jeudi 23 juin 2016

Jorge Pinheiro


É Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2011) e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008), Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2006), Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2001) e Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2001). É professor de tempo integral na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e Jornalista Profissional. Atua na área de Ciências da Religião, com especialização nas relações entre política e religião; filosofia e teologia; judaísmo e cristianismo. E com alegria e paz, consciente do chamado ao serviço, pastor adjunto da Igreja Batista em Perdizes (SP/Brasil).  





Jorge Pinheiro


É Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2011) e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008), Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2006), Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2001) e Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2001). É professor de tempo integral na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e Jornalista Profissional. Atua na área de Ciências da Religião, com especialização nas relações entre política e religião; filosofia e teologia; judaísmo e cristianismo. E com alegria e paz, consciente do chamado ao serviço, pastor adjunto da Igreja Batista em Perdizes (SP/Brasil).

As correlações entre a religião e a política

As correlações entre a religião e a política
Reflexões a partir de Paul Tillich em A Decisão Socialista
Por Jorge Pinheiro[1]


Política e religião não são realidades estanques, isto porque as raízes do pensamento político não são apenas pensamentos. Pensamento político é a expressão de um ser político, de uma situação social. Não se pode entender o pensamento quando se subestimam as realidades sociais das quais vem o pensamento político.

As raízes do pensamento político não podem agir com uma força igual em todo momento e em todo grupo. Um ou outro pode predominar, depende de uma situação social, grupos ou formas de dominação determinadas, pois dependem de estruturas sócio-psicológicas, da interação com a situação social objetiva. Assim, o primeiro referencial é o ser. Nesse sentido, é a partir de uma fenomenologia política, quando se analisa questões como o ser, a origem do pensamento político, enquanto mito, que se pode trazer à tona os elementos não reflexivos do pensamento político.[2] E a questão do ser, presente na ontologia, leva a uma antropologia existencial. 

Ora, a questão existencial é traspassada pela religião, que é a dimensão da profundidade, o espectro da profundidade na totalidade do espírito humano. A metáfora profundidade significa que o aspecto ontológico aponta em direção àquilo que, na vida espiritual do ser humano, é último, infinito e incondicional. No sentido mais amplo e fundamental do termo, religião é preocupação última. E a preocupação última se manifesta em absolutamente todas as funções criativas do espírito humano. Assim, a religião constitui a substância, o fundamento e a profundidade da vida espiritual do ser humano.[3]

Nem sempre é necessário perguntar pelas raízes de um fenômeno social, mas quando a existência está sob risco, então é necessário perguntar quais são suas raízes? É necessário procurar pelas raízes do pensamento político no próprio ser humano. Sem uma imagem do humano, de suas forças e tensões, não se pode dizer nada sobre as fundações políticas do pensamento e do ser político. Sem uma teoria do humano, não se pode construir uma teoria das orientações políticas. 

Mas, o ser humano, diferente da natureza, é um ser dividido. Não importa saber onde termina a natureza e onde começa o humano, não importa que a passagem entre os dois se faça através de lentas transições ou por um salto. O importante é que em determinado momento, a diferença ficou clara. Há, no entanto, um processo vital indiviso, que desdobra a natureza sem interrogar nem requerer, um processo que está ligado àquilo que se encontra nele e faz parte do que ele é. Assim, existe um processo vital que deseja saber sobre o humano, e que coloca algumas questões para ele: já não é indiviso, mas também dividido. É idêntico a si mesmo quando diante de si mesmo, no ato de pensar e de conhecer. Mas não apenas isso.

O ser humano tem consciência de si mesmo, ou em outras palavras, distingue-se da natureza enquanto ser que se desdobra, tornando-se ser consciente de si mesmo. A natureza ignora esta divisão. Por isso, o humano não é uma combinação de duas partes autônomas, tais como natureza e mente, ou corpo e alma, mas um só ser, porém fendido em sua unidade. Estas determinações gerais levam a algumas considerações no que se refere à pesquisa do pensamento político. Elas negam qualquer dedução do pensamento político enquanto puro movimento de pensamento, de exigências ético-religiosas, ou considerações ditadas por determinada cosmovisão.

O pensamento político vem do ser humano enquanto unidade. Está enraizada no ser e na sua consciência, mais precisamente em sua unidade indissolúvel. É por isso que não se pode entender um sistema de pensamento político sem contextualizar seu enraizamento no ser humano enquanto ser social, ou seja, o imbricamento de pulsões e interesses, os constrangimentos e as aspirações constituintes do ser social. Mas também é impossível separar o ser de sua consciência, ou ver o pensamento político como simples subproduto do ser. Assim, a consciência estrutura todo o ser do homem, todo o ser social, em cada um de seus elementos, inclusive as sensações pulsantes mais primitivas.

Quando se tenta desfazer laços passa-se ao largo da primeira e mais importante característica da essência humana, o que produz uma distorção no quadro geral que ele faz de si próprio, de que há uma consciência inadequada ao ser, uma falsa consciência, mas que não invalida a unidade do ser e da consciência. Isto porque, afirma, o conceito de falsa consciência não é possível quando a coisa que se designa é não conhecível. Assim, a consciência justa é uma consciência que emerge do ser e ao mesmo tempo o determina. Não pode ser uma coisa sem ser a outra, porque o humano é uma unidade na divisão, e desta unidade nascem as duas raízes de todo pensamento político. 

O ser humano se encontra enquanto realidade dada, assim como seu ambiente. Mas estar no mundo enquanto realidade significa que não vem de si mesmo, que não é sua própria origem. Conforme diz Heidegger, o humano é um ser lançado. Esta situação leva o ser humano a colocar-se o problema da fonte. O que mais tarde vai aparecer como questão filosófica. Mas tal discussão é uma construção, e o mito apresenta a primeira resposta, enquanto determinante para a discussão de conjunto.

A origem é o que faz emergir. Este aparecimento dá lugar a algo novo, que não existiu antes, que produz uma consciência própria, diferente da origem. A realidade que somos está colocada, mas também é algo próprio. É uma tensão entre o ser-posto e o ser-próprio. Mas, a origem não nos liberta. Não se pode dizer que era e que não é mais. Constantemente somos puxados pela origem: ela nos faz emergir, nos segura firme. É ela que nos estabelece como algo, enquanto essência. Dessa maneira, ser-posto no mundo supõe caminhar para a morte.




[1] Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2011) e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008), Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2006), Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2001) e Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2001). É professor de tempo integral na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e Jornalista Profissional. Atua na área de Ciências da Religião, com especialização nas relações entre política e religião, e filosofia, teologia e cristianismo.
[2] Paul Tillich, La Décision Socialiste, in Écrits contre les nazis (1932-1935), Paris, Genève, Québec: Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l‘Université Laval, 1994, pp. 27. Die sozialistische Entscheidung‖, in Christentum und soziale Gestaltung. Frühe Schriften zum religiösen Sozialismus, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, Gesammelte Werke II, 1962, pp. 219-365. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier, introd. de Jean Richard.  
[3] Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, A dimensão religiosa na vida espiritual do homem, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 16-17. Man‘s right to knowledge, Columbia University Press, 1954.



mercredi 22 juin 2016

Num barco de madeira a navegar oceanos

Gostei muito desta produção. Não é um livro fácil, pois de alguma forma sintetiza uma trajetória de vida e de estudos no campo do pensamento divergente. É, também, de certo judaísmo protestante na analise dos caminhos do ser humano. Ou como foi dito:



Num barco de madeira a navegar oceanos
Yoffe Shemtov


Leitor de Pinheiro, a partir da tradição sefardita, eu, Yoffe Shemtov, vejo um homem que constrói barcos de madeira para navegar oceanos. Lembra pescadores da Polinésia. E solitariamente, sentado na proa, com uma lanterna acessa no outro lado, parte sem rumo, ou melhor, num rumo que só ele crê conhecer. E dias depois, quando já em terra, as gentes ousam perguntar-lhe o que busca, Pinheiro responde: meu destino. É por isso que quando volta ao barco, todos nós, seus leitores, gritamos: Continue navegando!

Pinheiro, a navegar com pensadores como Paul Tillich, Slavoj Zizek e Giacomo Marramao, em momentos de conversa liberta de razões, à maneira mineira, diz que para garimpeiros da ontologia e navegantes do destino, duas coisas devemos saber acerca do Eterno criador: Ele é o ser real, a substância absoluta; é a forma mais-que-perfeita. 

