enquanto a Igreja Católica no Brasil se transformou em defensora da democracia, as igrejas protestantes passaram a ser vistas como baluartes do regime. No título de uma obra do período, a associação já não era protestantismo e democracia, mas Protestantismo e Repressão .


Dessa maneira, como afirmou Mendonça (1989), os católicos durante o governo militar, não sem contradições internas, reviveram uma das ênfases da Reforma Protestante do século XVI, o sacerdócio universal dos crentes através da ação militante e evangelizadora das Comunidades Eclesiais de Base, opondo-se ao autoritarismo do regime militar bonapartista. Em contrapartida, os protestantes históricos, com exceções, conforme nota Freston (1998), perderam-se na heteronomia, o que os levou à perda de espaço diante da Igreja católica e das igrejas pentecostais. Esta crise foi vivida pela igreja batista brasileira. Mas, depois de 1985, com a queda do regime militar, as igrejas históricas, e a Batista em particular, procuraram posicionar-se diante da democratização do país, conforme transparece na seção “A Autocrítica” em Rumo e Prumo


“O trabalho de nossas igrejas e de nossa denominação precisa de frequente avaliação, a fim de evitar a esterilidade do tradicionalismo. Isso especialmente se torna necessário na área de métodos, mas também se aplica aos princípios e práticas históricas em sua relação à contemporânea” (CBESP, OPBB-SP, 2004-2005, p.20)


Dessa maneira, nessa era de revolução e transformações sociais, a Igreja católica construiu uma doutrina social que partiu do princípio da vida. Seu critério de justiça de qualquer política passou a ser, então, o grau de defesa que ela faz da vida humana, se favorece a dignidade e respeita os direitos humanos. Este princípio norteia o catolicismo social com respeito à guerra, à paz e à vida social. Outro princípio é o da solidariedade, visto como normativo da possibilidade de um mundo novo, já que é expressão moral de interdependência, não importa quais sejam as diferenças de raça, nacionalidade, ou poder econômico. E um terceiro é o da opção preferencial pelos pobres, no sentido de que os excluídos têm o primeiro direito de reivindicação perante as práticas humanas. 


À essa leitura do catolicismo social juntou-se o Evangelho social dos protestantes europeus e norte-americanos, a partir da leitura bíblica da responsabilidade social e do socialismo utópico. A ação combinada, mas desigual em ações e tempos, dessas duas visões levaram ao cristianismo social, que se expressou enquanto Teologia da Libertação na América Latina e, no Brasil, também através de movimentos organizados pela base, que vieram a influenciar o pensamento socialista no Partido dos Trabalhadores. É importante ressaltar que os protestantes históricos no correr do regime militar, com exceções, perderam-se na heteronomia, mas que, depois de 1985, essas igrejas, e a Batista em particular, posicionaram-se diante da democratização do país, levantando o princípio protestante da autonomia e o princípio democrático da liberdade política, afirmando que as igrejas têm que aceitar a responsabilidade da autocrítica, pois é prejudicial negar às pessoas o direito de discordar, ou considerar que os métodos das igrejas são perfeitos.


Assim, a teologia e sua ação fizeram parte das discussões da esquerda brasileira, que viu nas Comunidades Eclesiais de Base aquilo que lhes faltava, meios de chegar às massas. Ao mesmo tempo, as esquerdas descobriram que os trabalhadores sindicalizados eram católicos e tinham ligações com as CEBs. Tais realidades possibilitaram um diálogo entre católicos, setores protestantes, os sindicatos e as esquerdas, mas também ações e mobilizações conjuntas que levaram na direção da criação de um partido de classe. 



Capítulo Quatro 

O espectro do vermelho



O processo que envolveu objetivamente os socialistas democráticos, as esquerdas e o cristianismo social na resistência à ditadura e, depois, na onda de mobilizações sociais no final do regime militar, desembocou no apoio às greves e aos movimentos sindicais surgidos a partir de 1978. Mas para entender esse processo é necessário analisar a força das mobilizações e as ações das lideranças sindicais. Alguns momentos desse processo foram marcantes para a história recente do país, pois colocaram na ordem do dia, para milhões de pessoas, a discussão de novas alternativas sociais e políticas e a possibilidade de construção de uma sociedade socialista. É o que veremos ao analisarmos o socialismo no PT.


No dia 24 de janeiro de 1979, no IX Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos, Mecânicos e de Material Elétrico do Estado de São Paulo, na cidade de Lins (SP), foi aprovado pelos presentes um documento que afirmava que 

enquanto vivermos sob o capitalismo, este sistema terá como fim último o lucro, e para atingi-lo utiliza todos os meios: da exploração desumana de homens, mulheres e crianças até a implantação de ditaduras sangrentas para manter a exploração. Enquanto estiver sob qualquer tipo de governo de patrões, a luta por melhores salários, por condições dignas de vida e de trabalho, justas a quem constrói todas as riquezas que existe neste País, estará colocada na ordem do dia a luta política e a necessidade da conquista do poder político (“Tese Santo André-Lins” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 47-48). 


Este texto, que mais tarde ficou conhecido como a Tese de Santo André-Lins, foi o primeiro documento do Partido dos Trabalhadores.


O texto, que faz uma crítica do regime militar, então vigente no país, afirmava que o regime começava a se mostrar, para seus próprios mentores, como uma forma inviável de “os patrões continuarem a explorar a imensa maioria da população brasileira” (“Tese Santo André-Lins” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 47). Por isso, as aberturas democráticas que se delineavam não representavam o fim da exploração, ao contrário, “os ditadores tentarão utilizar novas formas de acaudilhar os trabalhadores para seus projetos políticos” (“Tese Santo André-Lins” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 47). Colocava-se então, na ordem do dia, a construção de um instrumento de luta pela conquista do poder político. E para viabilizar esta conquista do poder político, já que era hora dos trabalhadores tomarem em suas mãos as lutas pelas questões que angustiavam a população brasileira, como a anistia ampla, geral e irrestrita, a Assembléia Constituinte, democrática, livre e soberana, a reforma agrária e a liberdade partidária, os operários reunidos em Lins propunham o lançamento de manifesto “por este congresso, chamando todos os trabalhadores brasileiros a se unificarem na construção de seu partido, o Partido dos Trabalhadores” (“Tese Santo André-Lins” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 48).


E definia o futuro partido como de todos os trabalhadores da cidade e do campo, sem patrões, um partido que fosse regido por uma democracia interna, respeitasse a democracia operária, pois só com um amplo debate sobre todas as questões, com todos os militantes, é que se chegaria à conclusão do que fazer e como fazer. Não seria um partido eleitoreiro, que simplesmente elegesse representantes na Assembléia, Câmara e Senado, mas seria um partido que organizasse e mobilizasse os trabalhadores na luta por suas reivindicações e pela construção de uma sociedade justa, sem explorados e exploradores. Assim o congresso elegeu uma comissão para redigir um manifesto chamando os trabalhadores brasileiros à construção do Partido dos Trabalhadores. Essa proposta de um Partido dos Trabalhadores foi fruto da crescente mobilização social que o país começou a viver a partir de 1977, quando os estudantes saíram às ruas clamando por liberdades democráticas e cantando “Vai acabar, vai acabar, a ditadura militar!” Nessa época, moradores dos bairros organizavam-se em associações para exigir saneamento, asfalto, transporte, escolas. Donas de casa começavam a se reunir, passando a exigir creches, saúde para todos, o fim da carestia. Dessas discussões nasceu o Movimento do Custo de Vida, que, em agosto de 1978, realizaria uma grande manifestação na Praça da Sé, na cidade de São Paulo, sob olhares da Polícia Militar. E as mulheres passaram a ter presença ativa em todas as mobilizações (SADER, 1988). Negros organizaram seu movimento, não apenas para denunciar o preconceito racial, mas, para manifestar o orgulho por seus valores culturais. A Igreja Católica aglutinou várias dessas lutas, possibilitando a sua organização. Uma participante de um Clube de Mães, por exemplo, conta que costurava para fora, e não tinha tempo para nada. Quando ia à missa aos domingos, o padre tinha a mania de apontar o dedo e perguntar: "Você! O que você faz durante a semana?" (SADER, 1988). Setores como os de professores universitários, médicos, advogados, jornalistas e funcionários públicos também começaram a se mobilizar, levantando bandeiras e formas de organização próprias, que desembocavam na luta contra a ditadura. Formou-se o Comitê Brasileiro pela Anistia, que exigia a volta dos exilados políticos. Todas essas lutas foram resumidas numa palavra de ordem: Abaixo a ditadura! E foi tomando corpo a idéia da necessidade de unificar todos esses movimentos em uma organização mais ampla: um Partido dos Trabalhadores.


Ditadura era sinônimo de censura, perseguição política, tortura, assassinatos políticos e exílio. Os partidos políticos haviam sido extintos, dando lugar a duas agremiações, que funcionavam como pólos de apoio do governo militar, o Movimento Democrático Brasileiro e a Aliança para a Renovação Nacional, que muitos chamavam de “partido do sim e partido do sim, senhor”. Era o tempo do arrocho salarial, que dava sustentação ao chamado milagre brasileiro. Os sindicatos estavam atrelados ao governo e quando tentavam reivindicar eram reprimidos. A última greve acontecera em 1968, na cidade de Osasco, em São Paulo, e havia terminado com muitas prisões. Mas também era o tempo da resistência. Assim, no dia 12 de maio de 1978, 1.600 trabalhadores da Saab-Scânia, em São Bernardo do Campo, em São Paulo, entraram na fábrica e cruzaram os braços. O movimento grevista se alastrou por outras fábricas, outras regiões, outras categorias: metalúrgicos das cidades de São Paulo, Osasco e Campinas, em São Paulo, de João Monlevade, em Minas Gerais, professores do primeiro e segundo graus do estado de São Paulo e bancários.


E, no primeiro de maio de 1979, a Comissão Provisória apresentou aos trabalhadores uma “Carta de Princípios” (in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998) que definia o perfil do Partido dos Trabalhadores, afirmando pela primeira vez que ele deveria ter como meta a construção de uma sociedade socialista e democrática: 


O PT não pretende criar um organismo político qualquer. O Partido dos Trabalhadores define-se, programaticamente, como um partido que tem como objetivo acabar com a relação de exploração do homem pelo homem. O PT define-se também como partido das massas populares, unindo-se ao lado dos operários, vanguarda de toda a população explorada, todos os outros trabalhadores - bancários, professores, funcionários públicos, comerciários, bóia-frias, profissionais liberais, estudantes, etc. - que lutam por melhores condições de vida, por efetivas liberdades democráticas e por participação política. O PT afirma seu compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia e nem democracia sem socialismo. Um partido que almeja uma sociedade socialista e democrática tem que ser, ele próprio, democrático nas relações que se estabelecem em seu interior. Assim, o PT se constituirá respeitando o direito das minorias de expressarem seus pontos de vista. Respeitará o direito à fração e às tendências, ressalvando apenas que as inscrições serão individuais (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.49-54).


No correr de 1979 e 1980 novas ondas de greves pararam várias regiões do país, a começar por São Bernardo do Campo. Ali, o sindicato dos metalúrgicos passou por intervenções e, em 1980, seu presidente, Luiz Inácio da Silva, o Lula, foi preso, junto com outros membros da diretoria. Lula conta: 


E aí eu lembro que eu ficava lá naquela trave lá (no estádio de Vila Euclides), e a gente, na hora de colocar em votação, a gente gritava: Olha, os companheiros que são favoráveis à proposta da Fiesp, por favor, levantem a mão. Ninguém levantava a mão. E a gente falava: Os companheiros que são contra a proposta da Fiesp, levantem a mão. E aí todo mundo... Aqui foi onde a gente descobriu a necessidade de dar um passo adiante, aqui foi onde a classe trabalhadora criou consciência política. Aliás, eu acho que aqui é que começou o verdadeiro processo de democratização deste país, porque foi aqui que a classe trabalhadora deu o seu grito de guerra.


Assim, a idéia do Partido dos Trabalhadores surgiu com o avanço e o fortalecimento desse novo e amplo movimento social que se estendeu das fábricas aos bairros, dos sindicatos às comunidades eclesiais de base, dos movimentos contra a carestia às associações de moradores, do movimento estudantil e de intelectuais às associações profissionais, do movimento dos negros ao movimento das mulheres e, ainda outros, como os que lutavam pelos direitos das populações indígenas. Ou, como afirmou sua primeira “Declaração Política” (in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998) 


Surgiu, portanto, como uma necessidade de: criar um efetivo canal de expressão política e partidária dos trabalhadores das cidades e dos campos e de todos os setores explorados pelo capitalismo; construir uma organização política de militantes dos variados movimentos sociais, que são freqüentemente fragmentados pelas suas próprias diferenças internas e por luta reivindicatória que nem sempre alcança a expressão política de que são capazes; finalmente, se conquistar a política como uma atividade própria das massas populares, que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as esferas de poder da sociedade, não apenas nos momentos de disputas eleitorais, mas também e principalmente nos momentos que permitem, a partir de sua prática no dia-a-dia a construção de uma nova concepção de democracia com raízes nas bases da sociedade e sustentada pelas decisões das maiorias (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 55-56).


Passados quase meio século da fundação do PT, algumas questões são levantadas, todas girando ao redor da pergunta: que partido é esse? É marxista-leninista? É social-democrata? E se é socialista, que socialismo é esse? Mas também, é trabalhista, que trabalhismo é esse? É burguês?


Apesar de ter sido debatido no 1o. Congresso, o problema da social-democracia no interior do Partido dos Trabalhadores pode ser considerado uma questão em aberto, o que não nos autoriza rotulá-lo como uma variante partidária da social-democracia. Para tal, deveríamos analisar comparativamente alguns processos políticos internos (como a crescente burocratização, o horizonte político das reformas, etc.) e externos (crescente amoldagem à institucionalização, etc), e mesmo o discurso daqueles que reivindicam a adesão petista ao ideário da social-democracia (CABRERA, 1995, p.49).


Apesar das discussões acadêmicas que procuram responder às questões levantadas sobre a base ideológica desse partido, está claro para acadêmicos e mesmo para os teóricos do PT que ele saía do esquema clássico de um partido operário. Afinal, desde seu início teve uma forte presença cristã, que atuou nele através de organismos populares criados pela própria Igreja, as Comunidades Eclesiais de Base. Mas não ficou aí a ruptura com o esquema clássico. Praticamente todas as correntes ideológicas do socialismo se fizeram presentes na formação do PT, indo do stalinismo mais radical, expresso nas correntes ligadas ao Partido Comunista do Brasil, PC do B, passando por seus opositores históricos, os trotskistas, até chegar aos social-democratas e socialistas lights, como foram chamados aqueles aparentemente não muito comprometidos com a revolução.


Para Cabrera, “o PT possui uma trajetória mais radical” do que a social-democracia, mas “tende a posicionar-se cada vez mais na esfera de intervenção social-democrata, consolidando um programa reformista rumo à constituição de um welfare state, baseado numa forte base operária. No entanto, oficialmente seu discurso prima pela negação da trajetória reformista da Internacional Socialista, procurando traçar um caminho alternativo ao ‘bolchevismo’ da tradição comunista e ao reformismo social-democrata” (CABRERA, 1995, p.49). Por isso, em seu primeiro Congresso o PT, ao rejeitar a alternativa social-democrata, afirmou que “o PT não vê na social-democracia um caminho para a construção do socialismo nem tampouco uma alternativa real aos impasses da sociedade brasileira” (“Socialismo” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.502;  CABRERA, 1995, p.35). Dessa maneira, para o PT, a proposta de constituição de um Estado de bem-estar social, amparado numa política fiscal distributiva, não representava solução para os problemas brasileiros. 


“A adoção das profundas reformas estruturais necessárias ao Brasil supõe uma ruptura radical com a ordem econômica, política e social vigente - o que ultrapassa os limites da proposta social-democrata, que politicamente acredita na neutralidade do Estado e adota como horizonte máximo a luta por reformas no interior do próprio capitalismo” (“Socialismo” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.502; CABRERA, 1995, p.35).


Evitando a discussão ideológica do tipo de socialismo que o PT expressaria, Mario Pedrosa, procurou calcar suas origens no próprio movimento social do final dos anos 70, ao dizer que  

a ideia do Partido dos Trabalhadores surgiu com o avanço e fortalecimento desse novo e amplo movimento social que, hoje, se estende das fábricas aos bairros, dos sindicatos às Comunidades Eclesiais de Base, dos movimentos contra a carestia às associações de moradores, do movimento estudantil e de intelectuais às associações profissionais; do movimento dos negros ao movimento das mulheres, e ainda outros como os que lutam pelos direitos das populações indígenas (PEDROSA, 1980). 


É interessante notar, porém, que no correr dos primeiros vinte anos do PT essas correntes do espectro socialista não conviveram em harmonia, apesar de repousarem sobre um movimento de massas em franca ascensão. Assim, com o passar dos anos as alas ditas radicais do socialismo petista foram sendo depuradas, deglutidas ou expurgadas. Prevaleceu um núcleo sindical, sem muita definição ideológica.


No caderno de formação política O PT faz história (1996) lemos que o PT é a afirmação de que a história não acabou e que ele torna mais próximo o caminho para a conquista de uma sociedade que tenha por base a justiça, a democracia, a solidariedade e a igualdade. E é apresentado como uma idéia que vai levar mais longe. Afirma ainda que o socialismo petista será radicalmente democrático ou não será socialismo. Esta seria a condição necessária de seu projeto de transformação social e a meta a ser alcançada seria esse compromisso com a justiça, a democracia, a solidariedade e a igualdade, que levaria o Partido dos Trabalhadores a refutar todos os regimes e sistemas econômicos que se fundam na opressão dos cidadãos ou sobre o predomínio dos interesses de mercado. E, assim, o socialismo é apresentado como um projeto de pluralidade a ser construído na luta por liberdade e justiça. Embora a idéia de socialismo apareça aqui ligada à justiça, democracia, solidariedade e igualdade, ele evita formular como o socialismo poderia ser viabilizado e quais seriam seus objetivos. Ou seja, não apresenta teorização sobre o socialismo e, ao contrário, dilui seu possível conteúdo “na síntese da pluralidade de seus militantes” (O PT faz história, 1996, p.25). Mas, se esta dificuldade em pensar o socialismo como projeto social e econômico faz parte da história do Partido dos Trabalhadores, por outro lado quando foi fundado o PT tinha consciência de que era um partido de classe.

  

A primeira campanha eleitoral do Partido dos Trabalhadores, em 1982, quando Lula concorreu ao governo paulista, reflete bem o pensamento do partido à época: em sua propaganda eleitoral dizia que "trabalhador vota em trabalhador" e que, excluindo a sigla, todas as demais eram burguesas (MAGALHÃES, 2008). Ou seja, conforme a Carta de Princípios de 1o. de Maio de 1979, ressaltava a afirmação de que o PT era um partido de classe, que aspirava representar os assalariados contra os patrões e buscava “uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores”. Ideia esta que também estava presente no Manifesto aprovado pelo Movimento Pró-PT, em 1980, e que foi reafirmado no 1º Encontro Nacional do PT, em 1981, quando Lula, seguindo um padrão presente no "Manifesto Comunista" (1848), de Karl Marx, disse que “a emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores, que sabem que a democracia é participação organizada e consciente e que, como classe explorada, jamais deverá esperar da atuação das elites privilegiadas a solução de seus problemas” (“Carta de Princípios” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.53). Dessa maneira, desde a sua fundação o PT deixou clara a sua origem operária, evitou uma definição do que entendia por socialismo e muito menos se declarou marxista, o que em parte pode ser explicado pelas realidades históricas vividas pelo movimento comunista internacional, já que se viu obrigado, por pressão de parte de suas bases, no caso a esquerda socialista, a condenar a burocratização e o autoritarismo na União Soviética, assim como o reformismo político do Partido Comunista Brasileiro, principalmente sua colaboração com a burguesia nacional. Mas definir o caráter socialista da sociedade que propunha parecia inviável devido à própria situação internacional, já que a América Latina se encontrava conturbada pela Revolução Sandinista na Nicarágua (1979), mas também pela existência do movimento Solidariedade na Polônia pró-soviética. Assim, se por um lado as bases sociais do PT, expressas nos movimentos grevistas e atuação dos sindicatos, pressionavam o partido a romper com o reformismo e a rechaçar os caminhos propostos pelas variantes stalinistas, por outro lado, para os sindicalistas ainda era cedo para definir que caminho socialista deveriam propor. Por isso, depois da estréia nas urnas em 1982, as direções sindicais do PT optaram por trilhar um caminho que conheciam melhor, a luta sindical: fomentou a criação da Central Única dos Trabalhadores, CUT (1983) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST (1984).


