jeudi 31 octobre 2013

As 95 teses de Lutero

1ª Tese
Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos… etc., certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo e ininterrupto arrependimento.
2ª Tese
E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se ao sacramento da penitência, isto é, à confissão e satisfação, a cargo dos sacerdotes.
3ª Tese
Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda sorte de mortificação da carne.
4ª Tese
Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência, perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a saber, até à entrada para a vida eterna.
5ª Tese
O papa não quer e não pode dispensar de outras penas além das que impôs ao seu alvitre ou nem acordo com os cânones, que são estatutos papais.
6ª Tese
O papa não pode perdoar dívida, senão declarar e confirmar aquilo que já foi perdoado por Deus, ou então o faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes casos, se desprezados, a dívida em absoluto deixaria de ser anulada ou perdoada.
7ª Tese
Deus a ninguém perdoa a dívida sem que ao mesmo tempo o subordine, em sincera humildade, ao ministro, seu substituto.
8ª Tese
Cânones poenitentiales, que são as ordenanças de prescrição da maneira em que se deve confessar e expiar, apenas são impostos aos vivos, e, de acordo com as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos moribundos.
9ª Tese
Eis por que o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluindo este de todos os seus decretos ou direitos o artigo da morte e da necessidade suprema.
10ª Tese
Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e impõe aos moribundos penitências canônicas ou para o purgatório a fim de ali serem cumpridas.
11ª Tese
Este joio, que é o de transformar a penitência e satisfação, prevista pelos cânones ou estatutos, em penitência ou penas do purgatório, foi semeado enquanto os bispos dormiam.
12ª Tese
Outrora canônica poenae, ou seja, penitência e satisfação por pecados cometidos, eram impostos, não depois, mas antes da absolvição, com a finalidade de provar a sinceridade do arrependimento e do pesar.
13ª Tese
Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para o direito canônico, sendo, portanto, dispensados, com justiça, de sua imposição.
14ª Tese
Piedade ou amor imperfeitos da parte daquele que se acha às portas da morte, necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto menos o amor, tanto maior o temor.
15ª Tese
Este temor e espanto em si tão só, sem nos referirmos a outras coisas, basta para causar o tormento e o horror do purgatório, pois se avizinham da angústia do desespero.
16ª Tese
Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um do outro o desespero completo, incompleto ou quase desespero e certeza.
17ª Tese
Parece que assim como no purgatório diminuem a angústia e o espanto das almas, também deve crescer e aumentar o amor.
18ª Tese
Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas razões e nem pela Escritura, que as almas do purgatório se encontram fora da possibilidade do mérito ou do crescimento no amor.
19ª Tese
Parece ainda não ter sido provado que todas as almas do purgatório tenham certeza de sua salvação e não receiem mais por ela, não obstante nós termos esta certeza.
20ª Tese
Por isso o papa não quer dizer e nem compreender com as palavras “perdão plenário de todas as penas” o perdão de todo o tormento, mas tão só as penas por ele impostas.
21ª Tese
Eis por que erram os apregoadores de indulgências ao afirmarem ser o homem perdoado de todas as penas e salvo mediante indulgência do papa.
22ª Tese
Com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas do purgatório das que, segundo os cânones da igreja, deviam ter expiado e pago na presente vida.
23ª Tese
Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este apenas será dado aos mais perfeitos, que são muitos poucos.
24ª Tese
Logo, a maioria do povo é ludibriado com as pomposas promessas do indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas.
25ª Tese
Exatamente o mesmo poder geral que o papa tem sobre o purgatório, qualquer bispo e cura d’almas o tem no seu bispado e na sua paróquia, quer de modo especial e quer para com os seus em particular.
26ª Tese
O papa faz muito bem em não conceder o perdão às almas em virtude do poder das chaves (coisa que não possui), mas pela ajuda ou em forma de intercessão.
27ª Tese
Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair na caixa a alma se vai do purgatório.
28ª Tese
Certo é que, no momento em que a moeda soa na caixa, vem lucro, e o amor ao dinheiro cresce e aumenta; a ajuda, porém, ou a intercessão da igreja tão só correspondem à vontade e ao agrado de Deus.
29ª Tese
E quem sabe, se todas as almas do purgatório querem ser libertadas, quando há quem diga o que sucedeu com S. Severino e Pascoal.
30ª Tese
Ninguém tem certeza da suficiência do arrependimento e pesar verdadeiros, muito menos certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão dos seus pecados.
31ª Tese
Tão raro como existe alguém que possui arrependimento e pesar verdadeiros, tão raro também é aquele que verdadeiramente alcança indulgência, sendo bem poucos os que se encontram.
32ª Tese
Irão para o diabo, juntamente com os seus mestres, aqueles que julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência.
33ª Tese
Há que acautelar-se muito e ter cuidado daqueles que dizem: A indulgência do papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dádiva de Deus, pela qual o homem é reconciliado com Deus.
34ª Tese
Tanto assim que a graça da indulgência apenas se refere à pena satisfatória, estipulada por homens.
35ª Tese
Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem livrar almas do purgatório ou adquirir breves de confissão não necessitam de arrependimento e pesar.
36ª Tese
Tudo o cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados e sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência.
37ª Tese
Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem breve de indulgência.
38ª Tese
Entretanto se não devem desprezar o perdão e a distribuição deste pelo papa. Pois, conforme declarei, o seu perdão consiste numa declaração do perdão divino.
39ª Tese
Ë extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar diante do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e, ao contrário, o verdadeiro arrependimento e pesar.
40ª Tese
O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo; mas a profusão da indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça, pelo menos quando há oportunidade para tanto.
41ª Tese
É necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal, para que o homem singelo não julgue erradamente ser a indulgência preferível às demais obras de caridade ou melhor do que elas.
42ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos, não ser pensamento e opinião do papa que a aquisição de indulgências de alguma maneira possa ser comparada com qualquer obra de caridade.
43ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos, proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta ao necessitado do que os que compram indulgência.
44ª Tese
É que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro e livre da pena.
45ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer necessidade e a despeito disto gasta dinheiro com
indulgências, não adquire indulgência do papa, mas desafia a ira de Deus.
46ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura, fiquem com o necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.
47ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos ser a compra de indulgência livre e não ordenada.
48ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que se o papa precisa conceder mais indulgências, mais necessita de uma oração fervorosa do que de dinheiro.
49ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos serem muito boas as indulgências do papa enquanto o homem não confiar nelas; mas muito prejudiciais quando, em conseqüência delas, se perde o temor de Deus.
50ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que se o papa tivesse conhecimento da traficância dos apregoadores de indulgência, preferiria ver a basílica de São Pedro ser reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
51ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por um dever seu, preferiria distribuir o seu dinheiro aos que em geral são despojados do dinheiro pelos apregoadores de indulgência, vendendo, se necessário, a própria basílica de São Pedro.
52ª Tese
Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira, mesmo se o comissário de indulgências e o próprio papa oferecessem sua alma como garantia.
53ª Tese
São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de indulgências proíbem a palavra de Deus nas demais igrejas.
54ª Tese
Comete-se injustiça contra a palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto ou mais tempo à indulgência do que à pregação da palavra do Senhor.
55ª Tese
A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência, que é a coisa menor, com um toque de sino, uma pompa, uma cerimônia, enquanto o evangelho, que é o essencial, importa ser anunciado mediante cem toques de sino, centenas de pompas e solenidades.
56ª Tese
Os tesouros da igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências, não são bastante mencionados e nem suficientemente conhecidos na Igreja de Cristo.
57ª Tese
É evidente que não são bens temporais, porquanto muitos pregadores não os distribuem com facilidade, antes os ajuntam.
58ª Tese
Também não são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto este sempre são suficientes, e, independente do papa, operam graça do homem interior e são a cruz, a morte e o inferno do homem exterior.
59ª Tese
São Lourenço chama aos pobres, os quais são membros da Igreja, tesouros da Igreja, mas no sentido em que a palavra era usada na sua época.
60ª Tese
Afirmamos com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que estes tesouros são as chaves da Igreja, que lhe foram dadas pelo merecimento de Cristo.
61ª Tese
Evidente é que, para o perdão das penas e para a absolvição em determinados casos, o poder do papa por si só basta.
62ª Tese
O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo evangelho da glória e da graça de Deus.
63ª Tese
Este tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com que os primeiros sejam os últimos.
64ª Tese
Enquanto isso o tesouro das indulgências é notoriamente o mais apreciado, porque faz com que os últimos sejam os primeiros.
65ª Tese
Por essa razão os tesouros evangélicos foram outrora as redes com que se apanhavam os ricos e abastados.
66ª Tese
Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se apanham as riquezas dos homens.
67ª Tese
As indulgências, apregoadas pelos seus vendedores como a mais sublime graça, decerto assim são consideradas porque lhes trazem grandes proventos.
68ª Tese
Nem por isso semelhante indulgência é a mais ínfima graça, comparada com a graça de Deus e a piedade da cruz.
69ª Tese
Os bispos e os sacerdotes são obrigados a receber os comissários das indulgências apostólicas com toda reverência.
70ª Tese
Entretanto tem muito maior dever de conservar abertos os olhos e ouvidos, para que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não apregoem os seus próprios sonhos.
71ª Tese
Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é excomungado e maldito.
72ª Tese
Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e arrogantes dos apregoadores de indulgências, seja abençoado.
73ª Tese
Da mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com a excomunhão aos que em prejuízo do comércio de indulgências procedem astuciosamente.
74ª Tese
Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles que, sob pretexto de indulgências, prejudicam a santa caridade e a verdade pela sua maneira de agirem.
75ª Tese
Considerar a indulgência do papa tão poderosa, a ponto de absolver alguém dos pecados, mesmo que (coisa impossível de se expressar) tivesse deflorado a mãe de Deus, significa ser demente.
76ª Tese
Bem ao contrário afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo pode anular o menor pecado venial no que diz respeito a culpa que representa.
77ª Tese
Afirmar que nem mesmo São Pedro, se no momento fosse papa, poderia dispensar maior indulgência, constitui insulto contra São Pedro e o papa.
78ª Tese
Dizemos, ao contrário, que o atual papa, e todos os que o sucederam, é detentor de muito maior indulgência, isto é, o evangelho, dom de curar, etc., de acordo com o que diz 1 Corinto 12.6-9.
79ª Tese
Alegar ter a cruz de indulgências, erguida e adornada com as armas do papa, tanto valor como a própria cruz de Cristo é blasfêmia.
80ª Tese
Os bispos, padres e teólogos que consentem em semelhante linguagem diante do povo, terão de prestar contas desta atitude.
81ª Tese
Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a indulgência, torna difícil até homens doutos defenderem a honra e dignidade do papa contra a calúnia e as perguntas mordazes e astutas dos leigos.
82ª Tese
Haja vista exemplo como este: Por que o papa não livra duma só vez todas as almas do purgatório, movido pela santíssima caridade e considerando a mais premente necessidade das mesmas, havendo santa razão para tanto, quando, em troca de vil dinheiro para a construção da basílica de São Pedro, livra inúmeras delas, logo por motivo bastante infundado?
83ª Tese
Outrossim: Por que continuam as exéquias e missas de ano em sufrágio das almas dos defuntos e não se devolve o dinheiro recebido para esse fim ou não se permite os doadores busquem de novo os benefícios ou prebendas oferecidos em favor dos mortos, quando já não é justo continuar a rezar pelos que se acham remidos?
84ª Tese
Que nova santidade de Deus e do papa é esta a consentir a um ímpio e inimigo resgate uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e não livrar esta mesma alma piedosa e amada por Deus do seu tormento por amor espontâneo e sem paga?
85ª Tese
Por que os cânones de penitência, isto é, os preceitos de penitência, que faz muito caducaram e morreram de fato pelo desuso, tornam a remir mediante dinheiro, pela concessão de indulgência, como se continuassem em vigor e bem vivos?
86ª Tese
Por que o papa, cuja fortuna é maior do que a de qualquer Creso, não prefere construir a basílica de São Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro de cristãos pobres?
87ª Tese
Que perdoa ou concede o papa pela sua indulgência àqueles que pelo arrependimento completo tem direito ao perdão ou indulgência plenária?
88ª Tese
Afinal: Que benefício maior poderia receber a igreja se o papa, que atualmente o faz uma vez ao dia cem vezes ao dia concedesse aos fiéis este perdão a título gratuito?
89ª Tese
Visto o papa visar mais a salvação das almas mediante a indulgência do que o dinheiro, por que razão revoga os breves de indulgência outrora por ele concedidos, quando tem sempre as mesmas virtudes?
90ª Tese
Desfazer estes argumentos muito sutis dos leigos, recorrendo apenas à força e não por razões sólidas apresentadas, significa expor a igreja e o papa ao escárnio dos inimigos e desgraçar os cristãos.
91ª Tese
Se, portanto, a indulgência fosse apregoada no espírito e sentido do papa, estas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.
92ª Tese
Fora, pois, com todos este pregadores que dizem à igreja de Cristo: Paz! Paz! Sem que haja paz!
93ª Tese
Abençoados, porém, sejam todos os pregadores que dizem à igreja de Cristo: Cruz! Cruz! Sem que haja cruz!
94ª Tese
Admoeste-se os cristãos a que se empenhem em seguir seu Cabeça, Cristo, através da cruz, da morte e do inferno;
95ª Tese
E desta maneira mais esperem entrar no reino dos céus por muitas aflições do que confiando em promessas de paz infundadas.


