mardi 11 novembre 2008

O século 21 -- parte I

A construção da Modernidade, numa leitura tillichina

Para Paul Tillich, o cristianismo tem mais afinidades com determinadas formas de organização social do que outras, pois tem por base uma ética calcada no amor, que possibilita um objetivo estável para os grandes desafios sociais: reunir o que está separado e mudar o que não deve ser. A separação toma diferentes formas através dos tempos, das relações e das circunstâncias. O amor deve, como conseqüência, partir da intuição criadora para superar a separação. Não pode se contentar com velhas receitas, deve imaginar sempre novas soluções. Não pode ficar preso aos mandamentos, as leis, as regras, e embora parta delas e seja inspirado por elas, deve modificá-las e atualizá-las em função das novas situações que se apresentam. A ética do amor leva o cristianismo a ter uma postura crítica diante da ordem social que se apóia na opressão e na exclusão social: faz a crítica da ordem social que está erigida sobre o egoísmo político/econômico, e proclama a necessidade de uma nova ordem, na qual o sentido de comunidade seja o fundamento da organização social.

O amor denuncia o egoísmo das economias que levam à expropriação de muitos em benefício de poucos, e propõe uma economia solidária onde a alegria não seja fruto do ganho, mas do próprio trabalho. E condena o egoísmo de classe, onde cada qual procura enriquecer através da exploração de seu próximo, e as conseqüências desse processo, como o privilégio da educação para uma elite. Mas nega também a afirmação da luta de classes enquanto princípio e propõe a supressão das classes, o fim dos privilégios na educação e da exploração de setores profissionais por outros.

O amor condena também o egoísmo internacional da força e do comércio, que justifica a violência e a guerra sobre povos, nações e continentes. Assim, a ética do amor prega a submissão dos povos, sejam ricos ou pobres, à idéia do direito, e à construção de uma consciência comunitária, soldada sobre a paz, que leve a um internacionalismo real entre as nacionalidades. Muitos dirão que eliminar o egoísmo como forma de estímulo econômico, afirma Tillich, diminuirá o desenvolvimento e reduzirá a produção. No entanto, para ele, a partir do amor, vemos que o ser humano não foi criado para a produção, mas a produção para suprir necessidades humanas e que, por isso, o objetivo da economia não é a produção da maior quantidade possível de bens para uma classe em particular e sim a produção de bens necessários à vida para o maior número de pessoas.

Rupturas econômicas e espirituais

Para Tillich, na história, uma ruptura espiritual vem sempre associada a uma ruptura econômica, da mesma maneira que um processo de unidade espiritual vem associado a um processo de unidade econômica. A alma dessa unidade espiritual é a religião. O fracionamento espiritual característico de determinadas épocas traduz fracionamento econômico, distanciamento e choque entre classes. E naquelas épocas em que temos um processo cultural de unidade temos também uma nova base de unidade e solidariedade social e econômica. Nesse sentido, há um processo de desenvolvimento que se realiza de forma desigual na história, mas que combina mudanças espirituais e transformações econômicas e sociais. Diante de tais circunstâncias, para Tillich, o cristianismo está eticamente obrigado a fazer uma escolha: ou participa do processo, inspirando e atuando a favor desse desenvolvimento ou se retrai e entra em processo de caducidade, ao afastar-se da vida real das comunidades nas quais está inserido.

Em artigo publicado em Das neue Deutschland, em 1919, Tillich disse que o socialismo é o produto da evolução espiritual e econômica, que foi lentamente preparado e que se impõe com a Renascença, a Reforma e no surgimento do capitalismo. Visão que é compartida por teóricos marxistas, como Gramsci, por exemplo.

A filosofia da práxis pressupõe todo este passado cultural, o Renascimento e a Reforma, a filosofia alemã e a revolução francesa, o liberalismo laico e o historicismo; em suma, o que está na base de toda concepção moderna da vida”.

Assim, o socialismo surge em oposição à cultura autoritária e unitária da Idade Média, sedimenta suas bases nas criações culturais dos últimos séculos, e só pode ser compreendido a partir desta evolução: sua permanência está ligada a esse desenvolvimento. Mas não devemos esquecer, porém, que é do interior do cristianismo que brota o socialismo e aqueles que defendem o socialismo devem defender também os princípios sobre os quais ele repousa.

A organização espiritual e econômica da Idade Média estava fundada sobre um sistema de centralização da autoridade que associava a natureza e o supranatural numa unidade poderosa. Ou, como diz Costa, não distinguia aparência de essência. Ela era a substância mesma do que significava viver. Foi o romanticismo de Rousseau, a educação burguesa e a invenção do “homem trabalhador” que reduziram a sociabilidade em dois domínios separados: um domínio afetivo, interpessoal, no qual podemos ser sinceros e honestos, e um domínio público, impessoal, no qual dissimulamos o que sentimos para melhor exercer a função de cidadão. Mas foi a Reforma, sustentada pela visão humanista que surgiu com a Renascença, que golpeou o sistema de autoridade, trouxe a fé para o plano formal ao recorrer à autoridade das Escrituras e no plano material valorizou a subjetividade da consciência individual. E a Revolução francesa, em 1789, propôs ao mundo um novo tipo de sociedade.

A França tornou-se o primeiro país da Europa a viver uma realidade político-social até então inédita, que transformaria de alto a baixo a vida da Igreja cristã. Na verdade, a Igreja já tinha vivido crises, como a da Reforma protestante, mas mesmo esta tinha acontecido no âmbito da consciência cristã. Agora, a partir da Revolução surgia uma sociedade que não tinha como fundamento as evidências ou afirmações de fé da Igreja. Ao contrário, a França e, por extensão, a Europa escolhiam o caminho oposto, da secularização, que tem por base o ideal triplo de liberdade, igualdade e fraternidade. Nesse caso, a nova sociedade buscou uma razão cujos ideais aparentemente eram estranhos à revelação.

Apoiado formalmente sobre as Escrituras, o protestantismo eclesiástico engendrou novas contradições, mas o sistema centralizado de autoridade já estava em frangalhos. Coube ao indivíduo decidir a que grupo ele queria ligar-se. Por causa das guerras religiosas, essa realidade viveu um processo lento, transmitindo a cada lado a esperança de que poderia chegar a uma vitória exclusiva. Mas com o fim dos combates o que se viu foi que as oposições às confissões se tornaram permanentes. Dessa maneira, brotou o espírito autônomo nos mais variados campos: a consciência européia ocidental se tornou adulta, atacou as muralhas autoritárias das confissões e não deixou subsistir sob o solo protestante nada mais que os destroços do constrangimento autoritário.

Para Tillich, o pensamento cartesiano deu um golpe decisivo no autoritarismo eclesiástico ao afirmar que a certeza que eu tenho de mim mesmo é o princípio de toda certeza objetiva. Embora a autoridade não possa me livrar da dúvida, é em mim mesmo, somente, que se enraiza a certeza. Assim, no século dezoito uma profunda mudança de mentalidade teve lugar na cultura européia, que foi dominada por um apaixonado desejo de felicidade, de confiança no progresso sem limites e em projetos para transformar o ser humano e a sociedade. Nesse processo, a autonomia da razão era olhada como fonte de tolerância e maturidade, e única norma para a liberdade. Tal mudança fixou aspirações e projetos, unidos ao sentimento de que o ser humano havia arrancado das mãos de Deus o conhecimento da natureza e a partir daí definiria a condução de seu próprio destino. E o Iluminismo tirou suas conclusões: toda tradição deve ser submetida à crítica. Mas se o racionalismo levou ao Iluminismo, possibilitou também o surgimento de novos movimentos religiosos, como o pietismo, que surgiu na Europa continental. O pietismo levou a um novo interesse pelo estudo das Escrituras, pela ação e função do Espírito Santo, gerando um avivamento da igreja luterana na Morávia. Este avivamento alastrou-se pelo continente, pela Inglaterra e chegou aos Estados Unidos. O conde de Zinzendorf (1700-1760) e o teólogo August Spangensberg, assim como o pietismo morávio de conjunto, influenciaram John Wesley (1793-1791), fundador do Metodismo e um dos líderes do avivamento na Inglaterra. Assim, a partir do Iluminismo, no domínio espiritual, político, econômico, nada ficou de positivo que não fosse pensado, confrontado com a consciência pensante, medido e negado. Os sistemas de fé, as formas de Estado, as definições econômicas sofreram o assalto da autonomia, que não teve nenhum respeito pelas autoridades estabelecidas. Lamentou-se a perda do sistema de autoridade ou festejou-se tal acontecimento como um passo em direção à maturidade cultural. De todas as maneiras, deu-se o reconhecimento de que a vida cultural não pode ser pensada sem autonomia. Líderes e camponeses tiveram o mesmo sentimento, conquistar a liberdade das mãos do autoritarismo irracional, fosse ele imanente ou transcendente. Esse é um fato fundamental que o cristianismo deve levar em conta.

Do lado positivo, a autonomia significou o reinado da razão. Pela primeira vez, depois de um milênio e meio, a razão humana não via limites para seu poder. Através da análise ela penetrou as profundezas da vida cultural e social, simultaneamente, e através da síntese dos elementos descobertos apresentava um sistema novo, racional. O pensamento moderno, que surgiu com o fim da Guerra dos Trinta Anos na Europa continental e da revolução puritana na Inglaterra, deu origem à filosofia racionalista, à ciência empírica e ao formalismo religioso. Este último, durante quase um século predominou no Velho Mundo e na jovem América.

Para entender o empirismo e o racionalismo é importante notar que a partir do final da Idade Média o conhecimento científico começou a desenvolver-se numa velocidade até então desconhecida. Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650), Sir Isaac Newton (1642-1727), John Locke (1632-1704) foram cientistas e filósofos que mudaram a maneira do mundo pensar. Cada vez mais, o mundo buscava as razões naturais, compreensíveis à razão. O universo deixava de ser um desconhecido e tornava-se máquina movida por leis mensuráveis. Depois de séculos de arbítrio, os homens foram possuídos por uma vontade de dar forma ao mundo de maneira racional.

Mas também a vida econômica deve ser formulada racionalmente. Assim, antes de Marx, Henri Saint-Simon, com seu trabalho Sisteme Industriel, apresentou pela primeira os princípios de uma teoria econômica que deveria pouco a pouco substituir a velha religião, pois não é o interesse de certos indivíduos ou povos que deve fazer a lei, mas é a humanidade inteira, que é sujeito e objeto dos processos econômicos, quem deve fazê-lo a partir de critérios racionais. A mesma autonomia que substituiu a autoridade, a partir da razão precisa construir um mundo sem arbítrio. Eis um segundo fato que o cristianismo não pode esquecer. Mas, explica Tillich, sem dúvida foi Marx quem introduziu o pensamento histórico objetivo do idealismo alemão no socialismo, ao dizer que a razão precisa ser separada da decisão humana e colocada ao nível das necessidades objetivas. O processo dialético é racional e a fé nele é uma fé na razão: uma fé que adquire uma força enorme graças à sua amarração metafísica objetiva e que se tornaria o dogma fundamental de milhões de pessoas.

Foi o processo da própria história que fez o mundo conformar-se à razão e levou este combate a tornar-se vitorioso. E foi essa vitória que deu cara ao mundo que conhecemos como moderno. Para Tillich, a fé na razão está fundamentada sobre os resultados conquistados pela ciência da natureza. Aqui, no entanto, devemos acrescentar, como o faz Jean Baudrillart, que “não é a ciência, nem mesmo é a técnica que são modernas, mas os efeitos da ciência e da técnica é que são”. E atrás da ciência da natureza veio a cultura moderna. Preparada de várias maneiras a partir do fim da Idade Média, ela surge com uma força irresistível na Renascença e conduziu a uma afirmação alegre deste mundo, que durante muito tempo foi negado e rebaixado por um outro mundo, sombrio e místico.

Os outros mundos empalideceram diante da validade universal das leis da natureza, diante da beleza do real redescoberta na arte, diante da consciência de unidade do finito e do infinito na filosofia da natureza. É assim que a imanência ressoa no humanismo e na filosofia das Luzes, com Goethe e no idealismo alemão, da mesma maneira que o socialismo se une à consciência da autonomia e à fé do poder formador da razão na construção de um sentimento unitário da vida e do mundo. Este é o terceiro fato que o cristianismo deve levar em conta.