É desta leitura que Pinheiro parte. E isso se deve ao seu judaísmo-tardio, aquele judaísmo que dialoga com a sofia grega, que traduz a universalidade judaica, que vê o Eterno como substância absoluta. Mas também parte do ser protestante-novo, que rechaça o contra-semitismo tão forte a partir de Agostinho de Hipona de católicos medievos e protestantes quase modernos... E ele olha o Eterno como a forma mais-que-perfeita. Para Pinheiro, o berit é comunicação da substância divina; mas ser protestante-novo é caminhar na graça com a pessoalidade divina. Nessa leitura, Pinheiro vive a aliança do movimento das massas hebréias e uma mística suprapessoal, que faz parte da história e tradições dos povos hebreus. Mas como protestante-novo considera que foi beneficiado com a emergência de pessoalidades e comunidades em seus caminhares com a messianidade.

Assim, para Pinheiro, a história traduz um elemento fundamental: a aspiração que vai além da racionalidade presente nas formas, que vibra nos corações judeus sob o efeito da radiação do que não pode ser capturado através da ética e nem mesmo da lógica. Esta substância universal do Eterno criador é uma dimensão intrínseca à fé judaica, mas chega ao protestantismo-novo de Pinheiro, e pode ser traduzida no movimento dinâmico e permanente da espiritualidade: querer caminhar na presença do Santo; desejar viver em comunidades de amor, que reúnem pessoas antes separadas; e compreender que a autoridade do Eterno criador, essencial à vida, se manifesta através da história, da tradição e dos símbolos. 

Pinheiro é protestante-novo, e sua militância criou raízes a partir do protesto crítico contra a absolutização da substância nas instituições, que gera, segundo crê, alienação, idolatria, morte. Daí a presença de Marramao e Zizek em suas leituras. 

Para Pinheiro, seu princípio do protesto está correlacionado com a centralidade da substância judaica, enquanto relação entre a manifestação da essência na existência e a afirmação do significado messiânico. Afirma que a substância judaica apresenta-se sob dimensões históricas e trans-históricas como identidade subjacente. Ou seja, quando se refere à história e à tradição é a substância que fornece os símbolos da unidade universal do reino do Adonai Elohim. Dentro desta unidade universal encontra-se o princípio do protesto enquanto fundação do evento messiânico, que tem uma relação de centralidade com a substância judaica. É este princípio do protesto que retira da figura humana do Mashiah tudo que nela poderia ser materializado como idolatria, por sua facticidade histórica. É por meio do símbolo que desaparecem as particularidades e o finito, dando lugar ao significado presente do Mashiah. 

O paradoxo do aparecimento do Mashiah na existência, sem a deformação da existência, é uma interpretação radical do símbolo, liberta do significado da idolatria de se permanecer na adoração de um objeto histórico e, por isso, limitado, finito, enclausurado num espaço e tempo passados. Para Pinheiro, o princípio do protesto, lido sob tal perspectiva, apresenta o Mashiah como presente que remete ao kairós.

É, por isso, que o protestantismo-novo de Pinheiro evita cair na armadilha de abandonar a unidade universal da substância, que mantém e possibilita o resgate do sentido do Eterno nas profundezas do humano. E, assim, ao romper com o deísmo dos textos antigos das tradições judaicas, da palavra que se resume à ética do texto, as profundezas da interioridade humana são resgatadas. E ao resgatar Tillich, mas compreendendo a dialeticidade do Mashiah proposta por Zizek, mostra a relevância do kerigma messiânico, em aliança com o reconhecimento do Santo, que se faz presente na cultura e nas dobraduras da secularidade. 

É a partir daí que Pinheiro defende a idéia tillichiana de comunidade espiritual como processo de essencialização, já que o significado da vida, existencial e pessoal, consiste na recuperação do ser essencial presente no Eterno criador. Ou como disse Tillich, “a comunidade espiritual é latente antes do encontro com a revelação central, e é manifesta depois desse encontro”. E nesse processo de essencialização, o Mashiah é elemento que possibilita o kairós, pelo qual a história humana sempre esperou. A partir daí há um processo de essencialização das pessoas e das comunidades, que vivem processos de essencialização sob o poder messiânico.

E mais, Pinheiro, nas pegadas de Tillich, mas numa compreensão de seu judaismo-tardio e seu protestantismo-novo, considera que as comunidades protestantes estão ontologicamente imbricadas às comunidades judaicas e, por isso, fazem novas leituras do Mashiah, cujo amor e fé estabelecem a essencialização, enquanto mudança de sentido de uma participação latente para uma participação manifesta na comunidade espiritual. Dessa maneira, é o amor e a fé messiânicas que levam à autocrítica radical capaz de estabelecer distinção entre o essencial e as formas através das quais o essencial se manifesta. A afirmação de que o judaísmo-tardio se complementa na comunidade protestante-nova justifica a leitura messiânica da fé. 

Ou como afirmou Tillich e Pinheiro cita: “a comunidade espiritual está relacionada tanto com a cultura e a moralidade quanto com a religião, e a presença espititual torna necessária uma mudança radical na atitude para com o que é incondicional”. 

Convém lembrar, porém, que Pinheiro, a partir de Marramao, combate toda expressão de arrogância, de absolutização do poder, na relação entre comunidade manifesta e judaísmo latente, ao reconhecer a presença da espiritualidade na cultura e nas religiões. Por isso, sugere que a proclamação do Mashiah combine ofensiva e mediação. Ofensiva no sentido kerigmático e mediação no sentido de correlacionar o kerigma com a questão cultural.

Assim, o conceito de substância judaica é valioso para a compreensão do kerigma, principalmente no protestantismo-novo. O kerigma messiânico, a partir desta leitura, segundo Pinheiro, admite que a realidade manifesta no kairos do Mashiah está em ação na cultura. Dessa maneira, a tarefa kerigmática consistiria em procurar identificar as maneiras por meio das quais o essencial, manifesto no evento messiânico, se faz presente na cultura. Tal procura possibilita a apropriação kerigmática da experiência com o Mashiah, ao considerá-la enquanto manifestações do essencial, além de sinalizar caminhos nos quais a auto-compreensão messiânica pode ampliar contatos com culturas e povos.

Logicamente, por fazer uma confissão do novo protesto da presença do Mashiah em sua vida, as reflexões de Pinheiro sobre o universalismo judaico influenciam em muito sua ação kerigmática. Assim, no correr de suas navegações, construiu uma visão kerigmática da qual participam comunidades, e sua ação se vê calcada num entendimento libertário de práxis social. 

Ou seja, a partir do universalismo judaico, Pinheiro considera que o amor do Eterno criador pelos seres humanos não está suspenso, esperando que o kerigma messiânico seja entregue. Considera que aqueles que O buscam, nos limites da fé colocada em seus corações, serão essencializados, mesmo que nada saibam sobre a presença do Mashiah em suas vidas.

Para Pinheiro o protesto-novo, não enquanto instituição, mas em sua ação kerigmática têm uma prática que repousa em muito sobre a substância judaica. Esta leitura de Pinheiro, a partir de Marramao, Tillich e Zizek, apresenta as bases para uma esperança maior no modo específico através do qual o desejo do Eterno criador de essencializar os seres humanos é realizado. O ponto de vista defendido é que o Eterno ama os seres humanos e deseja que sejam essencializados. E são essencializados em razão do evento messiânico, quer sejam conscientes ou não desse evento, que projeta o kairós. Dessa maneira, o universalismo judaico apresenta a comunidade protestante-nova como comunidade que caminha em direção à essencialização. Ou em linguagem judaica, o Eterno aceita os que exercem fé, sem levar em consideração até que ponto vai o conhecimento dessas pessoas.

É importante entender, então, que o conceito de substância judaica está em processo de correlação permanente com o princípio protestante, e é por isso mesmo que nas diferentes comunidades protestantes encontramos defensores da substância judaica como fundamental para a vida dessas comunidades. Tais considerações, nos permitem dizer que, como defende Pinheiro, o conceito substância judaica represente a abordagem mais próxima de um consenso entre os pensadores do protesto-novo na atualidade.

Nestas navegações de Pinheiro, onde correlaciona pensadores aparentemente diversos como Giacomo Marramao, Paul Tillich e Slavoj Zizek, antropologia e ontologia se correlacionam. Esta antropologia baseia-se na compreensão de que a humanidade é imago Dei e se encontra em choque com a alienação do espaço e tempo presentes. Mas a memória humana persiste como impulso na direção da recuperação desse mau encontro, exposto por La Boétie. Esta dialética explicita e traduz a presença da espiritualidade do espírito humano.