Reforma Protestante, Ano 496

A Reforma. Um ato de liberdade
Entrevista especial com Vítor Westhelle
Instituto Humanitas Unisinos -- IHU

“Hoje se escreve sobre o Lutero católico. É bom lembrar que seu impacto revolucionário não foi sua intenção. Ele queria não mais que reformar a igreja. Ele nunca saiu da igreja católica, só foi excomungado da igreja de Roma”, diz o teólogo.

Foto: http://bit.ly/U0EyLO

“A Reforma criou foi um conceito de igreja pluricêntrica em que diferentes expressões são possíveis. Mas com isso também se estabelece um debate sobre convicções distintas. Contudo, nem tudo vale! Se existe um critério que define o movimento da Reforma, é aquilo que traz a Cristo. Este é o princípio fundamental”. A avaliação é de Vítor Westhelle, ao comentar os 496 anos do movimento reformista cristão, iniciado por Martinho Lutero no século XVI, ao publicar as 95 teses na porta da igreja do Castelo de Wittenberg, no dia 31 de outubro de 1517.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, o teólogo ressalta que, para os protestantes, “Cristo é o da cruz e do sofrimento, bem como da ressurreição. A tentação é sempre passar de lado ou por cima da cruz e evitar o labor do luto para celebrar uma ressurreição de um corpo desencarnado”. E acrescenta: “Esta talvez seja a ‘cruz’ que a Reforma tenha de carregar desde que a noção de prosperidade começou a ser difundida pelos pioneiros puritanos na América do Norte, como magistralmente mostrou Max Weber no seu clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”.