Notas
1. André Gounelle, “Une éthique sociale pour aujourd’hui?”, Montpellier : Institut Protestant de Théologie, Etudes Théologiques et Religieuses, ETR, 79o. ano, 2004/3, p. 355.
2. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 154-160. “ Christentum und sozialismus, Bericht an das Konsistorium der Mark Brandenbourg ”, Impressionen und reflexionen, Gesammelte Werke, XIII, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1972, pp. 154-160. (p. 4).
3. A tradução francesa utiliza a expressão “économie de l’entreprise privée et du profit”. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, idem, op. cit., p. 4.
4. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, idem, op. cit., p. 5.
5. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, op. cit., p. 5.
6. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 23-30. “Christentum und Sozialismus I”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1962, pp. 21-28. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
7. Hugues Portelli, Gramsci e a questão religiosa, São Paulo, Edições Paulinas, 1984, p. 188.
8. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, op.cit., p. 23.
9. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, op.cit., p. 24.
10. Jurandir Freire Costa, “O inferno de todos nós”, São Paulo, Caderno Mais, Folha de S. Paulo, 02.05.1999, pp. 5-7.
11. Paul Valadier, Essais sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, p. 35-37.
12. Gustave Martelet, Deux mille ans d’Église en question, du schisme d’Occident à Vatican II, Paris, Les Éditions du Cerf, 1990, p. 185-186.
13. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 24. “Christentum und Sozialismus I”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1962, pp. 21-28. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
14. Gustave Martelet, Deux mille ans d’Église en question, du schisme d’Occident à Vatican II, op. cit., p. 185.
15. Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, Vida Nova, São Paulo, 1992, págs. 320-331.
16. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit., p. 24.
17. Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, op. cit., pp. 330-331.
18. Paul Valadier, Essais sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, p. 31.
19. Paul Tillich, “L’homme et l’État” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 478-479. “Mensch und Staat”, Impressionen und Reflexionen, Gesammelte Werke XIII, EvangelischesVerlagswerk Stuttgart, 1972, pp. 167-177. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
20. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit., p. 25.
21. Paul Tillich, On the boundary, An autobiographical sketch, New York, Charles Scribner´s Sons, 1966. Aux frontières, Esquisse autobiographique (1936), Entre l´idéalisme et le marxisme, Paris, Genebra, Quebec, Les Editions de Cerf, Editions Labor et Fides, Les Presses de l´Université Laval, 2002, p. 55.
22. Marc Boss, “Protestantisme et modernité: résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistes de Tillich (1919-1920)”, in A Dumais e J. Richard, ed., Ernst Troeltsch et Paul Tillich, pour une nouvelle synthèse du christianisme avec la culture de notre temps, Les Presses de l’Université Laval e L’Harmattan, p. 95-96.
23. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit, p. 25.
24. Aqui devemos acrescentar, como o faz Jean Baudrillart, que “não é a ciência, nem mesmo é a técnica que são modernas, mas os efeitos da ciência e da técnica é que são”. Paul Valadier, Essais sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, pp. 15 e 31.
25. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 25.
26. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 25.
27. Marc Boss, “Protestantisme et modernité: résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistes de Tillich (1919-1920)”, op. cit., pp. 93-94.
28. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 26.

jeudi 6 novembre 2008

E' (da) sempre l'ora del tè...



E' (da) sempre l'ora del tè...

In alcuni paesi il tè è protagonista di narrazioni mitologiche, di teorie filosofiche, della Storia; altresì è un simbolo culturale, il retaggio di contaminazioni tra civiltà, un rito dell'ospitalità o un mezzo di meditazione... l'intero territorio europeo, invece, è sterile alla coltivazione del tè ed è forse per questo, anglosassoni a parte, che scopriamo l'aromatica bevanda solo recentemente. Oggi, le schiere di appassionati vanno infittendosi ma, anche da amatori, si può imparare un modo “diverso” di degustare il tè nonché trovarvi alcune originali ispirazioni per farne un appuntamento quotidiano o salottiero diverso dal solito.

Universo - Tè

Una premessa è d'obbligo, prima di scoprire che esiste un vero e proprio arcobaleno di tè: tre sole sono le specie di Camellia (Sinesi, Assamica e Camboiensis) che danno vita a tutte le varietà di tè. Sono dunque le diverse lavorazioni a caratterizzare il risultato finale. Per questo sarebbe impossibile citare tutti i tipi di tè esistenti, ma si può cominciare con un breviario di base per scoprire qualcosa di più sulle qualità maggiormente diffuse.

Tè Nero: si tratta di un tè forte, ricco di teina, dal color marrone scuro. Si beve soprattutto in India ed in Cina (in alcune regioni, nella versione affumicata). Tra le fasi della sua lavorazione(una volta manuale, oggi meccanica), fondamentale è quella dell'arrotolamento durante la quale le foglie liberano gli oli essenziali mentre va fissandosi l' aroma. Successivamente, sono dispiegate e vengono poste in un luogo freddo e umido per l'ultima fase di ossigenazione, è allora che si colorano di rosso, per divenire, via via, sempre più brunite.

Tè Verde: è un tè chiaro e profumato coltivato in Cina ed in Giappone. A determinare il colore verde delle foglie è la mancanza, nella lavorazione, della fase di fermentazione. Dopo la raccolta, le foglie vengono distese su vassoi di bambù ed esposte al sole ad asciugare; quindi, raccolte in grandi wok, intiepidiscono sul fuoco o sottoposte al vapore (è questo il metodo giapponese); tornate malleabili, vengono arrotolate, piegate, o attorcigliate, quindi di nuovo riscaldate e, ancora una volta, modellate; è allora che sono pronte per essiccare definitivamente.
Il tè verde ha una composizione particolarmente salutare; contiene tannino, zinco (che accelera il processo di guarigione delle ferite e rinforza il sistema immunitario), manganese, potassio, magnesio e fluoro (importanti per ossa e denti) nonché le vitamine B, K e C.

Tè Bianco: è una specialità cinese, viene coltivato e prodotto in quantità minime nella provicia del Fujian e raccolto rigorosamente a mano. Le sue foglie hanno un particolare color argenteo ed il suo infuso è quasi trasparente e dall'aroma delicatissimo. Per produrre il tè bianco i germogli vengono raccolti prima di schiudersi, quindi lasciati appassire ed essiccare, senza però essere sottoposti a calore diretto nè artificiale. Alcune varietà di tè bianco sono rarissime ed assai preziose poiché la raccolta può avvenire solamente in pochi giorni dell'anno.

Tè Oolong: sotto questo nome si raccolgono diverse qualità di tè, dalle sfumature di colore più o meno scure (talvolta tra il verde ed il blu), e dagli infusi di profumo e sapore di un grado più intenso rispetto ai tè verdi. Più o meno fermentati, più o meno ossidati, i tè oolong sono le varietà utilizzate nella cerimonia Gong Fu, eseguita con le tipiche tazze coperte.
Tra i diversi tipi di Oolong si può citare il Dong Ding, un tè lievemente fermentato con uno spiccato sapore dolce ed una brillante infusione verde giada.

Tè Giallo: ha germogli solitamente molto lunghi, che, esposti ad una fiamma viva, subiscono un processo di “uccisione del verde” che gli conferisce il colore caratteristico. L'infusione è particolarmente dolce e fresca. Vista la sfumatura paglierina che le foglie trasferiscono all'acqua era un tempo destinato agli appassionati della cultura Cinese, il cui impero era rappresentato dal colore giallo.
Tra le sue varietà va ricordato il Wanxi Huang Da Cha il cui aroma ricorda il cioccolato ed il caffè.

Tè Rosso o Pu-erh: si presenta nero o verde e si beve invecchiato dai quattro ai cinquant'anni e più. Testi medici individuano, tra le sue qualità quella di coadiuvante della digestione e di purificante del sangue: riducendo colesterolo e trigliceridi, aiuterebbe il controllo del peso ed abbasserebbe la temperatura corporea.

Tè Aromatizzato: le varietà aromatizzate di tè sono pressoché infinite. La tradizione cinese suggerisce alcune aggiunte di foglie o boccioli, ad esempio di gelsomino, di crisantemo dolce, di loto e petali di rosa. Oltre agli Hua Cha (tè ai fiori), vi sono gli Hsiang Pien (frammenti profumati) impreziositi da scorze, frutti, cortecce e fiori. Infine si può praticare l'aggiunta di una grande varietà di oli essenziali.

ALMOST TEA…

Vi sono alcuni infusi che non fanno scientificamente parte della categoria dei tè, ma che, per gusto e proprietà si possono citare come “parenti stretti”.

Il Tè Rosso Roiboos è un infuso totalmente privo di teina e ricco di vitamina C. Pur non derivando da alcuna specie di Camellia. Il suo sapore è molto simile a quello del tè; la pianta che gli da origine è, in realtà, un arbusto del Sud Africa (Aspalathus linoaris) che produce un'infusione rossa e ricca di sali minerali. È reperibile, presso i negozi specializzati, sia sfuso, sia in bustine.

Il Mate è un infuso tipico sud americano e si ricava dalla pianta erbacea “Ilex Paraguaiensis” nota da secoli alle civiltà indigene.
Questa tisana possiede proprietà rinfrescanti, lenisce la fame ed energizza il fisico; contiene diverse vitamine (B1, B2, C, E) e molti sali minerali (tra i quali potassio, calcio, fosforo e ferro).

Si beve in piccole zucche svuotate e forgiate a mo' di tazze tondeggianti, succhiando con una cannuccia di argento.

Fonte: La Cucina Italiana/ http://www.lacucinaitaliana.it/default.aspx?idPage=1471

mardi 4 novembre 2008

Socialização da Tese de Pós-Doutorado


Aos colegas
Faço minhas as palavras do pastor Youssef -- "que bênção de Deus, e que privilégio em poder conhecer alguns e rever outros" por ocasião da palestra que proferi sobre a minha tese de pós-doutorado: "As brasilidades e o Reino, diálogos protestantes com a multiculturalidade brasileira", segunda-feira, dia 03/11/2008, no Auditório João Calvino, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
Em Cristo, um abraço a todos e a todas.
Jorge Pinheiro

Foto
Prof. Dr. Carlos Caldas Filho, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Mackenzie, e o Prof. Pós-Doutor Jorge Pinheiro dos Santos, da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.

A Revelação e o Signo

No processo da revelação podemos distinguir vários elementos que se sobrepõem e se completam. Dentre eles, o mais fascinante é a questão do significado e do significante. A revelação dá-se através de um processo de adequação histórica. Entretanto, esse conhecimento não demanda unicamente a apreensão de uma determinada realidade. Faz-se necessário que esta realidade seja apreendida de uma determinada maneira, consoante a uma construção de análise e síntese.

Como premissa fundamental temos que reconhecer uma justaposição entre conhecimento intuitivo e conhecimento discursivo. O conhecimento intuitivo faz-se a partir das condições para que ele se processe, imediatamente, frente a uma determinada realidade, ao passo que o discursivo requerer passar de algo conhecido, através de uma série de juízos, à apreensão do ainda não apreendido. Ao primeiro processo chamamos sintético e ao segundo analítico.

A revelação não se dá simplesmente como processo de adequação da mente humana ao novo que lhe é apresentado. Impõe-se que o novo, inerente ao processo cognoscitivo, tenha um significado. Uma relação de significado em que apessoa opera como ser significante e o novo como ser significado. Desta forma, a revelação não se processa entre realidades ahistóricas, mas em relação espacial e temporal, que exige, para que a interação pessoa/realidade se estabeleça, de que haja algo maior, alguma coisa além de ambos, não causal, mas essencial.

No processo da revelação, a pessoa se encontra em processo de construção, já que não é plena senhora do processo. É um ser colocado no tempo e no espaço, que estabelece relação com a realidade que o cerca dentro do processo cognoscitivo enquanto dimensão humana e histórica.

Outro pressuposto é a natureza genética da linguagem, que se encontra em constante devir. Dessa maneira, significado e significante estão intimamente ligados a linguagem, enquanto revelação e construção histórica e social.

Assim, compreendemos que, dependendo da utilização de determinado objeto ou realidade, a pessoa conhece de determinada forma, e no processo pode construir conceitos diferentes a partir de um objeto ou realidade anteriores. Podemos inferir ao que isso conduz. A revelação está ligada à vida da pessoa, já que será a própria experiência humana que agregará valor ao objeto ou realidade antes conhecidos e vividos. Dessa maneira, o velho vai gerar o novo, uma essência que transcende, uma universalidade, a partir da própria experiência de vida, que teologicamente podemos chamar de obediência ao mandamento de Deus.

Mas ainda não definimos a importância do significado e do ser significante dentro do processo da revelação. Se a revelação é histórica, é importante notar que a própria revelação age sobre a vida humana, sobre a historicidade da pessoa. E mais do que isso, ao definir a historicidade humana muda o próprio meio onde a pessoa vive e atua. Dessa forma, a revelação cria processos de formação, escalas de valores, normas e condicionamentos. E é aí que reside toda a problemática da revelação enquanto conhecimento: como a pessoa, a partir da revelação, pode conhecer a Deus, seu propósito e dar um sentido ao mundo que a cerca, assim como achar o seu papel dentro de todo esse complexo?