Quando Pinheiro diz, a partir de seus garimpeiros preferidos, que a humanidade é universalmente espiritual, partindo da dialética universal/particular, localiza o particular no contexto do universal. Em vez de considerar a realização plena do universal na revelação messiânica, relativiza a particularidade no contexto dessa humanidade universalmente espiritual. Tal ênfase exige que o navegador aprecie as manifestações do essencial nas culturas. Mas nem por isso o compromisso com a messianidade é diminuída. Ao contrário, a fé é aprofundada por meio do reconhecimento das variações daquilo que os protestantes-novos percebem no evento messiânico, tanto nas religiosidades como nas dobraduras da secularidade.

Assim, a radicalidade do princípio do protesto pode ser aplicada às materializações da substância judaica na direção da essencialização do humano, denunciando as expressões idolátricas que ameaçam a comunidade humana.


lundi 20 juin 2016

A festa do Eterno

Até naqueles dias
Por Jorge Pinheiro

Uma das temáticas do humano é a presença do Espírito e sua correlação com o Cristo, pois a humanidade é emancipada por esta correlação. Temos, através do Espírito, uma humanidade emancipada, esperançosa e exultante. Traçado o curso da humanidade, no qual o presente triunfa, os humanos experimentam o livramento da alienação. Ou como canta Maciel Melo, em “Até Naqueles Dias”.

“Eu não consigo viver sem seu dengo, meu amor
É bom demais estar com você 
Acho bonito, acho muito lindo 
Ver você sorrindo, ouvir você dizer 
Que eu sou dengoso e meio desligado 
Que sou descarado e não sabe o porquê 
Me ama com tanto xamego”. 

O desejo de Eterno pode ser sintetizado na ceia do Cristo, no seu sofrimento, mas também na alegria da ressurreição. Quando o humano cresce no presente se reveste de semelhança. Comer o pão juntos, na comunidade da fé, é ato afetivo e de cuidado com a humanidade machucada. Por isso, quando o Cristo olhou a humanidade, ficou com misericórdia porque ela estava abandonada e aflita. Daí que vamos bailar algumas idéias sobre a ceia do Cristo.

A teologia diz que há salvação para aqueles que estão no Cristo. O Espírito da vida no Cristo é a vida liberta do destino de acabamento e alienação. De fato, o Eterno enviou o seu Cristo em humanidade semelhante a nós e disse não à alienação no humano, a fim de que um novo destino se cumprisse no humano segundo o Espírito. Com efeito, os humanos que vivem no Espírito amam as coisas que são do Espírito.

Daí o amor-serviço para fazer o bem bom sem olhar se judeu ou grego, pois o Eterno mostrou o seu prazer: Cristo se acaba quando o humano dorme e acorda na alienação. O amor-serviço fala com os que estão caídos e diz que Cristo preferiu não estar assentado, mas entregou a vida pela humanidade. O amor-serviço traz paz aos caídos, porque não pesa a mão, ao contrário quer pessoas novinhas em folha. Sigam os meus pés, manejem e treinem do meu jeito, porque tenho amor-serviço e estou agachado, só assim vocês vão dormir folgados, disse o Cristo. É isso mesmo, no Cristo o humano não vive no rabo de arraia, mas na sapiência. É mestre sim, mas do bem, de delicadeza.

Temos, então, um alinhamento igual à esquerda e à direita pela certeza, a exclusão temporal de alguns e a inclusão da humanidade. Ao analisar o alinhamento igual à esquerda e à direita vemos que o ir além do humano repousa sobre a certeza, proveniente do presente em Cristo. Essa misericórdia do Eterno não depende do escrito, porque o humano não tem como responder às exigências do escrito, que expressa o Eterno que está do outro lado. Assim, o presente chega com o Cristo, que na sua dor e prazer dá o indulto às alienações humanas. A liberdade diante do escrito não depende do humano aqui, mas do humano para lá de humano. Assim, há um ir além nessa correlação entre o escrito e o presente. 

“Me chama de nego, quando quer xodó
Aí começa aquela agonia 
Que faz a gente levantar do chão 
A gente esquece a hora e passa o dia 
E a noite vem sem prestar atenção 
Que prós amantes, tanto faz 
O que importa é o impulso, é o desejo, é a paixão”. 

Uma toada linda é a animação, que não pisa a fraqueza da humanidade. Quando alguém é apanhado com a faca na mão, no momento do golpe vil, humanos desarmam, mas não esquecem a amor-serviço do Espírito. Ajudam e obedecem à lei do Cristo. Por isso desobriga e é desobrigado pelo Eterno. A desobrigação da pena foi cantada por Cristo, porque esquecer o dinheiro que foi levado é difícil, mas é o que Eterno faz comigo e você. E é o que nos leva à rede, na varanda, no fresco da tarde. É resultado do amor-serviço, da desobrigação e do gozo, quando a comunidade da certeza acende o farol alto e mostra à humanidade que a rede e a taba são possíveis, mesmo quando o mar não está para peixe.

Cristo fala de liberdade. Para ser livre não basta a certeza, é necessário permanecer. Mas o que é isso? É continuar na certeza. No humano para lá de humano não deve haver cera. Permanecer é constância e ser humano no Cristo. Mas para ser livre é preciso também conhecer o axioma. E o que é conhecer? É gostar de dormir com, mesmo que tenha que comer sal juntos. Depois, então, é que se vai descobrir, inteirar. É a partir daí que o humano caminha em direção à liberdade. E a liberdade passa a ser a vida distante da azáfama da alienação.

O eterno acorda e dorme no partir do pão. Gente é parecença chamada a viver a experiência humana como comunidade da certeza. Pode beber e comer bênçãos nas celebrações de todos juntos. Gente é convocada a conviver na consistência do Cristo.

“Eu te amo quando é de manhã
Eu te amo quando é meio-dia 
Eu te amo quando é de noite 
Eu te amo todo santo dia 
Eu te amo de qualquer maneira 
Eu te amo até naqueles dias 
Que por qualquer besteira você briga 
E se intriga sem qualquer razão 
Eu te amo, eu te quero, te desejo 
Eu te dou meu coração”. 

Liberdade no Cristo é ir para a cama sem a faina da alienação, das coisas que amarram e impedem o movimento do Espírito. Descobrir o significado de duas toadas, conhecer e ficar, na celebração do Cristo leva ao axioma e ao livramento da azáfama da alienação, acabamento e escombros.

Globalização e o ensino da teologia

A GLOBALIZAÇÃO

E O ENSINO DA TEOLOGIA NA AMÉRICA LATINA
Por Jorge Pinheiro*


Pra refazer o trabalho
pra semear minha vida
já bate a cancela
bate o tempo do pilão
já bate o atabaque
rebatendo a imensidão
o céu pegando fogo
uma estrela vai queimar
eu sou de quem me chama
eu não sou desse lugar
Serra do mar noite alta
vou preparar minha volta (...)
Na volta do caminho
tem os anjos pra velar
a gente lá de casa
bate roupa pra lavar
Pra renascer todo dia
pra descobrir o compasso
já bate a correnteza
bate asa no sertão
o boi puxando o carro
o candeeiro a direção
Cacaso1


Um poema de Cacaso pode parecer estranho como abertura de um trabalho que pretende analisar questões referentes à ideologia2 no ensino teológico. Mas método e conteúdo fazem parte da mesma totalidade. Por isso, assuntos focalizados neste artigo, como globalização,  intelectualidade e missão profética, e os desafios da brasilidade não estão separados da emoção, da ação em comunidade e objetivamente do ensino teológico. Ao contrário, nos dão elementos para entendermos por que e quando nossa pedagogia e didática descambam para a falsa consciência e alienação.
Descartamos a possibilidade de uma pedagogia formadora e transformadora no ensino teológico brasileiro e latino-americano, sem a compreensão de que o desafio consiste em pensar globalmente, mas agir localmente. Por isso, a universalidade do trabalho, da volta ao espaço de vida e do renascimento a cada dia, traduzidos no poema de Cacaso, norteiam o caminho que desenvolvemos neste estudo.