Fruto dessa indefinição teórica, desde o seu surgimento, militantes socialistas e intelectuais se perguntavam que partido era aquele. Em 16 de junho de 1979, o jornal Versus, apresentou aos seus leitores sua leitura crítica do partido que começava a surgir. 


“Antes que nada ele parte de um elemento, o desenvolvimento econômico e social dos últimos vinte anos, que gerou duas novas classes, uma classe operária industrial, altamente concentrada nos grandes centros urbanos e uma classe média assalariada moderna. Desde 1978, tanto os operários como esta classe média estão num processo de mobilização” (PINHEIRO, 1979d, p.28-32).


E analisava uma combinação de fatores, partindo de um esquema caro ao pensamento trotskista, que falava do aparecimento de novos estratos sociais e da situação conjuntural, com um ano de mobilizações, que condicionavam novos fenômenos na sociedade. Assim, a direção da Convergência Socialista e o autor deste livro sublinhávamos a idéia da existência de quatro fatores: (1) uma nova realidade social; (2) mobilizações e lutas que aconteciam há mais de um ano e que geravam uma nova experiência, não somente sindical, mas democrática e política; (3) a inexistência de alternativas para esta nova vanguarda, que necessitava expressar-se politicamente; e (4) de que esta necessidade se expressou através de algumas direções sindicais que cumpriram um papel mais ideológico (PINHEIRO, 1979d). Considerávamos que o Partido dos Trabalhadores não estava nos planos do governo, já que a intenção deste era a de que os dirigentes sindicais, assim como o ativismo, estivessem controlados pelo PTB ou o MDB. Este seria o projeto da burguesia, enquadrá-los e vencer o movimento de massas através de uma saída democrática controlada, levando seu descontentamento para a luta estritamente parlamentar.


Na verdade – continua o artigo -- a construção do PT passa por grandes dificuldades. Como os dirigentes sindicais chegaram à questão do PT através do classismo, como mediação entre a questão democrática e política, por uma necessidade, e não exatamente por um salto de consciência, o Partido dos Trabalhadores passa a ser de difícil concretização. Os dirigentes sindicais estão procurando um partido, algo que possa cumprir uma necessidade que têm. Como antes o projeto do PTB estava distante, eles começaram a baralhar a hipótese do PT, mas na medida em que o PTB venha a concretizar-se, aumenta  a possibilidade de que os classistas aceitem esta alternativa. Já que é  mais fácil entrar num partido do que construir um (PINHEIRO, 1979d, p.28-32).


Os políticos da Convergência Socialista consideram que todo o processo que se dera a partir de maio de 1978 combinava novidades políticas, como o fato de que setores do movimento de massas se mobilizaram a partir do sindical, mas aos poucos levantavam reivindicações democráticas e políticas, possibilitando a geração de uma vanguarda, ou seja, de um fenômeno ideológico concreto. Assim, afirmavam no Versus socialista: 


Diríamos que se dão, misturados, três níveis de consciência. Um primeiro mais amplo, que é o sindical-classista e que se traduz no surgimento de uma nova vanguarda classista, em sindicatos autênticos, chapas classistas de oposição, vencedoras, etc. O segundo nível de consciência é o classista-político, o mais heterogêneo, que se traduz na compreensão empírica, vacilante e não claramente definida ainda, da necessidade de um partido sem patrões, que expresse as necessidades mais gerais da classe trabalhadora. Isto é laborismo. E o terceiro nível de consciência seria o da consciência revolucionária, daqueles que entendem a necessidade de um partido socialista para a transformação da sociedade (PINHEIRO, 1979d, p.28-32).


Utilizando outra linguagem, Berbel (1991) também chegou à conclusão similar ao dizer que, na década de 70, os sindicalistas de São Bernardo optavam por caminhar junto às bases, sem precipitar enfrentamentos, em oposição à política sindical desenvolvida em 1968. Os intelectuais que agora se filiavam ao PT já haviam teorizado sobre o ‘socialismo como pedagogia’ e o ‘não assalto ao poder’. Os setores populares da Igreja Católica trabalhavam como ‘fermento’ entre as bases que, aos poucos, atingiam níveis superiores de consciência. Entre todos os setores da esquerda que aderiam ao PT já existia a conclusão da necessidade de um partido de massas. Para a maioria deles, também em oposição à política desenvolvida em 1968, o retorno às bases ou a necessidade de vínculos com os movimento populares era uma imposição.


Considerávamos que era necessário partir do fato de que existiram níveis diferentes de consciência e desigualdades nas vanguardas sociais que geraram o processo de formação do PT. A construção do Partido dos Trabalhadores, embora tenha sido fruto das mobilizações, refletiu a participação de sindicalistas, militantes da nova esquerda e da esquerda cristã. De todas as maneiras, é difícil descartar o fato de que o surgimento do PT é o maior salto que a classe operária brasileira já deu no processo de consolidação de sua consciência política (PINHEIRO, 1979d).


Mas voltemos a março de 1979 e vejamos alguns fatos importantes nesse processo. O regime militar estava chegando ao fim semeando prisões, fome e morte. O autoritarismo se realizava como fetiche, já que a ditadura se ergueu como critério de verdade, destruindo vidas humanas e a dignidade de milhões de brasileiros. Militantes, socialistas e sindicalistas levantaram, então, um princípio universal: a construção de alternativas políticas próprias aos excluídos. Princípio este que foi objetiva e subjetivamente negado pelo regime militar e pelo arbítrio. No ABC paulista a abertura lenta e gradual proposta pelo governo militar fazia água. Um ano depois, no mês de março, 180 mil metalúrgicos entraram em greve quando mal tinha chegado à presidência o general Figueiredo. O governo decretou a intervenção nos sindicatos e destituiu seus dirigentes. Algumas semanas depois, voltou atrás e revogou a intervenção. Sete meses depois, no dia 13 de outubro de 1979, 130 sindicalistas e militantes, que representavam seis estados da Federação, lançaram o Movimento pelo Partido dos Trabalhadores, no salão de festas do restaurante São Judas Tadeu, em São Bernardo do Campo. Como dissemos anteriormente, aprovaram uma Declaração Política e uma Plataforma Política, que definiram as reivindicações que o Movimento levantaria de imediato. Aprovaram ainda as Normas transitórias de funcionamento e lançaram uma Nota contra a reforma partidária proposta pelo governo. Elegeram também uma Comissão Nacional Provisória, composta por 17 pessoas, para dirigir o Movimento até a fundação do PT. No correr do ano seguinte, os sindicalistas, socialistas e cristãos de esquerda fundaram o Partido dos Trabalhadores. No dia 10 de fevereiro de 1980, com a presença de 1200 pessoas, entre os quais intelectuais como Mário Pedrosa, Sérgio Buarque de Holanda e Lélia Abramo, o Partido dos Trabalhadores realizou no Colégio Sion, em São Paulo, seu ato de fundação. Por aclamação foi aprovado o Manifesto do partido, publicado no Diário Oficial da União de 21 de outubro do mesmo ano. Nesse Manifesto de fundação, o PT afirmava que pretendia chegar “ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social” (“Manifesto de Lançamento” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.67). E que buscaria conquistar a liberdade para que o povo pudesse construir uma sociedade igualitária, onde não existissem explorados e nem exploradores. E em discurso na 1a. Convenção Nacional do Partido dos Trabalhadores, em Brasília, Lula disse que o socialismo desejado pelo PT seria definido por todo o povo, como exigência das lutas populares, como resposta política e econômica a todas as aspirações concretas, pois seria muito fácil, 

aqui sentados comodamente, no recinto do Senado da República, nos decidirmos por uma definição ou por outra. Seria muito fácil e muito errado. O socialismo que nós queremos não nascerá de um decreto, nem nosso, nem de ninguém. O socialismo que nós queremos irá se definindo nas lutas do dia-a-dia, do mesmo modo que nós estamos construindo o PT. O socialismo que nós queremos terá que ser a emancipação dos trabalhadores. E a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores (“Discurso de Luiz Inácio Lula da Silva” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.114).


Foi a partir desse momento, que cresceu no PT a idéia de um socialismo construído a partir das bases, à maneira das lutas sindicais. Na verdade essa definição de socialismo não definia, mas deixava para o futuro qualquer definição. Nesse sentido, sem negar a possibilidade da existência de um pensamento socialista no PT, entendemos esse sonho socialista enquanto fenômeno que traduzia realidades plasmadas na sociedade brasileira e que afloraram enquanto mitos de origem da política petista. Esse socialismo, enquanto espectro, se aninhou no partido em formação, indo desde aqueles intelectuais que atuavam junto ao Movimento Democrático Brasileiro, como Fábio Munhoz, Francisco de Oliveira, Francisco Weffort, José Álvaro Moisés, Paul Singer, Roque Aparecido da Silva e Vinicius Caldeira Brant, aos agrupamentos da nova esquerda como Ação Popular, Convergência Socialista, Liberdade e Luta, Movimento pela Emancipação do Proletariado, Política Operária. Dessa maneira, a partir da luta entre as diversas correntes, Democracia Radical, Articulação, Democracia Socialista, A Hora da Verdade, Vertente Socialista, Força Socialista, Brasil Socialista, O Trabalho, Movimento Tendência Marxista e independentes, criou-se uma situação de impasse que possibilitou ao grupo formado e liderado pelos sindicalistas, arbitrar e colocar-se acima dos debates sobre a opção socialista a ser seguida. Ou seja, os sindicalistas colocaram-se como aqueles que desejavam projetos políticos concretos. É dentro desse contexto que devemos entender a liberdade de posturas socialistas presentes na formação do Partido dos Trabalhadores, embora alguns intelectuais, como Paul Singer, já procurassem fazer uma releitura do socialismo. Em 1980, Singer afirmou que 

o socialismo que decorre das lutas atuais dos trabalhadores dos setores economicamente mais avançados constitui uma reformulação profunda do que se concebia como socialismo há apenas algumas décadas. A reformulação mais drástica é provavelmente a rejeição da idéia de que o socialismo deve ser implementado a partir da conquista do poder político, o que implicava a noção de que o socialismo seria, em essência, realizado por um poder político que a tanto se propusesse. A lógica do raciocínio se baseava no pressuposto de que o socialismo resultaria da socialização dos meios de produção, entendida como abolição da propriedade privada dos mesmos (SINGER, 1980, p.390-392).

 

Com essa afirmação que constituiu uma reformulação do que se concebia como socialismo, Singer procurou abrir novas discussões sobre o que poderia ser o socialismo e, logicamente, repensar futuro do PT. Ou seja, a revolução armada sempre esteve descartada para setores da direção petista. Ou, como afirma Berbel: 


Naquele momento (1978-1980), o PT não assumia a perspectiva do socialismo e jamais viria a assumir a perspectiva da revolução. No entanto, ele conservava a separação entre democracia e socialismo, encarada como duas etapas distintas: primeiro, uma ‘plataforma de lutas imediatas’, de caráter democrático e, posteriormente, a discussão sobre o socialismo. Tal dissociação não levou à concretização de uma frente mais ampla que o próprio partido, mas possibilitou a realização de uma frente menor em seu interior. Adotar a perspectiva do socialismo exigiria olhar de frente a heterogeneidade do corpo partidário e enfrentar a concentração de polêmicas que ocorreram nas últimas décadas. Pelo menos desde os anos 60, as discussões sobre as políticas de alianças dos agrupamentos comunistas implicavam uma definição sobre o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, o lugar ocupado pela burguesia nacional e a tática a se desenvolver a partir desta avaliação. O programa adotado pelo PT deixava margem para diferentes conclusões sobre estas questões e, como um todo, não respondia a nenhuma delas. Decidir por uma estratégia significaria excluir outras tantas e o partido optava por abrigar todas elas (1991, p.137). 


Singer (1980), ao descartar a possibilidade da revolução, dizia que após diferentes tentativas de chegar ao socialismo desta maneira, socializar deve significar submeter os meios de produção ao controle coletivo dos trabalhadores. Mas, como a natureza das forças produtivas fez com que o controle imediato da produção social seja exercida por técnicos e administradores, a essência da socialização não consiste em subordinar estas camadas a um poder socialista, mas em submetê-las à hegemonia da classe trabalhadora. Isso significa que os socialistas deveriam possibilitar que as decisões finais fossem tomadas, direta ou indiretamente, pela classe trabalhadora. Em outras palavras, “a burguesia dividiu o poder político em executivo, legislativo e judiciário para impor sua hegemonia, o proletariado não pode reunificá-lo a pretexto de conquista, sem acabar por ser dominado pelos que de fato o exercem” (SINGER, 1980, p.390-392). E afirmava que o âmbito da luta pelo socialismo é muito maior que o plano político convencional, e que não é só o poder do Estado que tem de ser transformado, mas todo poder exercido autoritariamente: o do patrão na empresa, do professor na escola, do oficial no Exército, do padre na igreja, do dirigente no sindicato ou no partido e, por fim, mas não por último, do pai na família. 


De todos estes, provavelmente a soberania do Estado e a autocracia patronal ou gerencial na empresa são as formas fundamentais do poder, cuja transformação condiciona as demais. Mas nem por isso há qualquer razão para restringir a prática de libertação a estas duas instituições. A luta pelo socialismo requer a mobilização de toda a população e, portanto, as lutas antiautoritárias têm de ser suscitadas em todas as instituições no pressuposto, confirmado pela experiência, que as práticas de libertação tendem, em geral, a se reforçar mutuamente, na medida em que a legitimidade de todas é reconhecida, ao passo que a tentativa de se considerar uma luta específica como prioritária e contendo em si a solução das demais – “uma vez conquistado o poder e eliminada a propriedade privada dos meios de produção, tudo o mais se resolver sem atrito nem demora” - só tende a dividir os movimentos de libertação e sectarizá-los (SINGER, 1980, p.390-392).


Concluía dizendo que o socialismo só seria alcançado após uma extensa e vitoriosa prática de libertação, que abrisse caminho, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento de novas forças produtivas e à socialização completa do trabalho intelectual (SINGER, 1980). E Mercadante, ao analisar as aceleradas transformações e as recorrentes crises do mundo capitalista, dizia, em 1989, que, mesmo neste contexto, a travessia para um novo século pode significar “a despedida do velho movimento operário, como querem muitos, mas não necessariamente de seus valores fundamentais. Os princípios de classe, a solidariedade, o internacionalismo, a autonomia operária e o socialismo seguem sendo valores decisivos para uma nova relação entre a ética, a economia e a política na construção da nova sociedade” (1989, p.20).


Assim, apesar dos esforços particulares de teóricos militantes e da perspectiva socialista das forças integrantes do PT, prevaleceu a indefinição partidária, calcada, conforme afirma Berbel (1991), na idéia de que o PT não era socialista porque as bases não se definiram pelo socialismo, e que seria necessário amadurecer essa perspectiva junto às bases ou, quando a direção já houvesse se definido, convencer e educar os militantes. Dessa maneira, as dificuldades de formulação de uma teoria do socialismo por parte do PT, levaram o partido a ver o socialismo como utopia, aquilo que se almeja, descolada da realidade, que se por um lado podia facilitar a resistência às pressões liberais, alargar a imaginação dos movimentos sociais e iluminar o horizonte histórico (GUIMARÃES, dez.2004/jan.2005), por outro lado deixava de ter um sentido prático imediato em relação às questões sociais e econômicas do país. Nesta leitura do socialismo, programa e utopia, aquilo que é o objetivo, foram distanciados. Aqui é importante entender a utopia, ou seja, o socialismo como aquela sociedade solidária onde reina a justiça, paz e alegria. Ou como nos diz o profeta Isaías, a justiça trará paz e tranquilidade, que por sua vez se traduz em segurança. Ou seja, na linguagem cristã é o Reino de Deus, que o apóstolo Paulo, na sua carta aos Romanos, define como justiça, paz e alegria no espírito. Esta é a utopia, aquilo que move nosso espírito, nosso objetivo.


Mas a utopia, o socialismo, passou a ser olhada como entrave à prática política, às lutas imediatas e eleitorais. Aparentemente, o caminho a ser seguido equilibrava-se entre o socialismo real, apesar de todas as críticas que até aquele momento tinham sido feitas ao stalinismo e suas variantes, e a sensibilidade empírica da liderança do partido. Em meio a essa dificuldade de definições é necessário entender o papel da presença do cristianismo social no Partido dos Trabalhadores. A importância do cristianismo para a práxis petista residiu no fato de que procurou criar paradigmas que reafirmavam os valores da democracia e da liberdade e possibilitavam o encontro de caminhos que alinhavam as conquistas sociais com a criação de uma nova ordem fundada na expansão do espaço público e da desmercantilização da vida social. Essa foi uma tentativa possível, porque a relação entre o cristianismo e a práxis do PT era profunda. Mas o fundamento de origem do cristianismo na formação da consciência brasileira e da práxis petista apresentava aproximações e estranhamentos, que não se traduziam em tendência à cisão, mas juízos reveladores da força de origem de suas utopias. Isto porque, a realidade social das religiões no Brasil traduzia, e hoje ainda traduz, a existência do significado subjetivo do cristianismo (CARDOSO, LEITE, NOGUEIRA, 2002) para 87,9% dos brasileiros (IBGE, 2010). Representada num Deus de amor, a fé cristã levanta exigências éticas de justiça social e solidariedade, realidade já analisada por Weber (1994). Essas exigências, mesmo quando culturalmente reinterpretadas, levam os brasileiros, quer se digam espíritas, umbandistas ou mesmo sem religião, a serem cristãos em alguma medida. Além da consideração de uma certa feição cristã, um quadro da religiosidade brasileira mostra os cristãos e não-cristãos divididos em centenas de igrejas. E mesmo a igreja católica, sociologicamente, não pode ser analisada como una, pois abriga diferentes manifestações de religiosidade: desde a tradicionalista e heterodoxa, como o catolicismo popular rural, às manifestações do ritualismo urbano, como o catolicismo das obrigações, ou ainda às manifestações religiosas internalizadas, ou seja, a religiosidade escolhida pelo fiel, seja na forma de engajamento social, assistência social, organização política dos excluídos, ou nas formas extáticas, como a devoção a Maria e aos santos (CAMARGO, 1973). Mas além dessas igrejas católicas há centenas de igrejas evangélicas que incluem as históricas emigradas e de missão, as pentecostais, neopentecostais e as importações mais recentes, produtos da mundialização. Os dados estatísticos, como o censo de 2010, apresentavam a seguinte configuração da realidade social das religiões no Brasil: 64,6% dos brasileiros se declararam católicos, 22,1% se declararam evangélicos, 8,0% se disseram sem religião e os restantes professaram uma gama de confissões religiosas, com predominância dos espíritas. Podemos dizer que há na população brasileira uma presença de maioria cristã e uma quantidade atomizada de religiosidades (ROLIM, 1994). Este quadro, num sentido sociológico durkheimiano de sagrado (DURKHEIM, 1996), revela algumas dimensões da realidade brasileira, como o fato de que a religião está presente em lugares que não são aqueles da religião. Assim, não está descartada a existência de uma religiosidade cristã invisível ou uma consciência religiosa (BERGER, 1985) que se fez presente no processo de construção do ideário socialista do Partido dos Trabalhadores. Por isso, o cristianismo, enquanto visão utópica e normativa do mundo, agiu para expandir o sentido transformador da experiência cristã na práxis petista, e foi exatamente esse movimento que levou tanto às aproximações quanto aos estranhamentos. Em sua própria forma de ser, o cristianismo trabalha com mediações de valores e daquilo que deve ser. Colocou-se assim na antípoda do realismo político, de suas expressões pragmáticas e de suas afinidades com os valores liberais de mercado. O cristianismo brasileiro, a partir de sua experiência comunitária, distanciou-se do poder de Estado e firmou uma autonomia de origem social e de identidade cultural. E no período republicano foi escassa sua presença junto ao poder, tendo, a partir dos anos 1960, feito opção preferencial pelos excluídos. 


A constituição da moderna questão agrária é um (...) exemplo. Se ela surge a princípio quase como uma expressão nordestina nos anos 1950, é matricial aí a presença da Igreja. O Movimento de Educação pela Base (MEB), constituindo redes radiofônicas de alfabetização e formação de sindicatos rurais; o fundamento original cristão das Ligas Camponesas e a ação de Dom Hélder Câmara; a Encíclica Mater et Magistra, de João XXIII, de 1963, chamada de a "Encíclica agrária", tal a sua forte tematização da problemática rural; a CPT e seu papel de "incubadora" dos movimentos sociais a partir dos anos 1970, inclusive no nascimento do MST. 