A verdade da revelação é o significado que uma determinada realidade tem para a comunidade e a pessoa. Há uma construção intuitiva, quando a experiência da revelação produz uma interação entre a pessoa e a divindade, sem que essa experiência necessariamente influa no processo discursivo de conhecimento. Mas mesmo neste caso a pessoa não abandona ou perde sua formação. Não deixa de ser aquilo que é: pessoa inserida em determinada comunidade. Mesmo quando esse processo dá-se em um nível superior, instantaneamente, sem elaboração discursiva, a pessoa está condicionado pela historicidade do ser cognoscente. E dentro dessa condicionante sempre se processa a interação pessoa/realidade. Aqui, sentimentos e afetividades, que geralmente passam despercebidos, são realçados. Isso porque nesse momento específico determinada realidade passa a ter significado, que mesmo não sendo inerente, exige que se lhe dê um. E nesse caso o conhecimento da revelação faz da pessoa ser significante.

Assim a revelação dá ao mundo um significado imanente. Pessoa e comunidade, através da revelação passam a estar dotados de significado, mas ao mesmo tempo este conhecimento, este significado dado, não se dá ahistoricamente, mas dentro das limitações de sua própria obediência.

Podemos, então, concluir que a partir da revelação a pessoa é o significante da construção da comunidade, pois através do conhecimento da revelação é ele quem historicamente pode modificar causas e efeitos, imprimindo ao processo nova direção.

Mas, como se processa a relação entre significado e significante, quer no caso isolado da interação entre pessoa e realidade, quer no caso de todo o processo da revelação? Vimos que dentro do conhecimento da revelação a pessoa é um ser significante. Podemos, então, ver que a escala de valores do sistema ético, oferecido pela revelação à comunidade, é parte integrante do significado dado ao mundo pela própria revelação. Donde, dentro de uma interação significado/significante existem elementos dinâmicos de transformação.

O universo é o mundo dos homens e das mulheres. Nesse sentido, aí eles constróem seu habitat. Desta forma, através do significado dado pela pessoa à natureza, enquanto domínio e expansão, dentro de um significado de utilização que lhe empresta, atua sobre ela, produzindo cultura e transformação.

A revelação, enquanto relação entre significante e significado é dialética. Pois se é ela que faz da pessoa e da comunidade ser significante, permite ao homem e à mulher e às suas comunidades transferirem ao mundo que os cerca a cosmovisão que utiliza essa mesma significação.

Ao fazer significante a realidade que a cerca, a pessoa dá origem a transformações, engendra causas, e passa à construção do futuro, já não como utopia, mas como realidade. Para viabilizar tais transformações é necessário que transfira, enquanto comunidade, novos significados aos processos históricos e sociais.

Através da relação estabelecida entre significado e significante encontraremos as causas de conotações. À circuncisão, por exemplo, a partir de determinado momento, daremos a conotação de aliança. Assim a circuncisão é pacto, marca de um povo separado, mandamento de Iavé, mas só será isso quando um ser (pessoa ou comunidade) que se torna seu significante lhe dê significado.

samedi 25 octobre 2008

ENTRE LA (I)LÓGICA DEL MERCADO Y LAS LEYES DEL JUBILEO

¿Es ético utilizar la tierra para defender intereses particulares?

Autor: Nicolás Panotto

Lock-out, desabastecimiento, retenciones, pooles, han sido algunos de los nuevos términos que se han inmerso en el vocabulario de los argentinos y las argentinas en los últimos meses. El conflicto con el campo ha causado un fuerte impacto en el imaginario argentino (¡además de su bolsillo!) llevando a una polarización social que ciertamente homogeniza la visión sobre una problemática mucho más compleja de lo que ella pretende reflejar. Aquí no queremos adentrarnos en un debate sobre las cuestionadas retenciones a la exportación, sobre el análisis de la estructura desigual del campo (pooles vs. pequeños productores), sobre el desenmascaramiento de las ganancias del campo en los últimos años o sobre el rol del sector agrario y ganadero del país a lo largo de la historia en relación a los grupos de poder de turno (sean imperios, empresas multinacionales o dictaduras políticas). Queremos plantearnos la siguiente pregunta: ¿es ético utilizar la tierra y sus frutos para la defensa de los intereses particulares de un grupo determinado de la sociedad en detrimento del resto de la comunidad?

Para ello reflexionemos brevemente en lo que muchos y muchas llaman las leyes del Jubileo que encontramos en Levítico 25. Este pasaje bíblico trata sobre una de las prácticas socio-económicas más importantes del pueblo de Israel que con el tiempo se transformó en un símbolo teológico central de la espiritualidad hebrea y que —inclusive— fue rescatada por Jesús de Nazaret para describir su misión (Lc 4.19). El «año del Jubileo» remite a la práctica de hacer descansar la tierra luego de seis años de trabajarla (vv.1-7), y se fundamenta en normas mucho más amplias en relación al uso de la tierra, también reflejadas en este texto: la tierra debe servir al abastecimiento de las necesidades básicas de la comunidad (v.7), no puede ser utilizada como medio de transacción y de acumulación (vv.23-28), tampoco debe utilizarse para explotar a los más pobres (vv.16-17) sino estar al servicio —sin restricciones e intereses agregados— de los más necesitados y de los extranjeros (vv. 35-38).

Todo esto surge de un principio teológico central: la tierra es de Dios, por lo cual no puede ser utilizada para intereses egoístas e injustos de individuos o grupos particulares de la comunidad. Por lo tanto, este pasaje nos permita reflexionar sobre varios temas relacionados con la ética: el cuidado del medio ambiente, el uso racional de la tierra para la satisfacción de las necesidades básicas de la comunidad, la distribución de los frutos de la producción para el cuidado de los más desfavorecidos, entre otros aspectos.

Como país, siendo parte del continente latinoamericano —uno de los principales centros de producción primaria (commodities) del mundo— estamos inmersos en una lucha de intereses que se da en un contexto global donde la problemática sobre la suba de precios de los alimentos básicos es un tema en boga. Frente a todo este panorama duele en el alma y en el cuerpo ver cuando la (i)lógica del mercado impera sobre el sentido común: camiones volcando miles de litros de leche en la ruta y tirando toneladas de verduras y frutas a la basura «por no haber un precio atrayente para el productor», la complicidad entre gobiernos, políticos, jueces y empresarios en la venta irrestricta de terrenos a empresas multinacionales que cultivan productos nocivos para la tierra, como la siembra indiscriminada de soja (en muchos casos expropiando violentamente a comunidades enteras su espacio vital), la especulación financiera sobre los precios, lo cual socava el bolsillo de los ciudadanos y las ciudadanas, todo esto dibujado en una disputa mediática de mentiras donde los afectados somos los espectadores.

¿Cómo respondemos como cristianos y cristianas a este conflicto? ¿De qué lado estamos? Recordemos que no hay sólo «dos lados» (Estado vs. Campo) y que no son precisamente sus actores las verdaderas «víctimas». En realidad, las víctimas de todo esto son los ciudadanos y las ciudadanas que luchan día a día por sobrevivir —en su mayoría, grandes comunidades de campesinos, de pequeños productores y de pobres que, lejos están de obtener más ganancias si se modifican las retenciones a las exportaciones—. Con ellos y ellas está Dios.

«Pongan en práctica mis estatutos y observen mis preceptos, y habitarán seguros en la tierra. La tierra dará su fruto, y comerán hasta saciarse, y allí vivirán seguros» (Lev 25.18).

Artículo Publicado en Revista Kairós, Nro.21, Fundación Kairós, Buenos Aires, 2008, pp.20-21.

jeudi 23 octobre 2008

Batista vai governar Salvador, cidade com 1.238 terreiros

As minorias e as religiosidades estiveram presentes nas eleições baianas. No que tange às minorias, Salvador elegeu Leo Kret do Brasil (PR), de 24 anos, o primeiro vereador travesti de uma capital brasileira. Leo Kret foi o quarto verador mais votado nessas eleições baianas.

No que se refere às religiosidades, Salvador teve no segundo turno dois batistas disputando a Prefeitura. Interessante é que um batista governará essa capital que tem 1.238 terreiros. E como lá os terreiros têm poder político, os dois batistas disputaram os votos das religiosidades afro-brasileiras num corpo a corpo com pais e mães de santo e seus fiéis.

O candidato petista, Walter Pinheiro, é batista. Mas, o atual prefeito, João Henrique Carneiro (PMDB) também é. Pinheiro escolheu uma vice católica, Lídice da Mata (PSB) que transitou com desenvoltura pelos terreiros. João Henrique optou por Edvaldo Brito, o primeiro prefeito negro da cidade, filho de Ogum e freqüentador do terreiro do Gantois, um dos mais tradicionais da Bahia. Ambos tiveram que enfrentar os constrangimentos provocados pela rivalidade existente entre os evangélicos e o candomblé.

Em busca de votos, Walter Pinheiro enfrentou as críticas de seus irmãos batistas, mas foi a um terreiro, no primeiro turno, fazer campanha. Constrangido durante a visita ao Maroió Lage, mais conhecido como Terreiro do Alaketo, tentou escapar das fotos dos jornais. E consciente ou não, foi ao terreiro com uma camisa pólo azul e preta, combinação de cores evitada pelos fiéis do candomblé por bloquear as energias dos orixás.

João Henrique evitou ir aos terreiros, mas passou por percalços ainda maiores que o seu irmão batista e adversário petista. Depois de uma batalha jurídica em torno do fim da isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para os terreiros, o prefeito mandou derrubar o terreiro Oyá Unipó Neto, por falta de pagamento do imposto.

Às vésperas da campanha, pediu desculpas à ialorixá Mãe Rosa, que comandava o terreiro posto ao chão, e mandou reconstruir tudo e ressarcir os objetos de culto destruídos no processo.

O certo é que essas eleições em Salvador nos ensinam algumas lições. No campo das expressões culturais e sociais, podemos dizer que as minorias chegaram para ficar e ocupar espaço político. E no campo das religiosidades vemos que elas não se expressam com uniformidade – é o caso dos evangélicos em Salvador – e fazem alianças com outras expressões religiosas antes consideradas, no mínimo, adversárias, entre as quais estão os católicos e fiéis do candomblé.

mercredi 15 octobre 2008

Perguntas e respostas sobre a crise financeira e a sua vida

UOL Economia
Da Redação em São Paulo.

Veja dicas de economistas sobre financiamentos, aplicações, dívidas, inflação, salário, emprego e outras dúvidas do mundo real:

Agora é um bom momento para comprar imóvel?
Não. A compra deve ser feita quando acabar a crise e os bancos voltarem a reduzir os juros dos financiamentos. Se a compra já estiver em andamento, a taxa de juros aceitável não deve ultrapassar 1% ao mês.

Como deve proceder quem pretende comprar um carro ou um bem mais caro?
Deve preferir pagar à vista e obter o maior desconto possível. Os juros desta modalidade são altos e tendem a subir mais rápido que na compra de imóveis. Se for financiar, a taxa não deve ser maior que 3% mensais.

Quais gastos e investimentos devem ser antecipados e/ou adiados?
Quem já está na Bolsa deve continuar para não tomar prejuízo. Sobre quem está fora da Bolsa, os economistas divergem. Alguns acham que só profissionais devem entrar nessa hora; outros acham que é possível arriscar com ações baratas. Quem não gosta de risco, não deve pôr dinheiro na Bolsa. Uma opção segura é investir em títulos do governo pós-fixados.
Se tiver dividas, deve antecipar o pagamento para reduzir os juros incidentes nas parcelas.

É melhor optar por financiamentos mais curtos ou o que faz a diferença é o juro?
A taxa de juros é a mais importante, mas o prazo deve ser analisado. Quem assume financiamento agora continuará pagando juros altos mesmo quando as taxas caírem.

Que taxa máxima de juros deve ser considerada adequada por mês? A partir de que taxa o consumidor deve evitar o financiamento?
3% ao mês. A partir deste patamar, a compra deve ser evitada. Essa taxa serve, segundo os economistas, para qualquer modalidade de financiamento, menos de imóveis, cujo índice máximo deve ser 1% ao mês.

O dólar vai subir ou cair?
A moeda deve ficar próxima de R$ 2 até o final do ano. Mas, para evitar a alta da inflação, o Banco Central deve manter os leilões de venda de dólares para fazer com que a taxa vá abaixo dos R$ 2 no início de 2009.