As contradições da globalização

O planeta mudou de cara com o fim da Segunda Guerra Mundial. Uma grande parte do mundo tornou-se comunista, incluindo mais da metade da Europa, a maior parte da Ásia e um país latino-americano.3 Durante 40 anos, os países comunistas transformaram-se em um pólo, exercendo o papel de centro político no mundo, cuja expressão espacial e física se encontrava em Moscou. De outro lado, os países democráticos consolidaram-se em bloco opositor de poder político, expresso através da hegemonia norte-americana. Essa polaridade do poder político e militar desenhou a face mundial durante esses anos.
No mundo comunista, a igreja enfrentou a perseguição. Milhares de cristãos foram presos, internados em campos de trabalhos forçados e mortos. No mundo democrático, construiu-se um muro de separação entre o estado e as igrejas nacionais. O liberalismo deu origem ao secularismo e ao individualismo ególatra da sociedade de consumo.4
Mas com a derrota da democracia ocidental,5 capitaneada pelos Estados Unidos, no Vietnã,6 e com o desmoronamento do bloco comunista fez-se um vazio de poder político no conjunto do planeta. Mais rapidamente do que poderíamos imaginar, à cavalo da informatização e da verticalização da informação, a democracia do livre comércio ocupou o vazio existente. Desaparecia um mundo liderado pela polarização política, dando lugar à livre expressão econômica do capital financeiro. Por isso, no mundo atual as relações de força não mais se realizam de maneira centralizada, como eram antes. Temos um mundo que desorganiza centros, mas que se organiza a si mesmo.
Hoje, as empresas globais, supranacionais, realizam uma nova centralidade, atuam a partir de centros frouxos, mas são socialmente cegas, já que abandonaram qualquer objetivo ético ou solidário. A idéia de finalidade inexiste para esses condutores na economia globalizada. Para a democracia de livre comércio não há nacionalidade. Por isso, quando falamos em benefícios para o Brasil, num mundo globalizado pela não espacialidade do capital financeiro, estamos seqüestrando o conceito de nacionalidade. Haverá benefícios, sem dúvida, mas não para a nação nomeada e sim para os agrupamentos supranacionais. Algumas migalhas poderão chegar à população, mas não enquanto finalidade.
O conceito de nação implica em territorialidade, isto porque é a partir dela que temos a expressão mais ampla de uma comunidade. Território é isso, a área através da qual um estado exerce sua força e poder. Nesse sentido, a globalização choca-se com um adversário, que é a realidade do território. Não há, em termos de globalidade, a possibilidade de se definir o que deve ser feito dentro de cada território, em todos os territórios existentes no mundo. Atualmente, os estados são coadjuvantes da democracia de livre comércio. Aceito esse papel, os presidentes de repúblicas tornaram-se caixeiros viajantes ou meros executivos das empresas supranacionais. Mas a nacionalidade continua existindo porque a sua base é o território e como conseqüência temos a realidade do estado, ainda hoje um elemento de força expressiva.
A tradução viva do território é a sociedade, enquanto maioria da população, das empresas e instituições. As empresas supranacionais não necessitam de território, mas de centros frouxos que são as alavancas da realização de sua riqueza. Dizer que o estado nacional acabou, que não é possível um projeto nacional é, ao menos até agora, uma afirmação superficial. O estado planetário, no nível atual de previsão, é uma fantasia.
Nossa terceira onda urbanizatória, fruto direto da industrialização dos anos 50/60, aliada ao movimento migratório, principalmente nordestino, e à expressão democrática de novas correntes de pensamento, mudou a cara das cidades brasileiras e por extensão do país. Esse fenômeno, uma versão indígena da secularização global golpeou a estrutura familiar, fortaleceu o individualismo e aumentou o fosso social entre participantes do mercado e deserdados do capital.
Esse processo, que coincidiu a nível latino-americano com a revolução cubana, produziu em nosso país um comunismo mulato, que mais tarde foi traduzido em teologia da libertação por brasileiros como Rubem Alves e Leonardo Boff, na trilha do teólogo católico peruano Gustavo Gutierrez. Profundamente influenciada pelo marxismo, essa teologia define-se em primeiro lugar pela práxis da ação social. Teve muita importância nos anos 70 e 80, quando criou e desenvolveu as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que serviram como elemento dinamizador, ao lado dos sindicatos, para a formação do Partido dos Trabalhadores. Apesar desse fortalecimento no campo político, a igreja católica começou a viver um refluxo de vocações, baixa freqüência à missa e fortes pressões a favor do sincretismo.
No campo protestante, os evangelicais—aqueles que crêem na Bíblia como regra da fé e prática inspirada e infalível, na expiação vicária e na ressurreição de Cristo, no novo nascimento e numa vida transformada pelo poder do Espírito Santo—ganham um peso até então inédito enquanto setor de expressão na sociedade. Divididos em dois grandes grupos, históricos e carismáticos, incluídos aí pentecostais clássicos e neopentecostais, cada vez mais deram as costas a sua origem social, desenvolveram um discurso dirigido à classe média e lançaram-se a uma experiência denominacional fracional e sectária.
Atualmente, quarenta anos depois da eclosão desses fenômenos, podemos dizer que os extremos entraram em caducidade: a teologia da libertação e as pressões favoráveis ao fracionalismo e sectarismo denominacional estão em pleno declínio. Da mesma maneira, o liberalismo e as correntes neo-ortodoxas entraram em franco esgotamento. Há uma busca crescente pelo dinamismo religioso da cruz.
A traição da intelectualidade
O profetismo bíblico traduz a inquietude e o descontentamento da população em relação a acontecimentos sociais e religiosos concretos. Os profetas hebreus, no cumprimento de sua missão, não entram em choque físico, militar, como em outros lugares, com as barreiras intransponíveis levantadas pelos governos centrais. Ao invés disso, utilizam a palavra, o discurso crítico, como forma de trazer à superfície novas soluções e de influenciar aqueles que exercem o poder.
Há uma semelhança metodológica entre o profetismo bíblico o conceito de intelectual, desenvolvido a partir dos trabalhos de Gramsci.7Assim, para esse pensador italiano, o intelectual representa organicamente uma determinada comunidade, tem função superestrutural e, apesar de sua organicidade, precisa exercer autonomia em relação às pressões sociais que sofre. É dessa postura que nasce sua força crítica e sua compreensão de que diante da realidade há alternativas diferentes daquelas expressas pelo poder.
Quando ao profeta bíblico, sem negar sua característica enquanto homem de Deus8, expressão humana e verbal da vontade divina,9é importante analisar também o fato de que possuía uma concepção unitária do fato e que constantemente procurava a síntese entre política e ética.
“Para Jacob10, eram ao mesmo tempo revolucionários voltados para o passado e conservadores impulsionados pela paixão do porvir; igual julgamento vemos em L. Ramlot11: os profetas nada fazem sem invocar a tradição, no entanto, sua grande mensagem são os novos tempos. Outros exegetas julgam que os profetas sabiam servir-se do passado para as necessidades do presente. (...) Todos parecem ter algo em comum: uma atitude realista. Abominam o palavreado inútil, a eloquência abstrata. Ao contrário dos falsos profetas, interessam-se pelo concreto e procuram não viver envoltos em véu de ilusões. A pregação do futuro não constitui o essencial de suas prédicas; é antes, o fruto e o resultado final de conhecimento aprofundado no mundo adjacente, da atualidade e do passado”12.
É desesperante ver que a intelectualidade brasileira, hoje, esteja sendo cooptada pelo establishment, perdendo assim sua força crítica e sua capacidade de elaborar e apresentar alternativas diferentes daquelas colocados pelo status quo. Nossa intelectualidade  é formada, tradicionalmente, por filhos da oligarquia, o que faz dela uma expressão ideológica ligada ao poder. O que em parte explica a realidade desse tropismo em direção ao poder. E quando os intelectuais optam por ser poder, abandonam de fato sua vontade crítica, sua missão.
É próprio do profeta e do intelectual criar o desconforto. Ambos têm que ser fortes para trabalhar se necessário na solitude e continuar exercendo seu papel. O que outros pensam, no imediatismo do presente, deve ser indiferente para eles. É um equívoco pensar que vantagens imediatas sejam uma vantagem política. O fruto da política é sempre abrangente, realiza-se enquanto totalidade. Assim, quanto maiores os frutos ou vantagens que uma determinada política produz, maior a sua abrangência social.
O trabalho do intelectual é plantar idéias políticas e lutar para que elas floresçam. Trocar essa missão por benesses e imediatismos é um trágico equívoco. A defesa de idéias corretas de transformação social tem um custo, que pode ser a perda momentânea de privilégios pessoais, imediatos, quando a preocupação é participar do establishment. Mas se o intelectual tem consciência de seu papel na sociedade, não há de fato uma perda.
Atualmente, na sociedade secular brasileira, a traição de um número crescente de intelectuais, em relação à missão que receberam da sociedade, tem como pano de fundo a globalização. Há uma forte tendência, subjetiva, para a cooptação. É essa realidade que faz o profeta superar, transcender e substituir objetivamente o intelectual de corte gramsciano na sociedade globalizada.13
É claro que nem sempre foi assim. No fim dos anos 50 e começo dos anos 60, a comunidade intelectual brasileira buscou contribuir para um projeto de desenvolvimento nacional. A diferença básica entre aquele momento e os posteriores vividos pelo Brasil é, em essência, o projeto. Naquela época havia a busca de um projeto nacional, sem uma preocupação unívoca, ou seja, ninguém desejava uniformizar uma solução. Em torno do poder aconteceram discussões e floresceram divergências que permitiram à sociedade como um todo construir um alternativa. E havia os partidos que tinham credibilidade social e participavam de todo o processo de discussão. Tínhamos uma gama muito ampla de opiniões, indo de uma União Democrática Nacional até o Partido Comunista do Brasil, todos com projetos explícitos.
Hoje não temos projeto explícito, nem por parte do poder, nem dos agrupamentos políticos existentes. Sem projetos políticos não pode haver discussão política. Num país onde o aparelho de estado não tem um projeto, os partidos ficam capengas. Não há o que discutir. Sempre foi, dentro da democracia burguesa, função do estado a produção de um projeto próprio de governo. A política é exatamente isso, a discussão dos vários projetos existentes e o exercício da escolha e apresentação desses projetos para a sociedade.
Há uma diferença entre profeta e professor. Nossas faculdades teológicas formam ambos. Mas o número de profetas, enquanto elemento crítico, produtor de desconforto, dentro e fora das faculdades será sempre bem menor que o de professores. Mas isso não quer dizer que sua produção seja menos importante. A faculdade não é unívoca. Abriga quadros diferentes, teólogos, professores, pastores, missionários, ministros de música e de educação cristã, com perspectivas e compreensões diferentes da realidade. É necessário entender que o ensino teológico brasileiro tem cerca de cinqüenta anos e seu desenvolvimento traduz uma produção carente de caminhos próprios.
Outro problema é o isolamento do ensino e da produção teológica brasileira. Nossas faculdades e seminários acabam existindo enquanto entidades fechadas, que de forma consciente ou não deixam de lançar suas idéias ao debate acadêmico e nacional. Correm assim o risco de transformarem-se em grupos sectários, fechados em si mesmos, que por isso deixam de pensar criticamente a sociedade, apresentar alternativas e pressionar positivamente governo e establishment.
Diante da crise estrutural da intelectualidade, nossas faculdades de teologia estão desafiadas a produzir profetas. Homens de Deus, conscientes de seu papel histórico, que sob a luz do Evangelho, façam a crítica cristã das políticas reducionistas e antipopulares. Tal postura deve nascer de um ensino teológico que responda aos desafios da globalização e da pós-modernidade14: necessidade e urgência para a reconstrução da intelectualidade e desenvolvimento do conjunto da sociedade brasileira.15
Os desafios da brasilidade
No mundo secular, a difusão do saber produzido não é tarefa exclusiva das universidades. A mídia, por exemplo, deveria ser um dos agentes principais nessa tarefa. Acontece, infelizmente, que a mídia transformou-se em traidora de sua missão original, clássica. E todos sabemos que essa omissão é fruto de sua dependência intrínseca, e cada vez maior, das empresas globais, que direcionam a democracia do livre comércio.
