mardi 14 avril 2015

A comunhão na criação

Uma catástrofe natural
a antevisão do dia do senhor
Jorge Pinheiro, PhD


“Mensagem que o Eterno confiou a Joel, filho de Petuel. Devastação do país. Ouçam o que digo, ó responsáveis do povo, prestem atenção, habitantes deste país! Porventura aconteceu algo semelhante durante a vida de vocês ou durante a vida dos seus antepassados? Contem-no aos seus filhos, para que eles contem também aos filhos deles e à geração seguinte. O que as lagartas deixaram foi comido pelos gafanhotos; o que os gafanhotos deixaram foi comido pelos saltões, e o que os saltões deixaram foi comido pelos outros insetos Despertem, chorem e lamentem-se, ó gente bêbeda e viciada do vinho, porque vão ficar sem uvas para fazer mais vinho”. Joel 1:1-5

Uma catástrofe religiosa
falta conhecimento ao povo

Ouçam a mensagem do Eterno, habitantes de Israel. O Eterno chama a tribunal os habitantes do país: "Não há lealdade, nem bondade, nem conhecimento do Eterno nesta terra. Amaldiçoa-se, atraiçoa-se, assassina-se e rouba-se; os adultérios multiplicam-se e os homicídios sucedem-se uns aos outros. Por isso a seca vai causar estragos no país: os seus habitantes vão morrer, juntamente com os animais do campo e as aves do céu; e até os peixes vão desaparecer." "Que ninguém acuse, nem repreenda, eu é que te vou acusar, ó sacerdote! Tu hás-de tropeçar, durante o dia, e o teu aliado, o profeta, há-de tropeçar de noite; a tua própria pátria ficará destruída. O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta conhecimento. E o culpado és tu, que os impediste de me conhecerem. Também eu afastarei você de mim, e não serás mais meu sacerdote. Oseias 4:1-6

A comunhão na natureza
Rascunhos para um sermão

Para início de conversa

As Escrituras judaico-cristãs descrevem a construção do céu e da terra, obra do Eterno, através da indicação “e o Espírito do Eterno se movia por cima da água” (Gn 1.2). Isto quer dizer que o Espírito é Pessoa e presença do Eterno, sendo a natureza uma realidade formatada por Ele. E é o Espírito que clama pela liberdade redentora da natureza escravizada.

Um dia o próprio Universo ficará livre do poder destruidor que o mantém escravo e tomará partena gloriosa liberdade dos filhos do Eterno. Pois sabemos que até agora o Universo todo geme e sofre como uma mulher que está em trabalho de parto (Rm 8.21-22).

Primeira parte
A natureza é ação do Eterno

O Espírito é poder atuante do Eterno e  força de vida das criaturas. O Espírito é a fonte da vida. O que existe e vive manifesta a presença dele.Ele transforma a comunhão com Pai e Filho na comunhão da natureza, na qual todas as criaturas, cada qual a seu modo, se comunicam com o Eterno. A existência, a vida e os relacionamentos estão firmados no Espírito, “pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17.28).

A partir do relacionamento trinitário, o ser humano faz parte da natureza e é dependente dela. Vive dentro de um contexto de interdependência. Desde o iníciopresente e futuro estão ligados à terra, à água e ao ar. “Ó Senhor, tu tens feito tantas coisas e foi com sabedoria que as fizeste. A terra está cheia das tuas criaturas” (Sl 104.24). O Eterno nos coloca junto e com a natureza para trabalhar e gozar essa natureza (Gn 2.15). Não haverá falta (2.8-9) se soubermos administrar. Dependemos do solo e dele recebemos o sustento. Pertencemos a este mundo construído e é ele que fornecea base para a existência. A vida começa e se orienta sob o cuidado do Eterno.

Todos esses animais dependem de ti, esperando que lhes dês alimento no tempo certo. Tu dása comida, e eles comem e ficam satisfeitos. Quando escondes o rosto, ficam com medo; se cortas a respiração que lhes dás, eles morrem e voltam ao pó de onde saíram. Porém, quando lhes dás o sopro de vida, eles nascem; e assim dás vida nova à terra” (Sl 104.27-30).