Quem vai viajar ou comprar produtos importados deve juntar dólares já? Qual é a melhor forma de comprar a moeda?
O dólar só deve ser adquirido neste momento se a viagem estiver muito próxima, caso contrário, o ideal é esperar a taxa ceder novamente. De qualquer forma, a moeda nunca deve ser adquirida em um único dia, já que a taxa oscila bastante e o comprador pode fazer um negócio melhor se dividir a operação.

Investir em dólares é uma boa idéia?
O investimento é arriscado e só deve ser feito para pagar dívidas na mesma moeda ou enviar dinheiro para algum familiar que resida no exterior.

Investir em ouro é boa idéia?
Não. No Brasil, o ouro não tem liquidez, portanto, é difícil para a pessoa vender. Além disso, as barras não vão para casa, ficam no banco. O investidor leva um certificado e paga a custódia ao banco, o que gera um custo para o detentor.

Como proteger minhas economias?
Evite fazer novas dívidas, e adie os planos de investimentos.
Quem tem menos de R$ 1.000 sobrando na conta corrente deve ficar com a poupança, que não cobra taxa de administração, nem imposto de renda.
Quem tem sobra de mais de R$ 1.000 deve aplicar em CDB.
Se tiver mais de R$ 5.000 sobrando e perfil agressivo, pode arriscar e comprar ações baratas. Para isso, é necessário consultar uma corretora para avaliar as pechinchas. Se quiser mais garantia, títulos do governo são a opção.

É seguro deixar o dinheiro em conta corrente? Os bancos brasileiros têm chances de quebrar?
Não há risco de quebra, segundo os analistas. O Fundo Garantidor de Crédito garante depósitos de cada cliente, em cada instituição, em até R$ 60 mil no máximo (considerando todas as contas e aplicações que ele tiver naquele banco).

Como o Brasil será afetado pela crise nos EUA?
Entra menos dinheiro no país, o que reduz a oferta de moeda estrangeira, fazendo com que a cotação do dólar suba em relação ao real. Produtos importados, como eletroeletrônicos, sobem de preço.
Caso entrem em recessão, os Estados Unidos vão consumir menos, afetando as exportações brasileiras para aquele país.
Os bancos emprestam menos, e as empresas ficam sem dinheiro para investir, cortando os investimentos e a produção, gerando desemprego e desaceleração econômica.
Com a produção reduzida, a oferta de produtos também deve cair e, com isso, os preços sobem, aumentando a inflação.

Por que setores que não têm relação com a Bolsa também são afetados por uma crise financeira?
Porque a economia é um sistema interligado. Se os EUA consumirem menos soja, por exemplo, os exportadores vão vender menos, os transportadores vão reduzir sua atividade e as fábricas de caminhões vão cortar a produção.

Há risco de demissões nas empresas?
No início, não. Mas se os produtores brasileiros começarem a exportar menos, por exemplo, as vendas e o faturamento vão cair, e, para equilibrar as finanças, podem demitir.

Os salários vão subir menos?
Se o nível de emprego cair, vai sobrar mão-de-obra. Portanto, a tendência não é de aumento de salários. A partir de 2009, os sindicatos não devem conseguir reajuste de salário acima da inflação.

A inflação pode disparar?
Não. As recentes elevações na taxa de juros no país devem surtir efeito e frear o consumo, o que impede a alta da inflação.

Só preços de produtos importados devem subir?
A alta do dólar deve encarecer alguns produtos importados como eletrônicos e fortalecer a indústria nacional. A crise deve reduzir o consumo nos Estados Unidos de commodities, reduzindo o preço desses produtos nos mercados internacionais.

Quanto tempo deve durar a crise?
Após a aprovação do pacote, deve demorar um ano para a economia dos EUA se restabelecer da crise e mais um ano para voltar a mostrar vigor econômico.

Fontes:
# José Carlos Luxo, professor de finanças da FIA (Fundação Instituto de Administração da USP).
# Liao Yu Chieh, professor de finanças do Ibmec São Paulo.
# Luiz Jurandir Simões de Araújo, consultor da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras da USP).
# Marcelo Ângulo, administrador e autor do livro "Suas finanças.com"
# Miguel José Ribeiro de Oliveira, presidente da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças).
# Paulo Scarano, coordenador do curso de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

jeudi 9 octobre 2008

A ação política cristã

Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Comunidad Civil y Comunidad Cristiana
Karl Barth, Montevidéu, Ediciones Tauro, 1973

Esta obra de Karl Barth discute as relações entre a Igreja e o Estado. Não enquanto problema jurídico de relações institucionais, mas encontro dialético entre comunidades que se sobrepõem, que têm um mesmo centro de autoridade. No texto sentimos como pano de fundo as reflexões do Agostinho de As Duas Cidades. Aqui, Barth apresenta seu pensamento social numa exposição teológica brilhante e faz um chamado à “presença da comunidade cristã no exercício de sua corresponsabilidade política”. Nesse momento de guerra, o texto de Barth é altamente inspirativo. Por isso, traduzimos e apresentamos na seqüência o capítulo XIV do livro Comunidade Civil e Comunidade Cristã.

Capítulo XIV
A orientação da ação política cristã, de uma ação que se compõe de discernimento, juízo e eleição de uma vontade e de um compromisso, está relacionada com o caráter duplo do Estado, que possui ao mesmo tempo a possibilidade de oferecer e a necessidade de receber a imagem analógica do Reino de Deus que a Igreja anuncia. Como já mostramos, o Estado não pode ser uma réplica da Igreja, nem uma antecipação do Reino de Deus. Em sua relação com a Igreja tem realidade própria e necessária e em sua relação com Deus representa – da mesma maneira que a Igreja – um fenômeno puramente humano, acompanhado de todas as características deste mundo temporal. Não se pode pensar em identificá-lo nem com a Igreja, nem com o Reino de Deus. Mas, por outra parte, desde o momento em que está fundado sobre uma disposição particular da vontade divina, e porque pertence na realidade ao Reino de Cristo, não se pode dizer que seja autônomo. Não poderia existir independentemente da Igreja e do Reino de Deus.

Por esta razão não se poderia falar de uma diferença absoluta entre a Cidade e a Igreja por um lado, e a Cidade e o Reino, por outro. Logo, fica uma possibilidade: desde o ponto de vista cristão, o Estado e sua justiça são uma parábola, uma analogia, uma correspondência do Reino de Deus que é o objeto da fé e da prédica da Igreja. Como a comunidade civil constitui o círculo exterior em cujo interior se inscreve a comunidade cristã, com o mistério da fé que ela confessa e proclama, as duas, tanto uma como outra têm o mesmo centro do qual resulta a primeira, distinta pelo princípio no qual está fundada e pela tarefa que lhe corresponde, se encontra forçosamente na relação analógica com a verdade e realidade da segunda; analogia no sentido de que a Cidade é capaz de refletir indiretamente, como por um espelho, a verdade e a realidade do Reino que a Igreja anuncia.

Mas como está condenado a continuar a ser o que é e a atuar dentro de seus próprios limites, o Estado, como reflexo da verdade e da realidade cristã não possui justiça e consequentemente não possui também existência intrínseca e definitiva. Ao contrário, sua justiça e sua existência estão sempre gravemente ameaçadas e sempre deve se perguntar se, e até que ponto, está cumprindo com suas tarefas de justiça. Para preservar a comunidade civil da decadência e da ruína é necessário recordá-la de quais são as exigências desta justiça que deve representar. A comunidade civil, pois, precisa desta analogia tanto quanto é capaz de criá-la. Por esta razão necessita uma e outra vez um quadro histórico cujo fim e conteúdo possam ajudá-la a chegar a ser uma analogia, uma parábola do Reino de Deus, permitindo a ela cumprir as tarefas da justiça civil. Mas, nesses assuntos, a iniciativa humana não pode orientar-se somente por si mesma. A comunidade civil, como tal, não conhece nem o mistério do Reino de Deus, nem o centro escondido do qual depende e diante do testemunho e mensagem da comunidade cristã é neutra. Por tanto, tem que se limitar a buscar sua água nas “cisternas rachadas” do chamado direito natural. Por si mesma não pode lembrar-se do critério verdadeiro de sua justiça, nem colocar-se em movimento para cumprir com as tarefas desta justiça. Justamente por esta razão é que precisa da presença às vezes incômoda e saudável da atividade que se desenvolve ao redor do centro comum dos dois domínios: a presença da comunidade cristã no exercício de sua corresponsabilidade política.

Sem ser o Reino de Deus, a comunidade cristã sabe algo dele, crê, espera e ora no nome de Jesus Cristo e anuncia a excelência deste nome sobre todos os outros. Nesse ponto não é nem neutra nem impotente. Quando passa ao plano político para tomar sua parte de responsabilidade não abandona sua atitude “comprometida”, esta atitude de fidelidade ao único Senhor.

Para a Igreja, aceitar a parte de responsabilidade que lhe corresponde significa uma única coisa: tomar uma iniciativa humana que a comunidade civil por sua parte não pode tomar, dar a comunidade civil um impulso que ela não pode dar a si própria, fazê-la lembrar das coisas que a comunidade civil não sabe lembrar por si mesma. Discernir, julgar, eleger no plano político implica sempre para a Igreja ter que aclarar as relações que existem entre a ordem política e a ordem da graça, para azar de todo aquele que possa obscurecer esta relação.

Entre as diversas possibilidades políticas do momento, os cristãos saberão discernir e eleger aquelas cuja realização leve a uma analogia, a um conteúdo de sua fé e de sua mensagem. Os cristãos se encontrarão ali onde a soberania de Jesus Cristo, acima de todas as coisas de ordem política ou de outras ordens, não é obscurecida, mas evidente. A comunidade cristã exige que a forma e substância do Estado, neste mundo caduco, orientem os homens em direção ao Reino de Deus e não os distanciem. Não pede que a política humana coincida com a de Deus, mas sim, que na imensa distância que a separa daquela, seja paralela. Pede que a graça de Deus, revelada de cima e atuando aqui em baixo, se reflita na totalidade das medidas exteriores, relativas e provisórias assumidas pela comunidade dentro dos limites das possibilidades que este mundo oferece.

É, pois, em primeiro e último lugar, diante de Deus – este Deus que em Jesus Cristo revelou sua misericórdia aos homens – que ela exerce sua responsabilidade política. Todas suas decisões políticas (discernir, eleger, julgar, querer) têm por isso valor como testemunho, que não é menos real por ser um testemunho implícito e indireto. Sua ação política é pois, também, uma forma de confessar sua fé. Exorta à comunidade civil para que saia de sua atitude de neutralidade, de ignorância espiritual, de seu paganismo natural, para comprometer-se junto com ela, diante de Deus, em uma política de responsabilidade compartida. Desencadeia, além disso, o movimento histórico cujo fim e conteúdo são fazer da cidade terrestre uma parábola, um sinal analógico do Reino de Deus, permitindo a esta cumprir com as tarefas da justiça civil.

lundi 6 octobre 2008

Revelação e Torá

Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Quando se estuda a religião de Israel, questões referentes à revelação e ao surgimento de determinados conceitos teológicos vêm à tona. Duas fortes correntes teológicas tentaram nos últimos duzentos anos apresentar respostas para essas questões. Uma apriorística, colocando a ênfase na revelação, e outra empirista, vendo a religião de Israel como fruto da experiência cultural e religiosa dos povos vizinhos.

Essas duas correntes, embora tenham armazenado um arsenal considerável de informações, que não podem ser descartados, pecam ao nível da metodologia. Não levam em conta que todo conhecimento pressupõe uma elaboração nova, e exige do estudioso jamais esquecer as duas caras de qualquer processo social e histórico. A primeira dessas facetas está diretamente ligada ao ser humano, enquanto sujeito, se dá no terreno formal, e só se torna necessária depois de elaborada. A outra cara dessa moeda acontece ao nível do objeto, no terreno do real, e possibilita a conquista da objetividade.

Assim, o que precisamos entender é como se dá a origem de um conhecimento específico, ou de uma estrutura nova. Em primeiro lugar, seria um erro, afirmar que uma nova estrutura pode ser fruto único de um processo exclusivo, apriorístico, revelado ou inato. Ou, ao contrário, que repousa em características preexistentes do objeto. Em ambas os casos, o erro consiste em definir o conhecimento como predeterminado, quer por estruturas internas ao sujeito, quer por características preexistentes no objeto. Descarta-se, assim, o conhecimento enquanto construção efetiva e contínua.

O que acontece é que o conhecimento não começa com um sujeito plenamente consciente de seu ato histórico, nem de realidades definidas a priori. Resulta sim de interações que surgem da combinação de múltiplos fatores, que vão criando dependência e novas relações. Não é um intercâmbio entre formas diferentes, mas a construção de realidades com plasticidades novas.