Quase 500 anos depois da Reforma, Westhelle acentua que permanece entre os protestantes uma “atitude que dá vazão à liberdade”. E acrescenta: “As fixações das 95 teses deLutero e suas iconografias apenas indicam um evento que nos faz rememorar que um ato de liberdade é possível. Não se trata de fantasmas de halloween, mas da presença encarnada de Deus, em todos os lugares e em todos os tempos”.

Vítor Westhelle é graduado em Teologia pela Escola Superior de Teologia – EST, de São Leopoldo, e mestre e doutor em Teologia pela Escola Luterana de Teologia de Chicago. De seus vários livros publicados, citamos O Deus Escandaloso. O uso e abuso da cruz (São Leopoldo: Editora Sinodal, 2008).

Foto: http://bit.ly/19SQxzb

IHU On-Line - Que atividades estão sendo preparadas no Brasil e no mundo em função dos 500 anos da Reforma?

Vítor Westhelle - Em vários níveis nacionais e internacionais planejam-se eventos e publicações. No Brasil, por iniciativa das duas principais igrejas de confissão luterana, no ano passado houve um evento no Plaza San Rafael, em Porto Alegre, em que se lançou o quinquênio para rememoração da Reforma do século XVI, enfatizando um dos temas fundamentais do movimento reformatório, a liberdade Cristã. Na ocasião, um selo celebrativo foi lançado para dar continuidade e alentar o processo. Ao nível internacional, há diferentes programas organizados. A Igreja Evangélica da Alemanha, que reúne as igrejas regionais, tem um programa temático para uma década começando em 2007. AFederação Luterana Mundial também tem uma comissão, liderada por um brasileiro (Prof. Dr. Walter Altmann), para coordenar as atividades em nível internacional. Mas é importante lembrar que, embora Lutero seja a figura emblemática da Reforma, estas celebrações visam reunir todas as igrejas dela oriundas. Embora Lutero seja o que recebe a alcunha de “O Reformador”, há uma imensidade de outros reformadores e reformadoras, incluindo a “reforma” ibérica, normalmente conhecida como a Contrarreforma (porquanto se manteve dentro da Igreja de Roma) e associada a nomes como Teresa de Ávila, João da Cruz eInácio de Loyola.

IHU On-Line - Que comparação é possível fazer entre a teologia de Lutero com as teologias protestantes contemporâneas, como o neopentecostalismo ou a teologia da prosperidade?

Vítor Westhelle - O que a Reforma criou foi um conceito de igreja pluricêntrica em que diferentes expressões são possíveis. Mas com isso também se estabelece um debate sobre convicções distintas. Contudo, nem tudo vale! Se existe um critério que define o movimento da Reforma, é aquilo que traz a Cristo. Este é o princípio fundamental. Porém, como isto se expressa é bastante variado. Mas este Cristo é o da cruz e do sofrimento, bem como da ressurreição. A tentação é sempre passar de lado ou por cima da cruz e evitar o labor do luto para celebrar uma ressurreição de um corpo desencarnado. Esta talvez seja a “cruz” que a Reforma tenha de carregar desde que a noção de prosperidade começou a ser difundida pelos pioneiros puritanos na América do Norte, como magistralmente mostrou Max Weber no seu clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Como nas igrejas oriundas da Reforma não existe um magistério, uma voz que fale por toda a igreja e suprima a liberdade, os abusos inevitavelmente decorrentes devem e só podem ser corrigidos em um diálogo aberto sobre o que está no centro da própria fé: o Messias Jesus.

IHU On-Line - Num mundo em que a mercadoria tem alto valor simbólico por conta do consumismo, no qual vale a máxima “ter para ser”, como se enquadra a mensagem de um dos principais pilares da Reforma: a Graça de Deus? Por que essa mensagem não prospera nos dias de hoje?

Vítor Westhelle - Meu mentor e amigo, o jesuíta uruguaio Juan Luis Segundo (falecido em 1996) insistia sempre que o verdadeiro Cristianismo deveria ser sempre uma comunidade minoritária indo sempre contra a corrente. Ele sempre tinha muito respeito por Lutero (ainda que o criticasse também) pela maneira como ele entendia a igreja como uma minoria em peregrinação, o sal da terra! Para Segundo, como para Lutero, nada errado em si com o “ter”, mas isto é totalmente distinto de “ser”. Aquilo que se é não se estabelece pelo “ter”, mas pela coragem de “ser”. E este “ser” só acontece (é um evento!) no receber a dádiva divina que se chama graça, que é de graça; é ócio, não é negócio (que é a negação do ócio). Este receber é o que se chama fé, e nem mesmo a razão pode negociar com ela.

IHU On-Line - Por que, no Brasil, eventos como o Halloween é mais conhecido do que a Reforma?

Vítor Westhelle - Eu tenho morado parte do ano nos EUA pelas duas últimas décadas. Em Chicago, no bairro da universidade, a cinco quadras da residência dos Obama, onde é também minha residência lá, halloween bate de longe a Reforma. Mas o que me preocupa, no caso brasileiro, é esta chamada globalização da idiotice. Não se trata de lembrar a Reforma, simbolizada pela fixação das 95 teses de Lutero na porta da igreja do castelo de Wittenberg. (Aliás, do púlpito desta igreja, na celebração dos 495 anos do evento, tive a oportunidade de pregar no mesmo púlpito que Lutero ocupou muitas vezes.) Se algo do espírito da Reforma permanece, não é uma instituição chamada igreja, ou mesmo uma inscrição, uma pintura. O que permanece é uma atitude que dá vazão à liberdade. As fixações das 95 teses de Lutero e suas iconografias apenas indicam um evento que nos faz rememorar que um ato de liberdade é possível. Não se trata de fantasmas de halloween, mas da presença encarnada de Deus, em todos os lugares e em todos os tempos.