Tal fato gerou um desequilíbrio, que pode ser equacionado da seguinte forma: quanto maior o peso da estrutura global menor é a responsabilidade ética da mídia na difusão do saber produzido. Há uma redução da qualidade de pudor e de indignação. Assim, ao invés da palavra profética temos um cronista do establishment.
A questão da justiça social parte de três realidades que estão imbricadas, nesse fim de século, com a globalização. São elas, a materialidade de nosso corpo, a individualidade e a cidadania. A corporeidade é a minha primeira expressão enquanto pessoa, a forma que possibilita a minha comunicação com os outros, com a minha espacialidade e com o meio.16 Essa possibilidade de comunicação é limitada ou facilitada pela minha individualidade, que socialmente, traduz-se enquanto cidadania. Ou seja, pela maneira como participo, pela sociabilidade.
O problema é que no Brasil a cidadania não se completou. De tal maneira que meu corpo aparece como diferença central em relação a outros corpos. Não importa que minha individualidade cresça, enquanto consciência que tenho de minha realidade e de minhas possibilidades, inclusive através da ampliação de meus conhecimentos, se a cidadania me escapa por falta de espacialidade, de geografia. Quando alguém tem o poder de tirar a minha espacialidade, de me colocar para fora de minha casa e de meu espaço de produção, dentro da realidade urbana, ou de minha casa e da terra onde produzo, dentro da realidade rural,  minha corporeidade torna-se inferior às demais, porque deixo de ser cidadão.
A grande possibilidade do futuro está na comunicação, mas não na comunicação à distância, e sim na comunicação na proximidade. O que não falta hoje é informação, divulgação de dados e fatos verticalizados, numa rapidez e quantidade assombrosos. Isso produz alienação, já que não há discussão de metas, prioridades ou contexto em que esses dados e fatos devam ser inseridos. Nesse sentido, a globalização permite falar na construção antecipada de violência deliberada.17 É assim que atuam os grandes conglomerados da indústria editorial no mundo. Decidem a priori quais serão os best sellers. Criaram um fosso entre o mercado das idéias e a produção teórica do saber.18
Por isso, a comunicação está na comunidade, 19 nos conglomerados, entre os povos do mundo. São eles que criam, já que a comunicação é a expressão da solidariedade de preocupações, do fato de viver juntos, de depender para continuar vivendo.20 E aí está, sem dúvida, o caminho para uma outra globalização, que não precisa necessariamente de toda essa sofisticação pós-moderna.
Até agora, o mundo da globalização é verticalizado, tem preocupações pragmáticas, localiza-se em centros frouxos, de onde comanda a violência da informação e a violência do dinheiro. Mas isso é uma transição. As comunidades, os grandes centros urbanos, as grandes massas, no entanto, estão criando outra coisa. Respondem à informação e ao pragmatismo com comunicação e emoção. Abandonaram, sem terem consciência disso, a epistemologia do iluminismo.
A emoção permite a liberação de quadros estabelecidos, por isso tem um papel motor na produção do conhecimento. Quando falamos de emoção estamos realçando tendências motivadoras, quer sejam imitação, defensiva, agressiva, gregária, de propriedade, de domínio, de submissão. Isto porque a iniciativa da vontade ou da atividade pode ser insuficiente ou deficiente na descoberta e criação do conhecimento.
O Antigo Testamento é rico nesse tipo de experiência vivencial que faz cruzar emoção e comunicação. O povo israelita se movimenta, sacrifica, luta, vence, num processo contínuo de novas emoções e conhecimentos para obter uma conquista final. A fé se constrói dentro do mesmo princípio, dando forças para suportar, em Jó, no agir, em José, e na obediência como fruto da confiança, em Abraão. A própria assinatura da aliança no Antigo Testamento acontece no contexto de uma crise emocional sem precedentes na vida do herói da fé. E como ponto alto dessa dialética emoção/conhecimento na cultura judaica-cristã temos o sermão do monte, onde todo o discurso é carregado de beleza motivadora: dos pobres de espírito é o reino dos céus; os mansos herdarão a terra; os que choram serão consolados, os que têm fome e sede de justiça serão saciados, etc. Assim, as escrituras bíblicas têm transmitido confiança e esperança ao comunicar emoção. E isso não acontece por acaso. É Deus quem leva à emoção. Ele criou o homem com possibilidades que não se restringem à razão e à lógica. O mundo é um incentivo à vida. Nesse sentido, toda a criação é um desafio às nossas emoções.
Os setores médios da sociedade estão alicerçados no consumo, que é um redutor do pensamento, por isso tendem a ver o mundo como uma realidade estática, onde nada muda. A mídia, através do massacre da informação, aprofunda essa falsa consciência e fortalece o enquadramento dos setores médios. É desse enquadramento que nasce sua prosperidade e, como conseqüência, sua dificuldade para pensar a realidade. E a universidade, como centro pensante dos setores médios, perde sua capacidade de gerar reflexão crítica e indignação.
O que vemos, no que se refere às grandes massas, é a racionalidade ceder lugar à emoção,21 enquanto geradora de atividades sociais produtivas. Temos, então, uma produção que nasce das entranhas das massas, a partir de baixo, num nível e intensidade até agora desconhecidas na história humana.
Numa sociedade aparentemente rica,22 a sabedoria passa a ser privilégio daquele que conhece a experiência da escassez. É o caminho da descoberta, do que valho realmente enquanto ser. Nesse sentido, tanto o continente latino-americano, como o Brasil passam a ser historicamente afortunados, por serem potencialmente produtores de sabedoria.
Nesse sentido, estamos deixando a era tecnológica e entrando na era da democracia das grandes massas. O que é uma mudança de qualidade nas relações humanas. As grandes massas, que estão em movimento desde os anos 50, começam agora a fazer uso da comunicação, enquanto linguagem transformadora da situação dos deserdados da terra. Esse fenômeno que se expande, mas ao mesmo tempo se aprofunda, aponta para algo inteiramente novo no cenário latino-americano.
Ensinar teologia pode ser emocionante
Exatamente porque a função da faculdade de teologia é desenvolver a capacidade crítica e criadora, informar e formar hábitos e habilidades, desenvolver atitudes e ideais, deve procurar romper com a tradição racionalista da modernidade. O futuro pastor, missionário, ministro e teólogo vivem num mundo real e querem transformá-lo,23 ganhando vidas para Jesus Cristo. A faculdade de teologia que funciona enquanto realidade isolada não entendeu uma das exigências da pós-modernidade: o ensino que não se integra na vida real, em sentido horizontal e também vertical, não é motivador, abandonou o fator experiência. Por isso, enumeramos sete recursos pedagógicos que favorecem a mediação da emoção na produção do conhecimento teológico:
1. Fracasso e sucesso estão carregados de conteúdos emocionais. Na discussão de questões do Antigo Testamento, seja a aliança abraâmica, o êxodo ou a reforma de Esdras e Neemias não importa se o aluno se embaraça em entender os sentidos mais profundos de cada teologia, por desconhecer os pontos de partida: ele sente-se desafiado em descobri-los, se as aulas foram emotivamente dirigidas nesse sentido. É necessário, porém, equilibrar sempre fácil e difícil, levando em conta que os mais inseguros são estimulados pelo sucesso e os mais seguros com a possibilidade do fracasso.
2. A segurança depende do conhecimento de possibilidades e realizações, não do conhecimento das teologias da aliança, do êxodo ou das reformas de Esdras e Neemias. Para manter o aluno motivado, para explorar ao máximo suas possibilidades criadoras, o professor deve visualizar uma espécie de conta corrente: onde o ativo são os resultados dos esforços do aluno ao competir consigo mesmo e o passivo sua preparação em direção à autodeterminação.
3. Competir faz parte da vida, mas nem sempre há justiça na premiação. A faculdade de teologia deve preparar os futuros pastores, missionários, ministros e teólogos para a competição da vida, que é inevitável. Eles vão competir consigo mesmos, vão competir enquanto indivíduo no grupo, vão competir com outros grupos. Como eles têm um ministério cristão é importante ter claro que vão concorrer com outros grupos do ponto de vista teológico, mas não apenas, também vão fazê-lo ao nível social, cultural e político. Sabemos porém que é quase impossível prever como vão participar dessa concorrência e até onde vão conseguir realizar seus interesses particulares, e como tal competição se transformará em mola propulsora de desenvolvimentos posteriores.
4. Prêmio e castigo sempre fizeram parte da educação judaico-cristã. Nos últimos anos, andaram em desuso, mas a realidade tem mostrado que os prêmios satisfazem a tendência natural de auto-afirmação e de obtenção de prestígio, enquanto os castigos contrariam essas necessidades. Assim, quando um estudante erra e não recebe a reprimenda esperada estamos enevoando seu sistema de valores. Estamos confundindo e não educando. Por isso, principalmente numa faculdade de teologia é melhor repreender ou elogiar do que ausentar-se de qualquer manifestação diante dos trabalhos realizados. É bom lembrar que o castigo reforça o desprazer de um mau resultado e o prêmio faz a transição da ansiedade à liberação.24
5. O aproveitamento da experiência prévia do aluno é um fator espetacular de motivação, mas deve ser reinterpretado, retificado e ratificado. Sua experiência de vida religiosa, social, cultural e política, soluções encontradas para problemas reais vividos na família, na igreja e na comunidade em geral não somente favorecem a integração do aluno no grupo, mas produzem um sentido de correlação entre o meio social e a faculdade. É necessário aproveitar a tendência gregária dos alunos no planejamento e discussão dos cursos, na sua execução e controle, completando-se com o trabalho socializado. Os grupos estruturam-se visando atender a soluções intelectuais e afetivas. E as atividades extra-classe, desde que levem em conta essas motivações,  podem ter um importante papel didático.
6. As diferenças individuais devem ser levadas em conta e compensadas através de dois recursos: as entrevistas e a graduação de tarefas. Na primeira, os estímulos tornam-se diretos, mas o sucesso depende em muito da simpatia e da habilidade psico-pedagógica do professor. Na graduação de tarefas oferecemos uma oportunidade de autodeterminação, um incentivo a aprendizagem afetiva.
7. A crítica, enquanto construção aluno-professor, é imprescindível à segurança afetiva. O amor é a grande motivação. O amor permite ao professor encontrar os recursos necessários para educar os futuros pastores, missionários, ministros e teólogos em hábitos, atitudes e ideais, e orientá-los no caminho da verdade e da justiça.
Para terminar, gostaria que meditássemos, enquanto homens e mulheres envolvidos no ensino da teologia, num pequeno texto de Russell Shedd. Diz o professor:
“Segundo Karl Barth, a função da teologia evangélica é formular uma pergunta concernente à verdade, significando com isso que a tarefa do teólogo é inquirir se a igreja está compreendendo e comunicando (com sua palavra e sua vida) corretamente o evangelho. É possível crer na Bíblia de capa a capa e, mesmo assim, deixar de descobrir a verdade fundamental nela contida. Uma entrega ao Autor e Senhor da Bíblia, que produza transformação de vida, assim como uma submissão contínua ao Espírito Santo regenerador, o intérprete divino da Bíblia, são pré-condições essenciais quando os desafios da Escritura são ouvidos e atendidos. Não obstante, devemos precaver-nos do perigo da cultura obscurecer nosso reconhecimento da vontade de Deus em sua Palavra revelada. A justiça social apresenta exatamente este desafio. Os que se apegaram com maior tenacidade ao plano elevado da inspiração bíblica, com freqüência sufocaram as exigências divinas para que seu povo exemplificasse a sua profunda preocupação com a justiça”.25
A preocupação de Shedd nesse texto é a justiça social, mas seu alerta quanto à cultura são válidos para a pedagogia voltada ao ensino teológico. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, essa deve ser a diretriz. Por isso, toda crítica à falsa consciência e à alienação no âmbito do ensino teológico deve ter como base a verdade e a justiça, enquanto inquirição da compreensão e proclamação do evangelho por parte da igreja, corpo de Cristo no mundo. Mas se a tarefa é formar e transformar através da verdade e da justiça, o caminho, o método, a pedagogia é o amor.