A este processo de surgimento de novas estruturas chamamos revolução. Isto porque são novas construções de conhecimento e não evolução ou reforma de uma estrutura já conhecida. Aqui, temos crise e ruptura de estruturas e conhecimentos anteriores, gerando fatores que criam novas relações e novos equilíbrios. Nesse processo haverá sempre um ou vários desequilíbrios iniciais, uma crise epistemológica, que rompe esquemas definidos, gerando movimentos que parecem estar fora do controle do sujeito.
Em relação à religião de Israel assistimos a essa revolução epistemológica em seu próprio surgimento, ou seja, com a aliança abraâmica. Nesse momento, movimentos ao nível do indivíduo e sociais desencadearam processos diferentes que revolucionaram o próprio conceito de religião e, por extensão, mudaram a face da fé em todo o mundo.

A visão clássica da crítica bíblica, da qual J. Wellhausen é um dos expoentes, parte de postura empiricista e considera que a profecia clássica foi a fonte do monoteísmo israelita. Na verdade, para Wellhausen, os profetas literários criaram o monoteísmo ético, e a Torá é apenas a formulação sacerdotal-popular posterior do pensamento profético. É importante notar que a hermenêutica crítica vê a Bíblia como objeto histórico, fonte preservada de informações sobre a cultura e história dos hebreus. Assim, as bases de sua metodologia repousam sobre um arcabouço que combina racionalismo alemão, historicismo e idealismo filosófico.

O conhecimento que se origina na atividade reflexa do sujeito recebe com a revelação esta organização funcional, que o torna possível. Aqui, convém notar que para o conhecimento que tem por base o processo revelatório a organização funcional sempre se mantém invariável. Ou seja, essa organização funcional se mantém em equilíbrio, apesar dos processos vividos nas estruturas. E mais do que isso, se impõe a elas como necessárias.

A discussão em torno de um centro para a teologia de Gênesis é polêmica, pois o próprio conceito de centro, para muitos teólogos, seria uma limitação para um segundo conceito: o de revelação progressiva. Ora, dizem eles, se a revelação é progressiva toda definição de centro é descabida. Nesse sentido, hoje preferimos falar de rede, pois não podemos falar de um desenvolvimento linear em progressão, mas de uma expansão. Poderíamos pensar na rede da WEB, onde a expansão se dá, mas sem centro definido, a não ser aquele localizado pelo internauta.

A teologia de Gênesis tem por base o conceito da aliança, não como paradigma doutrinário gerador de dogmas, mas como descrição de um processo vivo, que tem origem em determinado momento histórico, numa relação entre Iavé e uma pessoa.

Ao entendermos o conceito de aliança como rede unificadora do livro de Gênesis e, por extensão, da Torá, a leitura do texto bíblico passa permite uma compreensão que cresce conforme a aliança se transforma em osso e carne, primeiramente, na vida dos patriarcas e, posteriormente, na formação da própria nação.

Os livros de Gênesis e Êxodo apresentam a fé israelita, enquanto construção, fundamentada em dois acontecimentos históricos. O primeiro, é a escolha de uma pessoa chamada Abrão, que foi tirado da cidade de Ur e levado para Canaã, uma terra prometida a ele e sua descendência (Gn 12.1-3; 13.14-17). Essa promessa foi selada com um pacto, uma aliança entre Iavé e Abraão, conforme Gênesis 15.5-10. E o segundo fato histórico é a libertação dos descendentes de Abraão da escravidão do Egito, através de Moisés, e sua entrada na terra prometida (Ex 3.6-10).

Esses dois acontecimentos expressam a materialidade da aliança, que se traduz como escolha de Iavé a favor de uma pessoa, geradora de um povo, para uma missão definida. Realidade esta que foi reafirmada, centenas de anos depois, pelo príncipe dos profetas israelitas:

“Ouvi-me, vós, que estais à procura da justiça, vós que buscais a Iavé. Olhai para a rocha da qual fostes talhados, para a cova de que fostes extraídos. Olhai para Abraão, vosso pai, e para Sara, aquela que vos deu à luz. Ele estava só quando o chamei, mas eu o abençoei e o multipliquei”. Isaías 51.1-2.

Aqui voltamos ao início da análise: por que o conceito de aliança fornece uma base para a compreensão do livro de Gênesis? Em primeiro lugar, porque o diálogo de Iavé com Adão e Eva em Gênesis 3.15 aponta para um salvador. E em Gênesis 15 temos a primeira realização dessa promessa através da aliança com Abraão, que produzirá descendência, com duas missões: ser testemunha entre as nações, e ser a nação separada, da qual nasceria o Messias prometido.

A aliança iniciou uma nova relação entre Iavé e Israel, uma relação imposta por Iavé, mas íntima. Embora, na tradição judaica, o livro de Êxodo seja o livro da aliança, o conceito está presente e é desenvolvido no primeiro livro da Torá.

Na aliança está embutida a idéia de salvação e de relacionamento pessoal com Iavé. Esta realidade nova dentro do plano de redenção do ser humano está implícita na declaração de Iavé a Abraão: “Estabelecerei uma aliança entre eu e você, e a sua raça depois de você, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o seu Iavé e o da tua raça depois de você” Gn.17:7. E como todo pacto, além do “berit milah” (pacto da circuncisão), Abraão e seus descendentes são chamados à responsabilidade moral (v.1) e a uma adoração permanente (vv.7 e 19).

Elementos estes, que a partir de Moisés serão desenvolvidos, dando origem à religião de Israel, que tem por base, num primeiro momento histórico a primazia do culto e suas ordenanças e, num segundo momento, com o surgimento da profecia literária, da justiça social. Assim, é impossível fazer uma completa separação entre aliança e reino. Este último será uma construção que tem como primeiro tijolo a nova relação estabelecida por Iavé com pessoas.

Aqui somos obrigados a recorrer a alguns conceitos da epistemologia, para entendermos o papel da transmissão do conhecimento de Iavé e de sua vontade, realizado através da aliança, que Gênesis nos apresenta. Quando estudamos o desenvolvimento e a construção das estruturas de conhecimento, vemos que esta construção se dá através de uma dissociação de conteúdos e da elaboração de novas formas, mediante uma abstração reflexiva de conhecimentos anteriores.

Ora, a relevância da epistemologia está em que ela mostra que, por mais importantes que sejam as origens de dado conhecimento, o que determinará sua essência é seu movimento genético. Assim, quando temos a formalização desse processo temos de fato um conhecimento inteiramente novo, que extrapola os dados iniciais, transbordando o real.

Sabemos que a circuncisão na época de Abraão era um costume associado aos poderes da reprodução humana, que servia de distintivo tribal. Também sabemos que os pactos eram selados com sangue e o seu rompimento significava a morte do transgressor. Esses conteúdos faziam parte da cultura de Abraão e de seu clã. Da mesma forma, outros conteúdos, como adoração/ “edificar um altar” (Gn.12.8), obediência/ “foi habitar nos carvalhais de Manre” (13.17-18), entrega de bens e posses/ “e de tudo lhe deu o dízimo” (14.20), fidelidade/ “ele creu no Senhor” (15.6), e consciência da onipotência divina/ “não fará justiça o juiz de toda a terra?” (18.25) são conteúdos espirituais da fé de Abraão e das pessoas santas que o antecederam.

A questão não está centrada nas origens desses conteúdos que, sem dúvida, são históricos e refletem as culturas das civilizações mesopotâmicas e da bacia do Nilo, assim como a tradição monoteísta na época de Abraão. O fundamental aqui é entender que esses conteúdos se organizam em nova estrutura: a aliança abraâmica, que se constrói geneticamente, com história peculiar. Esta aliança, cuja gênese e história mostram uma elaboração sucessiva, que é a própria Torá, como síntese lingüística, não é pré-formada. Sua construção histórico-genética é autenticamente constitutiva e não se reduz a um mero conjunto de conteúdos acessíveis.

Mas há um bereshit, um fiat, um momento especial que dá origem à essa estrutura nascente: é a revelação. A partir da promessa de Gênesis 3.15 temos uma revelação. A aliança surge como revelação, como ruptura que dá vida a antigos conteúdos, colocando em movimento um processo histórico-genético que vai-se construir enquanto estrutura (povo escolhido/ terra prometida) e dar novo salto com a formalização maior realizada no Sinai.

Esta realidade leva a uma outra, que é o da linguagem da Torá, na seqüência da aliança. Considerando a moderna lingüística, do ponto de vista estrutural, vemos que a linguagem tem duas grandes características: por um lado é universal, enquanto estrutura geral, humana, e, por outro, é livre e não serve apenas à função comunicativa, mas é um instrumento para a livre expressão do pensamento e para a resposta às novas situações.

Isto é o que explica o fato das grandes revoluções do conhecimento serem sempre acompanhadas pelo surgimento de uma linguagem nova e de novas estruturas de pensamento. A aliança descrita em Gênesis 15 e 17 vai abrir um processo de revolução em relação ao conhecimento de Iavé e de sua vontade, e vai gerar uma nova linguagem.

De forma crescente vemos nos capítulos seguintes de Gênesis e dos demais livros da Torá essa nova linguagem ganhar forma e consolidar-se enquanto linguagem da teologia da aliança. Algumas palavras serão fundamentais nessa nova linguagem: acordo/ aliança/ pacto (berit, conforme Gn 12.2; 15.17; 17.7-8; 22.16-18); altar/ holocausto/ sacrifício (conforme Gn 12.7; 22.9; 35.1,7; Êx 17.5; 24.4; 27.1-8; 30.1-10; Lv 16.16-19); circuncisão (berit milah, conforme Gn. 17:9-14; Êx. 4:24-26; Dt. 10:16); justiça/ misericórdia (conforme Gn 15.6) e santidade (conforme Gn 17.1; Êx 19.6; Lv 20.6).

Na Torá, a aliança entre Iavé e Israel era a base de todo trato de Iavé com seu povo. O significado da aliança foi que Israel pertenceu a Iavé e Iavé pertenceu a Israel. A relação foi descrita com semelhante àquela entre pai e filho, ou como de marido e esposa. Donde a declaração de que Iavé é Iavé ciumento (Êx 20.5; 34.14; Dt 4.24). Através de Abraão, a aliança é em primeiro lugar pessoal, abrangendo um espectro cada vez maior: tribal, nacional, universal. Mas, quer no primeiro caso, pessoal, quer historicamente, como redenção, ela é sempre estrutural.

Mas, se aliança é eleição, escolha, implica em preferência por alguém, escolher por prazer ou por amor. E essa conceituação entre aliança e amor é enunciada em 1Reis 11.13, quando Iavé afirma que escolheu Jerusalém por amor. Assim, aliança e amor não podem ser separados, embora não sejam a mesma coisa. A aliança é o selo, o pacto. O amor, o motivo que leva à aliança. No livro de Gênesis vemos o amor de Iavé na criação, na conversa com Adão e Eva e na promessa de um salvador. Mas é na aliança que o amor pela pessoa caída torna-se material e compreensível. A saga dos patriarcas descendentes de Abraão, que se torna pai de muitos povos, mostra o caminho da concretização da aliança. Eis o tema central de Gênesis e da Torá: Iavé ama e casa-se com um povo, criado por ele, e comissionado por ele. O resto da história, nós conhecemos. E por amor estamos dentro da aliança abraâmica.

Fonte
Jorge Pinheiro, História e Religião de Israel, gênese e crise do pensamento judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.

vendredi 26 septembre 2008

JÜRGEN MOLTMANN, um roteiro de estudo

por Jorge Pinheiro

A teologia de Moltmann situa-se entre os campos da teologia dialética de Barth e a teologia existencial de Bultmann. E sua obra mestra será Teologia da Esperança, publicada em 1964. Para entender Moltmann devemos ver os princípios sobre os quais estão baseados sua teologia.

1. Primazia da esperança > A esperança é a esperança da fé. Estruturalmente primeiro vem a fé e depois a esperança, embora a fé possa desenvolver-se sem a esperança. Nesse sentido, a esperança é o “companheiro inseparável” da fé e entrega à fé o horizonte do futuro em Cristo.

Na vida cristã, a prioridade pertence à fé, mas o primado à esperança”. [Teologia della speranza, p.14]. Está é uma formulação dialética. A fé em Cristo, sem esperança, produz um conhecimento efêmero de Cristo. E a esperança, por sua vez, sem fé, transforma-se em utopia, perdendo sua dimensão teológica. Assim, a prioridade pertence à fé [a esperança é esperança de fé], mas o primado pertence à esperança, já que a fé se expande na esperança e é através da esperança que a fé atinge seu horizonte escatológico.