Mas, ao mesmo tempo, essa presença fez do cristianismo social, através de milhares de igrejas e entidades, o poder de maior experiência frente às expressões do autoritárismo. Nas favelas, no sertão nordestino, junto aos presos políticos, e outros setores sociais, a Igreja se fez presente. Tomado nesta perspectiva, o cristianismo não foi mera instituição, mas um movimento gerador de paradigmas, que possibilitou reflexões sobre os fundamentos da vida na comunidade política. Esses paradigmas apresentaram formas de pensar e de fazer política. Há nos paradigmas do cristianismo social, presentes no Partido dos Trabalhadores, compreensões que o diferenciam dos paradigmas liberais e burgueses. Um deles é o modo como define a liberdade, não em sentido negativo, de espaço da ausência de intervenção do Estado. A liberdade para o cristianismo social significa não depender de vontade arbitrária, o que aproxima o conceito liberdade da noção de autonomia, embora vá além, transcenda. Outra compreensão é que para a burguesia liberal, o Estado mínimo maximiza a liberdade. Mas o cristianismo relaciona liberdade e igualdade. Dentro da tradição burguesa liberal, o desejo de igualdade ameaça à liberdade, produzindo tensões entre as duas metas. E a maneira de enfrentar o problema, para a burguesia liberal, repousa sobre a noção de igualdade de oportunidades diante do mercado. Para o cristianismo é a desigualdade que provoca riscos à liberdade. E uma outra compreensão é o modo como se relaciona a pessoa e o Estado: a burguesia liberal coloca o acento na dinâmica da sociedade civil, pensada em oposição ao Estado, em particular em sua dimensão mercantil. Já o cristianismo coloca o acento nas responsabilidades cidadãs, de participação na comunidade política, na formação de uma práxis necessária à proteção do corpo político das ameaças à própria liberdade, que não pode ser garantida apenas por boas leis. Esta práxis política comum requer uma comunidade de valores, a noção de bens públicos, uma fundação e uma narrativa da construção de um modo de viver em liberdade, que faz com que as pessoas sintam-se, apesar das diferenças, parte de uma mesma comunidade política. Mas, o que esse cristianismo social, de leitura latino-americana, esse cristianismo mestiço, apresentou de novidade frente à força do socialismo real? Em primeiro lugar o conceito de identidade, onde se deve partir da identidade particular de cada pessoa, de cada grupo humano: da identidade da comunidade, da nação, da América Latina e da identidade universal, humana. Foi assim que o cristianismo social mostrou aos defensores do socialismo real no PT que universalidade significa um complexo de identidades e que ninguém pode em nome dela impor sua própria identidade. Mas o cristianismo social mostrou também ao socialismo real que todos têm direito a uma civilização superior. E aqui superior traduz aquilo que é espiritual. Nisso reside a essência do fenômeno cultural e religioso vivido no Partido dos Trabalhadores. Não consistiu, porém, em situar a questão de crer ou não crer em Deus, pois a fé na existência de um ser supremo, que vai além do que a ciência reconhece, sempre foi entendida como uma opção da pessoa. O que explica não ter acontecido dentro do Partido dos Trabalhadores conflitos entre formas expressas de diferentes compreensões religiosas. A partir dessa postura do cristianismo social, a princípio, o militante petista não se moveu por esquemas religiosos. Na verdade, a aspiração do cristianismo social presente no PT era uma aproximação às questões da fé a partir dos princípios éticos. Essa é uma das chaves para a entender o papel do cristianismo no pensamento original do PT, e que possibilitou, ao contrário do que aconteceu em outros partidos, onde se impôs esquemas rígidos ou pressupostos definitivos, no PT apareceu como princípios éticos. O PT desde sua origem não foi um partido dogmático. Nesse sentido, essa integração com o pensamento cristão social, o levou a combater o neoliberalismo, mas também olhar criticamente o socialismo real. E isso foi fruto desse pensamento proposto pelos teólogos da libertação, que alertaram para essa incapacidade das ciências sociais, econômicas e políticas na modernidade burguesa -- pelo fato de não analisarem a realidade por inteiro -- de apresentarem respostas suficientes. Tal incapacidade tem como origem a dificuldade de enxergarem a dor da pessoa, a dor da comunidade, humana. Mas essa dor é uma realidade histórica, angustiante e óbvia, por isso não pode estar fora da análise da política. 


Entre as muitas forças que se conjugaram para fundar o PT está sem dúvida a Igreja da libertação. Por Igreja da Libertação entende-se aquela porção das igrejas (católica e outras igrejas evangélicas) que compreendeu que não se pode pregar o evangelho sem articulá-lo com justiça social. Caso contrário a religião vira alienação. Por isso a Igreja da libertação consubstanciou sua identidade na clara opção pelos pobres, contra a pobreza e a favor da libertação. Essa porção, significativa mas não majoritária, ensejou as cem mil comunidades eclesiais de base, centenas de milhares de círculos bíblicos, dezenas de centros de defesa dos direitos humanos e animou a assim chamada pastoral social, criada pela CNBB (pastoral da terra, dos índios, dos negros, da saúde, da criança) atingindo milhões de pessoas (BOFF, 2005).


Essa compreensão, que se fez solidária com o sofrimento humano, moldou a voz cristã social dentro do PT. Assim, falar da influência do cristianismo, em especial da Igreja da libertação, na consciência petista é trabalhar com as noções de fundamento e de formação. Não é uma situação onde uma instituição, a Igreja, exerce influência sobre a evolução de outra instituição, o Partido dos Trabalhadores. São processos formativos em mútua compenetração. Assim, o cristianismo brasileiro, através de sua leitura libertadora, fez a afirmação da liberdade como emancipação do poder arbitrário, compatível com os ideais de liberdade e igualdade, com acento na participação como fundamento das virtudes da comunidade política. Tal compreensão teve óbvias afinidades com a práxis do PT e fez parte, inclusive, da própria pré-história do PT. A própria identidade do PT pode ser imaginada a partir dessa práxis. O socialismo proposto pela teologia da libertação, que integra o valor da soberania popular, seria, desse ponto de vista, um socialismo religioso. Como história vivida e em transformação, essa imaginação trouxe para os petistas, desafiados pelo esforço de transformar o Brasil, um campo possível de experiência. Para a própria construção do PT foi central o papel da Igreja na formação de uma práxis dos direitos humanos. Esta presença, fundamental nos anos da ditadura militar, ganhou alento nas últimas décadas através da estratégia da particularização dos direitos nas reivindicações de pastorais específicas, como a das crianças, idosos, carcerária, das prostitutas, e das campanhas da fraternidade. Uma pesquisa revelou a importância dessa presença: nas eleições de 1982, 902 candidatos estavam ligados à Pastoral Popular. Dado significativo é que 95% deles eram candidatos pela primeira vez, 75% eram, principalmente, operários e trabalhadores rurais, e 65% eram candidatos pelo Partido dos Trabalhadores, 31% pelo PMDB, 2% pelo PDS, então partido do governo, e 1% pelo Partido Democrático Trabalhista, PDT (GALLETTA, 1985). Dessa maneira, não foi marginal a presença da Igreja no movimento pela participação popular. Convém notar, também, que a primeira lei contra a corrupção eleitoral teve na Igreja sua inspiração através da liderança de Chico Whitaker, vinculado à CNBB. Dessa maneira, a luta por uma práxis dos direitos humanos e contra a corrupção política fez parte da mensagem do cristianismo social.


O PT, partido ligado ao mundo sindical e operário, à esquerda socialista e aos cristãos sociais, fez do seu nascimento tardio um enigma aberto à história, ao colocar no centro de sua identidade as relações entre socialismo e democracia. De fato, esta relação nunca encontrou uma solução estável na tradição socialista. O desafio lançado aos socialistas não encontrou uma resposta de unanimidade, já que pela democracia representativa nunca se se chegou ao socialismo, mas lançando-se contra a democracia, o socialismo traiu seus ideais de emancipação social. Esse caráter histórico tardio do nascimento do PT explica sua identidade. No final dos anos 1970, já estava muito avançado o processo de desestalinização da práxis do socialismo internacional e, por diferentes caminhos e pensamentos, o tema da relação entre socialismo e democracia representativa voltava à cena. Houve, nessa práxis, tentativas de resposta: a trotskista, que defendeu os valores do pluralismo e os direitos humanos na democracia de participação; a do grupo francês "Socialismo ou Barbárie", que se desdobrou na defesa da democracia como instituição social permanente, a partir dos conflitos, e na postulação da autonomia como valor fundante; e a eurocomunista, que afirmava a democracia como um valor universal e, portanto, compatível com o socialismo. 


Mas existiu um outro caminho, percorrido por teólogos protestantes nos anos 1960 (COTTIN, 1993). Essa militância não se identificou simplesmente com a esquerda histórica, mas teve forte influência do protestantismo das primeiras décadas do século XX. O socialismo para eles era mais que um movimento histórico, mais que um programa, era antes uma ética e uma política que necessitavam de uma atitude profunda por parte do ser humano, da mesma maneira que a ressurreição não é apenas uma figura da insurreição, mas de irrupção da eternidade. Por isso, não separaram militância e discipulado, pois o socialista religioso teria um duplo engajamento, estaria presente nas comunidades dos trabalhadores, nas fábricas e nas periferias das grandes cidades industriais, mas também nas comunidades de fé. Esse duplo engajamento, de trabalhador e de cristão, faria dele não apenas massa, mas também membro do corpo (BOUCHARD, 1991). Esse socialista religioso, no entanto, teve que fazer uma autocrítica do parêntese marxista, e reconhecer a crise do socialismo. Por isso, os socialistas religiosos deram-se como tarefa elaborar um socialismo pós-marxista, ou seja, passar do socialismo científico a um socialismo ético; entender que o socialismo deveria retornar às suas raízes cristãs e em especial estabelecer uma relação nova com o princípio protestante, enquanto desafio que não identifica a ética protestante e com o espírito do capitalismo mas, ao contrário, o espírito protestante com a ética do socialismo; e lutar contra o pensamento fraco da pós-modernidade, relançando uma cultura histórica baseada nas fontes da tradição cristã e aberta ao socialismo. Como os militantes de esquerda são sensíveis às crises ideológicas, muitos intelectuais protestantes ligados ao socialismo levantaram a proposta de um retorno às idéias socialistas anteriores a Marx, numa linha que remontava à revolução francesa, e que apresentavam um ideal amplo de justiça, de legalidade, de solidariedade e de direitos humanos. Mas, em termos políticos, o melhor caminho seria de trabalhar no sentido de redimensionar Marx, como o fez Dussel, numa releitura da história do pensamento político que permita a redescoberta de Hegel e Marx. Isto porque a desilusão ante as utopias marxistas leva a sobrevalorizar a história em detrimento do escatológico. Mas, seria possível construir um novo socialismo unicamente a partir da recuperação da cultura histórica? E seria a escatologia cristã suficiente para dar sentido à história? Bem, isso depende do socialismo proposto. Pode-se dizer que o socialismo se diluiu, que se transformou em fumaça ideológica de contornos imprecisos. Mas permanece presente a marca evidente de uma herança comum entre socialismo e cristianismo: é sua afirmação do caráter comunitário da esperança (AQUILANTE, 1991). Esse é o caminho do socialismo religioso.


No PT, a presença da teologia da libertação ocupou um lugar central na crítica do stalinismo e no repensar a crise do socialismo. Dessa forma, o solidarismo cristão, enquanto leitura social que relaciona pessoa e comunidade, poder de pensar e desejo de viver, apresentou uma resposta ao socialismo compulsório, que despersonaliza, assim como à sociedade de consumo, que transforma a pessoa em objeto consumidor. Esta imbricação, poder de pensar através da pessoa em comunidade e querer viver enquanto pessoa na comunidade, forma o núcleo do paradigma solidário. Nele, a prova existencial do que é vivido e a sua compreensão intuitiva precedem qualquer procura filosófica. É por isso que se constrói em direção ao ser humano. 


O solidarismo teve papel na formação de uma geração de lideranças cristãs católicas no Brasil. Assim, um pensamento cristão, político, procurou responder à crise do capitalismo, mas fazendo a crítica do sentido anti-humanista das formas dominantes do socialismo real. Colocou-se como resposta não somente ao stalinismo, mas à própria crise do socialismo. Os católicos sociais brasileiros posicionaram-se em eqüidistância do capitalismo e do stalinismo. Admitiram a propriedade privada como direito, inscrita na afirmação de sua função social, trabalhando com o solidarismo e o princípio da socialização na sociedade moderna, das dimensões coletivas na vida social. Teóricos do PT estudando as formulações da economia solidária se aproximaram desse comunitarismo cristão. Essa é a razão que levou intelectuais petistas a proporem a compatibilização das metas de uma nova sociedade com o princípio da soberania dos trabalhadores e do povo, o que implicaria, de fato, em trazer o marxismo para o solo do cristianismo. Nessa leitura de duas visões anti-liberais, a cristã e a socialista, colocava-se para o PT a possibilidade de uma inovação conceitual de novos futuros. 


Foi esse nó de origem, que tem a justiça enquanto exigência, por partir do mito socialista e das pressões das mobilizações políticas e sociais, que possibilitou ao PT, no início de sua história, procurar traduzir seu ideário em posicionamento de classe. Mas, diante do perigo da crise de identidade, foi alertado para não se iludir, pois “a fábula que se conta hoje no mundo socialista diz respeito a nós. O que está em jogo é nada mais nada menos que o futuro do nosso projeto político de construir no Brasil um socialismo democrático. Se não decifrarmos esta esfinge em tempo, ela certamente nos devorará” (REIS FILHO, 1989, p.5). E foi este temor -- de ser devorado pelas mudanças que assolaram o Leste Europeu, aliado às pressões dos agrupamentos socialistas dentro do partido --, que levou o PT a elaborar o seu mais importante documento sobre a questão socialista, “O socialismo petista”, que se tornou referência nas discussões internas e modelo do projeto que o partido almejava. Mas, como disse Reis Filho (1989), “talvez não estejamos em condições de escapar ao tipo de crise que ronda hoje a experiência socialista”. De todas as maneiras, o PT partiu para essa elaboração negando parte da tradição marxista e equilibrando-se entre as diferentes tendências presentes no partido (“O Socialismo Petista” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998).


“O Socialismo Petista” fazia parte da resolução aprovada no 7º Encontro Nacional, ocorrido entre 31 de maio e 3 de junho de 1990, no Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo, e reafirmado no 2º Congresso, realizado em Belo Horizonte, entre 24 e 28 de novembro de 1999. A resolução de 1990 teve como finalidade definir o juízo do partido sobre o sistema capitalista e apresentar sua compreensão sobre a alternativa socialista. Assim, declarou que 

A vocação democrática do PT vai além das bandeiras políticas que defendeu e defende. Também a sua organização interna expressa nosso compromisso libertário. Ela reflete o empenho, sempre renovado, de direções de bases militantes para fazer do próprio PT uma sociedade livre e participativa, premissa daquela outra, maior, que pretendemos instaurar no país. Refratário ao monolitismo e verticalismo dos partidos tradicionais – inclusive de muitas agremiações de esquerda –, o PT esforça-se por praticar a democracia interna como requisito indispensável a seu comportamento democrático na vida social e no exercício do poder político. O mesmo vale para a relação do partido com suas bases sociais e com a sociedade civil em seu conjunto. Embora tenha nascido pela força dos movimentos sindicais e populares e com eles mantenha um poderoso vínculo de inspiração, referência e interlocução, buscando propor-lhes uma direção política, o PT recusa-se, por princípio, a sufocar sua autonomia e, mais ainda, a tratá-los como clientela ou correia de transmissão (“O Socialismo Petista” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.429-430).


O documento traduzia uma busca de novas leituras das diferentes vertentes da esquerda presentes no PT. Por isso, defendia a existência de tendências internas e o pluralismo cultural. Declarava que o partido era uma síntese de culturas libertárias, entre as quais estavam o cristianismo social, diferentes expressões do marxismo, socialismos não-marxistas, democratas radicais e militantes da revolução comportamental. Mas, considerava que o ideário do partido não expressava nenhum desses caudais, pois o PT não possuía filosofia oficial, e nele “as distintas formações doutrinárias convivem em dialética tensão, sem prejuízo de sínteses dinâmicas no plano da elaboração política concreta” (“O Socialismo Petista” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.430). E dizia que suas diferentes culturas políticas libertárias, nem sempre textualmente codificadas, compunham o projeto comum da nova sociedade que o partido buscava. Para os autores do documento, foi este compromisso com a democracia que definiu a opção socialista do partido e o estímulo para que a organização partidária pensasse seu projeto alternativo de poder: "Fomos, e seguimos sendo, resposta indignada ao sofrimento desnecessário de milhões, conseqüência lógica da barbárie capitalista. A experiência histórica concreta – por outras palavras, a pedagogia negativa do milagre brasileiro e de tantas outras situações tragicamente exemplares da vida nacional e internacional – nos ensinou que o capitalismo seja qual for sua pujança material, é vocacionalmente injusto e excludente" (“O Socialismo Petista” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.430) e, por isso, avesso à partilha fraterna da riqueza social, pressuposto da autêntica democracia.


O caminho em direção à elaboração desse socialismo petista não percorreu uma orientação de projetos políticos definidos, mas a sugestão de bandeiras políticas de justiça social. Em relação à situação internacional, declarou que “os movimentos que conduziram às reformas no Leste Europeu voltaram-se justamente contra o totalitarismo e a estagnação econômica, visando institucionalizar regimes democráticos e subverter a gestão burocrática e ultracentralizada da economia” (“O Socialismo Petista” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.432), procurando, dessa maneira, encarar a polêmica existente na época sobre a crise do socialismo real no Leste Europeu, e romper com a indefinição que o partido mantivera desde sua fundação. 


E, talvez mais importante, o PT não se definia quanto aos diversos ´socialismos reais’ que, já em 1980, apresentavam sinais de ferrugem. Esta indefinição permitia o apoio ao sindicato Solidariedade da Polônia, uma política amistosa com os partidos comunistas do Leste Europeu e de Cuba, assim como laços fraternais com os partidos socialistas ocidentais. No seu interior, diferentes setores expressavam filiações ideológicas mais próximas de uma ou outra perspectiva. (...) Longe de se dissociar da trajetória da esquerda brasileira, o PT abrigava, assim, toda a sua crise, inscritas nos dilemas do pensamento socialista contemporâneo. É esta a atualidade do partido e são estes os limites de sua ação (BERBEL, 1991, p.137-138).  


Embora não tivesse até aquela data feito uma leitura sobre o socialismo que desejava e como haveria de implementá-lo, o 6o. Encontro Nacional, realizado de 16 a 18 de junho de 1989, no Colégio Caetano de Campos, em São Paulo, votou um documento sobre “As eleições presidenciais e a candidatura Lula” (in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998), onde dizia que o conteúdo socialista de sua candidatura não estava no fato de que seu futuro governo deveria criar condições para o socialismo, mas no eixo do programa, onde as reivindicações dos trabalhadores seriam a força social das mobilizações sociais e da luta eleitoral.


O partido não pode semear ilusões sobre uma idílica situação que seria criada com nossa vitória em novembro próximo. Haverá, evidentemente, transformações importantes no quadro da luta de classes no País, que proporão desafios enormes e inesperados para o partido e o governo. Esses desafios decorrerão não somente da ação legal e extralegal das classes dominantes, que resistirão, de dentro e de fora do governo, ao seu desalojamento do Executivo Federal. Haverá também a ação de muitos segmentos das classes exploradas, que cobrarão mudanças a curto prazo e se verão estimuladas – nas cidades e nos campos – a ações para apressar o processo de transformação econômica, social e política (“As eleições e a candidatura Lula” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.384).


Diante desse quadro aparentemente sombrio, já que o PT trabalhava com a viabilidade de resistência, inclusive, de “potências estrangeiras”, propunha um realismo que não sucumbisse à tese da ingovernabilidade, que dizia ainda não estarem nem o país nem o PT preparados para o governo, por isso, “o procedimento mais adequado é não esconder as dificuldades futuras, mas não exagerá-las ou especular catastroficamente sobre hipóteses” (“As eleições e a candidatura Lula” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.384-385).