IHU On-Line - Que avaliação faz das relações de mútua influência entre a teologia católica e a teologia de Lutero nestes 500 anos?

Vítor Westhelle - Esta é uma questão interessante, pois muito hoje se escreve sobre o Lutero católico. É bom lembrar que seu impacto revolucionário não foi sua intenção. Ele queria não mais que reformar a igreja. Ele nunca saiu da igreja católica, só foi excomungado da igreja de Roma.

IHU On-Line - Quais são as particularidades e diferenças das posições dos principais reformadores: Lutero, Calvino, Huss e Zwinglio?

Vítor Westhelle - Há uma complexidade de assuntos que marcam algumas vertentes distintas que produziram as diferentes igrejas oriundas da Reforma. Hoje parecem questões atávicas, mas que estão engessadas em diferentes instituições eclesiásticas. Huss era para Lutero um mártir da igreja. Calvino, ele nem conheceu e era muito mais jovem que ele. Com Zwinglio, ele teve um debate na universidade de Marburg em 1529. Discutiram 15 teses. Eles concordaram sobre 14 delas. Discordaram sobre a real presença de Cristo na eucaristia. Zwinglio defendia que a expressão “isto é meu corpo” era simbólica ou representativa. Já Lutero, mais achegado à tradição da igreja antiga e de certo modo da igreja Romana, dizia que a presença era real, ainda que não concordasse com a teoria aristotélica-tomista da transubstanciação.

IHU On-Line - A teologia protestante sempre foi conhecida pelo ecumenismo. Que perspectivas vislumbra para o ecumenismo religioso?

Vítor Westhelle - Tenho algumas desconfianças com a expressão “ecumenismo”. Hoje ela conota uma abertura a outras igrejas ou religiões. Mas a palavra originalmente designa a expansão e os limites do Império Romano. Mas, na denotação atual, sim, o protestantismo tem uma vocação ecumênica, pois na sua origem sempre confessou que a igreja é una; só há uma igreja e esta é plural.

IHU On-Line - Qual a influência da Reforma em campos não religiosos, como a filosofia, as artes, as ciências e a política?

Vítor Westhelle - Quanto às artes, existe uma diferença marcante entre a ala reformada da Reforma (Zwinglio, Calvino), que traz consigo uma tendência iconoclástica, e a luterana. Para reformados, a arte é vista com suspeita, pois facilmente pode levar à idolatria. Para os luteranos, sempre foi uma questão chamada de adiáfora, algo não essencial, mas que pode ser muito válido.

Daí a importância, já na época de Lutero, da arte de um Dürer, Cranach, o velho (de quem Lutero foi amigo pessoal) e Cranach, o jovem. Todos estes abraçaram a Reforma.

Quanto à política, é muito arriscado ousar uma hipótese. Mas há quem tenha defendido a tese de que a clara distinção entre ética e religião, razão e fé em Lutero pode ter sido a razão para os regimes políticos da Escandinávia, cujas sociedades são as mais igualitárias do mundo.

Quanto à ciência, vale o mesmo. A distinção de competências entre fé e razão permite à ciência operar sem atrelamentos a dogmas. Os principais centros sobre ciência e religião que conheço são altamente influenciados por esta tradição, como Chicago, Copenhague, Berkeley, Munique, Frankfurt, etc.

Foi Osiander, um dos teólogos da Reforma luterana, que publicou a obra de Copérnico com um prefácio seu, pois esta não podia ser difundida em territórios católicos.

Na filosofia, dois dos grandes metafísicos da modernidade, Leibniz e Hegel, eram luteranos professos. O que é curioso, pois na tendência contra a metafísica temos um Kant, que era luterano, ou um Feuerbach, que se declarava ateu, mas se chamava de um segundo Lutero. Mas quem mais prezou a importância de Lutero foi o católico Heidegger em O Ser e o Tempo e, mais recentemente, Gianni Vattimo, filósofo italiano também católico professo, que declarou em uma entrevista recente: “Precisamos de um novo Lutero”.