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* Jorge Pinheiro, 54, pastor batista, jornalista, é professor de Teologia Sistemática (Graduação e Mestrado) na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, de Antigo Testamento na Faculdade Teológica Batista Paulistana e professor convidado da Missão Antioquia (SP) e do Centro de Estudos Teológicos (SC). Cursou Jornalismo na Universidade Católica (RJ), Ciências Sociais na Universidade do Chile, e Teologia (Graduação e Mestrado) na Faculdade Teológica Batista de São Paulo. É casado com Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos e tem três filhas: Marcela, Patrícia e Paloma.

 1  Cacaso, Um Canto de Trabalho, in Mar de Mineiro, Rio de Janeiro, 1982.

2  O termo ideologia foi criado por Destutt de Tracy (1754-1836), a quem Marx chama de “frio zelador da doutrina burguesa” em O Capital. v. I, Paris, Gallimard, 1965, p. 1166. Nesse trabalho, o conceito ideologia será usado sempre no sentido de falsa consciência geradora de alienação histórica, conforme desenvolvido por Marx/Engels em L’Idéologie Allemande, Paris, Gallimard, 1982. Levamos em conta, ainda, dois outros trabalhos: o primeiro de Claude Lefort, Les Formes de l’histoire, Essai d’anthropologie politique, Paris, Gallimard, 1978, e o segundo de L. Althusser, Pour Marx, Paris, Maspero, 1965.

3  A transformação de diversos estados da Europa central e oriental em repúblicas, a partir de 1945, alterou o equilíbrio de poder entre os países socialistas e capitalistas, condicionando a política do mundo inteiro e gerando um estado de tensão permanente que ficou conhecido como Guerra Fria. Os laços entre a União Soviética e os países satélites foram estabelecidos através de acordos militares como o Pacto de Varsóvia e econômicos como o Comecom. De forma geral, a política estratégica de Moscou caracterizou-se pela tentativa de conter, na ONU, a política externa das grandes potências capitalistas; estímulo aos movimentos de oposição ocidentais contrários à expansão armamentista; confronto ideológico com o bloco ocidental dentro de suas esferas de influência; e reforço de seus próprios interesses dentro do bloco socialista.