 

Para Azevedo (1991), apesar de suas declarações por uma sociedade sem exploradores e explorados, o PT possuía limitações essenciais ao que concerne ao novo e à democracia. Ao procurar distanciar-se do socialismo existente no mundo, burocrático e stalinista, e da social-democracia européia, não conseguia formular um projeto político que fundamentasse a defesa da democracia e do socialismo. 


Ao se tratar o socialismo como a sociedade “sem explorados e sem exploradores”, adota-se (in)voluntariamente uma definição ambígua. Se se trata do modelo marxista clássico da sociedade sem contradições, sem Estado, sem governo, sem política, tal definição é contraditória com a busca de uma sociedade socialista democrática. Nesta, deve vigir um Estado, um sistema político, um regime apto a fazer conviverem várias forças e classes sociais com interesses e objetivos distintos. A democracia é a convivência dos diferentes e não dos igualados, uma sociedade onde convivem os contraditórios (AZEVEDO, 1991, p.225-226).


Por isso, para Azevedo (1991), não há socialismo democrático original nas propostas do Partido dos Trabalhadores, mas convivência do leninismo e da social-democracia. Para ele, o marxismo-leninista pode ser socialista, mas não é democrático. E a social-democracia, entendida como método, é democrática. E nada impede que por esse método social-democrata se busque o socialismo e se procure chegar a um socialismo democrático (AZEVEDO, 1991). Mas, o que haveria de original nisso?


Como vimos anteriormente, as definições estratégicas do projeto político do PT não deixaram de apresentar em seus primeiros anos um nível de extrema generalidade e ambigüidade. Já o Programa do partido, aprovado em 1o. de junho de 1980, no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, propunha construir, na luta contra o regime repressivo, "uma alternativa de poder econômico e político, desmantelando a máquina repressiva e garantindo as mais amplas liberdades para os trabalhadores e oprimidos que se apóie na mobilização e organização do movimento popular e que seja a expressão de seu direito e vontade de decidir os destinos do País" (‘Programa” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.68-69). O Programa de 1o. de junho de 1980 definia esse poder alternativo como constitutivo de uma sociedade sem explorados nem exploradores e afirmava que sua construção se daria contra os interesses do grande capital nacional e internacional, mas pouco dizia sobre as formas de se chegar até ele. Por isso, o que fazia a força do PT não era seu projeto estratégico, mas sua força social. O que atraia os jovens, sindicalistas, estudantes e socialistas, era a possibilidade de agir por meio da participação política em um partido que não trazia a marca da tradição burocrática que havia assolado a esquerda brasileira antes do golpe militar de 1964. Nesse sentido, “o PT condensava um processo de reconfiguração social e política da classe trabalhadora que havia se processado na década de 1970 por meio de uma multiplicidade de movimentos que contestavam a institucionalização da política” (BIANCHI, BRAGA, 2003).  Assim, para Bianchi e Braga (2003), o que fazia o partido promissor era sua lógica da diferença. Essa lógica da diferença apresentava o partido como anticapitalista, ou, como afirmava “O Socialismo petista”: 

é da opressão capitalista que resulta a miséria de mais de um terço da humanidade; e é ela que impõe à América Latina formas de escravização, que reduziram a renda per capita em 6,5% nos últimos anos, fazendo vários países regredirem a patamares de vinte anos atrás. É o sistema capitalista, fundado na exploração do homem pelo homem e na mercantilização da vida, o responsável por crimes contra a democracia e os direitos humanos; e que, na sua dinâmica, é o responsável pela fome, pelo analfabetismo, pela marginalidade, pela violência que se dissemina por todos os planos da vida nacional. É o capitalismo que conserva e aprofunda as bases reais da desigualdade social no Brasil (“O Socialismo petista” in PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.430). 


Mesmo os documentos mais antigos, constitutivos do PT, o Manifesto e o Programa de fundação, já advogavam a superação do capitalismo como indispensável à democratização da vida brasileira. Ainda que tais textos não aprofundassem o desenho interno da pretendida sociedade alternativa, a ambição histórica do PT era, em sua origem, socialista. E os dez anos que se seguiram, de luta democrática, confirmaram essa opção anticapitalista. Tal convicção anticapitalista, fruto da amarga experiência social brasileira, ainda segundo “O socialismo petista” (in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998), levou o partido a fazer a crítica das propostas social-democratas. 


As correntes social-democratas não apresentam, hoje, nenhuma perspectiva real de superação histórica do capitalismo. Elas já acreditaram, equivocadamente, que a partir dos governos e instituições do Estado, sobretudo o parlamento, sem a mobilização das massas pela base, seria possível chegar ao socialismo. Confiavam na neutralidade da máquina do Estado e na compatibilidade da eficiência capitalista com uma transição tranqüila para outra lógica econômica e social. Com o tempo, deixaram de acreditar, inclusive, na possibilidade de uma transição parlamentar ao socialismo e abandonaram não a via parlamentar, mas o próprio socialismo. O diálogo crítico com tais correntes de massa é, com certeza, útil à luta dos trabalhadores em escala mundial. Todavia seu projeto ideológico não corresponde à convicção anticapitalista nem aos objetivos emancipatórios do PT (“O socialismo petista” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.431).

“O socialismo petista” (in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998) descartou a social-democracia, mas também o socialismo real. Afirmou que o compromisso estratégico do PT era com a democracia e que desde sua fundação identificara nas experiências do socialismo real uma teoria e uma prática incompatíveis com o projeto do socialismo petista. E denunciou a carência de democracia, tanto política quanto econômica e social, o monopólio do poder por um único partido, a simbiose partido-Estado, o domínio da burocracia enquanto casta privilegiada, a inexistência de uma democracia de base e de autênticas instituições representativas, a repressão ao pluralismo ideológico e cultural, a gestão da vida produtiva por meio de um planejamento verticalista, autoritário e ineficiente, concluindo que tudo isso negava a essência do socialismo petista.


O PT foi o primeiro partido político brasileiro a apoiar a luta democrática do Solidariedade polonês, mesmo sem outras afinidades ideológicas. Temos combatido os atentados à liberdade sindical, partidária, religiosa etc. nos países do chamado socialismo real com a mesma motivação com que lutamos pelas liberdades públicas no Brasil. Denunciamos com idêntica indignação o assassinato premeditado de centenas de trabalhadores rurais no Brasil e os crimes contra a humanidade cometidos em Bucareste ou na Praça da Paz Celestial. O socialismo, para o PT, ou será radicalmente democrático, ou não será socialismo. Os movimentos que conduziram às reformas no Leste Europeu voltaram-se justamente contra o totalitarismo e a estagnação econômica, visando institucionalizar regimes democráticos e subverter a gestão burocrática e ultracentralizada da economia. O desfecho desse processo está em aberto e será a própria disputa política e social a definir seus contornos. Mas o PT está convencido de que as mudanças ocorridas e ainda em curso nos países do chamado socialismo real têm um sentido histórico positivo, ainda que o processo esteja sendo hegemonizado por correntes reacionárias, favoráveis à regressão capitalista (“O socialismo petista” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.432).


O documento considerava que tais movimentos deveriam ser valorizados, não porque representassem um projeto renovador de socialismo, mas porque rompiam a paralisia política, recolocavam em cena os agentes políticos e sociais, impulsionavam conquistas democráticas e podiam abrir novas possibilidades para o socialismo. Assim, até aquele momento, o PT considerava que sua bagagem original, enriquecida no curso da luta política, consolidada nos vários Encontros Nacionais, tinha orientado a conduta do PT no sentido de uma política democrática e anticapitalista. E explicava que o partido tinha evitado o ideologismo, mas também o pragmatismo, já que de nada serviria um aprofundamento ideológico, sem correspondência na cultura política das bases partidárias e sociais. Agora, no entanto, parecia ter chegado o momento tão esperado. E nos itens 9, 10 e 11, o documento ameaçou definir as características desse socialismo petista. Começou perguntando: mas qual socialismo? qual sociedade? qual Estado? Como deverá ser organizada sua estrutura produtiva e com quais instituições políticas contará? Como serão conjurados, no plano da política prática, os fantasmas do autoritarismo? E considerou que para responder a essas perguntas o PT deveria fazer uma reflexão sobre sua própria experiência, que brotava, por negação dialética, das formas de dominação que combatia. Considerava que o 5º Encontro Nacional já tinha apontado o caminho, quando afirmou que para extinguir o capitalismo e iniciar a construção da sociedade socialista, seria necessária uma mudança política radical: os trabalhadores precisariam transformar-se em classe hegemônica na sociedade civil e no poder de Estado. Mas, que os outros aspectos do projeto socialista continuavam a ser desafios em aberto, para os quais seria equivocado dar respostas imediatas, pois a superação desses aspectos demandaria criatividade prática, legitimadas pela aspiração concreta das massas oprimidas a uma existência digna. E por entender assim “O socialismo petista” afirmava: 


O PT não concebe o socialismo como um futuro inevitável, a ser produzido necessariamente pelas leis econômicas do capitalismo. Para nós, o socialismo é um projeto humano cuja realização é impensável sem a luta consciente dos explorados e oprimidos. Um projeto que, por essa razão, só será de fato emancipador na medida em que o concebemos como tal, ou seja, como necessidade e ideal das massas oprimidas, capaz de desenvolver uma consciência e um movimento efetivamente libertários. Daí porque recuperar a dimensão ética da política é condição essencial para o restabelecimento da unidade entre o socialismo e humanismo (“O socialismo petista” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.434).


E o documento, que procurava fazer uma leitura brasileira do socialismo e, ao mesmo tempo, fugir à herança marxista, explicava que a nova sociedade que o PT desejava construir inspirava-se na tradição de lutas populares da história brasileira. Deveria fundar-se no princípio da solidariedade humana, buscar constituir-se como um sujeito democrático coletivo sem negar a singularidade individual. Propunha-se a assegurar a igualdade entre os cidadãos, mas cioso do direito à diferença, seja política, cultural ou comportamental. E, assim, colocava como tarefa lutar pela libertação das mulheres, contra o racismo e todas as formas de opressão, favorecendo a pluralidade e a auto-organização de todos os níveis da vida social, como antídoto à burocratização do poder, das inteligências e das vontades. E afirmava a identidade e a independência nacionais, recusando qualquer pretensão imperial. E se propunha contribuir para a instaurar relações cooperativas entre todos os povos do mundo. 


"Assim como hoje defendemos Cuba, Granada e tantos outros países da agressão imperialista norte-americana, a nova sociedade apoiará ativamente a autodeterminação dos povos, valorizando a ação internacionalista no combate a todas as formas de exploração e opressão. O internacionalismo democrático e socialista será sua inspiração permanente" (“O socialismo petista” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.434).


O documento esclarecia ainda que o socialismo almejado só existiria com democracia econômica e por isso deveria organizar-se a partir da propriedade social dos meios de produção, que não deveria ser confundida com propriedade estatal. Tal democracia econômica implicaria na superação da lógica do mercado capitalista e do planejamento estatal das economias do socialismo real. Essa democracia vigoraria tanto para a gestão de cada unidade produtiva, os conselhos de fábrica, como para o sistema no conjunto, por meio de um planejamento estratégico sob o controle social. E no plano político, o socialismo petista pretendia conservar e ampliar as liberdades democráticas conquistadas na sociedade capitalista: liberdade de opinião, de manifestação, de organização civil e político-partidária, e aliá-las aos instrumentos de democracia direta, com a participação das massas nos vários níveis de direção do processo político e da gestão econômica. Dessa maneira, a democracia representativa estaria conjugada e amparada nos mecanismos da democracia direta e participativa.


Um ano e meio depois da aprovação de “O Socialismo petista”, no I Congresso Nacional do PT, realizado de 27 de novembro a 1o. de dezembro de 1991, em São Bernardo do Campo, o partido propôs-se a compartilhar com o conjunto das forças democráticas e socialistas a atualização do seu projeto histórico, fruto de onze anos de luta pela democracia e pela igualdade social. “Desde já, consideramos como nossos interlocutores naturais – sejam indivíduos, grupos sociais, instituições religiosas, organizações civis ou político-partidárias – todos aqueles que almejam o fim da miséria e a eliminação das brutais injustiças presentes na vida brasileira” (“Socialismo” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.481). E assim, depois de destacar sua visão sobre o socialismo petista (nem socialismo real, nem social-democracia), fez um chamado às forças democráticas e socialistas para favorecerem a construção de um bloco histórico, a fim de promover um desenvolvimento alternativo do país. Considerou que os debates deveriam tratar dos grandes problemas nacionais, dos meios de combinar a luta social e institucional, destacando: “é vital que se integrem em nossas preocupações as lutas dos sem-terra, dos movimentos populares, e o desafio, profundamente socialista, que consiste em incorporar plenamente à vida política os milhões de marginalizados existentes no Brasil” (‘Programa” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.483).


Mais adiante, na resolução “Nem socialismo real, nem social-democracia”, apresentou uma definição de sua utopia, de nítida leitura cristã-libertária: 

o PT entende que a diversidade de desejos e idéias é inerente à condição humana, razão pela qual a pretensão de suprimi-la não passa de um projeto de violentação da humanidade. Lutamos por uma sociedade efetivamente plural, mais um motivo para sermos anticapitalistas, pois o capitalismo, ao oprimir e alienar os indivíduos, só admite, de fato, uma pluralidade restringida pela desigualdade de condições e oportunidades. Mas motivo também para rechaçarmos a chamada ‘pluralidade para os partidos operários’, ou seja, ‘para quem pensa como nós’, que, historicamente, só pode levar a formas de ditadura” (“Socialismo” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.500). 


E agregou que o socialismo deveria ser socialização dos meios de governar, descentralização do poder e reconhecimento do direito à dignidade política, cultural, étnica, sexual e religiosa.


Segundo Azevedo (1991), na primeira fase de sua história, o PT afirmou que a democracia tinha valor substantivo, que ela não era um objetivo provisório, instrumental, embora muitas vezes em seu discurso, abandonava a legalidade democrática representativa para preservar o socialismo proclamado. Assim, se num primeiro momento, o PT favoreceu o discurso socialista, sua tendência seria movimentar-se em sentido contrário. Favorecer o discurso democrático e o socialismo seria visto como qualidade das reformas a serem feitas. Dessa maneira, desde 1986, o PT balançou entre duas estratégias, utilizar os slogans socialistas de 1982 ou o tom moderado de 1985. Caminhou para a segunda opção e elegeu dezesseis deputados federais e quarenta estaduais.


 No ano seguinte, o 5º Encontro Nacional definiu a estratégia de um “governo democrático-popular” e propôs uma política de alianças com outros partidos. E na Constituinte defendeu um programa democrático radical, manifestando-se a favor da estatização dos bancos, reforma agrária, nacionalização das reservas minerais, benefícios às empresas de capital nacional e formas de democracia direta. Como suas propostas ficaram à margem, em 1988, os deputados do partido não assinaram a nova Constituição. Mas, em novembro, o PT elegeu os prefeitos de São Paulo, Porto Alegre, Vitória e de 35 outras cidades. Então optou pelo caminho das reformas, deixando o socialismo como bandeira para os dias de festas. Assim, em 1989, o 6º Encontro Nacional lançou Lula à Presidência, mas a partir desse encontro o PT deixou de definir-se como partido sem patrões, embora declarasse serem seus adversários os banqueiros, latifundiários, multinacionais e monopólios privados. Também deixou de propor a estatização de setores da economia, preferindo permanecer na defesa da manutenção das estatais existentes. No primeiro turno das eleições presidenciais, em novembro, Lula ficou em segundo lugar, com 17,1% dos votos válidos. No segundo turno, Fernando Collor venceu Lula, que obteve 47% dos votos válidos. 


O documento “O Socialismo petista”, aprovado em 1990, época em que o Partido dos Trabalhadores ainda procurava definir os caminhos do seu socialismo, sintetizou um momento especial da utopia socialista no PT. Naquele início de década, o socialismo dentro do PT começava a se descolar das concepções trotskistas, e os petistas tentaram fazer novas leituras da utopia, do objetivo socialista. Se antes era expressão de um movimento operário imaturo (GUIMARÃES, dez.2004/jan.2005), de falsa consciência, passava a designar a necessidade de alargar a imaginação dos movimentos sociais para além dos limites do imediatamente possível. Na resolução reafirmou-se o juízo sobre o sistema capitalista, mas, ao mesmo tempo, se falou das dificuldades de construção do socialismo, embora seja importante notar que o PT fazia essa sistematização de sua utopia, iniciando pela afirmação da necessidade da democracia: “A democracia tem, para o PT, um valor estratégico. Para nós, ela é, a um só tempo, meio e fim, instrumento de transformação e meta a ser alcançada. Aprendemos na própria carne que a burguesia não tem verdadeiro compromisso histórico com a democracia. (...) Será decisiva, no futuro, a instituição de uma democracia qualitativamente superior, para assegurar que as maiorias sociais de fato governem a sociedade socialista pela qual lutamos” (“O socialismo petista” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.429).


A partir desse conceito de democracia enquanto necessidade, definiu, por extensão, o conceito de necessidade da democracia interna ao partido, já que o PT era visto como a continuação da história dos partidos que construíram sua utopia a partir da experiência de transformar o mundo. Apesar de que muitas dessas experiências tivessem ganho dimensões sectárias e até mesmo catastróficas, como no socialismo real soviético, o PT considerou que deveria caminhar além da dimensão dogmática e buscar razões instrumentais em relação às necessidades práticas. Ou seja, superar a concepção de um programa formado à margem da experiência de transformar o mundo e, por isso, obstáculo aos princípios normativos da democracia. Assim, em 1996, Dirceu afirmava que na trajetória do Estado moderno ao estado contemporâneo, várias nações capitalistas caminharam, por meio de muitas lutas de classes, do liberalismo econômico e político à democracia, e da democracia ao Estado de bem-estar, em um processo desigual e contraditório, mas de expansão de direitos para as classes trabalhadoras e populares. Mas hoje, “as grandes burguesias lançam-se com toda a força no sentido inverso, que vai da restrição do bem-estar e da democracia ao darwinismo social, ideologia de esteio ao reinado oligárquico da barbárie liberal” (DIRCEU, IACONI, 1996, p.7). Assim caberia ao PT defender a democracia e o Estado de bem-estar social. Porém, essa defesa da democracia, em si mesma correta, levou o PT a repetir um processo conhecido na história de muitos partidos de esquerda: o do progressivo abandono da utopia socialista. E essa utopia desencantada, que expressa a tificação social-democrata, se traduziu na elaboração do Programa da Revolução Democrática, construído ao redor das tarefas imediatas da revolução democrático-burguesa, mas desconectado das transformações socialistas. Não havia nessa leitura programática uma teoria da transição, que combinasse as reformas do agora com a revolução do amanhã. Como consequência, as exigências práticas e as pressões da ordem tenderam a ganhar espaço sobre a identidade socialista, levando o PT, por percursos diversos, a desencantar-se com suas utopias anticapitalistas. E a utopia desencantada levou ao abandono crescente das propostas dos primeiros anos do PT. Na verdade, a tática depois de 1989 e, em especial, no ano da vitória em 2002, foi a da conciliação de classe. Havia a crença de que era possível estabelecer um pacto social com a burguesia para um processo gradual de mudanças sociais que levariam à construção de um estado de bem estar social à brasileira. Não se politizou, organizou. O PT perdeu, assim, uma geração, durante os seus dois governos e meio, que degenerou, formou burocratas. Não forjou militantes. Viveu-se período de acomodação dos movimentos sociais. E, por exemplo, o aparato governamental não foi usado para organizar a massa beneficiada pelos programas sociais petistas. E, assim, o PT jogou com o uso da máquina do governo federal para garantir o pacto social. Mas a realidade correu pacto, e muito rapidamente o PT perdeu a possibilidade de fazer política com setores econômicos e políticos. Distanciou-se da articulação social e política. E sem povo organizado e sem alianças com a burguesia que desejava como aliado, desceu ladeira abaixo. Esse é o PT hoje. Ainda trabalhista por suas bases sindicais, mas força para enfrentar novos golpes e a quebra de direitos históricos e sociais da classe trabalhadora e popular. Sem nenhuma condição de fazer as reformar pensadas antes pela proposta de uma revolução democrática para o Brasil. E assim, o PT, trabalhista, se torna um partido burguês, com programa reformista mínimo, pactuando com as lideranças políticas regionais. E isso porque abandonou a utopia socialista, agora desencantada, e busca montar um partido lulista, burguês e reformista, conforme de forma irônica e provocativa nos fala Quaquá (2017). 