Veja também:
Martinho Lutero e a Igreja Católica. Artigo de Otto Hermann Pesch
Martinho Lutero e a Igreja Católica. Artigo de Otto Hermann Pesch - 2ª parte
Ecumenismo protestante
"É preciso acabar com o ecumenismo imobilista". Entrevista com Friedrich Schorlemmer
''Ecumenismo agora!''. Um apelo
Estudo de Lucien Febvre retrata Lutero à luz do contexto social
Lutero, a justificação e o papa Francisco
Martinho Lutero, promotor das bases da laicidade
Dia da Reforma: um marco na história das religiões
Protestantismo: é tempo de refletir. Entrevista especial com Cláudio Kupka, Martin Dreher e Walter Altmann
Celebração conjunta católico-luterana, um bom começo para o entendimento interdenominacional
Lutero. Reformador da Teologia, da Igreja e criador da língua alemã. Revista IHU On-Line, no. 280

Artigos e entrevistas

18/10/2013 - ''Bergoglio não é Lutero''. Entrevista com Eugenio Bernardini
22/10/2013 - Uma ''rede de redes'' de sacerdotes e leigos para a reforma da Igreja. Artigo de Christine Schenk
31/10/2013 - “A reforma será profunda”, afirma membro do Conselho dos oito cardeais
15/07/2006 - A sociologia de Max Weber. Entrevista especial com Catherine Colliot-Thelene
14/11/2006 - O guardião da obra de Max Weber. Entrevista com Wolfgang Schluchter


mercredi 30 octobre 2013

Moisés, o príncipe do Egito


A PREPARAÇÃO DE MOISÉS
por JORGE PINHEIRO

Êxodo 2: 1-22.
A chave para entendermos a preparação Moisés, como líder do povo de Adonai, está no Capítulo 2 do livro de Êxodo. Na verdade, este capítulo abarca três períodos definidos.

I. Moisés na casa dos pais.
II. Moisés na corte de Faraó.
III. Moisés no deserto.

I - Na Casa dos Pais

Quando falamos de Moisés na casa de seus pais[1], podemos trazer do texto algumas conclusões muito interessantes.
           
A. Moisés era uma criança bonita (Êx 2:2).
           
B. Os pais de Moisés[2], Anrão e Joquebede, eram pessoas de fé no Elohim de Israel (Hb 11:23). Exemplo: a sabedoria (aparente ingenuidade) da mãe de Moisés em colocar o cesto de papiro[3] com a criança próximo ao lugar onde a filha do Faraó[4] se banhava. O choro da criança chamou a atenção da princesa e tocou seu coração.
           
C. Eram pessoas que tinham amor pelos seus irmãos escravizados, conforme Hb 11:24-26[5].
           
Conclusão: Fé no Adonai da aliança e amor por seu próximo. Esses foram os ensinamentos básicos que Moisés teve em seu lar.

II - Na Corte do Faraó

E o que aprendeu na corte de Faraó?

A. No livro de Atos dos Apóstolos 7:22 encontramos: “E Moisés[6] foi instruído em toda a ciência dos egípcios, e era poderoso em suas palavras e obras[7]”. Sem dúvida, recebeu a mais alta educação que a grande nação egípcia poderia oferecer. Era poderoso em palavras traduz a gigantesca obra literária que produziu sob a inspiração de Iaveh: o Pentateuco. Poderoso em obras. Era um líder. Segundo o historiador judeu do primeiro século, Flávio Josefo, Moisés foi um grande herói militar, que comandou um exército no sul do Egito e livrou o país de uma invasão etíope.
           
B. Êxodo 2:11 e 12 e Atos 7:24-25 nos mostram que ele estava tentando livrar seus irmãos da escravidão. A iniciativa era sua e estava apoiada em sua própria força e vontade[8].
           
C. A educação que recebeu e o sucesso que obteve como líder fizeram dele um homem autossuficiente. Êxodo 2:13 e 14 nos leva a constatar que era visto por seus patrícios como um homem soberbo, arrogante, acostumado a mandar e ser obedecido.

III - No Deserto de Adonai

Que influência tiveram os quarenta anos no deserto sobre o caráter de Moisés?

Em Êxodo 3:11 vemos que ele se recusa a assumir responsabilidades.
Por que? Onde está o seu espírito de autossuficiência?

Em Êxodo 4:17 vemos que na corte de Faraó tudo era obra do engenho e arte humanas. No deserto tudo era obra de Iaveh, conforme expõe sabiamente Sl 8.3 e 4.
                       
A. Assim, o deserto ensinou a Moisés o caminho da paciência (Ex.14:10-14; 15:23-25; 16:2-3; 17:1-4; 32:31-32; Nm.12:1-8). A solidão e a grandeza solene do deserto deram-lhe o ambiente propício para refletir. Aí associou-se intimamente a um povo descendente de Abraão, os midianitas[9] que, muito possivelmente, adoravam o Elohim verdadeiro, conforme Ex.18:10-12.
                       
B. Com seu sogro Jetro[10], sacerdote, conheceu a religiosidade e as formas de culto dos descendentes de Abraão, assim como os caminhos e recursos do deserto. Era muito claramente uma preparação, pois ela haveria de viver a última etapa de sua vida, ali, liderando um povo que tinha sido escravo e que ele amava tanto.
                       
C. Assim, no deserto, com os midianitas, Moisés aprendeu o caminho da austeridade e da dependência a Elohim, que ele nunca poderia alcançar no palácio real. Moisés saiu do palácio como um príncipe arrogante e voltou ao Egito, para libertar seu povo, como um pastor terno e cheio de compaixão.

E O QUE SIGNIFICA ISSO PARA NOSSA VIDA?