 4 “Essa cisão dramática entre ética e civilização manifesta-se de modo particularmente agudo quando se tem em vista o problema da comunidade ética no contexto da modernidade, ou quando é colocada a questão sobre o destino da comunidade ética numa civilização regida pelo pressuposto da práxis. A experiência milenar das sociedades humanas logrou constituir no curso da história formas de comunidades éticas como a família, os grupos religiosos, as tradições culturais e outras, onde os indivíduos se acolhiam para buscar uma razoável satisfação de suas necessidades simbólicas. O enfraquecimento ou a dissolução dessas comunidades é, talvez, o efeito mais visívil do processo de integração das sociedades mais diversas no âmbito e no espírito (ou na ideologia) da civilização universal moderna. Tornou-se banal a afirmação de que a ideologia verdadeiramente representativa da modernidade é o individualismo”. Henrique C. de Lima Vaz, Ética e Comunidade, in Síntese / Revista Trimestral da Faculdade de Filosofia do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, BH, no 52, jan./mar. 1991, p.7.

5  “O cristianismo e o judaísmo floresceram ou pelo menos sobreviveram em toda espécie de sistema social conhecido da humanidade. Se o capitalismo democrático perecesse durante os próximos cinqüenta anos, como bem poderia acontecer, o cristianismo e o judaísmo ainda sobreviveriam; segundo a promessa de Deus, sobreviverão até o fim dos tempos. É essencial, portanto, não confundir a transcendência do cristianismo e do judaísmo com a sobrevivência do capitalismo democrático. Se o capitalismo democrático desaparecesse da terra, a humanidade mergulharia em trevas relativas e judeus e cristãos sofreriam em regimes bem mais hostis às suas liberdades e capacidades. No entanto, judaísmo e cristianismo não requerem capitalismo democrático. Ocorre somente que, sem ele, ambos seriam mais pobres e menos livres. Entre as economias políticas pode haver alguma coisa melhor que o capitalismo democrático auto-regulador. Se existe, ainda não está à vista”. Michael Novak, O Espírito do Capitalismo Democrático, Rio de Janeiro, Nórdica, 1982, p. 392.

 6 A retirada americana deu início à fase final da guerra do Vietnã e ao enfraquecimento do governo de Nguyen Van Thieu, que não resistiu ao avanço das tropas vietcongues. O Acordo de Paris, negociado por Henry Kissinger e Le Duc Tho, foi assinado a 21/1/1973. O documento estabelecia o cessar fogo, a retirada das tropas americanas, a convocação de eleições para o Vietnã do Sul e a libertação dos presos de guerra. Os EUA perderam quase 46 mil soldados e tiveram cerca de 300 mil feridos. No dia 21/4/95 deu-se a arrancada final dos comunistas. Van Thieu fugiu para os EUA e o general Duong Van Minh rendeu-se incondicionalmente ao vietcongue a 30/4/75.

7 Se a relação entre intelectuais e povo-nação, entre dirigentes e dirigidos - entre governantes e governados -, é dada por uma adesão orgânica, na qual o sentimento paixão torna-se compreensão e portanto saber (não mecanicamente, mas de forma viva), é somente então que a relação é de representação e que se produz o intercâmbio de elementos individuais entre governados e governantes, entre dirigidos e dirigentes, isto é: que se realiza a vida conjunta que, só ela, é a vida social, cria-se um bloco histórico”. Antonio Gramsci, Il Materialismo Storico e la Filosofia di Benedetto Croce, Turim, Einaudi, 1966, p. 115.

 8 “A seleção de pessoas que devem se candidatar para aproveitar a educação teológica merece muita atenção. Ninguém pensaria em mandar um time de futebol para representar seu país se não tivesse as qualificações que o destacam da maioria dos jogadores. Paulo salienta fidelidade e idoneidade (2Tm 2:2). Jesus aponta para humildade ou pobreza de espírito. Refere-se à pessoa que é vulnerável, totalmente dependente, no sentido de que não tem nada de si que acha poder oferecer a Deus em troca de qualquer favor dele”. Russell P. Shedd, O Fundamento e Finalidade Última da Educação Teológica, in Vox Scripturae, dez/1966, p. 291.

 9 M. Buber, The Prophetic Faith, Nova York, 1949, citado por León Epsztein, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, São Paulo, Edições Paulinas, 1990, p. 113.

 10 E. Jacob, Les Prophètes bibliques sont-ils des révolutionnaires ou des conservateurs, in Csoc, 71, 1963, p. 194.

11 L. Ramlot, Histoire et mentalité symbolique, Exégese et theéologie, Mélanges Coppens, t. III, 1968, p. 188.

 12 León Epsztein, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, São Paulo, Edições Paulinas, 1990, p. 115.

13 ”Cada instituição teológica, consciente ou inconscientemente, também tem suas pressuposições e tendências ideológicas, mas duvido que a maioria desses centros educacionais tenham refletido com muita claridade e seriedade sobre essa realidade. Essa orientação ideológica estaria vinculada à história da instituição, à formulação da missão da igreja e o papel da educação teológica no cumprimento dessa missão. Donde, cada instituição educará seus estudantes para certa classe de leitura popular de acordo com suas obrigações. Tenho a impressão de que as instituições ecumênicas articulam com maior claridade seus compromissos ideológicos e que se esforçam para que esses se reflitam em seu propósito, curriculum e estruturas. (...) Quanto às leituras de uma orientação ideológica, existem dois perigos possíveis. Uma instituição pode enfocar tanto a convicção de sua responsabilidade sociopolítica que perde sua relação com a igreja nacional e suas congregações. (...) É importante que a instituição teológica vá adiante da igreja e que a oriente, mas que não se adiante a tal ponto que a igreja a perca de vista (...)  Por outro lado, uma instituição teológica de convicções mais conservadoras pode cair na armadilha de preparar ministros de molde histórico de acordo com modelos eclesiásticos que funcionaram nas igrejas por longos anos. Declarações do propósito da instituição e de sua filosofia educacional podem limitar-se a critérios denominacionais e à esfera da igreja local. Essas áreas são importantes e fundamentais, mas pode ocorrer que se preste pouca atenção ao contexto maior na qual se encontra a instituição, e seus graduados não estejam adequadamente preparados para ajudar aos membros das igrejas locais ou a igreja nacional a confrontar a realidade nacional”. M. Daniel Carroll R., Leituras Populares da Bíblia: Seu Significado e Alerta Para a Educação Teológica, in Vox Scripturae, set/1995, pp.139-140.

14 ” O espírito pós-moderno resiste às explicações unificadas, abrangentes e universalmente válidas. Ele as substitui por um respeito pela diferença e pela celebração do local e do particular à custa do universal. (...) A compreensão moderna associava a verdade à racionalidade e fazia da razão e da argumentação lógica os únicos árbitros da crença correta. Os pós-modernos questionam o conceito de verdade universal descoberta e provada graças aos esforços racionais. Eles não estão dispostos a conceber que o intelecto humano seja o único determinante daquilo em que devemos crer. Os pós-modernos olham para além da razão e dão guarida a meios não-racionais de conhecimento, dando às emoções e às intuições um status privilegiado. A busca de um modelo cooperativo e de uma maior valorização das dimensões não-racionais da verdade emprestam uma dimensão holística à consciência pós-moderna. O holismo pós-moderno implica a rejeição do ideal iluminista do indivíduo fleumático, autônomo e racional. Os pós-modernos não procuram ser indivíduos totalmente dedicados a si mesmos, desejam, isto sim, ser pessoas ‘completas’. (...) Os pós-modernos estão bem cientes da importância da comunidade e da dimensão social da existência. A concepção pós-moderna da totalidade estende-se também ao aspecto religioso ou espiritual da vida. Na verdade, os pós-modernos asseveram que a existência pessoal pode se dar no âmbito da realidade divina”. Stanley J. Grenz, Pós-Modernismo, Um Guia para Entender a Filosofia de Nosso Tempo, São Paulo, Edições Vida Nova, 1997, pp. 30, 32, 33.

 15  ”Poucas instituições (teológicas) na AL procuraram e conseguiram o reconhecimento das autoridades ou dos sistemas educacionais de seus países. Inclusive, algumas das mais prestigiadas não têm esse reconhecimento. Isto significa que temos certa liberdade para repensar a estrutura e as formas de nossa educação teológica, de maneira que corresponda melhor às necessidades de nossas igrejas. Tanto o crescimento numérico dos evangélicos, como a crescente profissionalização do ministério cristão, empurrarão nossas instituições a buscar o reconhecimento dentro dos sistemas educacionais de seus países.  Isso tem vantagens e desvantagens. Uma desvantagem é que, como nos EUA e Europa, limitará a liberdade e funcionalidade da educação teológica em relação à missão das igrejas. No entanto, temos tempo para repensar de maneira funcional, as condições dentro das quais nossas instituições vão se inscrever dentro do sistema educacional de cada país”. Samuel Escobar, Fundamento e Finalidade da Educação Teológica na América Latina, in Vox Scripturae, mar/1966, pp. 72-73.