2. Cristologia escatológica > Para formular sua teologia da esperança, Moltmann parte do Antigo Testamento, mostrando que a religião de Israel era uma religião de promessa. Assim, a revelação no Antigo Testamento tem caráter promissório, que abrem novos horizontes históricos e escatológicos. Logicamente, nem toda promessa é escatológica. Ela se torna escatológica quando assume universalização e intensificação.

Escatológico em Moltmann é sinônimo de futuro universal e radical. Um futuro que inclui todos os povos e uma radicalidade que se estende para além do limite extremo da existência. Olhando sobre essa perspectiva o Novo Testamento ratifica as promessas, apontando para a realização do futuro escatológico. A ressurreição de Cristo é a confirmação das promessas ao mesmo tempo em que é promessa escatológica que se cumprirá com a ressurreição dos mortos e o surgimento de uma nova humanidade. As bases do futuro da humanidade estão na ressurreição de Cristo. Isto é Cristologia escatológica.

3. Eclesiologia messiânica > Para Moltmann a promessa leva à missão. Ou como ele diz: “A pro-missio do Reino é o fundamento da missio do amor pelo mundo” [Teologia della speranza, p. 229]. Considera, no entanto, que a igreja moderna está socialmente marginalizada e por isso refugiou-se em funções supletivas, que são traduzidas na privatização do culto.

Para Moltmann, a igreja tem uma função pública, que “está a serviço da adventícia salvação do mundo e é como flecha lançada no mundo para indicar o futuro” [Teologia della speranza, p. 320]. A missão da igreja, enquanto comunidade cristã, é tarefa de todos os cristãos e será desenvolvida por ele nos textos A experiência esperança (1974) e A Igreja na força do Espírito (1975).

Teologia da Esperança e marxismo

Depois de uma criativa ruptura com a modernidade, enquanto pensamento, tradição e história, é necessário sentir de novo a alegria da esperança escatológica, para compreender a natureza do terreno sobre o qual pisamos. Há um momento de cisão no qual modificou-se, de modo essencial, a concepção do que significa teologia. Esse momento foi assinalado a partir dos anos 60, com a teologia da esperança, de Jürgen Moltmann.

Trata-se de uma reflexão prodigiosamente profética, pois enuncia, não somente a queda do muro de Berlim, mas o processo de aglutinação vivido por alemães, em primeiro lugar, por europeus, na seqüência. É sem dúvida, uma das elaborações mais impressionantes, se entendermos sua abordagem epistemológica. Sugere um campo normativo, a ser percorrido pelos movimentos e comunidades que abririam aguerridamente, a golpes de machado, a senda pós-moderna.

A expressão abordagem epistemológica não é exagerada. Refere-se ao projeto teológico, herdadas das estruturas hegelianas e marxistas, relidas e traduzidas por ele e Ernest Bloch. É sobre a questão da identidade histórica, entendida como processo a realizar-se, que recai a crítica da teologia realizada por Moltmann. É justamente a experiência de viver, enquanto comunidade que se realiza no futuro, que é realçada por ele. No nível antropológico, trabalha os elementos dessa esperança, a partir da qual se produz saber e práxis cristã. Suas heranças são translúcidas:

Por meio de subverter e demolir todas as barreiras -- sejam da religião, da raça, da educação, ou da classe -- a comunidade dos cristãos comprova que é a comunidade de Cristo. Esta, na realidade, poderia tornar-se a nova marca identificadora da igreja no mundo, por ser composta, não de homens iguais e de mentalidade igual, mas, sim, de homens dessemelhantes, e, na realidade, daqueles que tinham sido inimigos. O caminho para este alvo de uma nova comunidade humanista que envolve todas as nações e línguas é, porém, um caminho revolucionário”.

Como num laboratório, o teólogo da esperança extrai o fato teológico de sua contingência histórica, tratada sob condições de extrema pureza escatológica. Muito claramente afirma a escatologia como essência da história da redenção e leva à conclusão de que essa mesma essência seja a expressão maior da ressurreição, enquanto metáfora da cruz de Cristo. Essa cruz repousa sobre o esvaziamento da desesperança, enquanto praesumptio e desperatio, na relação que mantém com o mundo.

A teologia, vida cristã em movimento, numa permanente autoformação, advém das pulsações criadoras da própria esperança, cujo sentido volta-se para ela própria. Essa construção, que se nos apresenta como caleidoscópio, belo, mas aparentemente ilógico, traz em si a força combinatória do devir cristão. Assim, a teologia de Moltmann quebra os grilhões do presente eterno da neo-ortodoxia, e nos oferece um conceito realista da história, que tem por base um futuro real, lançando dessa maneira as bases para uma teologia que responda às reais necessidades do homem pós-moderno.

A teologia de Moltmann nasce enquanto reação ao existencialismo e absorção do revisionismo de Bloch. A descontrução do marxismo, realizada por aquele filósofo, não agradou ao mundo comunista, mas estabeleceu uma ponte, diferente daquela da teologia da libertação, entre o hegelianismo de esquerda e o cristianismo. Substituiu a dialética pelo ainda-não, enquanto espaço que não está fechado diante de nós, e definiu uma antropologia que não mais está calcada no império dos fenômenos econômicos, mas na esperança.

Os escritos filosóficos do jovem Marx serviram de ponto de partida para o vôo de Bloch. A alienação do homem é um fato inquestionável, não como determinação econômica, mas enquanto determinação ontológica. Afinal, o universo em que vive é essencialmente incompleto. Mas a importância do incompleto é que é susceptível de complemento. Por isso, o possível, o ainda-não, o futuro traduz de fato a realidade.

Nesse processo estão presentes a subjetividade humana e sua potência inacabada e permanente em busca de solução e a mutabilidade do mundo no quadro de suas leis. Dessa maneira, o ainda-não do subjetivo e do objetivo é a matriz da esperança e da utopia. A esperança traduz a certeza da busca e a utopia nos dá as figuras concretas desse possível.

O homem é impelido, assim, ao esforço permanente de transcender a alienação presente, em busca de uma ‘pátria de identidade’. É no ‘vermelho quente’ do futuro que está a razão fundamental da existência humana.

Nenhum marxista chegou tão próximo da escatologia cristã!

Deus -- enquanto problema do radicalmente novo, do absoluto libertador, do fenômeno da nossa liberdade e do nosso verdadeiro conteúdo -- torna-se-nos presente somente como um evento opaco, não objetivo, somente como conjunto da obscuridade do momento vivido e do símbolo não acabado da questão suprema. O que significa que o Deus supremo, verdadeiro, desconhecido, superior a todas as outras divindades, revelador de todo o nosso ser, ‘vive’ desde já, embora ainda não coroado, ainda não objetivado. Aparece claro e seguro agora que a esperança é exatamente aquilo em que o elemento obscuro vem à luz. Ela também imerge no elemento obscuro e participa da sua invisibilidade. E como o obscuro e o misterioso estão sempre unidos, a esperança ameaça desaparecer quando alguém se avizinha muito dela ou põe em discussão, de modo muito presunçoso, este elemento obscuro”.

Bloch realiza uma penetrante releitura da cosmovisão judaico-cristã. Entende o clamor profético do mundo bíblico e da proclamação cristã não como alienação e ópio, mas como fermentos explosivos de esperança, protestos contra o presente em nome da realidade futuro, a utopia.

Talvez por isso possamos dizer que nos anos 60, os caminhos de Moltmann e Bloch não apenas cruzaram-se na Universidade de Tübingen, mas abriram espaço para o mais enriquecedor diálogo cristão-marxista que conhecemos. É interessante lembrar que em 1968, quando manifestações estudantis varriam Tübingen, Heldelberg, Münster e Berlim Ocidental, grande parte dos líderes estudantis eram oriundos das faculdades de teologia. Sua Theologie der Hoffnung, publicada no início da década na Alemanha, estava na oitava edição, e no ano seguinte, ele lançaria Religion, Revolution and the Future nos Estados Unidos.

Assim, em síntese, a Teologia da Esperança surgiu para revigorar, teológica, social e politicamente, a esperança cristã através de “projetos de esperança”, que levem a igreja a tornar-se responsável pelo futuro da humanidade. Esse futuro nos foi entregue por Deus, como promessa, mas é conhecido por antecipação no advento e ressurreição de Cristo. Nosso Cristo é o fim da utopia, é certeza escatológica amparada pela fé.

Notas

1Ao homem que se lamenta: ‘Não consigo ver significado na história, e portanto minha vida, entrelaçada com ela, também é destituída de significado’, respondemos: não fiques olhando ao redor de ti, para a história universal, mas olha para tua história pessoal. O sentido da história sempre está contigo no teu presente, e tu não podes vê-lo como mero espectador, mas somente em tuas decisões responsáveis. Em cada momento dorme a possibilidade de vir a ser o momento escatológico, Cabe a ti despertá-la”. R. Bultmann, Storia ed escatologia, Milão, Bompiani, 1962, p. 176.

2A universalização da promessa atinge seu escathon na promessa do senhorio de Iaveh sobre todos os povos. A intensificação da promessa encaminha-se para a realidade escatológica mediante a negação da morte”. J. Moltmann, Teologia della speranza, pp. 133-134.

3Os filósofos justamente conscientes do poder de coordenação das funções espirituais consideram suficiente uma mediação deste pensamento coordenado, sem se preocupar muito com o pluralismo e a variedade dos fatos (...). Não se é filósofo se não se tomar consciência, num determinado momento da reflexão, da coerência e da unidade do pensamento, se não se formularem as condições de síntese do saber. E é sempre em função desta unidade, desta síntese, que o filósofo coloca o problema geral do conhecimento”. G. Bachelard, Filosofia do Novo Espírito Científico, Lisboa, Presença, 1972, pp. 8-9.

4A história arqueológica nem é evolutiva, nem retrospectiva, nem mesmo recorrente; ela é epistêmica; nem postula a existência de um progresso contínuo, nem de um progresso descontínuo; pensa a descontinuidade neutralizando a questão do progresso, o que é possível na medida em que abole a atualidade da ciência como critério de um saber do passado”. Roberto Machado, Ciência e saber. A trajetória arqueológica de Foucault, Rio de Janeiro, Graal, 1982, p. 152.

5 Jürgen Moltmann, “God in Revolution”, em Religion, Revolution and the Future, Nova York, Scribner, 1969, p. 141.

6O passado e o futuro não estão dissolvidos num presente eterno. A realidade contém mais do que o presente. Ao desenvolver sua teologia futurista, Moltmann realmente tem o peso considerável da história bíblica do lado dele, e faz bom uso dela. (...) Ao enfatizar o futuro, desenvolveu um pensamento bíblico legítimo que jazia profundamente enterrado na teologia ética e existencial dos séculos XIX e XX”. Stanley Gundry, Teologia Contemporânea, São Paulo, Mundo Cristão, 1987, p.167.

7 Ernst Bloch, "Geist der Utopie", Franckfurt, 1964, p. 254 in Battista Mondin, Curso de Filosofia, São Paulo, Paulinas, 1987, vl. 3, pp. 246-7.

8 Jürgen Moltmann, Teologia della Speranza, Queriniana, Bréscia, 1969.

jeudi 11 septembre 2008

As lágrimas negadas

À maneira de Agostinho


Os dois rapazes, armados, trombaram a velhinha. Arrancaram a bolsa e começaram a tirar tudo que tinha lá dentro. Tiraram a Bíblia, revolveram tudo, mas não acharam o que queriam: dinheiro.

-- Diz velha, onde está o dinheiro? Diz logo, senão a gente te apaga.

-- Meninos, por que vocês fazem isso? Vocês são tão bonitos...

A velhinha -- tinha mais de 70 anos -- pegou a Bíblia que estava nas mãos de um deles e encostou-a no peito.

-- Jesus muda tudo, faz tudo novo... Qualquer vida...

-- Deixa essa velha pra lá. Vamos embora, ela parece minha mãe.

Maria chegou em casa e contou a história como se fosse a coisa mais normal do mundo. Depois disse:

-- Vou orar por eles. Deus pode mudar a vida daqueles meninos.

O pai era atacadista de café nos ricos anos 20 nas Minas Gerais. Mas cedo foi morar no Rio de Janeiro, em Copacabana. Estudou no Sacré Coeur de Marie. O grande amor de sua vida foi meu pai, jornalista e socialista.

Mas o mundo dá voltas e Maria ficou viúva com dois filhos, Jorge e Alex. E aos poucos a herança foi virando fumaça. E aquela mulher, educada para ser dondoca, de fina cultura, lutou, batalhou para criar os dois meninos. Enfrentou momentos difíceis, sofreu um forte stress e tentou o suicídio, cortando os pulsos. Foi internada. E, no meio do desespero, uma voz suave falou ao seu coração.

