jeudi 16 août 2018

Era uma vez -- jeu 16 août

Era uma vez, antes do espaço, antes do tempo, antes do espaço-tempo, a eternidade que pensou vou construir o ser que vai parecer comigo. E assim, do sem forma e tudo vazio, retirou-se dando lugar e tempo ao que não existia, espaço-tempo, chão daqueles que têm origem e destino. O ser, imagem da eternidade no espaço-tempo, momento do que é sem espaço e sem tempo, recebeu concessão, encargo que fez dele especial : diferente, mas não antagônico, de tudo que foi construído no espaço-tempo. 


O ser, então, sublime, coroou, conquistou responsabilidade e foi desafiado pelo poder de decisão. E a imagem é isso, construção do ser moralmente responsável, que tem harmonia, semelhança com o que é eterno. Presente no aqui e agora viaja para todos os antes e pode construir, se assim lhe prouver, o depois que não existe.

Ser imagem é forma do ser, é partícula “e” que reforça esta ligação entre imagem e semelhança … mas o distanciamento daquilo que é eterno, dessa eternidade sem lugar e tempo, embaça a imagem semelhança. Tal distanciamento, tal separação, no entanto, é transcrição do eterno na existência, e inclui aquilo que é comum aos humanos e à eternidade : a consciência moral, a liberdade de escolha.

É, existe uma relação entre alienação e consciência. Se partirmos dos nossos ancestrais gregos, em especial do velho Aristótelesna sua Poética do trabalho, a hamartia faz parte da existência, daquilo que está no tempo e no espaço. O conceito pode ser traduzido como falha ou erro de uma pessoa … o erro fatal de um herói trágico literário : pecado, erro de julgamento. E com a hamartia a morte se faz presente, definindo uma característica do espaço-tempo: tem princípio, mas tem fim. Hamartia era uma expressão militar dos gregos, que se referia ao ato do arqueiro errar o alvo, quer no treinamento, quer na batalha. Quando utilizamos a expressão hamartia, dizemos que os humanos vivem um estado em que errar o alvo caracteriza a existência. Por isso, traduzimos hamartia como alienação, já que implica em distanciamento do objeto da consciência moral.

Alienação, errar o alvo, enquanto estado da existência, leva à consequências. Uma delas é a consciência da morte. O estado de alienação da existência produz uma consciência matricial, a consciência da morte. Mas é a partir da consciência da morte que temos a consciência daquilo que é eterno, e a consciência da diversidade, já que não somos natureza apenas e temos a consciência de que ações e coisas podem ser boas ou não. Dessa maneira, hamartia implica em consequências: necessidades diante da lei, daquilo que é ou está diante da existência, e possibilidades diante da liberdade, daquilo que não existe, mas pode ser construído.

Assim, errar o alvo, na alienação e no distanciamento estão necessidades e lei, e possibilidades e liberdade, que não se excluem : estão correlacionadas na existência humana, fazem parte do estado da existência.

Mas existir leva a um desafio, o poder da decisão, que implica em construir uma relação especial com o que já existe. E é tal desafio que faz do ser, humano, que tem pessoalidade em relação à natureza e deve construir com ela relações de administração, produção e trabalho. O ser, humano, relaciona-se com a natureza, com o aqui e agora, e através do uso e de suas descobertas em relação a ela, caminha em direção a uma permanente relação com o que não está aqui e agora, com o que se projeta além.

E como conseguimos isso? Através da cultura, enquanto processo social e objetivo de construção humana junto à natureza. E essa necessidade de conhecimento e expansão, pessoal, subjetiva e social, é peculiar a todo homem e mulher livres. Ou seja, a cultura é o jeito de ser humano. 

Quando falamos de ser, humano, falamos de intenção. Mas a intenção não é ação e pensamento solitários. É ação e pensamento coletivos, que se apresentam diante da natureza e do universo como unidade. E assim se constrói a humanidade. 