Mas voltemos aos últimos anos do século XX. Os movimentos ligados ao cristianismo social continuaram a fomentar a democracia direta junto às massas. Um movimento de repercussão na sociedade, como conta Wanderley (1999), foi o “Grito dos Excluídos”, que procurou ampliar parcerias com as forças sociais da sociedade civil. Em 1998, o “Grito dos Excluídos” contou com o apoio e participação da Central de Movimento Populares, do MST e da CUT, em sua luta contra as opressões e a miséria, e pelo fortalecimento dos grupos organizados pelos setores populares. O movimento cobriu cerca de mil cidades, fez marchas pelo Brasil, e no dia da independência realizou um evento nacional com os lemas: “Aqui é meu país” e “A ordem é ninguém passar fome”. O movimento recebeu o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, que, seguindo as propostas do Papa João Paulo II e do Sínodo dos Bispos de 1997, defendeu a necessidade da redução ou do perdão da dívida externa brasileira, uma das causas da pobreza no país, assim como o resgate da dívida social interna. Nesse sentido, os cristãos faziam a defesa da democracia participativa, da organização e da mobilização das massas trabalhadoras e populares.   


O Programa da Revolução Democrática (2001) foi aprovado no II Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, realizado em Belo Horizonte, entre os dias 24 e 28 de novembro de 1999, e apresentou propostas para transformar a sociedade brasileira a partir de três eixos: o social, o democrático e o nacional. O II Congresso do Partido dos Trabalhadores aconteceu em um momento especial da história, que coincidiu com a proximidade do quinto centenário do processo colonizador português em terras brasileiras e a entrada do novo milênio. Diante das discussões dos problemas estruturais da sociedade, que remetem às propostas das reformas de base do governo João Goulart, já naquela época com raízes históricas decorrentes da ação de uma elite predatória, o PT considerou que só sua presença enquanto partido poderia viabilizar transformações reais. No final do segundo milênio, a conjuntura internacional mostrava-se incerta, e a partir da hegemonia político-militar dos Estados Unidos, que “fere a soberania de nações e povos e tende a cristalizar uma ordem internacional desigual, injusta e autoritária” (O PROGRAMA DA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA, 2001, p.37) o PT considerava que tal situação internacional ameaçava a economia global, em particular os países da periferia, como o Brasil. Afirmava que as experiências neoliberais e a mundialização econômica e financeira chegavam a seus limites, que o anunciado “fim da História” não havia chegado, e que o “pensamento único” revelara-se enganoso. Fazia a crítica do Fundo Monetário Internacional, ao afirmar que suas políticas e ajustes liberais contribuíram para aumentar a miséria pelo mundo afora. Afirmava ainda que a terceira via de Tony Blair e Bill Clinton eram operações de maquiagem do neoliberalismo na qual o governo de Fernando Henrique Cardoso “tentará pegar carona”. 


Essa postura conformista e conservadora parte da falsa premissa de que não é mais possível impulsionar políticas de crescimento com inclusão social e pleno emprego. Seus partidários no mundo desenvolvido, a partir do colapso da URSS e dos regimes do leste, pretendem justificar o abandono das políticas de bem-estar que a social-democracia adotou no pós-guerra. As esquerdas, inclusive setores da social-democracia, hoje denunciam e rejeitam essas teses. No Brasil, onde a exclusão social foi e é a regra, a Terceira Via aparece em sua face mais grotesca. O novo quadro mundial cria condições para a construção de novos projetos nacionais e internacionais. Para tanto, são necessárias transformações radicais que somente grandes maiorias poderão realizar. Essas transformações requerem visão e propostas de caráter estratégico (O PROGRAMA DA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA, 2001, p.37).


Para a elaboração de seu Programa da Revolução Democrática, o PT partiu de sua própria história: havia nascido em meio à crise dos paradigmas da esquerda e do colapso do modelo nacional-desenvolvimentista no país. E, por isso, se definiu como “um partido pós-comunista e pós-socialdemocrata”, que não buscava o “assalto ao poder” por meio de uma revolução, nem tinha como objetivo conquistar o governo para amenizar o capitalismo. Mas via a necessidade de uma revolução democrática, capaz de construir um Brasil livre, igual e solidário, que socializasse a riqueza, o poder e o conhecimento. E agregava: “a revolução democrática é um longo processo. Ela não será resultado de teorias pré-elaboradas, nem de vanguardas auto-proclamadas, mas da ação de amplas maiorias conscientes de seus objetivos” (O PROGRAMA DA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA, 2001, p.38). E por isso, considerou, baseando em considerações do 5o. Encontro Nacional (“Uma política de acúmulo de forças” in: PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998) de 1987, que havia a necessidade de desenvolver uma política de acumulação de forças, pois seria através desse processo que se alterariam as relações de poder e o partido poderia construir uma nova hegemonia, criando as condições para a transformação da sociedade brasileira. Tal acumulação de forças se daria através de movimentos que articulariam as lutas sociais com as transformações institucionais. E explicitava essa política: “sabemos que é importante combinar as ocupações de terra, as lutas no chão de fábrica, as greves e as mobilizações da sociedade em busca de novos direitos sociais e políticos com a ação nos parlamentos e nos governos municipais e estaduais” (O PROGRAMA DA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA, 2001, p.38). Dessa maneira, o PT propôs-se formular um programa alternativo das esquerdas para o Brasil, construído a partir dos eixos social, democrático e nacional, que deviam ser traduzidos em reformas econômicas e políticas e apoiados por uma coalizão de forças sociais e políticas. Essas reformas teriam um efeito “desestabilizador sobre o capitalismo” (O PROGRAMA DA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA, 2001, p.39) e desencadeariam uma ofensiva reformuladora que necessitaria de uma nova correlação de forças na sociedade, condição para que as esquerdas chegassem ao governo e enfrentassem o problema do poder.


Anteriormente, quando elaborou o documento “O socialismo petista”, o campo da relação do PT com a utopia estabelecia um diálogo entre o socialismo que desejava alcançar e a experiência de transformar o mundo. Era uma novidade no campo da esquerda brasileira, que remetia aos primeiros tempos do Partido Socialista Brasileiro, já que fazia a defesa do pluralismo como princípio da democracia socialista e defendia a idéia de que o PT era uma síntese aberta de culturas libertárias, entre elas, o cristianismo. Ou seja, a utopia não estava dada, mas poderia “ser formulada através de ordenações capazes de indicar um princípio civilizatório alternativo ao mundo do liberalismo” (GUIMARÃES, dez.2004/jan.2005) e se constituir em princípio de orientação da prática partidária: esse seria o caminho da utopia socialista. E, como consequência, embora os trabalhadores continuassem a ser a base referencial do partido, a construção da utopia não estaria concebida como expressão do desenvolvimento da consciência dessa classe. Donde, a identidade socialista não seria auto-referida. Mas aqui surgiu um problema: se a utopia socialista não fosse vivida através do diálogo com a experiência das classes trabalhadoras e dos excluídos, sobre que bases se haveria de construir o campo da experiência partidária? Ao não responder a essa questão e diluir o campo da experiência partidária na construção de um hipotético bloco hegemônico, acabou por incluir todos os setores sociais e econômicos descontentes com o governo Fernando Henrique Cardoso nesse bloco. Assim, a utopia foi desencantada e o PT abriu caminho para alianças com setores adversários do socialismo. 


A dimensão social como foi entendida pelo Programa da Revolução Democrática deveria partir de mudanças na economia que enfrentassem o capital financeiro nacional e internacional, assim como as pressões internacionais e os mecanismos de intervenção externa na economia. Temia a possibilidade de confronto, mas garantia que tal opção política não levaria ao populismo. 


As novas prioridades provocarão enfrentamentos com os interesses do capital financeiro nacional e internacional que condicionam hoje as grandes decisões econômicas nacionais. Inverter prioridades não significa opção populista. Uma política de distribuição de renda exige um ambicioso projeto de desenvolvimento e a definição de suas condições de financiamento. Um país como o Brasil permite (e exige) uma nova política econômica, mesmo levando em conta os graves constrangimentos internacionais atuais (O PROGRAMA DA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA, 2001, p.39).


Acontece que antes, ao fazer a crítica da economia capitalista, a utopia socialista ressaltava o potencial transformador das culturas e a importância da criação de espaços plurais de formas de propriedade social. Por isso, criticava as sociedades fundadas no socialismo real por não terem se comprometido com a liberdade, nem se preocupado em estabelecer pontes com o ser humano enquanto pessoa, por terem desvinculado participação política e regulação da vida econômica. Eram tempos em que a utopia socialista no PT aproximava-se do cristianismo social. Até aquele momento, podemos dizer que a utopia socialista tinha uma compreensão cristã da vida e norteara politicamente o PT, mas agora, no final dos anos 1990, a nova agenda democrática estava sendo convertida em liberalismo radical.


É importante dizer, que muitas das bandeiras levantadas pelo Programa da Revolução Democrática sempre fizeram parte do ideário petista e eram entendidas por suas bases como necessárias. Dessa maneira, o programa afirmava a necessidade de um modelo econômico estruturado em torno da construção de um mercado interno de bens de consumo de massa, capaz de “alimentar, vestir, dar moradia e transporte, aos milhões de brasileiros marginalizados ou empobrecidos” (O PROGRAMA DA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA, 2001, p.39). O que exigiria uma reforma agrária, que garantisse terra, emprego e financiamento para os trabalhadores rurais, cobrando assim significado social e político e importância econômica, já que a agricultura familiar era entendida como componente de um projeto de desenvolvimento sustentado. A bandeira da reforma agrária é cara à esquerda brasileira. Mobilizou a intelectualidade progressista no fim do Império, camponeses no início da década de 1960 e nos anos 1980 levou à criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Donde a questão não é deixar de levantar a necessidade da reforma agrária, mas o fato de que, com o passar dos anos, o PT foi afunilando sua política partidária no caminho da democracia representativa. Assim, a utopia tornou-se “informulada” (GUIMARÃES, dez.2004/jan.2005). E, porque os desafios da prática distanciaram-se da espera/esperança do socialismo, o PT não conseguiu formular como sua utopia deveria transformar o Brasil. E ao fixar os olhos na questão nacional, viu um gigante difícil de ser vencido: um Estado vergado sob uma crescente dívida financeira, um Congresso de tradição coronelista e reacionária, os meios de comunicação concentrados e controlados por poucas famílias, os estados nas mãos de partidos mantidos por acordos com grupos econômicos e financeiros, e a conjuntura internacional sob domínio do poder militar, apoiado pelos grandes organismos financeiros, econômicos e culturais. Tal situação congelou a utopia e levou o partido a defender a necessidade de uma longa transição democrática, porque o discurso socialista carecia de fundamentos. 


Mas, seria possível discordar do Programa da Revolução Democrática quando ele definiu como prioridade especial um programa de educação, que erradicasse o analfabetismo, colocasse todas as crianças na escola e criasse as bases da cidadania? E que esse modelo deveria prever o refinanciamento do Estado para que pudesse impulsionar políticas sociais e a redistribuição da riqueza? Ou quando propunha uma reforma tributária que desonerasse a produção, combatesse o rentismo, eliminasse os mecanismos de sonegação e evasão fiscais, e fosse um instrumento de distribuição de renda? De fato, o programa desejava um modelo que tivesse efeito expansivo sobre a economia e que articulasse um ciclo de desenvolvimento sustentado que levasse a uma política industrial que compatibilizasse “a produção e atividade de micros, pequenas e médias empresas, com as de grandes grupos regionais, nacionais e internacionais, especialmente no âmbito de um Mercosul renovado” (O PROGRAMA DA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA, 2001, p.40). Não, de fato, ninguém no PT discordava dessas necessidades, Mas, como afirmou Guimarães (dez.2004/jan.2005), ao não formular o sentido histórico desta transição criou-se as condições para o desencantamento da utopia. Essa informulação da utopia foi o lugar por excelência de onde surgiria o pragmatismo, o realismo político, que se transmutaria em acomodação diante das realidades do poder. O que poderia haver em comum entre o discurso de ruptura e o discurso que assume as limitações como virtude de governo? Esse impasse na definição da utopia socialista abriria a crise futura.


Apesar dessa informulação de sua utopia, continua a ter razão Oliveira quando diz que o PT testemunhou “a construção inédita na história brasileira e, a rigor, poucas vezes vista na história mundial: a construção de um partido de massas, nascido nas lutas reais das classes trabalhadoras brasileiras, posto como necessidade histórica e possibilidade inscrita na nova estrutura de classes, que emerge para ultrapassar a institucionalidade burguesa » (OLIVEIRA in PEDROSA, 1980, p.9). Ora, de fato, há que entender a presença histórica da tradição pragmática na esquerda brasileira, ao se considerar os elementos para uma definição da identidade futura do  Partido dos Trabalhadores, já que ele reproduz a “tradição do pensamento de esquerda ou dos partidos que se ligaram ao movimento operário no Brasil que foi confrontada com a conjuntura daqueles anos. E na medida em que esta tradição não responde às necessidades do momento, novas propostas são elaboradas. Como resultado deste contato intenso, o PT acaba por abrigar elementos importantes deste ‘velho’ universo político, sem deixar de realizar verdadeiras rupturas” (BERBEL, 1991, p.15-16). Foram essas rupturas que levaram à utopia socialista e foram as pressões da tradição pragmática que fizeram com que o PT vise democracia enquanto realpolitik. Ou como disse Tierra, um dos teóricos do partido, sobre a discussão que se dá a partir das eleições municipais de 2000. 


O exame dos resultados das eleições municipais de 2000 mostra que a moldura rompeu-se. (...) Abertas as urnas, abriu-se com elas uma verdadeira batalha em torno das versões oferecidas para entendermos os resultados. (...) Permeando todas elas, tentativas (...) preferem examinar os matizes internos para localizar qual PT afinal foi vencedor. O PT vermelho ou o PT cor-de-rosa? Diante do óbvio crescimento do Partido dos Trabalhadores, exercitou-se uma discriminação interna cujo propósito é justificar o discurso segundo o qual os milhões de votos descarregados na sigla, não aspiram afinal a grandes mudanças. Ou seja, é um voto, em última análise... conservador (TIERRA, 2006).


Entre as muitas declarações de Luís Inácio Lula da Silva, presidente do Partido dos Trabalhadores, que traduzem esse trânsito da utopia à realpolitik, é interessante a que ele faz à jornalista Miriam Leitão: "Um homem de 56 anos não pensa como pensava aos 20. Quando comecei minha vida política, meu discurso era para metalúrgicos. Hoje, tenho que pensar no Brasil e adequar o discurso à realidade”.


E, talvez por isso, antigas bandeiras foram pousadas no chão. Uma delas a velha luta anti-imperialista, tão cara aos socialistas brasileiros. E outro intelectual, Arruda (2002), escreveu ao próprio Lula traduzindo em carta toda a sua frustração.


Dirceu e Lula, eu percebo e concordo que o PT como partido neste momento precisa tornar viável a vitória eleitoral. É preciso negociar com todos os atores, e ter uma estratégia clara para lidar com cada um. (...) Mas não parece ser isto que estão fazendo, pelo menos a partir do que experimentamos na Plenária e do que nos chega pela imprensa. Francisco Campos afirmou na FSP, e não pela primeira vez, que o PT “não é contra o livre comércio, mas contra a forma como a ALCA está sendo implementada”. Coube ao candidato do PSTU, José Maria de Almeida, dizer, na mesma reportagem, o que o PT devia estar dizendo: Alcântara e ALCA “estão dentro do questionamento sobre a soberania nacional. São duas vertentes de um mesmo tema”. Mas se o livre comércio e o mercado auto-regulado (sic) são a velha enganação do capitalismo clássico, o de colocar raposa e galinhas dentro do galinheiro continental e dar a todos os mesmos direitos!... (...) A ALCA, conforme dissemos na Declaração de Quito que lhe mandei, é uma das três pinças da estratégia de dominação dos EUA sobre o continente, e talvez seja hoje, no reino do G. W. Bush, o menos crucial para o projeto imperial (ARRUDA, 2002).


E aqui vale a pena voltar ao mito. Garcia (1990) conta que quando Lula, numa de suas andanças pelo Brasil, foi perguntado se era comunista ou social-democrata, teria respondido que era um “torneiro-mecânico”. Tal colocação expressa a indefinição petista. Hoje, passados anos de história petista, talvez seja o momento de lhe propor uma réplica: qual torneiro-mecânico, o socialista ou o social-democrata? (FURTADO, 1996). Furtado já se perguntava, em 1996, sobre como as disputas ideológicas dentro do PT dificultavam a definição de sua identidade. Partido socialista ou social-democrata? Ou seja, era um partido para a classe trabalhadora, para a classe média, para ambas ou para quem? E concluía que ainda era cedo para afirmações categóricas. Mas, apesar da indefinição, que em última instância traduzia uma práxis partidária, não podemos esquecer a crescente importância do Partido dos Trabalhadores para a sociedade brasileira. 


Em termos sociais, o PT surgiu enquanto organização ligada às classes trabalhadoras urbanas, polarizando a política nacional. Um exemplo disso é que depois, já com bases no campo e mesmo na classe média, atuou sobre setores sociais modificando padrões anteriormente estabelecidos. Assim, sua inserção nos grotões, através da presença cristã, modificou o perfil do voto conservador e de direita dessas áreas. Ora, essa importância social nos leva à questão política. Sem mistificar os limites da presença do PT no cenário nacional, podemos dizer que, em seus primeiros anos, construiu lideranças e desenvolveu uma maneira de fazer política, de diálogo com os setores excluídos e marginalizados da sociedade, senão inédita, ao menos resgatada, já que estava esquecida desde os governos de Vargas e João Goulart. Mas essa constatação não é unânime. Segundo Guimarães, 

o PT apresenta uma série de elementos ideológicos (diluição de sua feição socialista), políticos (incompletitude programática e estratégica), organizativos (uma certa adaptação naturalista de sua estrutura, combinada com pressões de institucionalização) que dificultam a construção de um projeto alternativo à ordem capitalista. Estes elementos tendenciais, em sua projeção, se não alterados, poderão cristalizar uma cultura partidária que bloqueie o potencial transformador dos trabalhadores. O termo “passivo” que acompanha a caracterização vale exatamente para caracterizar a modalidade negativa da integração burguesa (1990, p.99).


Assim, afirmou que na cultura do PT, o enigma dos elos entre tradição e ruptura é conscientemente incorporado e sua resolução sempre projetada para o futuro. Ou seja, no confronto com as utopias socialistas, o PT é um enigma espelhado em outro enigma: refletido, mas não revelado (GUIMARÃES, 1990, p.108). Souza, porém, considerou que o Partido dos Trabalhadores constituiu, de fato, algo novo no cenário social e político brasileiro, mas uma novidade permeada de tradições e permanências legadas pelo passado: “A nova esquerda traz em seu âmago – ora negando, ora afirmando – a velha esquerda, já que os agentes da renovação história têm como paradigma os agentes da conservação histórica, seja para negá-los abertamente ou para incorporá-los implicitamente" (1995, p.8).


Talvez por isso, as palavras do presidente Lula soam como esse enigma não revelado e pareçam vir de um passado distante, de uma época em que lá na Vila Euclides os jovens, operários, estudantes e intelectuais, sonhavam com um Brasil socialista:


Continuaremos a ter atuação decidida no sentido de unir as diversas forças políticas e sociais para construir uma nação que beneficie o conjunto do povo. Vamos promover um Pacto Nacional pelo Brasil, formalizar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e escolher os melhores quadros do Brasil para fazer parte de um governo amplo, que permita iniciar o resgate das dívidas sociais seculares. Isso não se fará sem a ativa participação de todas as forças vivas do Brasil, trabalhadores e empresários, homens e mulheres de bem. Meu coração bate forte. Sei que estou sintonizado com a esperança de milhões e milhões de outros corações. Estou otimista. Sinto que um novo Brasil está nascendo ("Veja a íntegra do discurso feito hoje por Lula", 28/10/2002)


Desencantada a utopia socialista, a esperança foi-se esfumando e com ela também o programa da revolução democrática. E Milton Pinheiro nos diz: 


não existe perspectiva da política petista atuar nas trincheiras da resistência. Portanto, configurou-se na cena política uma ação orgânica ao capital. Passando o governo petista a agir como operador político da burguesia no Brasil. O capital venceu a primeira batalha, construiu seu projeto de poder dentro do espectro da americanização da política entre nós, ou seja, uma política com dois partidos orgânicos ao capital. Podemos notar a confirmação dessa tese, apesar das pequenas diferenças na metodologia da governança, por um lado, no Partido dos Trabalhadores e, por outro lado, no PSDB. Ambos em circunstâncias diferenciadas agem como operadores orgânicos da burguesia no Brasil. Só a organização e movimentação da classe trabalhadora poderão romper com esse ciclo de derrotas. Contudo, esperamos que esse projeto contraditório não nos leve, caso seja derrotado à direita, ao surgimento de forças políticas que ao ganhar as eleições – como (outro) braço orgânico do capital – abra brechas para a fascistização da vida social (2013).