A. Adonai transforma planos diabólicos em bênçãos.

Uma lição impressionante que este capítulo nos dá é como o poder soberano de Iaveh transformou os planos diabólicos de Faraó, de impedir que o povo deixe o Egito, em planos benéficos. (Ex 1:10 “...vamos ser espertos com esse pessoal, porque eles podem se multiplicar muito e se houver guerra podem se unir aos nossos inimigos e lutar contra nós”.)

B. Para Iaveh, mais importante do que fazer e acontecer é ser.
Foi instruído em toda a ciência dos egípcios. O historiador judeu Flávio Josefo, que viveu no primeiro século d.C., afirma que Moisés, foi general do exército. Ele atribui a Moisés a pacificação da Núbia, sul do Egito, o que aumentou em muito os tesouros egípcios, já que os nubianos tiveram que pagar pesados tributos em ouro. Atos dos Apóstolos 7:22

C. Iaveh manda para o deserto aqueles que vai usar.
Moisés saiu do palácio como um príncipe arrogante e voltou ao Egito, para libertar seu povo, como um pastor terno e cheio de compaixão.


[1] Seu pai, Amram, era descendente de Levi (da tribo de Levi, da família de Caat). Sua mãe, Joquebede, era tia de Amram, conforme Êx. 6:18-20 e comentário de Dobson, John H., A Guide to the Book of Exodus, SPCK, London, 1977, págs. 17 e 18.
[2] Os pais de Moisés, graças à providência de Elohim, puderam criá-lo em sua própria casa. Sua mãe amamentou-o possivelmente até os três anos de idade, conforme era a tradição hebreia (II Macabeus 7:27), quando o entregou à filha de Faraó para ser educado no palácio real.
[3] Um cesto de papiro. O papiro era uma matéria-prima muito utilizada pelos egípcios. Substituía o papel para a escrita, era utilizado para utensílios domésticos, como cestas, e até para a produção de embarcações.
[4]Embora arqueólogos e historiadores do Egito antigo nem sempre tenham a mesma opinião sobre fatos que aconteceram a cerca de 3.500 anos, nos últimos quinze anos a arqueologia e a história começaram a viver uma revolução, graças à utilização da informática e dos recursos técnicos da computação. Velhas teorias são descartadas e novas hipóteses são propostas. O conhecimento que temos, atualmente, sobre o novo reino egípcio, no período que cobre os anos de 1570 a 1085 a.C., nos oferece importantes informações sobre a vida dos faraós dessa época. Mantinham, por exemplo, residências e haréns nas grandes cidades, Tebas, Mênfis e  Ramsés, mas também casas de campo e de esportes em regiões mais afastadas, como no leste do delta do Nilo e nas regiões próximas a Góssen. A mais famosa estância de lazer dos faraós era Fayum, que por localizar-se numa região pantanosa permitia temporadas especiais de caça e de pesca. Documentos em papiro contam que ali existia um harém, onde as mulheres de linhagem real supervisionavam atividades industriais ligadas à fiação e tecelagem. Assim, ao contrário do que se imaginou durante muitos anos, os haréns egípcios não eram centros de reclusão, mas unidades de esporte e produção. Os papiros nos falam de Nefure, princesa filha de Amenotepe I. «A jovem Nefure que salvou o bebê Moisés morava num palácio em Mênfis, a residência real do co-regente. Existem muitas estátuas egípcias de uma jovem segurando um bebê. Estas estátuas referem-se sempre a Nefure e Senemut. O termo Senemut significa literalmente “irmão da mãe”. Para entender o que essa expressão significava é preciso analisar alguns elementos da religião egípcia. Acreditavam que o primeiro rei do Egito foi Osíris. Ele casou-se com Isis, que era sua irmã. O irmão de Osíris, Set, matou Osíris para ocupar o trono. Após a ascensão de Set ao trono, Isis fez com que, através de expedientes mágicos, Osíris voltasse à vida e a engravidasse. Depois disso, Osíris voltou ao mundo dos mortos. A criança que nasceu foi chamada Hórus e era Osíris reencarnado. No fim da história o trono retornou a Hórus, que era o rei por direito. Assim, o filho de Isis, por ser a reencarnação de Osíris, era também era seu marido e seu irmão. Tudo numa coisa só. Todos os reis do Egito, então, passaram a ser Hórus, a reencarnação de Osíris. Era assim que eles acreditavam”. Ronald Wyatt, the Moses of the Bible and History, Wyatt Archaeological Research, webmaster@crystalpt.com
[5] É interessante notar que Moisés publicamente faz-se conhecido como hebreu. O que inevitavelmente levou-o a participar das aflições de seu povo, ao invés de esconder-se na posição de filho de uma princesa egípcia. E é esta postura que o escritor de Hebreus realça no texto. Moisés, mesmo baseado em sua própria força e prestígio, preferiu  ligar-se a um povo, momentaneamente escravo, a alienar-se de sua tradição hebreia.