Só para lembrar -- Entre 2000 e 2005, o Brasil foi o país que mais perdeu áreas de florestas, conforme estudo da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos/ PNAS. Nesses anos foram desmatados 165 mil km² de florestas, o equivalente a 3,6% das perdas de florestas no mundo todo. O segundo país que mais perdeu florestas foi o Canadá, com o desmate de 160 mil km². A ação humana e desastres naturais são as principais causas da perda de florestas. No mundo todo, a cobertura vegetal diminuiu 3,1% entre 2000 e 2005. Foram 1,01 milhão de km² desmatados, o que sugere crescimento de 0,6% ao ano. O estudo se baseou em observações por satélite de pesquisadores das Universidades de Dakota do Sul e do Estado de Nova York.

Pensamos que o Brasil é apenas objeto para exploração, em vez de construção para a glorificação do Eterno. Ignoramos as necessidades das outras formas de vida. Essa atitude utilitarista de ver e agir é alienação, é uma falta de respeito para com o Espírito do Eterno.
 
Segunda parte
O desafio do cuidado amoroso

O Eterno é quem dá e quem sustenta a vida de todo o universo. Sua preocupação por atender às nossas necessidades (beber, comer e vestir) não se restringe ao ser humano, mas se estende a toda a natureza, refletida nos pássaros e nas flores do campo.

É o Eterno quem veste a erva do campo, que hoje dá flor e amanhã desaparece, queimada no forno. Então é claro que ele vestirá também vocês, que têm uma fé tão pequena!” (Mt 6.30).

O universo inteiro depende do cuidado amoroso do Eterno, que não descuida de nenhuma criatura. Os lírios, por exemplo, caracterizados por sua fragilidade e vida curta, são vestidos de tal modo que nem Salomão usava roupas tão bonitas como essas flores. (Mt 6,29).

Criação significa que tudo é completamente obra do Eterno. Ele é o autor de tudo, pessoal e salvífico, que se revelou como puro amor. Toda a realidade brota da pura iniciativa deste amor divino, puro dom gratuito.

Mas, o ser humano faz parte da natureza, depende dela e é seu cuidador. O ser humano, como o restante da natureza, foi criado “de acordo com a sua espécie” (Gn 1.24 e 25), só que à imagem e semelhança do Eterno (Gn 1.26-27). A imagem do Eterno é elaborada em termos do domínio administrativo que o ser humano teria sobre o resto da natureza. O ser humano foi criado à imagem do Eterno, não somente por sua liberdade e direito à escolha, mas também pela postura que assume diante da natureza, uma postura de soberania em amor e comunhão, que deve refletir a soberania do Eterno (Gn 1.26-28). O ser humano não foi criado apenas para realizar uma administração espiritual, mas foi criado para orientar a natureza.

No entanto, fizeste o ser humano inferior somente a ti mesmo e lhe deste a glória e a honra de um rei. Tu lhe deste poder sobre tudo o que criaste; tu puseste todas as coisas debaixo do domínio dele: as ovelhas e o gado e os animais selvagens também; os pássaros e os peixes e todos os seres que vivem no mar” (Sl 8.5-6).

Só para lembrar -- O Brasil é um país privilegiado em matéria de água. Detém 12% da água doce de superfície do mundo, o rio de maior volume e um dos principais aqüíferos subterrâneos, além de ótimos índices de chuva. Mesmo assim, falta água no semi-árido e nas grandes capitais, porque a distribuição desse recurso é desigual. Cerca de 70% da reserva brasileira de água está no Norte, onde vivem menos de 10% da população. Em São Paulo, a maior metrópole do país, a ocupação irregular das margens de rios e represas, como a de Guarapiranga, que abastece 3,7 milhões de paulistanos, deveria ser preocupação permanente. Ao seu redor vivem 700 mil habitantes. Com o desmatamento das margens, sedimentos são arrastados para a represa, que perde capacidade de armazenamento e recebe esgoto de residências. O problema é semelhante na represa Billings, também responsável pelo abastecimento de São Paulo. Esse manancial tem sido o destino das águas poluídas que são bombeadas dos rios Tietê e Pinheiros.

A administração humana sobre a natureza nós chamamos de mandato cultural. Ser criado à imagem do Eterno é ser responsável pelo planeta e por todas as formas de vida!

A liberdade humana implica responsabilidade para preservar a ordem que o Eterno criou e promovera existência de todos os seus elementos. Tal soberania não implica em liberdade para roubar, matar e destruir. Os seres humanos são mordomos do Eterno, responsáveis diante dele e cuja primeira tarefa é assegurar a permanência e equilíbrio da natureza.

Terceira parte
Somos todos responsáveis

A preocupação divina com a salvação espiritual não é alheia da sua preocupação pelo bem-estar da sua criação material. A natureza é o primeiro dos atos salvadores do Eterno.