Dez anos depois na morte de meu pai, Maria conheceu o Salvador, aquele que dá sentido à vida. Maria me lembra outra mulher, Mônica, mãe de Agostinho.

É verdade que minha mãe, vivificada em Cristo, antes mesmo de ser livre dos laços da carne, viveu de tal modo, que Teu nome era louvado em sua fé e em seus costumes”. [Agostinho, Confissões, Livro Nono, Capítulo XIII, Preces pela mãe morta].

Foi com Maria que aprendi o doce dom do amor. Eu, com minha cabeça materialista, ficava chocado, quando ela alimentava famintos ou cuidava de mendigos. Eu, adolescente, brigava com ela, dizia que era piegas, que isso não adiantava nada e outras tantas coisas. E Maria, com paciência, me respondia:

-- Um dia você vai entender.

Não, de forma nenhuma foi perfeita. De novo, me lembro das palavras de Agostinho sobre Mônica.

Não me atrevo a dizer que desde que a regeneraste (...) não saiu de sua boca nenhuma palavra contrária a sua lei. Porque a Verdade, que é teu Filho, disse: ´Quem chamar a seu irmão de louco será réu do fogo da geena´. Ai da vida dos homens, por mais louvável que seja, se tu a julgares sem a tua misericórdia!”. [Agostinho, Confissões, Livro Nono, Capítulo XIII, Preces pela mãe morta].

Minha mãe, Maria, morreu aos 87 anos, na quinta-feira, dia 27 de novembro. Pode parecer estranho, mas apesar do profundo amor que sempre nutri por ela e de toda a saudade que ficou, não chorei. Ao menos até agora, doze horas depois do sepultamento. Mais uma vez recorro a Agostinho.

De fato, não julgávamos correto celebrar aquele funeral com lágrimas e choros, pois tais demonstrações deploravam geralmente o triste fim dos que morrem, ou sua total extinção. A morte de minha mãe não era uma desgraça, e ela não morria para sempre, e disto estávamos certos pelo testemunho de seus costumes. Por sua fé sincera e outras razões inequívocas”. [Agostinho, Confissões, Livro Nono, Capítulo XII, As lágrimas negadas].

Há promessas

Então vi um novo céu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra desapareceram, e o mar sumiu. E vi a Cidade Santa, a nova Jerusalém, que descia do céu. Ela vinha de Deus, enfeitada e preparada, vestida como uma noiva que vai se encontrar com o noivo. Ouvi uma voz forte que vinha do trono, a qual disse:

-- Agora a morada de Deus está entre os seres humanos! Deus vai morar com eles, e eles serão os povos dele. O próprio Deus estará com eles e será o Deus deles. Ele enxugará dos olhos deles todas as lágrimas. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor. As coisas velhas já passaram.

Aquele que estava sentado no trono disse:
-- Agora faço novas todas as coisas!


E também me disse:

-- Escreva isto, pois estas palavras são verdadeiras e merecem confiança.

E continuou:

-- Tudo está feito! Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. A quem tem sede darei água para beber, de graça, da fonte da água da vida. Aqueles que conseguirem a vitória receberão de mim este presente: eu serei o Deus deles, e eles serão meus filhos.
[Apocalipse 21.1-7].

Eu creio nestas promessas! Até mais ver, querida mãe!

mardi 9 septembre 2008

Adoração, mas afinal o que é isso?

“No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”. João 4.23-24.

A adoração pode ser definida como veneração ou culto que se rende a alguém ou algo que se considera sobrenatural, divino e sagrado, bem como rituais e códigos morais que expressam a ação de adorar.

A palavra portuguesa adorar deriva do latim adoratìo, ónis. No mundo helênico, anterior ao nascimento do cristianismo, adoração referia-se a realização de um serviço sacerdotal, no grego leitourgeo. Mas, depois, no cristianismo passou a ser visto como um estilo de comportamento marcado pelo amor, veneração, ou mesmo idolatria por alguém ou alguma coisa que se considerava excepcional, singular. Donde adorar passou a ser entendido como uma forma de paixão.

A palavra adoração foi usada durante séculos no contexto cultural da Europa, marcado pela presença do cristianismo que se apropriou do termo latino. E tanto na antropologia, como na sociologia, foi compreendida como expressão de um tropismo humano em direção ao transcendente, ou seja, como expressão de espiritualidade.

Se tomarmos, por exemplo, o filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, vemos que tanto os críticos como milhões de espectadores não notaram que o filme tratava de um dos temas centrais do cristianismo: a questão da espiritualidade cristã. E é esse tema que pretendo abordar, adoração/ espiritualidade, a partir de um texto clássico, o diálogo entre Jesus e a samaritana.

Para os povos semitas, o que nós hoje entendemos por adoração era traduzido nos gestos de curvar-se, prostrar-se, colocar a cabeça no chão, num ato de total submissão, de entrega, já que aquele diante de quem a pessoa se prostrava poderia decepar-lhe a cabeça. Mas havia um outro gesto, o do beijo, que significava o abrir-se ao espírito e ser por ele possuído. Assim, adorar foi entendido através desses gestuais como submissão e possessão.

Mas a adoração não é exclusiva dos povos semitas. Os hindus têm, por exemplo, o culto ao rio Ganges, pois acreditam que é mais antigo que a terra e que jorrou do céu e, por isso, pode libertar o homem de seus pecados em vidas anteriores, curar e purificar o corpo e a alma. E eles adoram o Ganges. A adoração é chamada puja e consiste de orações e oferendas. Assim, a idéia de adoração é enriquecida também pelo ato de entregar algo, algo vital, que pode ser alimento, bebida ou mesmo riquezas.

Entendidos esses três componentes do conceito adoração, vamos à discussão do texto onde Jesus conversa com a samaritana e trata da adoração/ espiritualidade cristã. E pensar os versículos 23 e 24. De forma abrangente podemos dizer que espiritualidade é aquela relação do ser com a transcendência, que dá sentido à vida. E exatamente por isso intercalo na nossa reflexão o belo poema de Ada Negri, Atto d´amore.

"Não sei dizer-te quanto te amo Deus/ no qual creio, Deus que é a vida/ vivente, aquela já vivida e aquela/ que é para ser vivida além dos confins/ do mundo e onde não existe o tempo."

O ser humano, unidade multiforme, tem em seu espírito não uma dimensão parcial da vida, mas irredutível, conforme afirma Lossky. Nesse sentido, o espírito é a totalidade da vida. Nas situações de perda, falta de sentido e de ameaça à vida há sempre experiência com a transcendência, pois mesmo na negação dela há um sentido transcendente.

Na reconstrução da Europa, depois da Segunda Guerra mundial, o teólogo teuto-americano Paul Tillich disse que a desintegração espiritual da sociedade ocidental já tinha sido prevista por teólogos e estudiosos, no século XIX, mas a necessidade de compreender este fenômeno exigia que nos aprofundássemos em seu estudo.

Assim, para Tillich, “se não houver espírito, as construções humanas não poderão produzi-lo. Ele, o espírito age ou não age nos indivíduos e nos grupos. E quando age cria seu próprio meio de comunicação. Assim, o espírito se manifesta por meio das palavras, das formas de vida, das instituições sociais e dos símbolos religiosos”.

A idéia espírito, de que nos fala Jesus, nos leva a uma compreensão abrangente de espiritualidade, que não pode ser entendida apenas como sinônimo de piedade ou como conhecimento dos princípios de que se compõe a piedade.

Partindo do senso comum da igreja brasileira, a espiritualidade pode ser vista como uma interpretação particular do ideal evangélico, mas se partimos do que Jesus nos transmite e da contextualização realizada por Tillich podemos dizer que há uma espiritualidade comum à espécie humana, que ela se expressa existencialmente por sermos todos imago Dei.

Quando multidões assistem a um filme como A Paixão de Cristo e são despertadas, cada qual a sua maneira, acerca da miserabilidade humana, constatamos que as pessoas têm atributos potenciais para a espiritualidade. Esses atributos, presentes na imagem de Deus que somos, e que chamo de tropismo à transcendência, nos leva à questão da adoração.

“Eu não soube; mas a Ti nada escondo / daquele que está no profundo. Cada ato/ da vida, em mim, foi amor. E eu acreditei/ que fosse pelo homem, ou a obra, ou a pátria/ terrena, ou nascido do meu próprio peso, / ou das flores, das plantas, das frutas que caem no chão, / da substância, alimento e luz/ mas foi o Teu amor, que em cada coisa/ e criatura estás presente. E agora/ que um a um caíram ao meu lado, / os companheiros de estrada, e submissas sopram as vozes da terra, a tua/ face refulge de esplendor mais forte/ e tua voz é cântico do gloria”.

A espiritualidade e o sagrado

Otto, um dos teóricos que se debruçou sobre esta questão, diz que a experiência humana diante do sagrado tem sempre algo intenso e profundo, que ele chama de mysterium tremendum, que traduz o numinoso, o que é transcendente para a realidade do crente, que diante daquilo que o esmaga desenvolve senso de temor. Esse temor é um medo qualitativo, motivo para reflexão e energia que transformado em poder faz dele um adorador.

Tais experiências com o sagrado encorajam e incorporam no adorador aquilo que lhe é distinto. Apesar dessa relação de aparente intimidade de relacionamento, permanece o abismo entre adorador e sagrado. Dessa maneira, este desejo de saltar sobre o abismo que separa humano e sagrado é em última instância o móvel que dará origem à espiritualidade.

Se por um lado a crise ocidental pode ser traduzida como uma crise espiritual, por outro essa busca frenética de bens materiais e de consumo aumenta o vazio humano e favorece a busca da espiritualidade como experiência de vida coerente e recomendável. Assim, vivemos numa sociedade em crise espiritual, que procura encontrar a espiritualidade perdida.

A espiritualidade cristã

A espiritualidade cristã foi construída ao redor da cruz. A paixão de Cristo sempre foi entendida por teólogos e crentes como o derramar do dom da vida de Deus sobre os seres humanos. E porque a morte de Jesus Cristo não é derrota, mas sacrifício livremente aceito, a espiritualidade cristã tem sempre dois movimentos:

1. Um movimento em relação ao outro, ao próximo, ao desvalido, àquele que sofre, que é um chamado ao compromisso. Este movimento da espiritualidade em relação ao próximo nós chamamos de serviço.

A partir desse momento em que a espiritualidade torna-se caminho para Deus através do serviço ao próximo, a espiritualidade tem algo a dizer a todos os nossos relacionamentos, tanto pessoais, como sociais e políticos.

Pode parecer desconcertante relacionar espiritualidade e relacionamentos pessoais, sociais e políticos, mas ao falar de espiritualidade estamos falando do exercício do amor e por relacionamentos pessoais, sociais e políticos entendemos a transformação da sociedade na direção do reino de Deus, para que se faça justiça aos excluídos de tal forma que encontrem vida e salvação. Nesse sentido, a espiritualidade dá sentido à vida pessoal, social e política e torna-se além de profética, transformadora.

2. Mas a espiritualidade tem um outro movimento, que se por um lado está ligado ao rigor da fé, como vemos na oração e nos momentos de contrição, ela se realiza existencialmente, enquanto encontro com Deus. Esse encontro, conforme no diz Jesus, é a adoração e está na raiz da conversão e de todo processo de santificação. É um processo místico, no sentido que mostra nossa miserabilidade diante do insondável mistério de Deus.

Por isso, a espiritualidade e, por extensão, a sua expressão de submissão, possessão e entrega, que é a adoração, é profética e transformadora no encontro com o outro, com o humano, e um ato místico de adoração diante da majestade de Deus.

Ou, conforme nos diz Galilea, a contemplação de Jesus Cristo no irmão que sofre e a contemplação de Deus no Cristo ressurreto são sempre frutos da ação do Espírito em nossas vidas. Esses dois encontros devem ser a base da espiritualidade cristã na alta modernidade e fundamentam todo ato de adoração daquele que crê.

“Ora, Deus que sempre amei – te amo sabendo/ amar-te; com a inefável certeza/ que tudo foi justiça, mesmo a dor, / tudo foi bem, mesmo o meu mal, tudo/ para mim Tu foste e sei, me faz temente/ de uma alegria maior que a morte. / Permanece comigo, pois a noite desce/ sobre minha casa com misericórdia/ de sombras e estrelas. Que Tu participas, à mesa/ humilde, o pouco pão e a água pura/ da minha pobreza. Permanece Tu apenas/ junto de mim a tua serva; e no silêncio/ dos seres, o meu coração te entende único”.