[6] A Bíblia diz em Êx 2:10 que quando “o menino cresceu, ela (a mãe) o entregou à filha de Faraó, a qual o adotou e lhe pôs o nome de Moisés”.  Em hebraico, Mosheh, do verbo mashah, tirar. É bem possível que este nome Mosheh seja uma abreviação da expressão egípcia Thutmosés (“o deus Tot nasceu”), já que a princesa dificilmente lhe daria um nome hebreu. Outra hipótese para o nome Mosheh é que tenha vindo do termo egípcio mesu, que significa filho, derivado de um verbo que quer dizer produzir, retirar. Daí o jogo de palavras entre mesu, no egípcio, e mashah, no hebraico. Vide A Bíblia de Jerusalém, Edições Paulinas, São Paulo, 1985, pág.107, comentário de pé de página “j”, sobre Êx. 2:10.
[7]«Seu nome de princesa era Nefure e é assim que aparece em muitas inscrições. Nessa época seu pai era co-regente do faraó Anmosis. Mais tarde, ao tornar-se rainha, Nefure tornou-se conhecida como Hatshepsut. Quando Moisés nasceu o imperador do Egito era Anmosis, e ele vivia em Tebas. Na cidade de Mênfis, Thutmoses I era o co-regente do império. Mas como era costume também recebia o título de faraó. O termo faraó significa “casa grande” e traduzia o poder daquele que tinha o senhorio. Aos 33 anos, Moisés foi designado príncipe e tornou-se Thutmoses II. É importante notar que este não é o nome de Moisés, mas uma designação. O historiador judeu Flávio Josefo, que viveu no primeiro século d.C., afirma que Moisés, já como Thutmoses, foi general do exército. Ele atribui a Moisés a pacificação da Núbia, o que aumentou em muito os tesouros egípcios, já que os nubianos tiveram que pagar pesados tributos em ouro. Finalmente, quando Moisés tinha 40 anos, conforme descreve Êxodo 2, ele assassinou um nobre egípcio e teve que fugir do Egito. Na antiga Tebas existe uma construção chamada Deir el Bahri, um templo que Moisés construiu para sua mãe adotiva, Nefure. Tem uma tumba, possivelmente para o próprio Moisés, onde vemos uma jovem mulher segurando uma criança pequena. Documentos referentes à essa construção mostram que ela teve começo quando Moisés tinha cerca de 16 anos, época em que foi designado filho da filha do faraó e colocado na linha de herdeiros ao trono. Os nome Senemut e Nefure são mencionados na tumba. Abaixo da tumba, arqueólogos descobriram um pequeno quarto cavado na rocha, onde estavam as múmias de Hathofer e Ramose, os nomes egípcios dos pais de Moisés, Anrão e Joquebede. Assim, sua mãe hebreia foi embalsamada e recebeu um funeral real, o que indica que ela foi enterrada ali na época da sua morte. O corpo de seu marido Ramose, entretanto, teve um segundo funeral. Ele foi removido da sepultura original e transferido para este local. Esta tumba nunca foi terminada e ninguém mais foi enterrado ali. Mais tarde, outra tumba real foi mandada construir por Moisés, quando ele tinha cerca de trinta e três anos. A tumba 353 é tão fascinante quanto a primeira e nela ninguém foi enterrado. Foi a segunda construída por Moisés e seria seu túmulo real. É interessante notar que, ao contrário de outras tumbas, onde o morto é representado com esposa e família, Moisés é mostrado apenas com sua mãe e seu pai, Hathofer e Ramose. Até porque Moisés nunca foi casado enquanto esteve no Egito”. Ronald Wyatt, the Moses of the Bible and History, Wyatt Archaeological Research, webmaster@crystalpt.com
[8] “Moisés não tinha justificativa para esse ato (ferir o egípcio), nem pela lei da terra nem aos olhos de Elohim. Daí a necessidade de mais quarenta anos de disciplina, antes que seu coração e mente estivessem plenamente habilitados para receber a revelação dos propósitos e leis de Iaveh”. Davidson, F., O Novo Comentário da Bíblia, Ed. Vida Nova, SP, 1994, pág. 123.
[9] Os midianitas eram um poderoso grupo de tribos. Viviam na região leste do golfo de Ácaba. Esse região tinha muitos oásis e água que era utilizada para irrigação. A partir de 1969, os arqueólogos descobriram que, no tempo de Moisés, os midianitas dominavam a região de Moab e Edom, controlando as rotas comerciais do noroeste da Arábia. A Bíblia de Jerusalém, obra citada, p. 107, comentário de pé de página “l”,  sobre “A Fuga de Moisés para Madiã”.
[10] Os textos apresentam nomes diferentes para o sogro de Moisés. Em Êx.2:18, temos Reuel, em 3:1, 4:18 e 18:1 ele é Jetro, e em Nm 10:29 fala de Hobab, filho de Reuel. Muito possivelmente, esses nomes se referem em primeiro lugar ao líder do clã, Reuel, o midianita ou quenita, conforme Jz. 1:16 e 4:11. Sendo que aqui midianita ou quenita referem-se a duas tradições de casamento, uma refletindo a tradição javista, ligada à Palestina do sul, e outra eloísta. Logo após o nome do clã, muito possivelmente temos o nome do líder da família, Hobab. Dentro dessa visão, o nome do sogro de Moisés seria mesmo Jetro (Hobab), já que é como Êxodo o chama em três vezes das quatro em que é citado.