Só para lembrar -- O modelo agrícola brasileiro revela uma contradição -- bate recordes de produtividade, com cerca de 30% das exportações brasileiras, mas 40% da população brasileira sofre com a insegurança alimentar, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/ IBGE. É um país desiguail, com uma das maiores concentrações de terras do mundo, e ocupa o posto de maior consumidor de agrotóxicos do planeta, superando os Estados Unidos, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária/ Anvisa. O avanço da tecnologia não reduziu o consumo de agrotóxicos, pelo contrário, a tecnologia dos transgênicos estimulou o consumo desses produtos, especialmente na soja, que teve uma variação negativa em sua área plantada (-2,55%) e uma variação positiva de 31,27% no consumo de agrotóxicos, entre os anos de 2004 a 2008.

Mas tu, ó Eterno, tens sido o nosso Rei desde o princípio e nos salvaste muitas vezes. Com o teu grande poder, dividiste o Mar e esmagaste as cabeças dos monstros marinhos. Esmagaste as cabeças do monstro Leviatã e deste o seu corpo para os animais do deserto comerem. Fizeste com que corressem fontes e riachos e secaste grandes rios. Criaste o dia e a noite, puseste o sol, a lua e as estrelas nos seus lugares. Marcaste os limites da terra e fizeste o verão e o inverno” (Sl 74.12-17).

Por isso, não devemos conceber a participação do ser humano no Brasil como opcional, nem como secundária sua missão na salvação de vidas. Desde o início, a natureza fazia parte do plano salvador do Eterno.  A conversão de seres humanos não é o último dos atos salvadores do Eterno, mas o estabelecimento de novos céus e nova terra, ou seja, uma nova natureza (Ap 21.1), a libertação da própria natureza em si (Rm 8.20-22).

Até o fim, a natureza fará parte do plano salvador do Eterno. A  graça do Eterno que se manifestou em Cristo, também se manifestou na natureza.

O Eterno falou muitas vezes e de muitas maneiras aos nossos antepassados, mas nestes últimos tempos ele nos falou por meio do seu Filho. Foi ele quem o Eterno escolheu para possuir todas as coisas e foi por meio dele que o Eterno criou o Universo. O Filho brilha com o brilho da glória do Eterno e é a perfeita semelhança do próprio Eterno. Ele sustenta o Universo com a sua palavra poderosa. E, depois de ter purificado os seres humanos dos seus pecados, sentou-se no céu, do lado direito do Eterno, o Todo-Poderoso” (Hb 1.1-3).

A graça do Eterno manifesta alcançará o seu propósito de submeter a Cristo todas as coisas.

Por isso o Eterno deu a Jesus a mais alta honra e pôs nele o nome que é o mais importante de todos os nomes, para que, em homenagem ao nome de Jesus, todas as criaturas no céu, na terra e no mundo dos mortos, caiam de joelhos e declarem abertamente que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória do Eterno, o Pai”. (Fp 2.9-11).
 
Você deve levar em conta
 
As Escrituras Sagradas dizem: O Eterno pôs todas as coisas debaixo do domínio dele. É claro que dentro das palavras “todas as coisas” não está o próprio Eterno, que põe tudo debaixo do domínio de Cristo. Mas, quando tudo for dominado por Cristo, então o próprio Cristo, que é o Filho, se colocará debaixo do domínio do Eterno, que pôs todas as coisas debaixo do domínio dele. Então o Eterno reinará completamente sobre tudo” (1Co 15.27-28).

Só para lembrar -- O lixo atômico das usinas de Angra I e II, no Rio de Janeiro, material é guardado em depósitos provisórios. Há 25 anos, toneladas de lixo radioativo nem saem dos prédios. Fica mergulhado em piscinas.

Existe uma teologia bíblica da vida, que envolve o uso responsável e sustentável dos recursos da criação do Eterno e a transformação das dimensões culturais, econômicas, morais, intelectuais e políticas da existência. Isto inclui a recuperação de um sentido bíblico de mordomia, que implica em administração e cuidado responsável. Da mesma maneira, o conceito bíblico de descanso semanal recorda que se deve por limites às atividades de produção e ao consumo. Assim, devemos usar a riqueza e o poder no serviço dos demais. É um compromisso de trabalhar para libertar os ricos da escravidão ao dinheiro e ao poder, e possibilitar aos que têm menos obter acesso à dignidade e às oportunidades de desenvolvimento. A esperança de tesouros no céu nos livra da tirania de Mamon. E fazendo assim estaremos compreendendo o sentido maior do cuidado da natureza e da vida criada pelo Eterno.




