As
correlações entre a religião e a política
Reflexões
a partir de Paul Tillich em A Decisão
Socialista
Por
Jorge Pinheiro[1]
Política
e religião não são realidades estanques, isto porque as raízes do pensamento
político não são apenas pensamentos. Pensamento político é a expressão de um
ser político, de uma situação social. Não se pode entender o pensamento quando
se subestimam as realidades sociais das quais vem o pensamento político.
As
raízes do pensamento político não podem agir com uma força igual em todo
momento e em todo grupo. Um ou outro pode predominar, depende de uma situação
social, grupos ou formas de dominação determinadas, pois dependem de estruturas
sócio-psicológicas, da interação com a situação social objetiva. Assim, o
primeiro referencial é o ser. Nesse sentido, é a partir de uma fenomenologia
política, quando se analisa questões como o ser, a origem do pensamento
político, enquanto mito, que se pode trazer à tona os elementos não reflexivos
do pensamento político.[2] E a questão
do ser, presente na ontologia, leva a uma antropologia existencial.
Ora, a
questão existencial é traspassada pela religião, que é a dimensão da profundidade,
o espectro da profundidade na totalidade do espírito humano. A metáfora
profundidade significa que o aspecto ontológico aponta em direção àquilo que,
na vida espiritual do ser humano, é último, infinito e incondicional. No
sentido mais amplo e fundamental do termo, religião é preocupação última. E a
preocupação última se manifesta em absolutamente todas as funções criativas do
espírito humano. Assim, a religião constitui a substância, o fundamento e a
profundidade da vida espiritual do ser humano.[3]
Nem
sempre é necessário perguntar pelas raízes de um fenômeno social, mas quando a
existência está sob risco, então é necessário perguntar quais são suas raízes?
É necessário procurar pelas raízes do pensamento político no próprio ser
humano. Sem uma imagem do humano, de suas forças e tensões, não se pode dizer
nada sobre as fundações políticas do pensamento e do ser político. Sem uma
teoria do humano, não se pode construir uma teoria das orientações políticas.
Mas, o ser humano, diferente da natureza, é um ser dividido. Não importa saber
onde termina a natureza e onde começa o humano, não importa que a passagem
entre os dois se faça através de lentas transições ou por um salto. O
importante é que em determinado momento, a diferença ficou clara. Há, no
entanto, um processo vital indiviso, que desdobra a natureza sem interrogar nem
requerer, um processo que está ligado àquilo que se encontra nele e faz parte
do que ele é. Assim, existe um processo vital que deseja saber sobre o humano,
e que coloca algumas questões para ele: já não é indiviso, mas também dividido.
É idêntico a si mesmo quando diante de si mesmo, no ato de pensar e de
conhecer. Mas não apenas isso.
O
ser humano tem consciência de si mesmo, ou em outras palavras, distingue-se da
natureza enquanto ser que se desdobra, tornando-se ser consciente de si mesmo.
A natureza ignora esta divisão. Por isso, o humano não é uma combinação de duas
partes autônomas, tais como natureza e mente, ou corpo e alma, mas um só ser,
porém fendido em sua unidade. Estas determinações gerais levam a algumas
considerações no que se refere à pesquisa do pensamento político. Elas negam
qualquer dedução do pensamento político enquanto puro movimento de pensamento,
de exigências ético-religiosas, ou considerações ditadas por determinada
cosmovisão.
O
pensamento político vem do ser humano enquanto unidade. Está enraizada no ser e
na sua consciência, mais precisamente em sua unidade indissolúvel. É por isso
que não se pode entender um sistema de pensamento político sem contextualizar
seu enraizamento no ser humano enquanto ser social, ou seja, o imbricamento de
pulsões e interesses, os constrangimentos e as aspirações constituintes do ser
social. Mas também é impossível separar o ser de sua consciência, ou ver o
pensamento político como simples subproduto do ser. Assim, a consciência
estrutura todo o ser do homem, todo o ser social, em cada um de seus elementos,
inclusive as sensações pulsantes mais primitivas.
Quando
se tenta desfazer laços passa-se ao largo da primeira e mais importante
característica da essência humana, o que produz uma distorção no quadro geral
que ele faz de si próprio, de que há uma consciência inadequada ao ser, uma
falsa consciência, mas que não invalida a unidade do ser e da consciência. Isto
porque, afirma, o conceito de falsa consciência não é possível quando a coisa
que se designa é não conhecível. Assim, a consciência justa é uma consciência
que emerge do ser e ao mesmo tempo o determina. Não pode ser uma coisa sem ser
a outra, porque o humano é uma unidade na divisão, e desta unidade nascem as
duas raízes de todo pensamento político.
O ser humano se encontra enquanto realidade
dada, assim como seu ambiente. Mas estar no mundo enquanto realidade significa
que não vem de si mesmo, que não é sua própria origem. Conforme diz Heidegger,
o humano é um ser lançado. Esta situação leva o ser humano a colocar-se o
problema da fonte. O que mais tarde vai aparecer como questão filosófica. Mas
tal discussão é uma construção, e o mito apresenta a primeira resposta,
enquanto determinante para a discussão de conjunto.
A
origem é o que faz emergir. Este aparecimento dá lugar a algo novo, que não
existiu antes, que produz uma consciência própria, diferente da origem. A
realidade que somos está colocada, mas também é algo próprio. É uma tensão
entre o ser-posto e o ser-próprio. Mas, a origem não nos liberta. Não se pode
dizer que era e que não é mais. Constantemente somos puxados pela origem: ela
nos faz emergir, nos segura firme. É ela que nos estabelece como algo, enquanto
essência. Dessa maneira, ser-posto no mundo supõe caminhar para a morte.
[1] Pós-Doutor em Ciências
da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2011) e pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie (2008), Doutor em Ciências da Religião pela
Universidade Metodista de São Paulo (2006), Mestre em Ciências da Religião pela
Universidade Metodista de São Paulo (2001) e Graduado em Teologia pela
Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2001). É professor de tempo integral
na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e Jornalista Profissional. Atua na
área de Ciências da Religião, com especialização nas relações entre política e
religião, e filosofia, teologia e cristianismo.
[2] Paul Tillich, La Décision Socialiste, in Écrits contre les nazis (1932-1935), Paris, Genève, Québec: Les
Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l‘Université Laval,
1994, pp. 27. Die sozialistische Entscheidung‖, in Christentum und soziale Gestaltung. Frühe Schriften zum religiösen Sozialismus, Evangelisches Verlagswerk
Stuttgart, Gesammelte Werke II, 1962, pp. 219-365. Trad. fr. Nicole Grondin e
Lucien Pelletier, introd. de Jean Richard.
[3] Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, A dimensão
religiosa na vida espiritual do homem, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974,
pp. 16-17. Man‘s right to knowledge, Columbia University Press, 1954.
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