Chegamos, então, a um momento onde cabe a pergunta: aonde leva este espectro do vermelho? Fantasma que, à época de Marx assombrava a Europa, agora no Brasil se degrada em tonalidades esmaecidas e traz de volta a questão colocada por utópicos desencantados nos anos 1970: o sonho acabou? Diante do questionamento, colocamos a discussão em  perspectiva teológica: a partir da relação política e religião e de suas implicações com o poder e com os conflitos da situação proletária.


Capítulo Cinco

Leitura teológica do espectro do vermelho


Fazer uma leitura teológica do espectro do vermelho no Partido dos Trabalhadores implica em discutir a relação entre política e religião. Quando se fala em religião imagina-se uma dimensão de vida que se caracteriza pelo afastar-se do mundo e como conseqüência negar a política como dimensão da vida humana e social, e a possibilidade de construção de uma teologia, que por ter a ética como uma de suas bases é socialmente transformadora. Mas, se consideramos que política e religião não são conceitos excludentes, nos vemos obrigados a procurar entender ambos conceitos antes de ver como se relacionam.

 

A palavra política nos leva a conceitos aparentemente distintos: à doutrina do direito e da moral, a teoria do Estado, à arte de governar e ao estudo dos comportamentos que se dão a partir das subjetividades. Na abordagem que estamos fazendo, ao analisar as correlações entre religião e política, nos interessa abordar a política enquanto doutrina do direito e da moral, pois a partir daí temos elementos para entender, também, a política sob as demais perspectivas. O conceito de política enquanto doutrina do direito e da moral é a investigação daquilo que deve ser o bem. Nesse sentido, não podemos separar política e ética, pois a justiça e os preceitos da razão, inclusive o amor ao próximo, recebem força de lei pelos decretos daqueles que possuem o direito de reger a sociedade. 


Podemos dizer que a política, enquanto conhecimento que trata dos aspectos práticos da ética e que se apóia na antropologia, por necessitar definir uma concepção de ser humano, remete à questões como a natureza e alcance da liberdade, e a natureza e formas de justiça. Dessa maneira, temas como estrutura de governo, legitimidade do poder, direitos e deveres das pessoas, assim como as relações entre as pessoas e o Estado não podem ser entendidos sem a compreensão das questões éticas que aí estão presentes. Ou seja, entendemos que a política deve responder de forma prática à pergunta pelo bem dos membros de determinada comunidade, traduzindo esta ação nas questões do poder e das estruturas de governo. 


Mas, e a religião tem algo a dizer à política? Bem, podemos dizer que a religião é aquela relação do ser com o sagrado, que dá sentido à vida. O ser humano, unidade multiforme, tem em seu espírito não uma dimensão parcial da vida, mas irredutível, já que o espírito é a totalidade da vida. Por isso, mesmo nas situações de perda, de falta de sentido e de ameaça à vida também há experiência com o sagrado, pois na negação dele há um sentido sagrado. Tillich, quando falava dos caminhos da reconstrução da Europa no período pós-segunda guerra mundial, disse que a desintegração espiritual da sociedade burguesa fora prevista pelos pensadores religiosos russos, no século XIX, assim como por escritores alemães e franceses e pelos movimentos socialistas religiosos da Europa e dos Estados Unidos, e que essa reflexão ainda não estava terminada, pois se não houvesse espírito, essa força de vida que move o humano, as construções meramente sociais não poderiam produzi-lo.


Assim, esse sopro de vida que move o humano, que nos dá consciência do sagrado, cria e leva à comunicação entre pessoas e em grupos, manifestando-se por meio de palavras, das formas de vida e das instituições sociais. Essa visão de espírito nos leva a uma compreensão abrangente da religião, que por isso não pode ser entendida apenas como sinônimo de piedade. Se a religião pode ser vista entre os cristãos como uma interpretação particular do ideal evangélico, devemos, no entanto, dizer que há uma religião comum à espécie humana, que se expressa existencialmente. Assim, nas ações sociais magicamente orientadas, onde a distinção entre sagrado e profano é menos nítida, embora exista, é mais difícil definir o conceito de religião. Mas nas sociedades mais complexas, naquelas onde o espaço e o tempo do sagrado e profano são melhor definidos, envolvendo escolha, disciplina e prática, levam a experiências avançadas de religião. O que nos permite classificar a experiência religiosa como algo intenso, que traduz o sagrado para a realidade da pessoa, que diante daquilo que a esmaga desenvolve senso de temor. Esse medo qualitativo é motivo para reflexão e energia, que transformado em poder faz desta pessoa um adorador. Tais experiências com o sagrado encorajam no adorador aquilo que lhe é distinto. Apesar dessa relação de aparente relacionamento, permanece o abismo entre o adorador e o sagrado. Dessa maneira, este desejo de saltar sobre o abismo que separa o humano e o sagrado é o móvel que dará origem à religião, embora não seja religião em sentido restrito, pois se faz presente na busca do militante socialista pela realização da sua utopia política e social.


A dimensão negativa da religião, negação daquilo que é humano (PINHEIRO, 2004), é o que permite saltar da dúvida e da ignorância para além da razão. E porque a religião tem também uma dimensão positiva e simbólica, que possibilita o encontro com o sagrado através de suas manifestações, o negativo se realiza num ultrapassar sem se desligar de sua base. Assim, quanto mais a religião é construída no sentido vertical da busca do sagrado, mas encontra raízes no sentido horizontal da vida humana. Por isso, o primeiro elemento na experiência do sagrado é a santidade do ser e o segundo a santidade do dever, ou seja, a primeira forma de fé é ontológica e a segunda é fé ética (2002). No sagrado, o movimento da fé está definido por estes dois tipos de fé e por sua interdependência e antagonismo: onde quer que a religião seja experimentada, também é experimentado a exigência de que o humano seja aquilo que deveria ser. E se a religião está ligada ao rigor da fé, enquanto dimensão negativa, como vemos na espiritualidade privatizada, ela também se realiza existencialmente. Esse primeiro encontro é a raiz da conversão, mas remete a um segundo encontro com a pessoa do outro. 


No cristianismo, a contemplação do Cristo no outro que sofre é um chamado ao compromisso. E na tradição cristã, esse encontro que é serviço, faz de ambos contemplativos na ação. A partir desse momento em que o cristianismo torna-se caminho para o sagrado através do serviço ao outro, ele tem algo a dizer à política. Pode até parecer desconcertante relacionar cristianismo e política, mas ao falar de cristianismo estamos falando de exercício do amor, e por política entendemos a transformação da sociedade na direção do reino de Deus, para que se faça justiça aos excluídos de tal forma que encontrem vida e libertação histórica. Assim, o cristianismo dá sentido à vida cotidiana e torna-se além de crítica e revelação, político.


Quando trazemos esta discussão para a realidade brasileira, vemos que a partir dos anos 1960 com o engajamento de católicos e protestantes na luta contra o regime militar tomou corpo o debate sobre a responsabilidade política da comunidade cristã. Foi e continua sendo importante para o cristianismo brasileiro que tal discussão se faça, mas expressivos setores da comunidade cristã, em especial protestantes evangélicos, ainda não ultrapassaram a espiritualidade privatizada em direção ao compromisso social. Por isso, é necessário reconstruir aqui o caminho desse diálogo da fé cristã com a política, já que se o ser é o poder de ser, mesmo em seu sentido metafórico, o poder supõe um objeto sobre o qual possa exercer seu poder. Por isso, a política tem uma essência: o uso do poder. E o poder determina os caminhos da sociedade. E esse poder político recorre à autoridade social instituída e possibilita ao Estado exercer coerção em nome do direito dos cidadãos. Mas as convicções pessoais sobre o sagrado, numa leitura reducionista da espiritualidade, quando vê apenas sua dimensão negativa, têm implicações no pensar a política. Ao optar por uma espiritualidade privatizada (2005 c), ofusca-se caminhos e mascaram-se práticas, às vezes, não éticas, mas de atitudes aparentemente piedosas. E dessa maneira, a política não tem sido aceita por essa espiritualidade negativa brasileira, que apresenta propostas de uma ordem política onde o amor sem poder supere o poder sem amor.

 

Ao analisar tais propostas, que ressuscitam entre os protestantes a teoria social dos anabatistas, de contrapor as políticas de poder ao amor cristão, vemos que para o negativismo é impossível integrar política e estilo de vida cristão. Chamam, então, à igreja a rejeitar qualquer forma de poder representado na ordem econômica e política sob o poder do Estado. Mas ao rejeitarem as políticas de poder da sociedade, aceitam, por exclusão, já que a política também se faz por omissão, o uso do poder que está instituído, pois, ao não defenderem uma retirada do mundo, colocam-se sob o poder presente.


Neste sentido, diferem do separatismo batista, que historicamente propôs a radical separação entre Igreja e Estado em nome da liberdade de consciência. Este separatismo acreditava que o fracasso das políticas de poder são impedimentos para a manifestação do sagrado. Era um fundamentalismo de cunho liberal, fazia a crítica da política e propunha o distanciamento físico dos poderes do mundo. O que nos obriga a admitir que traduzia uma atitude política consciente. Hoje, a espiritualidade cristã brasileira não é separatista e não foge do mundo: acredita ter uma missão moral de transformação, mas, muitas vezes, nega a possibilidade de real envolvimento político, por temer o poder político. Ora, se a comunidade cristã tem uma ética política, deve utilizar os meios que possibilitam chegar aos fins que busca. Rejeitar o poder é rejeitar políticas. Tal rejeição pode até ser aceita, desde que seus agentes tenham consciência do que estão fazendo e, coerentemente, proponham o abandono do mundo. Quando uma comunidade acredita que a omissão diante da política e do poder favorece à instalação do reino de Deus, tem-se a negação da política como política cristã, o que fortalece aqueles grupos que buscam o poder em benefício próprio. E, ao contrário do que crê o negativismo, tal postura não estabelece o reino de Deus. 


Se não é possível falar de política sem falar de poder, outra questão se coloca: amor e poder são compatíveis? A pergunta procede porque a espiritualidade remete à prática do serviço ao próximo, mas, em nome da espiritualidade e do amor ao próximo, comunidades cristãs negam a possibilidade de todo e qualquer poder. Tal postura apresenta-se como equívoco, pois o poder não é uma identidade morta, mas um movimento reflexivo, onde o ser se separa dele para depois retornar a ele de novo. O poder, dessa maneira, é tão maior quanto maior for a separação vencida. E o movimento que reúne aquilo que estava separado é o amor. Mas se há um amor unificador, há o não-ser vencido e há o poder de ser, por isso, o amor é a base e não a negação do poder. Tal amor é um ato da vontade, porém, não se pode forçar uma pessoa a amar alguém. Já os atos políticos contêm elementos não voluntários, porque o poder do Estado está associado a ações que podem estar fora da vontade da pessoa, enquanto o ato de amor está associado a ações do querer. Outro fato importante é que o amor deve ser mediado pessoalmente. Como a natureza voluntária do amor necessita da existência de uma pessoa que o ative, o amor sempre necessita de um agente moral livre. O Estado, como qualquer outra ordem social instituída, tem uma existência objetiva e alcança seus fins indiscriminadamente. A relação da pessoa com o Estado é uma relação cidadão/instituição, em lugar da relação eu/você, que possibilita a mediação pessoal que ativa o amor. 


O amor tem um caráter sacrificial. Ou seja, possibilita ações que a despeito dos interesses particulares, imediatos, responde ao bem-estar do outro. Conscientemente, é um perder para que outro ganhe. Sacrificam-se direitos, sem estar forçados por obrigação legal, para que o outro seja beneficiado. Ou seja, por ser livremente determinado, o amor vai além de uma obrigação moral ordinária. Cumprir obrigação moral é responder à necessidade moral, é um ato de dever em lugar de um testemunho moral livre. É importante entender que esse processo de ir além da obrigação moral envolve, como paradoxo, uma vontade moral implícita. É por isso que o amor pode se transformar segundo as exigências concretas das pessoas e das instituições sociais, sem perder a dignidade incondicional. Assim, podemos dizer que o amor é voluntário e livremente entregue, que envolve volição moral, deve ser mediado pessoalmente, é sacrificial. E, finalmente, que o amor vai além do dever ou da obrigação moral, embora implique, paradoxalmente, em obrigação moral ou realização de um dever de origem.  


A política implica em servidão não voluntária, já que sua natureza baseia-se no uso da coerção e da força para alcançar seus fins. É organização formal e opera impessoalmente, e os políticos, mesmo quando são trabalhadores e socialistas, se ocupam de ações que levam terceiros ao sacrifício, por isso a necessidade da força e da coerção e, em última instância, do próprio Estado. Nessas condições, a maioria da população geralmente se considera satisfeita quando vive sob uma ordem política, seja ela dirigida por trabalhadores e socialistas ou não, que responde às exigências de sua obrigação moral. E quando isso não acontece podem levantar um chamado à rebelião contra o Estado, a fim de exigir dele a realização daquilo que é sua obrigação moral. Fazendo assim atuam no sentido de que não se torne totalitário, ou seja, negue os limites de seu poder de Estado ou passe por cima das obrigações que tem com as pessoas. Não obstante, mesmo para um governo dos trabalhadores, usar o poder do Estado como meio de realizar o amor entre as pessoas é um contra-senso, pois moralmente não se pode coagir ninguém ao amor. Tal coerção destruiria também a obrigação moral do Estado, que baliza a diferença entre poder limitado e governo totalitário.

 

Dado a dualidade entre poder e amor e o conflito aparente entre poder sem amor e amor sem poder, como a comunidade cristã, católica ou protestante, deve se situar frente à política implementada por um partido de trabalhadores? Colocada a questão nestes termos, de fato é difícil escolher entre ser massa, mas cidadão do reino, e ser um militante atuante à margem da salvação. Como seguir o caminho cristão sem rebaixar a nobreza do amor no altar do poder político? A alternativa de reconciliação entre poder sem amor e amor sem poder é o conceito de justiça. E justiça, num sentido amplo, significa dar às pessoas aquilo que por direito lhes pertence. Mas aqui outra questão se levanta: o que por direito lhes pertence? Uma possibilidade de resposta é entender a justiça como a maneira através da qual o poder deve ser realizado. Nesse caso, a justiça deve estar em sintonia com o movimento do poder, deve ser capaz de dar forma ao encontro da pessoa com outra pessoa. O problema da justiça no encontro surge do fato de que é impossível dizer como se organizará a relação de forças nesses encontros. A cada momento existem inúmeras possibilidades. E cada uma dessas possibilidades exige uma forma particular de justiça. Assim, as reivindicações da justiça só podem ser operacionais numa comunidade se forem definidas com um grau significante de particularidade, pois a justiça requer julgamentos diferentes diante de reivindicações contraditórias. Donde, não basta justiça como generalidade. É necessário trabalhar a compreensão de justiça no particular, para não cair no moralismo, quando não se tem nada a oferecer por se falar de forma idêntica em tempos, espaços e situações particulares diferentes.

 

Um partido de trabalhadores não pode considerar que fazer justiça significava dar a cada pessoa aquilo que lhe é por direito, pois tal compreensão levanta algumas questões: se todas as pessoas têm igualdade moral, então essa igualdade deve se estender a todo grupo social, às relações econômicas e políticas em que se fazem presentes. E se as pessoas são desiguais nas contribuições que fazem à sociedade, então essas desigualdades devem se traduzir nos grupos sociais e nas relações econômicas e políticas. Ambos os argumentos, sem dúvida, têm suas razões de ser. E fazem parte dos debates políticos entre cristãos e socialistas. 


Por encontrar dificuldades na formulação prática do conceito de justiça, as correntes cristãs fundamentalistas têm rejeitado o conceito de justiça enquanto ordem possível na humanidade. A justiça enquanto ordem possível na humanidade traduz a idéia de que o ser humano tem um conhecimento universal do bem e por isso compreende a necessidade de justiça. O novo conceito defendido pelas comunidades fundamentalistas é o de que a justiça é uma ordem apenas possível através da redenção e, por isso, não existiria um conhecimento seguro de justiça fora da revelação. Dentro dessa leitura teológica, só houve justiça na origem. Assim, ao rejeitar a possibilidade de uma ordem universal fora da revelação, tal compreensão teológica leva a um problema epistemológico, pois afirma que a razão não tem nada a dizer fora da revelação (PINHEIRO, 2001a). Essa visão teve e tem conseqüências práticas na elaboração de estratégias para a ação política, porque define que só a partir da fé se pode falar com autoridade sobre justiça. Ou seja, os cristãos não poderiam, como conseqüência, militar politicamente com não cristãos, pois não há base secular para o envolvimento político dos cristãos. Desse modo, ao negar o conhecimento natural do bem político, a única alternativa é omitir-se, porque política é coisa mundana, ou estabelecer uma política cristã sectária. 


O fundamentalismo no Brasil buscou impor normas redentoras, favorecendo o distanciamento dos fiéis da política, ao contrário daqueles que defendem uma teologia do conhecimento universal do bem, que rechaça a negatividade das ordenanças da redenção por isolar, alienar e separar a pessoa e a comunidade da prática política. Ora, numa leitura teológica do conhecimento universal do bem, a justiça deve estar baseada em reivindicações universais de direito, pois estabelecer justiça em base de autoridade sectária é violentar a compreensão de que todas as pessoas têm um conhecimento do bem: donde, todas as pessoas compreendem a necessidade de justiça. Assim, a justiça deve ser definida dentro do contexto de uma determinada ordem social e deve ser aplicada em termos de particulares, pois fundamentar o argumento da justiça apenas na pessoa não é o bastante. E devido à universalidade das normas de justiça e à universalidade da consciência de justiça, uma pessoa pode ter procedimentos e práticas que aprofundem políticas e programas que favorecem a justiça. É exatamente isso que os direitos cidadãos buscaram trazer para as democracias representativas. É o reconhecimento de que os meios empregados não devem violentar os fins procurados. É necessário, ainda, reconhecer que as normas de justiça são objetivas e que existem independentemente da volição humana. Conseqüentemente, podem ser feitas reivindicações em nome da justiça e podem ser rejeitadas reivindicações em nome da justiça. Considerando que o amor deve ser entregue como ato de liberdade, justiça exige reconhecimento independente da vontade humana. Essa discussão sobre a justiça, nos leva à questão da democracia. 


A partir da Revolução Francesa de 1789, as declarações de direitos passaram a se abrir com o enunciado de que os seres humanos são livres e iguais. Foi assim que a Europa assumiu a realidade da dimensão universal do direito à liberdade e à igualdade, que mobilizou os movimentos de libertação de escravos, mulheres e povos. A constatação desse direito à liberdade e à igualdade legitimou as revoluções burguesas, e a democracia representativa apresentou-se como a forma política através da qual essas liberdades se exprimiriam. Mas, a democracia representativa enquanto expressão da justiça entrou em crise, porque cultura da modernidade burguesa se encontrava em crise. No Brasil tal situação foi presenciada no final do governo militar, com a campanha pelas Diretas, que mobilizou dois milhões de pessoas nos atos realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro. Mas, diante do possível desmoronamento do regime militar, iniciou-se um processo onde a democracia representativa funcionou não como forma política de expressão dos direitos à liberdade e igualdade, mas como elemento de controle e restrição dessas liberdades. E as eleições surgiram, então, como alternativa para que o fim do regime militar não desembocasse numa derrocada estrondosa e a mobilização das massas levasse a uma ampliação da democracia participativa. Essa democracia de amplo espectro, participativa, que surge à galope do movimento das massas dinâmicas, é o que chamamos de revolução democrática. 


