jeudi 5 janvier 2012

Depois de Mao Tsé-Tung...

A China moderna busca 
diretrizes morais no seu antigo passado
Craig Simons, de Yinchuan, China. WEB: Cox Newspapers


Uma pesquisa patrocinada pelo governo e cujos resultados foram divulgados
em fevereiro de 2008 revelou que até 300 milhões de chineses são religiosos, um número bem maior do que a antiga estimativa oficial de 100 milhões de pessoas.

Dentre os entrevistados pelos pesquisadores da Universidade Normal do Leste da China, em Xangai, 66% disseram que praticam religiões chinesas históricas, incluindo o taoísmo e o budismo, enquanto 12% - ou cerca de 40 milhões de pessoas - se identificaram como cristãos.
"A vida das pessoas se tornou materialmente mais rica na China, de forma que um número cada vez maior de gente está buscando uma espiritualidade mais intensa", explica Tong Shijun, professor de religião da Universidade Normal do Leste da China, em Xangai, e um dos que conduziu a pesquisa.
Com essa nova riqueza, muitos chineses se concentraram na compra de produtos com os quais sequer podiam sonhar sob o governo de Mao Tsé-Tung, o líder que dominou a China durante quase três décadas até a sua morte em 1976, e marcas como Gucci e Ferraris podem ser encontradas no mercado popular.
Segundo os especialistas, não se sabe ao certo se uma maior fundamentação espiritual e cultural implicará em valores morais comunitários mais profundos do que a atual preocupação com o status individual.


A busca por identidade
Seria difícil visualizar Zhang Xianliang, intelectual anticomunista, propondo que se lembrasse o passado. Rotulado de inimigo do Partido Comunista Chinês em 1958, ele foi internado em um campo de trabalhos forçados e lá permaneceu durante 22 anos, muitas vezes comendo pouco mais do que grama cozida para sobreviver.
Mas Zhang, que aos 70 anos de idade é um dos mais famosos escritores vivos da China, faz parte do número crescente de chineses proeminentes que pedem que a nação volte a se conectar com a sua história como forma de fortalecer um sistema de valores desvirtuado pelo Partido Comunista e pelo rápido deslocamento da China em direção ao capitalismo.
"Devido aos danos ao nosso legado cultural provocados pelo Partido Comunista e também à invasão da cultura ocidental nas duas últimas décadas, ficamos culturalmente à deriva", disse Zhang em uma recente entrevista em um estúdio cinematográfico e parque temático que ele administra na província de Ningxia, no norte da China. "Só agora estamos entendendo o quanto é importante cultivar um arcabouço moral comum".
Para Zhang e vários outros chineses, grande parte da intensificação dos problemas sociais em toda a China, incluindo o aumento da criminalidade e da corrupção, se deve ao enfraquecimento dos valores morais.
"Nos últimos anos houve um grande renascimento do interesse pela história e pelo pensamento da China", afirma Xia Xueluan, um sociólogo da Universidade de Pequim. "O nosso sistema de valores foi abalado pela modernização, de forma que as pessoas estão em busca de uma base moral".
Uma interpretação dos Analectos de Confúcio, os ensinamentos do monge chinês que viveu entre 551 e 779 A.C., vendeu 2,3 milhões de cópias entre novembro e fevereiro, e estabeleceu um recorde de 13,6 mil cópias vendidas em um único dia em uma livraria de Pequim.
Um programa de televisão chamado Sala de Leitura se tornou o de maior audiência de um canal da Televisão Central da China no ano passado, após passar a se concentrar em história e filosofia antigas, incluindo os ensinamentos de Zhuangzi e de Lao-Tsé, os mais importantes pensadores taoístas da China.
As universidades estão se beneficiando desse interesse crescente ao oferecerem mais matérias optativas e programas em filosofia tradicional. A Universidade de Pequim passou a oferecer programas em "cultura chinesa tradicional" em 2005, e faz propagandas desses cursos prometendo: "O conhecimento clássico abrirá novas estratégias para a sua vida".
Em abril, a universidade lançou a sua nova estratégia ao fazer uma parceria com uma companhia chinesa de telecomunicações para transmitir frases filosóficas tradicionais por telefones celulares mediante o pagamento de uma mensalidade de US$ 1,25. Um ensinamento confuciano enviado recentemente afirmava que "um cavalheiro deve lutar constantemente para atingir a auto-perfeição".
O Partido Comunista está também buscando os ensinamentos tradicionais para fortalecer o seu domínio. Desde 2005, o presidente chinês Hu Jintao clamou repetidamente pela construção de uma "sociedade harmoniosamente socialista" e em pelo menos um discurso enfatizou esta meta ao citar um ensinamento confuciano segundo o qual "a harmonia é algo de precioso". Mas a harmonia é uma coisa cada vez mais ausente em certos segmentos da sociedade.
O número de processos criminais na China mais do que dobrou entre 1999 e 2006, chegando a 4,65 milhões, enquanto o número de mortes causadas por acidentes de trabalho subiu para mais de 14 mil no ano passado, já que padrões inferiores de segurança acompanharam a rápida industrialização do país.
Ao mesmo tempo, a venda de produtos falsificados por vezes letais se tornou endêmica. No ano passado 11 pessoas morreram na província de Guangdong, no sul da China, após consumirem um remédio falsificado que, segundo o fabricante, combatia infecções da vesícula biliar.
Tais notícias não chegam a provocar escândalo na China. Entre uma série de casos recentemente expostos houve o da venda de ovos contaminados com um corante carcinogênico e o de um leite para recém-nascidos destituído da maioria dos nutrientes e que custou a vida de pelo menos 12 bebês em 2003 e 2004.
"Muita gente não se sente mais responsável pela sociedade, de forma que não pensa duas vezes na hora de vender produtos falsificados", afirma Zhang. "Temos milhares de leis, mas ninguém as obedece".
Assim como Confúcio, cujos Analectos enfatizam os valores da generosidade, da unidade e do respeito pela autoridade, o Partido Comunista publicou no ano passado uma lista de "oito virtudes e oito vícios" - incluindo lembretes para que os cidadãos trabalhem arduamente, amem o país e sirvam ao público - e encorajou os funcionários e cidadãos a aplicarem essas instruções às suas vidas diárias.
"Atualmente pouca gente enfatiza a importância dos ensinamentos morais nas nossas vidas, de forma que o governo está tentando ensinar um conjunto de valores comuns a todos", explica Xia. Ao mesmo tempo, os chineses estão em busca de mais diretrizes morais na religião.