16 ”São de enorme valor as contribuições de Emmanuel Mounier e Paul Tournier à plena compreensão da ‘pessoa’ como um todo integral. Esses pensadores cristãos nos convidam a superar os reducionismos, como por exemplo aqueles que em nome da espiritualidade negavam a materialidade ao ponto de negar a liberdade e a realidade do espiritual. Uma formação autenticamente cristã tem que regressar à riqueza da antropologia bíblica. Aqui temos que reconhecer que nossa pastoral evangélica foi muitas vezes muito espiritualizante”. Samuel Escobar, idem art. cit.,  p. 64.

17 ”Só recentemente começou a emergir com clareza a dimensão comunicação/publicidade/cultura como parte integrante do instrumental transnacional. É cada vez mais evidente que o sistema transnacional de comunicação se desenvolveu com o apoio e a serviço dessa estrutura transnacional de poder. É parte integrante do sistema, e por meio do qual é controlado o instrumento fundamental que é a informação na sociedade contemporânea. É o veículo para transmitir valores e estilos de vida aos países do Terceiro Mundo, que estimula o tipo de consumo e o tipo de sociedade requeridos pelo sistema transnacional, em seu conjunto. Politicamente, defende o status quo quando este apoia seus próprios interesses; economicamente, cria condições para a expansão transnacional do capital. Se o sistema transnacional perdesse seu controle sobre a estrutura de comunicações, perderia uma de suas armas mais poderosas; daí, a dificuldade de mudanças”. Juan Somavía, A Estrutura Transnacional de Poder e a Informação Internacional, in Meios de Comunicação: Realidade e Mito, org. Jorge Werthein, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1979, p. 131.

18 ”Com o desenvolvimento dos meios eletrônicos, a indústria da consciência converteu-se em marca-passos do desenvolvimento sócio-econômico na sociedade pós-industrial. Infiltra-se em todos os demais setores da produção, assume cada vez mais funções de comando e de controle, e determina a norma da tecnologia dominante. (...) Além do mais, os meios de comunicação também suprimem a velha categoria da obra que só se pode conceber como objeto isolado, não independente de seu substrato material. Os meios não produzem tais objetos. Criam programas. (...) Os programas da indústria da consciência têm que absorver seus próprios efeitos, as reações e as correções que provocam. Do contrário, tornam-se antiquados de imediato. Por conseguinte, não se podem considerar como meios de consumo, e sim, meios para sua própria produção”. Hans Magnus Enzensberger, Elementos para uma teoria dos meios de comunicaçãp, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978, pp. 43, 139-140.

 19 ”Um elemento valioso dos grandes movimentos de renovação espiritual foi criar meios que permitem que a ação pedagógica e pastoral se personalizem. Os pequenos grupos dentro da igreja, onde se vive o ‘cara a cara’ da vida em comunidade não são uma invenção de algum especialista em psicologia social ou das comunidades de base no Brasil. Foram a prática dos anabatistas do século XVI, os pietistas e dos metodistas primitivos. Sua intenção era precisamente buscar o avivamento da fé e a piedade através do estímulo mútuo que personaliza a vivência da fé na comunidade. Em especial, no modelo wesleyano, através dos pequenos grupos como células, ligas e classes, a ação pastoral se ampliava e possibilitava um pastoreio mútuo dentro das grandes linhas teológicas desenvolvidas pela pregação de John Wesley e a hinologia de Charles Wesley”. Samuel Escobar, Fundamento e finalidade da Educação Teológica na América Latina, in Vox Scripturae, mar/1966, p. 63.

     20”A fim de criar riqueza, os indivíduos devem ser livres para serem outros. Não devem ser compreendidos como fragmentos de uma entidade, membros de um grupo consangüíneo ou enclave étnico, mas como indivíduos - fontes originadoras de discernimento e opção. Tais pessoas não estão isoladas nem são estranhas entre si. Simpatia, cooperação e associação são para elas tão naturais e tão necessárias, como o ar que se respira. No entanto, quando formam comunidades, elas as escolhem, elegem-nas, contratam em seu nome. O estado natural da comunidade política de pessoas chegou a se constituir não através de posse primordial, mas por compactação constitucional. Antes que a raça humana escolhesse suas comunidades, havia somente uma forma de pietas, um tipo de amor, o amor ao país. Ainda não fora vislumbrada a possibilidade de dilectio. O amor primordial ao país é bom. Mas a escolha, a compactação, a eleição são melhores”. Michael Novak, O Espírito do Capitalismo Democrático, Rio de Janeiro, Nórdica, 1982, p. 415, 416.

21 ”Ambos os autores, Heller e Wallon, apontam para a estreita relação entre emoção, linguagem e pensamento, o que torna impossível seu estudo isolado, pois, desde muito cedo na vida do indivíduo, a sociedade, por meio da linguagem, integra-se no todo que constitui. (...) Por intermédio destes autores reforçamos a nossa constatação da natureza mediacional das emoções na constituição do psiquismo humano. Elas estão presentes nas ações, na consciência e da identidade (personalidade) do indivíduo, diferenciando-se social e historicamente por meio da linguagem. (...) Emoção, linguagem e pensamento são mediações que levam à ação, portanto somos as atividades que desenvolvemos, somos a consciência que reflete o mundo e somos a afetividade que ama e odeia este mundo, e com esta bagagem nos identificamos e somos identificados por aqueles que nos cercam”. Sílvia T. Maurer Lane, A Mediação Emocional na Constituição do Psiquismo Humano, in Novas Veredas da Psicologia Social, Sílvia T. Maurer Lane e Bader Burihan Sawaia (orgs.), São Paulo, Educ/Brasiliense, 1995, pp. 58, 59, 62.

22 ”Outros vícios sociais produto desse ‘cultivo da riqueza’ não podem ser ignorados. Alimentam-se exponencialmente do ‘amor ao dinheiro’ (1 Tm 6:10); generaliza o equívoco que privilegia o ter sobre o ser; desdenha a posição cristã de ter muito e viver com menos do que se tem; promove a cultura do ócio que gasta em prazeres sensuais (Lc 12:16-21). Tudo isso termina destruindo os valores e princípios que fazem possível o próprio crescimento econômico. Qual a melhor medicina contra esses vícios da alma? A Igreja que possui uma mensagem vibrante e realista no social, político e econômico.” Guillermo W. Méndez L., Propostas Para Um Fundamento Teológico da Economia, Vox Scriputurae, mar/1966, p. 95.

23 ”(...) Farei algumas citações do matemático, filósofo e professor, Alfred North Whitehead, extraídos de sua obra The aims of education - ‘Os objetivos da educação’: ‘(...) a compreensão que desejamos é a compreensão do presente insistente. A única utilidade do conhecimento do passado é a de equipar-nos para o presente. Nenhum mal é mais mortal às mentes jovens do que a depreciação do presente. Qualquer mudança fundamental na visão intelectual da sociedade humana deve ser necessariamente acompanhada de uma revolução educacional. Não é possível a existência de um eficaz sistema educacional no vácuo, vale dizer, de um sistema divorciado do contato imediato com a atmosfera intelectual existente. A educação moral é impossível sem uma visão constante de grandeza. Se não somos grandes, pouco importa o que fazemos ou debatemos e o sentido da grandeza é uma intuição imediata e não a conclusão de uma argumentação lógica’. Nós precisamos criar um Brasil - e não ensiná-lo”. Décio Pignatari, Contracomunicação, São Paulo, Editora Perspectiva, 1971, p. 61.

24 ”Do respeito às delimitações advém a verdadeira coragem ante a vida. Inclusive advém a elaboração daquilo que talvez nos seja mais difícil: os limites da própria vida individual, a morte. Os poucos indivíduos que conseguem realizar esta elaboração atingem uma admirável e generosa coragem de viver, a possibilidade de plenamente exercer a vida. Advém-lhes daí a sua dignidade. Os limites não são áreas proibitivas, são áreas indicativas. São meios e modos de identificar um fenômeno. Ao encontrar os limites, podemos configurar o fenômeno e, mais importante, ao esclarcer os limites, qualificamos o fenômeno”.  Fayga Ostrower, Criatividade e Processos de Criação, Petrópolis, Vozes, 1986, p.160.

25 Russell Shedd, A Justiça Social e a Interpretação da Bíblia, São Paulo, Edições Vida Nova, 1993, p. 1.