Tal relação de construção com a natureza pode se espraiar ao longo do universo, do cosmo. Sem dúvida começou na floresta, em cima das árvores, mas deu-se enquanto extensão. E a partir daí o destino humano não se deu enquanto submissão, mas pela integração. Seguindo a herança do que também somos, natureza rebelada, neste caminho da floresta tropical, mesmo sem ter plena consciência do que fazíamos, somos o resultado de um ecossistema integrado. O ser, humano, foi então, jardineiro e predador, e descobriu que tinha a responsabilidade de cuidar com habilidade da floresta, da sua comunidade, de seu mundo.

A aproximação à cultura tem de partir da perspectiva da unidade na diversidade. E o primeiro sentido dessa unidade na diversidade é a contextualização do eterno no humano, que se expressa enquanto presença nas culturas, que constrói peculiaridades da imagem semelhança da eternidade em cada grupo humano.

Imagem e semelhança podem ser traduzidas na relação que mantemos com as criaturas. Imagem e semelhança reinam sobre o universo construído no espaço-tempo. Mas aqui há um detalhe sutil : o usufruto da natureza não é direito de domínio próprio, reinamos enquanto imagem e semelhança. Não somos proprietários, nem temos autonomia irrestrita sobre a natureza, o universo e o cosmo. Aqui há um elemento importante para pensar esta questão : a solidariedade. Uma vez compreendida a eternidade que se situa aquém e além do espaço-tempo, mas também no espaço-tempo, é no despertar da consciência de justiça, paz e alegria, que devemos nos envolver em causas pró emancipação do ser, tornando-nos parceiros dos que lutam para mitigar a angústia do ser, o sofrimento humano. 

Natureza, universo, cosmo é o mundo do ser. Há a total desmitização da natureza. Tudo que está no aqui e agora, no espaço-tempo, não é eterno. Todo o universo pode tornar-se o ambiente do ser, seu espaço e seu tempo, que ele pode adaptar às suas necessidades e administrar. E tal postura nos leva às responsabilidades diante dos ecossistemas. Posicionar-se pela opção a favor dos ecossistemas, presentes ou distantes, no sentido de mitigar o sofrimento imposto à natureza, é seguir o modelo da floresta tropical.

Mas imagem e semelhança traduzem abertura à transcendência. Aqui estão dados os elementos que nos permitem entender porque faz parte da humanidade o abrir-se à transcendência e viver com ela. Há um deslumbramento permanente diante do absoluto e do mistério. Estamos diante de um ser que pode pensar o que não está aqui e agora, e que pode refletir sobre o que vai além da realidade factual. E é por poder pensar tais realidades que não podem ser vistas, que o ser humano pode pensar a eternidade e relacionar-se com o transcendente. Assim, imagem e semelhança transfere ao humano a capacidade de superar a hamartia.

Esse humano não é uma pessoa em particular, mas humanidade e a expansão através do universo e do cosmo não está dada a uma pessoa, mas a comunidade dos humanos. Assim, ninguém pode ser excluído da autoridade que nasce do arbítrio livre.

O universo, o cosmo, sem dúvida pode ser administrado através da convivência de seres que se complementam. e se amam. Ou seja, esse ser plural só poderia exercer o domínio através da comunidade, completando-se enquanto ser, como humano.

A alienação, sem dúvida, quebra a possibilidade da humanidade ser imagem e semelhança eficaz. O errar o alvo é um estado da existência e o mal se faz presente como opção ao ato livre. Assim, o humano lançou-se ao domínio de seus iguais, incl
usive através do derramamento de sangue; suprimiu o equilíbrio e a mútua solidariedade, humildade e amor, entre macho e fêmea; mitificou a ciência e a técnica; e lançou-se à destruição da própria natureza.

Ainda assim, há na existência uma imagem e semelhança invisível, mas presente. E essa imagem semelhança pode, a nível escatológico, construir aquilo que à natureza apenas é impossível. Na imagem semelhança repousa a possibilidade e o poder da eternidade, que pode construir a novidade do eterno agora, ao conquistar corações e mentes na terra azul. 

Jorge Pinheiro
Montpellier, jeu. 16 août 2018




















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