Valores tradicionais
Na província de Ningxia, Zhang, que publicou vários livros sobre a sua experiência nos campos chineses de trabalhos forçados, argumenta que para voltar a se conectar com os valores tradicionais a China precisa entender a turbulência das décadas de 60 e 70.
Especialmente importante é compreender por que os chineses perderam o seu senso de valores comunitários durante a Revolução Cultural, que durou uma década, um período durante o qual incontáveis relíquias e templos foram destruídos como parte de uma iniciativa promovida pelo Partido Comunista no sentido de acabar com os remanescentes daquelas que Mao considerava filosofias atrasadas.
"A Revolução Cultural destruiu a nossa cultura e a substituiu pelo culto a Mao", afirma Zhang. "Quando Mao morreu, ficamos sem nada".
O Partido Comunista ainda proíbe a maioria das pesquisas sobre o governo de Mao por temer que discussões sobre traumas passados possam enfraquecer o controle partidário, e poucos chineses nascidos após 1976, quando Mao morreu, sabem muita coisa sobre a Revolução Cultural ou o Grande Salto Adiante, um movimento para coletivizar a agricultura no final da década de 50 que provocou uma onda de fome responsável pela morte de cerca de 20 milhões de pessoas.
No parque temático de Zhang, Wang Ying, de 23 anos, dá de ombros quando lhe perguntam o que aconteceu durante o Grande Salto Adiante.
"O meu livro escolar só traz meia página sobre isso, de forma que realmente não sei", diz ela.
Segundo Zhang, mais cedo ou mais tarde Pequim terá que permitir mais pesquisas sobre aquele período. Precisamos prestar atenção no nosso passado inteiro para entendermos o que perdemos nos anos 60 e 70", diz ele. "Somente dessa maneira poderemos saber que temos uma rica tradição cultural".


Fonte em português
Blog Controvérsia/Cox Newspapers. Tradução UOL. Esse post foi publicado no dia 25.07.2008. http://www.controversia.com.br/blog/?p=3018 (05.01.2012).