No Brasil a revolução democrática, entendida como etapa anterior ao socialismo e defendida pelos democratas radicais e socialistas reformistas, já tinha sido abortada em 1964, e o foi de novo em 1984, quando ficou claro que as mobilizações conduziriam à extinção do autoritarismo militar e civil. Em 1964, assim como em 1984, o Brasil arrancou na direção de uma democracia de participação. No correr da década de 1990, no entanto, voltaram a surgir condições para uma expansão da democracia de participação, onde a classe trabalhadora, sob a liderança do PT, poderia marchar em direção ao governo, já que a Constituição de 1988 abrira essa possibilidade, e as mobilizações das massas, surgidas a partir da deterioração da ordem legal, davam às pessoas e aos movimentos o lugar de atores sociais. De fato, as eleições possibilitaram a conquista de espaços democráticos representativos, e permitiram que a voz social e política dos trabalhadores fosse ouvida nacionalmente. E, possibilitou também que as intervenções dos trabalhadores fossem num crescendo diante do enfraquecimento da política neoliberal. Assim, os trabalhadores começaram a enfrentar seus adversários no próprio campo da luta eleitoral, conquistando espaços democráticos representativos, mas essas vitórias políticas foram aos poucos, dentro do PT, fortalecendo as teses de que o objetivo era a revolução democrática, nesta etapa da democrático-burguesa da revolução, e não a conquista do poder e a construção de uma sociedade socialista.


A democracia representativa não é um fim em si, mas instrumento de mediação das relações de poder. Isto pode ser compreendido quanto se constata que a democracia representativa enquanto objetivo da revolução burguesa encontra-se em crise, porque se tornou escrava das leis de mercado. Assim, como toda a sociedade burguesa, ela está submetida à economia. Essa enfermidade crônica da democracia representativa levou os trabalhadores a viverem num mundo sem garantias. Logicamente, se há crise cabe perguntar se pode haver transformação, embora se saiba que transformar não signifique necessariamente restaurar valores que já não respondem às necessidades de trabalhadores e excluídos. Fazer assim seria heteronomia, que só reafirma o autoritarismo. Transformar o princípio de liberdade e igualdade significa reinventar a democracia, o que se traduz na idéia solidária da incondicionalidade da justiça. Os valores podem ser reinventados, mas isso significa dizer que as massas em movimento, autônomas, devem tomar essa democracia representativa de assalto, pois ela só permanecerá se mudar, porque não é um estado natural da sociedade, é sempre um ensaio. Por isso, necessita ser reinventada sempre, e diante da ditadura das leis do mercado, dos fundamentalismos e das mídias controladas pelos grandes grupos, a democracia tem que ser liberdade e igualdade para aquela maioria que não tem voz e vez. Se a democracia é mediadora, embora não seja um fim em si, não basta que as pessoas votem, elejam governantes, e permaneçam distante das ações do poder: a democracia reinventada implica em participação. Mas a democracia não pode ser recriada se partir daquilo que é pré-estabelecido. Dizer que a democracia é uma mediação fundamental nas relações entre classes e partidos, não significa que em todos os lugares ela será igual. Se os seres humanos podem ser livres e iguais, as sociedades têm que se articular para a maioria excluída, e este é o caso brasileiro, os direitos à liberdade devem levar aos direitos sociais, à igualdade. Mas se não existirem as mesmas condições de possibilidade não pode funcionar a democracia, pois se não garante a realização da liberdade não se pode esperar que funcione enquanto mediação fundada sobre os princípios da justiça social. E não basta os mitos fundadores da democracia afirmarem o caráter universal de que “todos os seres humanos são livres e iguais”: esta só pode se realizar enquanto comunidade internacional ativamente participante. Essa é a base do internacionalismo defendido pelos trabalhadores e socialistas e foi uma das bandeiras levantadas pelo do Partido dos Trabalhadores. E tal discussão nos remete, mais uma vez, à questão da transcendência da justiça.


Se a transcendência da justiça está correlacionada à transcendência do amor, em termos teológicos amor e justiça não podem ser contrapostos. O amor pode ir além da justiça, mas nunca pode buscar menos que a justiça. O amor pode inspirar reverência à justiça, mas nunca pode ser desculpa para esquecer as reivindicações da justiça. E se a justiça é uma qualidade objetiva que estabelece direitos e obrigações, projetos podem e devem ser desenvolvidos pelas pessoas e comunidades para criar ações que sirvam às reivindicações da justiça. Dado o fato que nem todas as pessoas buscam a justiça de boa vontade, o poder pode ser usado legitimamente quando serve à causa de justiça. Isso significa dizer que o amor não pode usar o poder para alcançar seus fins, mas que a justiça têm que usar o poder para alcançar seus fins. Tais distinções são necessárias porque não se pode dizer a um governo dos trabalhadores que ame, porque suas ações têm por base o poder, e porque as reivindicações do amor estão arraigadas em reconhecimento pessoal e particular ao invés de normas universais de justiça. Mas como os cristãos sociais proclamaram, dentro e fora do PT, as boas noticias da autonomia, sensibilizam as comunidades para as demandas da justiça. Conseqüentemente, permanece a justiça enquanto serviço de amor. Assim, usar o Estado como um instrumento de amor está fora do objetivo de um partido de trabalhadores, pois levaria a um Estado sectário, quando não totalitário. Por causa disso, as normas distintivas da justiça serão usadas pelo partido para delimitar o que é meu e o que é teu. Negar a justiça em nome do amor seria negar os direitos das pessoas, que são a base de qualquer democracia participativa e representativa. O conceito de justiça, então, aliado aos de amor e poder apresentam as alternativas para as comunidades cristãs ao se pensar a ação política de um partido de trabalhadores. 


A política, com base no poder, cumpre uma função legítima quando serve as reivindicações da justiça. Amar, sem rejeitar o poder, indo além dos direitos e deveres estabelecidos pela justiça, possibilita um testemunho de justiça e uma motivação moral que coroam o ato justo. Amar, através da mediação pessoal, complementa a justiça em suas demandas objetivas. Por isso, Herbert de Souza (1993), o Betinho, que foi ativista da Juventude Universitária Católica e combatente da Ação Popular, disse que a fome é exclusão, da terra, da renda, do salário, da educação, da economia, da vida e da cidadania. Porque, quando uma pessoa chega a não ter o que comer, tudo o mais já lhe foi negado. Ou seja, é morte em vida. E concluiu que a alma da fome é política (SOUZA, 1993). O clamor de Betinho foi um clamor para que a justiça desse sentido humano à política. E acreditou nessa possibilidade: Disse que o ato solidário é um movimento no sentido oposto a tudo o que se produziu até agora, que é uma mudança de paradigma: “como um olhar novo que questiona todas as relações, (...) restabelece as bases de uma reconstrução radical de toda a sociedade. Se a exclusão produziu a miséria, a solidariedade destruirá a produção da miséria, produzirá a cidadania plena, geral e irrestrita” (SOUZA, 1993). 


Quando a justiça é negada, a política torna-se escrava do poder. Perde o eixo da vida da ação política, já que a injustiça só será vencida pelo reconhecimento da dignidade da pessoa, e essa é uma tarefa política. Para conquistar tal dignidade, o poder deve ser exercido. Assim, a síntese deste diálogo pertinente entre política e religião é a justiça. Esta é razão de ser de um partido de trabalhadores. Mas para entender tal relação no PT é necessário compreender o mito fundante e o que ele representa para o futuro deste partido. O mito de origem do Partido dos Trabalhadores é o socialismo, traduzido principalmente na experiência da revolução cubana. Essa realidade pode ser vista na preocupação sempre presente de defesa da revolução cubana, de seus líderes e de suas ações políticas, mesmo as mais discutíveis.   

 

A origem é o que faz emergir. Este aparecimento dá lugar a algo que não existia antes, que produz uma consciência própria, diferente da origem. A realidade daquilo que o Partido dos Trabalhadores é está colocado, mas também é algo que lhe é próprio. É uma tensão entre o ser-posto e o ser-próprio, já que a origem não liberta. Não se pode dizer que o PT era e que não é mais. Isto porque, a origem puxa, faz emergir, segura firme: é ela que estabelece o PT como algo, mas, também para o PT, ser-posto no mundo significa amadurecer, envelhecer e, inclusive, morrer. 


Ora, fazer uma leitura teológica desse espectro do vermelho e das possibilidades do PT implica em fazer uma discussão sobre as origens proletárias do partido e o que isso significa. Foram condições especiais que levaram a massa proletária e a pessoalidade de jovens sindicalistas, cristãos e socialistas a formarem uma unidade, que correspondeu às exigências daquele tempo presente. Essa massa orgânica, que nem sempre caminha em direção às exigências do tempo presente, no final dos anos 1970 plasmou-se enquanto massa dinâmica no tempo histórico do final do regime militar. Essa massa em movimento, que é revolucionária não só em termos políticos, mas no sentido de fé espiritual e social, gerou um movimento que a levou a ir além do estado de massa, o que se concretizou na organização do Partido dos Trabalhadores.


Apesar do caminho que fez através da democracia de participação e das mobilizações, isto não evitou que o Partido dos Trabalhadores vivesse desde sua origem os conflitos internos do socialismo (PINHEIRO, 2003), que tiveram como ponto de partida a própria condição proletária do partido. Os conflitos da situação proletária no PT surgiram do fato de que esse proletariado industrial e suas direções sindicais se apoiaram no princípio burguês de gestão da vida cultural, política e social e, ao mesmo tempo, procuraram se opor ao princípio burguês. Ou seja, os conflitos tiveram por base o fato de que esse proletariado industrial deveria ir além, sobrepujar o princípio burguês com os meios deste mesmo princípio. Esta oposição foi inevitável, porque a existência proletária é expressão do princípio burguês. Estão presentes na própria existência do proletariado e, em especial, em suas direções sindicais, o processo de permanente objetivação, reificação e a ruptura com sua própria origem. Então, o proletariado, mesmo estando organizado em sindicatos, não pode reagir ao pensamento burguês com total liberdade e independência. Isto porque não se pode responder à reificação apenas com o ethos, é necessário usar meios políticos. Mas, ao mesmo tempo, a situação dos trabalhadores, a cada ação e manifestação, mostrava a milhões de brasileiros que suas existências estavam em contradição com o destino humano. Foi essa realidade, que o conjunto da sociedade brasileira vivia e sentia, que deu força ao movimento operário e o ligou às reivindicações democráticas da sociedade. Foi por isso que o princípio protestante da autonomia teve função especial na compreensão da situação brasileira, pois ao ser olhado a partir da situação proletária, mostrou que a realidade brasileira nos anos da ditadura militar se apresentava como alienação. 


Estes elementos que desde o início estiveram correlacionados à situação de classe dos trabalhadores, que formaram a base social do PT, ligados à consciência da necessidade de lutar pelo socialismo, tiveram para os brasileiros uma significação universal. E são esses elementos que nos permitem falar de espectro do vermelho, que vão além dos atributos de classe, mas fizeram parte do conteúdo humano levantado nas bandeiras de luta do Partido dos Trabalhadores. Dessa maneira, como em outros momentos da história, setores do proletariado brasileiro descobriram que esses direitos que brotam da autonomia o ligavam a outros grupos humanos e que a miséria tocava tanto seus corpos como suas almas. E que esses elementos originais daquilo que é humano são realidades presentes que os levam à luta contra o princípio burguês. Esta é a razão porque o cristianismo social pode e deve dialogar com o materialismo proletário pela construção de uma nova sociedade. E nesse diálogo deve, também, lembrar ao socialismo que a miséria dos trabalhadores e excluídos não é somente uma miséria econômica e social, mas humana.


Nos primeiros anos da história do PT vimos que a oposição entre fé cristã e socialismo não estava na utilização do método dialético e nem mesmo no materialismo, mas na leitura dos fatores intra-históricos, já que para os cristãos sociais a história é definida pela combinação de fatores intra e supra-históricos. Kairós é o tempo bom, do que deve acontecer, onde as estruturas são abaladas, onde o tempo e o espaço são transformados e o novo, que antes não existia, brota na história. É a revolução. Na compreensão cristã foi a ressurreição do Cristo, que possibilita a realização da utopia, o Reino de Deus. Na história da França foi a queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, que possibilitou o encontro com o ideal de liberdade, igualdade e fraternidade. E dois séculos depois, o maio de 1968, que se traduziu no kairós que deu origem a uma época de renovação de valores, calcada na força de uma cultura jovem. A ausência desse elemento do tempo além do tempo no socialismo materialista tende a levar as correntes socialistas a caminharem numa direção contrária a do próprio socialismo, pois não entendem a irrupção do kairós, da revolução, aquele momento de graça onde a possibilidade humana se torna plena de força. A revolução é um tempo carregado de tensão e transformação, já que nem tudo é possível sempre, nem tudo é verdade em todos os tempos. A revolução reina no tempo presente, que é diferente dos tempos do passado. É nessa viva consciência da história que está enraizada a idéia de kairós, e é a partir dela que deve ser construída uma ação política consciente da história.


A concepção conservadora, que se plasmou na corrente sindicalista do PT, liderada pela tendência Articulação, perdeu o sentido do tempo além do tempo, do kairós, ou seja, da revolução, e, por isso, o pensamento conservador congelou as possibilidades de transformação da realidade brasileira. O mito fundador do PT expressa com profunda riqueza este estado de coisas, com o testemunho de eventos nos quais o partido deveria perceber sua origem. Mas, em seu mito fundador ressoam as leis cíclicas do nascimento e da morte, que promete a segurança da origem e o coloca debaixo de seu império. Por isso, a raiz do pensamento político conservador é essa consciência mítica original. Esse é o nó de origem do Partido dos Trabalhadores: parte da utopia, que pretende realizar a eternidade no tempo, mas o que é eterno abala o tempo e todos seus conteúdos. Parte da militância quis congelar sua saga de origem, eternizando os momentos de vitória do início dos anos 1980. Tarefa impossível à utopia. E é por isso que a utopia leva à decepção. Ela esquece o presente e se lança à frente, mas este estar no passado ou no futuro faz do presente um tempo pobre, e é isso que desencanta as lideranças sindicais, que estão sob forte pressão do princípio burguês. Daí que a realização da espera socialista não pode ser entendida como um conceito meramente empírico, pois a utopia é impotente para enfrentar os poderes da sociedade. Quando o PT não se questiona a respeito da promessa socialista, seu kairós, a revolução, sua espera deixa de estar orientada em direção à realização, pois a esperança exorta a luta política a caminhar na direção do presente prometido. 


A ação dinâmica dos trabalhadores deve criar novas possibilidades de existência, provocar antecipações significativas do futuro. Na ação animada pela espera há transformações e superações, mas não se alcança uma existência humana isenta de ameaça. Por isso, o princípio último da justiça é o reconhecimento da dignidade do ser humano como pessoa e dos ameaçados pela injustiça.


O PT, sem dúvida, foi além do colocar-se como realidade dada. Fez a experiência de uma exigência que o separou do imediato da concepção socialista e o levou a colocar-se diante da pergunta: por que o PT é assim? (PINHEIRO, 2005). Esta pergunta quebrou o ciclo nascimento/morte e separou o PT da esfera meramente socialista. A pergunta pela razão de ser do PT é a exigência de algo que tem que se tornar realidade. Quando se faz a experiência desse tipo de exigência não se está mais colado à origem. Vai-se além da afirmação do que já está. A exigência nomeia o que deve ser. E o que deve ser não é determinado com a afirmação daquilo que é, significa que tal exigência impôs ao PT o incondicional. O questionamento pela razão de ser do PT está fora dos limites da origem e através dela o partido deveria alcançar algo incondicionalmente novo. Este é o sentido da exigência: quando o Partido dos Trabalhadores, por ser um partido dividido, que tem contradições, faz esta experiência, ele detém um conhecimento próprio, por isso é possível ir além daquilo que o cerca. Tal é a liberdade do partido: suas lideranças e suas bases não têm vontades livres de circunstâncias e situações, mas não estão presas ao que está dado. A existência e ação do partido não estão amarradas na simples propagação de sua origem. Quando esta consciência se impõe, para lideranças e bases, podem ser rasgados os laços da origem, o mito original será quebrado. Essa ruptura do mito original pelo incondicional da exigência foi a raiz do surgimento do pensamento democrático no Partido dos Trabalhadores. 


Essa concepção democrática, que é progressista, tem seus limites, pois considera a utopia um alvo colocado à frente, que se realiza a conta-gotas, que não se apresenta enquanto revolução. Assim, os tempos tornam-se sem decisão. Nessa concepção democrática, e aqui estão representados os socialismos reformistas no PT, existe uma tensão diante daquilo que o partido foi, pois a consciência de que o alvo se dá por etapas leva a um compromisso continuado com o passado, por isso a concepção democrática em si mesma não oferece opção ao que está dado. Transforma-se em crítica pontual desprovida de tensão, onde não há nenhuma responsabilidade última. Esse progresso mitigado é a atitude característica das tendências reformistas no PT e é uma ameaça, pois significa a supressão do kairós, do anúncio da plenitude dos tempos. Esse socialismo reformista é o grande adversário do espírito crítico transformador.


Mas, a exigência que o Partido dos Trabalhadores faz na experiência diante do que é incondicional não é estranha a sua história. Se fosse estranha, o PT não poderia entender tal coisa como exigência. Se ela toca sua militância é porque coloca diante de seus olhos a sua essência enquanto exigência. Funda-se, então, a incondicionalidade, a irrevogabilidade com que o dever-ser confronta a cada dia o partido e exige ser afirmado por ele. Se a exigência da incondicionalidade do PT é sua própria essência de partido dos trabalhadores, nascido das lutas sociais, a essência do PT encontra seu fundamento na sua origem e, então, a providência e o destino não pertencem a mundos diferentes. A pura consciência mítica original ignora todas as ambigüidades da origem. É por isto que esta consciência está presa à origem e considera sacrilégio toda a ultrapassagem da origem. Só a consciência que faz a experiência da exigência daquilo que é incondicional se livra dos laços de origem e se apercebe da ambigüidade da origem. Por isso, um partido socialista não recebe sua exigência incondicional de outros partidos: é no encontro com as massas em movimento que a exigência torna-se concreta. Seu conteúdo é reconhecido pelas massas com a dignidade de partido socialista, dignidade para ser livre, portador da realização daquilo que aponta à origem. Reconhecer nas massas em movimento uma dignidade igual ao de partido de trabalhadores é justiça: e a exigência que arrasta o PT à ambigüidade da origem é a exigência de justiça. A origem não rompida conduz a poderes em tensão que procuram a dominação tanto do partido como a imobilização das massas. Quando a origem é rompida vem o poder de ser partido socialista, o declínio dos poderes julgados por seu sacrilégio, de acordo com a ordem do tempo. 


Diante do poder e da impotência de ser PT, opõe-se a justiça, que provém do dever-ser. Portanto, não há uma simples oposição, porque o dever-ser é a realização do ser partido de trabalhadores. A justiça é o verdadeiro poder de ser partido socialista. Nisto se torna realidade o que é apontado na origem. Na relação entre as diferentes tendências existentes no partido e as duas grandes vertentes de pensamento político, reformismo burguês versus socialismo, a exigência deve predominar sobre a origem, e a justiça sobre o poder. A pergunta pela razão será superior à da providência. O mito original não deve representar no pensamento político mais do que uma crença desvelada. Esse é o caminho da utopia socialista. Sem o espírito utópico socialista não há protesto, nem transformação. Assim, a realização da ação crítica e revolucionária se encontra além do tempo, lá onde a utopia socialista pode perder força, mas sua ação continua presente. Toda transformação exige uma compreensão do momento vivido, deve entender que há um choque entre a utopia socialista e o kairós, a revolução. É a partir dessa compreensão do que significa a ação crítica no tempo presente, que se deve voltar ao kairós, à revolução que abala o tempo e os lugares, mas agora com novos conteúdos, construído enquanto responsabilidade fundamental. 


Tal desafio não pode ser resolvido por um líder, por mais que expresse a utopia: o sujeito da transformação será, em última instância, a comunidade dos excluídos em movimento. Ora, as raízes do pensamento político deve manter relações que vão além da soma de diferenças, porque a exigência predomina sobre a origem. E quando decisões são requeridas, o conceito tradicional de compreensão da realidade não é aplicável, porque não é possível entender o socialismo quando não se experimenta a exigência da justiça como uma exigência incondicional. Quem não é confrontado por esta exigência não pode falar de socialismo, a não ser enquanto expressão externa. Aqui reside a polarização de opiniões que a discussão sobre socialismo e reformismo burguês gera dentro do PT. 