Notas
1. Ada Negri nasceu em Lodi, na Lombardia, em 1870, filha de camponeses. Seus primeiros livros refletiam uma consciência social que se opunha às tendências dominantes no fim do século. Mais tarde, a sua poesia incluiu uma afirmação de sexualidade feminina, diferente das tradicionais poesias de amor (Il Libro di Mara, 1919). Ada Negri faleceu em 1945.
2. Tradução do italiano para o português por Jorge Pinheiro.
3. Vadlimir Lossky, A l’image et la ressemblance de Dieu, Paris, 1967, p. 118.
4. Paul Tillich, A Era Protestante, São Paulo, Ciências da Religião, 1992, pp. 275-276.
5. Rudolf Otto, O Sagrado, Lisboa, Edições 70, 1992, pp. 21-22.

vendredi 22 août 2008

A Teologia da Libertação Negra ganha relevo na política americana

Fernando Lugo, Rafael Correa, e mesmo Lula, considerando-se a forte militância petista das pastorais sociais, ascenderam ao poder na América Latina inspirados pela Teologia da Libertação. Nos EUA, Barack Obama coloca em relevo a Teologia da Libertação Negra. O candidato democrata à presidência dos Estados Unidos foi formado pela Trinity United Church of Christ [Igreja Unida da Trindade de Cristo], a maior igreja dentro da denominação protestante de maioria branca United Church of Christ, conhecida por ser uma das mais liberais do país e inspirada na Teologia da Libertação Negra.

Recentemente, Obama rompeu com o reverendo Jeremiah Wright, considerado o seu mentor espiritual. Jeremiah Wright, recém-aposentado da Igreja, afirmou que os Estados Unidos foram alvo de terrorismo porque têm um governo terrorista. O pastor, em função de sua postura contundente, passou a criar problemas para Obama, e o candidato democrata preferiu se afastar.

Porém, Obama nunca negou a influência do reverendo negro em sua vida política. Em seu livro autobiográfico A origem dos meus sonhos (Editora Gente, 2008), Obama fala da influência em sua vida religiosa do pastor Jeremiah Wright, líder espiritual da Trinity United Church of Christ de Chicago: “Filho de um ministro batista [que] resistiu à vocação paterna no começo, se alistou nos marines ao sair do college, e flertou com a bebida, o islã e o nacionalismo negro nos anos 60 (...) onde aprendeu hebreu e grego, leu Tillich e Niebuhr e os teólogos da libertação negros”.

Num segundo livro, A audácia da esperança: reflexões sobre a reconquista do sonho americano (Editora Larousse do Brasil, 2007), livro mais recente e já rompido com o reverendo Jeremiah Wright, Obama reconhece que o título do livro é uma frase tirada de um dos sermões do pastor Jeremiah Wright e que o mesmo representa “o melhor do espírito americano”. Antes de cunhar seu Yes we can (Sim, nós podemos), o lema político de Obama era audacity of hope (audácia da esperança), algo semelhante ao ‘Sem medo de ser feliz’ da campanha de Lula de 1989.

Sobre a sua relação com Obama, o pastor Jeremiah Wright disse: “Os oponentes de Obama exploram trechos dos meus sermões como arma política para amedrontar eleitores contra a candidatura de um negro. Meus sermões fazem parte de uma longa tradição de pregadores da igreja negra nos EUA. A igreja negra americana surgiu da opressão da população negra escrava e por isto meus sermões refletem sobre os séculos de discriminação, falam da libertação negra, numa tradição política e religiosa que é muito distinta da tradição européia. Diferente, mas não inferior”.

O reverendo Jeremiah Wright, que inspirou Obama para o mundo da política, é um dos principais representantes da denominada teologia da libertação negra. O pastor costuma afirmar: “Venho de uma tradição religiosa onde gritamos na igreja e nos manifestamos no piquete de greve”.

Jeremiah Wright teve como um dos seus professores de teologia James Cone, considerado o principal teólogo da teologia da libertação negra. De acordo com o jornalista e escritor Eileen Markey, o reverendo James Cone foi o criador da teologia negra e seu primeiro proponente ao publicar a obra Black Theology and Black Power [Teologia negra e poder negro] em 1969. Considerado o pai da teologia da libertação negra, Cone é o professor de Teologia de Charles A. Briggs no Seminário de União Teológica em Nova York e ainda uma referência nessa teologia. Segundo, Eileen Markey “em seu segundo livro, A Black Theology of Libération [Uma teologia negra de libertação], ele escreveu que o Deus da Bíblia esteve bem mais preocupado com ‘a falta de justiça social, econômica e política para com aqueles que são pobres e indesejados na sociedade’. Cone argumentou que este Deus trabalha pela libertação dos negros oprimidos na América contemporânea. Porque Deus está ajudando os negros oprimidos e é identificado com eles, o próprio Deus é apresentado como negro”.

Eileen Markey destaca que “as origens da teologia da libertação negra são políticas e intensamente temporais, como a teologia da libertação de Gustavo Gutiérrez, a qual inspirou as comunidades cristãs de base da Guatemala e de El Salvador e condenou a opressão econômica e política do povo da América Latina. Ambas as teologias permitem que Cristo escape da segurança da igreja. Como no Novo Testamento, ele está profundamente preocupado com a justiça para com o oprimido”.

Na análise do jornalista Eileen Markey, M. Shawn Copeland, professor de teologia no Boston College, considera a teologia da libertação negra como uma das maiores teologias – ou formas de estudar Deus – que se desenvolveu ao longo dos movimentos sociais e políticos das últimas quatro décadas: “A teologia negra se desenvolveu a partir do fermento político dos movimentos de direitos civis e de poder negro. Ela responde ao colapso do pensamento desta época. As velhas concepções já não são mais adequadas à situação”.

A teologia negra da libertação ganha força na esteira dos assassinatos de Martin Luther King Jr. e Malcolm X: “As pessoas estavam em busca de uma forma de apelar para a Bíblia e tomar parte nas questões contemporâneas, como o Poder Negro e os direitos civis”, afirma o reverendo James Cone.

A teologia da libertação negra se expandiu como “uma crítica das dinâmicas, pelas quais as estruturas de raça, classe e gênero reduzem a plenitude da vida para aquelas pessoas que descobrem não fazerem parte da cultura dominante”, afirma Jamie Phelps, professor de teologia e diretor do Instituto de Estudos Católicos Negros na Universidade Xavier de Nova Orleans, citado na análise de Eileen Markey. Em outras palavras, “em face da extensão pela qual raça, classe e gênero agem para negar aos pobres, às mulheres e às pessoas de cor o pleno reconhecimento de sua identidade como seres humanos feitos à imagem e semelhança de Deus e para negar sua plena dignidade humana e participação, como sujeitos, dentro da sociedade e da igreja, portanto, em face desta extensão nós precisamos falar sobre libertação”, diz Jamie Phelps.

É dessa vertente religiosa que vem Barack Obama. A religião sempre fez parte da política americana, é comum os candidatos encerrarem os seus discursos políticos com um “Deus abençoe a América”. Ainda que conste da Constituição americana uma rigorosa separação entre o Estado e a Igreja, as religiões fazem parte do cotidiano da política americana. Bush construiu parte de sua base de poder explorando o “voto religioso” a partir de uma agenda neoconservadora.

Os norte-americanos podem imaginar um negro ou uma mulher como candidatos à Presidência do seu país, mas não um ateu”, afirma o jornalista Bernardo Carvalho acerca da importância da religião para os americanos. Em sua ascensão meteórica rumo ao centro da política americana Obama abandonou o seu passado agnóstico e associou-se à Trinity United Church of Christ. A Trinity, conhecida por pregar a teologia da libertação negra reivindica elementos das tradições africanas o que está em sintonia com a origem paterna de Obama, uma vez que seu pai nasceu no Quênia.

O jornalista Bernardo Carvalho relata a visita que fez à Igreja de Barack Obama: “São quase 11h e a Trinity United Church of Christ, no South Side de Chicago, está cercada por vans e câmeras das principais redes de TV americanas desde as 8h. É o primeiro domingo em que o novo pastor, o reverendo Otis Moss empossado em fevereiro, ocupará a cadeira antes reservada a Wright. No centro da igreja, vestido com túnica branca com pregas coloridas, que combinam com os motivos africanos dos trajes dos pastores associados ao redor, Moss finalmente se refere ao trauma, lendo uma Declaração de Interdependência, na qual presta homenagem ao pastor Wright, sem mencioná-lo pelo nome.

Nada é direto. Moss já não se refere à ‘crucificação do reverendo Wright’. O texto cita Entre Quatro Paredes, de Sartre, para falar da ‘estranha tragicomédia grega’ em que a comunidade da Trinity se viu envolvida nos últimos meses. ‘Somos um povo humilhado, e as feridas do nosso encontro com a história deixaram cicatrizes na nossa alma. A Bíblia é clara: somos pressionados por todos os lados, mas não fomos destruídos!’

É essa declaração de resistência e superação, ao mesmo tempo em que agradecem ao Senhor com uma celebração de êxtase coletivo, que dá o tom trágico, desesperado e heróico do culto. Aqui, Deus foi transformado em estratégia de luta e mobilização social. Enquanto as outras igrejas pregam a obediência, a Trinity aprendeu a fazer o elogio da rebeldia, em reação à segregação.

Daí a catástrofe de constatarem o óbvio e o irreversível: que Obama só tinha alguma chance de se eleger presidente de um país como os EUA depois de se desvencilhar do reverendo Wright e de sua igreja. A igreja inteira canta e dança sem parar, ao som de spirituals, freedom songs, folk e até jazz, por quase três horas seguidas. O mezanino sacode. A igreja parece vir abaixo, os pastores pingam de suor, as pessoas dançam, cantam e batem palmas. Mulheres tremem na platéia, numa espécie de transe, e são reconfortadas por vizinhos e vizinhas. Agradecem ao Senhor e choram.

A incorporação de formas do misticismo africano como modo de resgate cultural das origens é deliberada e bem-vinda, ao contrário das congregações negras mais conservadoras, como a evangélica The Potter's House, em Dallas, no Texas, a maior igreja negra dos EUA. No South Side de Chicago, o reverendo Moss termina seu sermão de domingo invocando grandes homens que permaneceram à sombra da história, às margens da grandeza, sempre fiéis a sua visão.

É difícil não ver aí uma referência à própria relação entre o reverendo Wright e Barack Obama. Uma referência que traduz a visão da igreja: a tragicomédia de um pai espiritual que, por sua radicalidade inconveniente, é obrigado a se recolher à sombra para que o filho possa vencer num mundo injusto”, conclui o relato Bernardo Carvalho.

O rompimento de Obama com o reverendo Jeremiah Wright é explicado por Dwight Hopkins, especialista em teologia negra e teologia da libertação negra da Universidade de Chicago. Segundo o teólogo, “a maior parte da mídia norte-americana não tem conhecimento suficiente sobre a igreja negra nos EUA e sua imbricação com a política”.

Dwight Hopkins, referindo-se a Obama e ao reverendo Dwight Hopkins, explica que o problema são as biografias: “Os dois homens têm duas histórias de vida, experiências e personalidades diferentes. O pai de Obama era da África, sua mãe, uma mulher branca de Kansas. Os dois se encontraram no Havaí, que é um dos lugares mais multiculturais, multiétnicos e multirreligiosos dos EUA. É nesse ambiente que Obama cresceu. Sua opinião sobre o que os americanos são é baseada em interações multiculturais, esperança de pessoas vivendo juntas. Já Wright é um pastor de terceira geração, que cresceu ouvindo falar de escravidão, dos 40 acres e uma mula que foram prometidos aos negros libertos. Cresceu na parte negra da Filadélfia na época do assassinato de Martin Luther King, da ascensão dos Panteras Negras, trabalhou na campanha pela eleição do primeiro prefeito negro de uma cidade grande nos EUA. Ele vê o país não pelo que o país pode ser, mas pelo que viveu. Eles vêem dois países diferentes”.

Segundo Dwight Hopkins, Obama representa uma nova geração de líderes negros, multiculturais e birraciais. “O DNA deles é diferente do dos líderes negros de velha guarda como Wright acha que todo negro que disputa um cargo público tem de basear seu programa na plataforma negra, enquanto Obama acha que o caminho é pensar nos problemas gerais da população americana, entre eles a desigualdade racial”.

Enfim, em plena contemporaneidade, quando se pensava que Deus estava morto, ou pelo menos, empurrado para o seu cantinho, ele ressuscita. Ressurreição de Deus é o título de uma grande reportagem publicada, recentemente, pelo jornal argentino Clarín. Por sua vez, o espanhol e secularizado jornal El País intitulava a reportagem sobre o 'boom' de livros religiosos na cada vez mais laica Espanha: "Somos secularizados mas nos interessamos por Deus".

Fonte
Conjuntura da Semana. Notícias do Dia do IHU de 13-19 de agosto de 2008.