Frente à realidade das tendências e das diferentes raízes de pensamento político, está posto que toda ação política dentro do partido de trabalhadores, mas também diante da sociedade, requer autoridade, não só no sentido do uso do poder, mas também em termos de consentimento manifesto das pessoas. Tal consentimento só é possível quando o partido representa uma idéia que tenha significado para todos. Existe, pois, na esfera política uma relação entre a autoridade e a autonomia. Exatamente por isso, autoridade e autonomia devem estar presentes no partido e não podem existir sem a correção da democracia, enquanto mediação, e do direito de tendências. Isto porque o socialismo dos trabalhadores coloca a questão da possibilidade de que a vida tenha sentido para todas as pessoas e que se esforce para responder a esta questão no plano da realidade e do pensamento. Já os cristãos sociais acrescentam algo a essa compreensão, dizem que o socialismo não deve ser apenas um movimento político, pois é maior que o próprio movimento das massas trabalhadores: deve ser um movimento que procure apreender cada aspecto da vida e cada grupo da sociedade. Para os cristãos sociais este é o desafio: manter o socialismo sem se deixar congelar por ele; projetar seus sonhos, sem sacrificar vidas no altar da utopia; ser democrático, quando a intolerância e o arbítrio marcaram e fazem parte da tradição política brasileira. E ser voz da ação crítica e revolucionária que se projeta além das classes, neste agora onde a utopia socialista deve parir o kairós, a revolução.


Essa relação entre fé cristã e sua presença no partido de trabalhadores manifesta-se na forma de um paradoxo, no sentido de um modo de pensar que está à margem das opiniões aceitas e mesmo em oposição a elas. O paradoxo inicial da fé cristã reside no fato de ser ela uma obra da cultura na forma de um saber que tem a intenção de explicar a realidade e, por extensão, a própria cultura da qual procede. Essa universalidade da fé cristã deve ser designada como sendo o predicado da interrogação cristã que se dirige ao ser da nossa brasilidade. Ela determina o caráter paradoxal da relação entre cultura e fé cristã na medida em que é origem e uma das instâncias fundadoras da cultura brasileira. 


Há aqui uma correlação de causalidades históricas, mas é importante assinalar que outras produções culturais, como a política e a democracia de participação apresentam essa originalidade de ostentarem os traços do que serão as suas essências como intenção de conhecimento. Nesse sentido, a fé cristã no Brasil deve ser considerada não só um caminho para se penetrar no espírito da cultura proletária, mas para se compreender o pensamento libertário do partido de trabalhadores. Mas, para isso é necessário ter presente a relação dialética que existe entre o dinamismo da cultura proletária e a produção da fé cristã brasileira, que juntas construíram nossa história recente (PINHEIRO, 2001a).


Assim, a fé cristã esteve e ainda está inscrita no destino da cultura proletária, e faz parte do seu espírito. Por isso, é necessário perguntar qual a razão que conduz a esse destino. Ora, a própria fé cristã brasileira nos dá motivos para essa interrogação. Ela nomeia a razão debaixo da qual a cultura proletária caminhou, sendo a única que fez de tal razão o seu signo, embora sejamos obrigados a levar em conta os tristes caminhos que essa razão ofereceu no suceder histórico da brasilidade. Mas, é fato que a descoberta do instrumento pelas duas grandes correntes formadoras do pensamento cristão brasileiro, o catolicismo e o protestantismo, e a legitimação social de seus usos, foram a causa do aparecimento de um conhecimento de fé e de vida, que se apresentaram marcados pelo paradoxo da interrogação sobre o ser brasileiro e pela utopia. 


Como vimos, há um choque entre a utopia/ socialismo e o kairós/ revolução, que se traduz enquanto clamor crítico diante da responsabilidade que não pode ser esquecida. E é a partir da compreensão do que significa a ação crítica e revolucionária no tempo presente, que voltamos ao kairós, que irrompe no instante concreto, no sentido de clamor crítico, enquanto plenitude no tempo certo. Este kairós é o tempo onde se completa aquilo que é absolutamente significativo, é o tempo da destinação. A relação entre utopia e kairós está caracterizada pela necessidade do desenvolvimento de uma utopia que aceitou legitimar socialmente a autonomia. O kairós passou a ser, então, a forma exemplar da vida segundo a autonomia. Ora, a intenção de universalidade que move um partido de trabalhadores, levando-o a voltar-se reflexivamente sobre si próprio e sobre a utopia que lhe deu origem, opera aqui uma inversão na significação dos termos da relação entre a utopia e kairós como sua própria criação. Inicialmente a utopia é o termo fundante nessa relação, se considerarmos o kairós segundo, revolução que se determina a si própria. Considerado, porém, na sua natureza de interrogação sobre aquilo que deve ser a sociedade brasileira, portanto, intencionalmente universal, kairós assume, na sua relação com a utopia, a posição de termo fundante, já que a utopia se torna objeto a ser explicado pelo kairós no tribunal do que é essencial e fundamental. Essa explicação nos leva a estabelecer, de modo sistemático, a ordem das razões segundo a qual a utopia pode ser pensada na sua natureza, na sua unidade e nos seus fins. Assim, como termo fundante da sua relação com a utopia, o kairós descobre seu propósito essencial na construção da história de um partido de trabalhadores. 


Pensar a utopia significa para o kairós, de um lado, examinar a solidez do edifício da utopia, os conceitos ontológicos que tornam possível a atividade espiritual do ser humano: o ser e a essência, e definir segundo o seu estatuto ontológico, as condições de exercício dessa construção, sua razão e justiça. Nesse sentido, a utopia, em sua acepção mais ampla, leva o kairós a ser um kairós da utopia. Por isso, podemos afirmar que a relação entre utopia e kairós apresenta uma forma dialética, pois nela a utopia e o kairós invertem, no movimento do conceito, o papel de termo fundante da relação. Essa estrutura dialética caracteriza a tensão histórica entre utopia e kairós que é um paradoxo tanto no ato de pensar a fé cristã, quanto na intenção de ser socialista. Ela obriga o kairós, ao constituir-se como termo fundante da sua relação com a utopia, a passar além das esferas de interesse dentro das quais ocorrem os momentos diversos do pensar utópico. Assim, o lugar da tensão dialética entre utopia/ socialismo e kairós/ revolução, nesse impulso de remoer as origens, encontrará satisfação no kairós, enquanto história que conhece diferentes tentativas de superação dessa tensão, que está no começo e no anunciado ato final do destino histórico. Existe assim uma regência da utopia pelo kairós, não só simbólica, mas política. É o de tornar-se mundo pelo advento daquilo que é novo na história, da qual ele é a coroa. Donde, a inevitabilidade da pergunta pelo futuro, inscrita como destino e como condição num partido de trabalhadores. Portanto, a situação do kairós na utopia socialista nos convida a conviver com essa tensão que assume feições diversas ao ser o kairós confrontado com os universos utópicos que constituem a realidade complexa da utopia: particulares, mas universal. Talvez, por isso, o futuro do kairós e o da existência do PT permaneçam como problemas: o kairós, a revolução, vive essa tensão e é a partir dele que se articulam as questões fundamentais do futuro do movimento socialista neste novo milênio.

 

A primeira tarefa do cristianismo social dentro de um partido de trabalhadores é a crítica no sentido original da justificação, enquanto integridade que conduz à dúvida tanto sobre a utopia, como sobre o próprio kairós. No caso da utopia essa tarefa se desenvolve no terreno da tensão dialética da qual é o kairós que deveria refletir criticamente sobre a própria utopia. Nos últimos anos, o paradoxo dessa situação voltou a se manifestar dentro do PT, quando setores do cristianismo social, que se opunham à política majoritária, disseram que é a revolução que deve julgar a utopia. Essa pretensão foi condenada em razão da relatividade dos paradigmas que possibilitavam a revolução e que se dissolviam na pluralidade das utopias. Tratava-se, porém, de uma pluralidade quantitativa no espaço e no tempo históricos, mas qualitativamente relativas. Dessa maneira, a reflexão sobre a utopia colocou  a revolução em face de um questionamento: o problema da unidade e diversidade do ser socialista, que está presente no fundamento das diferentes versões do viver utópico e político dentro do PT. 


A segunda tarefa do cristianismo social num partido socialista é a busca do fundamento da unidade da cultura socialista, que só pode estar na ontologia, enquanto ontologia do ser humano. Para esse fundamento reflui a interrogação sobre a unidade ontológica da cultura socialista e a questão se formula nesses termos: qual é o princípio antropológico daquilo que a cultura socialista produz? É certo que o humano cria seu próprio universo de significação, que é a cultura, e é nela que vamos encontrar o ato e a forma da nossa expressividade. Dessa maneira, o primeiro momento de reflexão do cristianismo social sobre a cultura socialista no Partido dos Trabalhadores consistiu em assegurar no ato dessa produção a unidade que só pode ser pensada em oposição ao fluxo do tempo e à dispersão do espaço onde a experiência se situa. Essa intuição já tinha inaugurado o pensar da Teologia da Libertação na America Latina. Donde, a unidade ontológica da cultura socialista, aquilo que é compreensivo no seu ser, reside na relação dialética entre a estrutura transcendente da pessoa e aquilo que é ideal no que a cultura de trabalhadores e excluídos produz, que se manifesta na forma que vai além do tempo e do espaço, o que lhe dá perenidade simbólica. O próprio cristianismo social apresentou-se, então, como paradigma da utilidade ontológica da cultura socialista, pois nela foi tematizada a transcendência da ação.


A natureza da unidade da cultura socialista foi entendida como unidade analógica, porque a produção cultural se apresentou como expressão da abertura do trabalhador à universalidade do ser brasileiro e foi no horizonte dessa universalidade que essa produção cultural se situou e adquiriu sua idealidade simbólica. Por isso, a unidade da cultura socialista apresentou-se, num primeiro momento, como possibilidade a ser assegurada pelas categorias de estrutura e relação estabelecidas pelo cristianismo social e outras compreensões socialistas e articuladas pelo movimento dialético da expressão da pessoa excluída. Dessa maneira, para os cristãos sociais, a unidade passou a ser defendida como uma unidade na diferença, que permitiria aos trabalhadores e socialistas realizarem-se na pluralidade das culturas brasileiras e na profusão de formas por elas produzidas. Foi, pois, tal caráter da unidade da cultura socialista que deu origem ao problema dos universos culturais no PT. O caráter da unidade na diferença é a afirmação da exterioridade: é a superação da totalidade a partir da transcendentalidade interna ou da exterioridade daquele que nunca esteve dentro das tendências petistas. O caráter da unidade na diferença é crítico porque leva à superação da dialética. Afirmar a exterioridade da militância partidária, dos movimentos sociais, realiza o que é impossível para o partido, imprevisível para a totalidade, aquilo que surge a partir da liberdade não condicionada revolucionária.


Como a unidade na diferença é prática, torna-se uma pedagogia e uma política de massas, que trabalham para a realização daquele que é o outro, que é a epifania de todos os trabalhadores e excluídos. E essa da unidade na diferença, então, leva à questão dos universos culturais brasileiros, ao problema das categorias antropológicas que exprimem as relações de trabalhadores e socialistas com a realidade, no âmbito da sua abertura transcendental ao ser brasileiro. A diferenciação dessas categorias obedece à diferenciação do ser na realidade e incide na diferenciação dos modos de relação do trabalhador e socialista com o ser humano brasileiro, de maneira que a categoria de objetividade delimita o campo da relação de produção enquanto campo da relação teórica e campo de relação da práxis. O entrelaçamento dessas relações no existir histórico do partido de trabalhadores define a cultura socialista no partido. Assim, as diferentes correntes como seres em relação são, enquanto ontologia, seres da cultura socialista, assim como a realidade é, para eles, uma realidade da cultura socialista. Assim a unidade na diferença da cultura num partido de trabalhadores deve ser pensada segundo a analogia de atribuição, ordenada em direção à inteligibilidade. A determinação dessa direção orienta a discussão sobre a relação entre teoria e práxis. 


Diante disso, a terceira reflexão do cristianismo social tem em vista o estatuto ontológico que rege a atividade cultural socialista. Esse estatuto ontológico exprime-se como unidade da cultura socialista que encontra sua efetivação nos diversos ciclos da história do partido. Mas, ao colocar em evidência a dimensão da realização do brasileiro, o cristianismo social descobriu o caráter normativo que lhe é inerente. E como a ontologia prolonga-se numa ética da cultura, o brasileiro fundou o mundo da cultura brasileira tendo em vista o seu próprio bem. Por isso, o ético não deve ser entendido como um predicado externo à cultura: os dois conceitos tornam-se complementares porque a produção encontra seu lugar no espaço daquilo que é morada do ser humano.

 

Ethos, então, passa a ser a forma de vida da cultura e é, por sua própria natureza, conhecimento normativo da cultura. Fazendo-se reflexão ética, a reflexão do cristianismo social sobre a cultura socialista teve a função constitutiva de operar no ser do trabalhador e em sua produção cultural e política. Assim, o cristianismo social tem por objeto a ontologia e a ética do ser militante da cultura socialista. É por isso que a tematização ontológica e ética da cultura socialista ocorreu no âmbito do PT ao nível da sua justificação em termos de razão. No momento em que a cultura socialista colocou no seu espaço simbólico os sistemas criados pela razão, entre os quais está o cristianismo social, ela definiu o estatuto dessa produção simbólica, as regras e as normas do seu uso em vista da realização daquilo que é humano. 


Desde o momento em que o campo simbólico da cultura socialista dilatou-se no espaço universal da razão, os limites do ethos tradicional tornaram-se estreitos e coube ao cristianismo social a proposta de um outro ethos, a ética cristã. Por isso, o cristianismo social foi o produtor dessa instauração no PT. O roteiro da ética na cultura petista acompanhou o roteiro seguido pelo pensamento cristão. Ele reflete as dificuldades da cultura petista nessa hora de crise de identidade que é vivida como crise da cultura socialista, mas também como crise ética. Mas tal crise tem um paradigma que traduz este momento especial: esta crise é uma enfermidade da modernidade capitalista. Diante dessa crise, o cristianismo social tinha dois caminhos a seguir: participar do fechamento do sistema sobre si mesmo, favorecendo a totalização do sistema, e cumprir a função de ocultar a dominação. Isto significaria divinizar a historia na realidade social, assim como a dialética enquanto processo que teve gênese e dinâmica próprias. Tais divinizações levariam ao fetiche, que consiste na identificação da estrutura atual com a vontade divina. Outro caminho seria ver a própria fé cristã como clamor daquele que está excluído, e que precisa de fé para abandonar as ilusões sobre sua própria situação. Por isso, a crítica do cristianismo social no PT levantou a anterioridade da responsabilidade prática que se tem com o excluído dentro do sistema capitalista brasileiro. Essa anterioridade parte da exigência de que o cristão social deve transcender o sistema vigente de dominação (PINHEIRO, 2001) e ver como responsabilidade sua o serviço ao excluído. A fé cristã nesse caso é a instauração de uma nova práxis. E o fato de que a práxis cristã possa chegar ao poder e tornar-se superestrutura não nega o fato de que a ação crítica e revolucionária continue a irromper na história. 


Essa presença de responsabilidade social com o excluído mostra a vigência do clamor e funciona como freio das pressões alienantes das superestruturas. Por isso, consciente de seu papel de profeta, dom Hélder Câmara, um dos pais do cristianismo social no país, disse que quando falava da pobreza todos o chamavam de cristão, “mas quando eu falo da causa da pobreza, me chamam de comunista. Quando eu falo que os ricos devem ajudar os pobres, me chamam de santo, mas quando eu falo que os pobres têm que lutar pelos seus direitos, me chamam de subversivo” (BETTO, 1999, s/p).


A crítica do cristianismo social desmitifica para que as pessoas pensem, para que atuem e transformem suas realidades como seres humanos conscientes. Um exemplo dessa crítica cristã social à crise e enfermidade do capitalismo brasileiro foi a decisão da CNBB em criar o Grito dos Excluídos, fazendo um paralelo com o Grito do Ipiranga, de Dom Pedro I, que teria sido um grito de “liberdade ou morte”. A Igreja, com o apoio de entidades como a CUT e o MST, fez com que o Sete de Setembro passasse a ser comemorado com mobilizações centradas nas reivindicações dos trabalhadores. Da mesma forma, foram os temas sociais da Campanha da Fraternidade, que ainda no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso perguntou: “Desemprego, por quê?”, chamando assim a atenção para um problema estrutural da sociedade brasileira. Naquele momento o país tinha um desempregado em cada cinco trabalhadores. O índice na grande São Paulo, segundo o DIEESE, era de 18% da mão-de-obra. E o índice nacional aproximava-se dos 8%, e o próprio índice oficial falava de aproximadamente 10 milhões de trabalhadores desempregados. Isso, sem levar em conta que os novos trabalhadores, os jovens que deveriam entrar anualmente no mercado de trabalho eram cerca de dois milhões. Mas o país só conseguia criar quinhentos mil novos empregos por ano.


Considerações finais



 

O clamor ético procede porque em nosso país o cristianismo é a primeira consciência que a pessoa tem de si mesmo, e as relações morais são relações de formatação cristã. Tal realidade, de forma paradoxal, se expressa também no cristianismo conservador e fundamentalista. Isto explica porque as massas, enquanto oprimidas e passivas, vivem a ideologia das classes dominantes e aceitam as respostas que o sistema oferece de forma ambígua para as suas necessidades. 


Ao aceitar esse cristianismo de superestrutura das classes dominantes, enquanto rito simbólico do triunfo dos dominadores, as massas se colocam sob resignação passiva. Por isso, é tarefa dos socialistas verificar a realidade e desmascarar a santidade da auto-alienação. Devem, sem dúvida, fazer a crítica do céu para que se transforme em crítica da terra. Mas, também procede a crítica que o cristianismo social faz, quando diz que o ateísmo, por negar a necessidade da essencialidade perde sentido, pois, ao negar afirma, através da negação, a existência do humano. 


O socialismo não necessita dessa mediação, já que surgiu como consciência teórica e prática do humano e da natureza como essência. O socialismo, então, deve fazer a negação da negação da emancipação e da recuperação humana, enquanto princípio, embora não seja nem o fim do desenvolvimento humano, nem a forma última da sociedade humana. Diante disso, os cristãos sociais precisam entender que sua militância faz parte de uma luta mais ampla, onde o cristianismo infraestrutural é aliado estratégico de trabalhadores e socialistas e que o ateísmo, por isso, é ocultamento, pois fecha as portas ao aliado estratégico, ao cristianismo, que se fará presente enquanto houver seres humanos obstinados pela responsabilidade diante do excluído, sentido incondicional de justiça, esperança de um kairós. 


Para o cristão social a história brasileira e nela as possibilidades do partido dos trabalhadores serão uma produção das massas em movimento, a partir da ação de milhões de trabalhadores e excluídos, que transformarão, criarão uma nova cultura e produzirão o nascimento de uma nova sociedade. É num processo permanente que os trabalhadores e seus partidos constróem sua essencialidade: do ser humano em direção ao ser humano. 


O êxito nesse processo depende das condições de possibilidade, donde é impossível separar teoria e práxis. Por isso, os cristãos sociais dentro do partido dos trabalhadores propõem a integração dos princípios na escolha de fins, que permitam levar à práxis de libertação aqueles que estão excluídos. E diante da crise, o cristianismo social chama pessoas e comunidades à co-responsabilidade pela construção de uma nação com identidade própria, e estimula os cristãos, em nome da sua fé, a se engajaram na política, pois vale a pena servir a uma causa que ultrapassa o momento da crise: a política será um exercício de amor maior. 


A práxis participativa e o potencial entrevisto nas formas de uma economia solidária devem ser repensadas como formas avançadas de construção do poder: um projeto de transição, que pode abrir espaços de experiência social para dar a essas inovações um caráter nacional. A práxis do cristianismo social pode ser, também, uma forma de disputar valores na democracia de participação e representativa com os poderes do liberalismo. E como dissemos, neste encontro entre cristianismo social e partido dos trabalhadores deve-se repensar as relações entre utopia, aquilo que se almeja, o socialismo, e o kairós, a revolução, questão colocada pela teologia social de protestantes e católicos. O conceito de transição formulado no contexto de avanços da democracia direta e participativa atualiza seu sentido, unindo as conquistas do cotidiano com a noção de uma civilização organizada fora dos parâmetros dominantes do mundo do capital e da opressão. 


E porque as utopias brasileiras não cessaram de interrogar-se sobre suas origens, um partido dos trabalhadores deve revisitar a práxis das comunidades cristãs, católicas e protestantes, solidárias e socialistas religiosas, que se fazem presentes como forças básicas de sua formação. Conhecer suas origens, transformar-se a si mesmo para transformar o mundo: neste campo da práxis não há derrota definitiva para as forças da emancipação. O cristianismo, enquanto síntese de práxis, adquiriu no processo da civilização brasileira uma universalização. Nesta dialética entre igreja cristã e povo brasileiro, o ideal de justiça é redentor, pois trará paz e alegria.



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