vendredi 10 avril 2015

Toulouse

Às margens do Garonne 
Jorge Pinheiro

Eu estava hospedado no Hotel de France e dividia o apartamento com Jean Richard, naquela época diretor da Faculdade de Ciências da Religião na Universidade Laval, em Quebec, no Canadá. O hotel era e é confortável, mas sem luxo. Fica na Rue d´Austerlitz, ao lado da praça Wilson, florida e cheia de restaurantes com mesas nas calçadas. Ótimo lugar para ler despreocupado, comer devagar e ver o movimento. 

Tirei aqueles dias da viagem para estudar mais uma vez a carta de Paulo aos Romanos. Usei o texto francês da Bíblia de Jerusalém e o comentário de Guy Lafon, do Instituto Católico do Paris. 

Na abertura do Colóquio Internacional da Associação Paul Tillich em Língua Francesa, Jean Richard falou sobre “Doutrina social, teologia da libertação e socialismo religioso”. Ele é um especialista em Paul Tillich. Foi também um dos responsáveis pela tradução para o francês das obras do período alemão de Tillich. Dessas, três devem ser citadas por sua importância para a Teologia da Cultura: “Christianisme et socialisme”, “Écrits contre les nazis” e “La dimension religieuse de la culture”. 

Para Richard, conforme expôs em sua Comunicação, “o horizonte filosófico e teológico de Tillich, nos anos 1920, tem uma amplidão surpreendente. Desde 1919, ele dirigiu seus estudos sobre a questão do socialismo religioso, a partir da idéia de uma teologia da cultura e do princípio protestante”. 

“Segundo a interpretação que Tillich faz, explica Jean Richard, é o princípio protestante que permite superar a dicotomia do profano e do sagrado, do natural e do sobrenatural. Isto porque a justificação pela graça significa que a graça da salvação opera independentemente das condições religiosas: tanto na ordem do profano como na ordem do religioso”. 

“É neste sentido que Tillich vai interpretar a expressão socialismo religioso. O socialismo religioso não é o socialismo da Igreja; nem um socialismo consagrado pela religião, um socialismo absolutizado. É um movimento plenamente profano, mas que na sua profanidade se abre para a transcendência do Incondicionado”. 

“Tal conceito aparece junto com a elaboração filosófica e teológica do socialismo religioso que Tillich situa no quadro de uma teologia da cultura. Fica evidente que Tillich, desde o início de seus estudos, sobrepõe a oposição entre libertação sociopolítica e salvação cristã, oposição que não é, no fundo, mais que uma figura da dicotomia entre natural e sobrenatural, profano e sagrado”, afirmou o professor canadense. 

Curti o Garonne, rio limpo e azulado que banha a cidade. Ao lado de sua margem direita, perto dos jardins da praça Saint Pierre, há um bar agradável com internet. Dele escrevi e-mails de amor para Naira. Nos dias ensolarados que tive a bênção de viver lá, o azul suave do rio se confundia com o céu e fazia contraste com o rosa da cidade. 

Jean Richard

Eu e Jean Richard trocamos umas quantas idéias sobre o socialismo religioso de Tillich, que entendemos como uma crítica a toda forma de socialismo, ou de política, que quer se absolutizar, que se coloca acima do Incondicionado. 

“O socialismo que queremos, disse Tillich, é aquele que coloca na teoria e na prática a questão da possibilidade de que a vida tenha sentido para todos os indivíduos da sociedade e que se esforce para responder a esta questão no plano da realidade e do pensamento”. 

“Tal socialismo não é apenas um movimento político, é mais que um movimento proletário. É um movimento que procura apreender cada aspecto da vida e cada grupo da sociedade”. [Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 346]. 

Toda estrutura política pressupõe poder e, consequentemente, um grupo que o assuma. E como todo grupo de poder é também um conglomerado de interesses opostos a outras unidades de interesses, sempre necessita correção. 

Assim, quando no poder, todo grupo, seja socialista ou não, necessita de correção. É o que justifica a democracia e a faz necessária enquanto sistema que incorpora correções contra o uso errôneo da autoridade política. [Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, "Entre la heteronomia y la autonomia", Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 239-240]. 

Toulouse é um centro intelectual da ordem dominicana. E nós, a convite, usamos para nossas palestras e debates as dependências da Faculdade de Teologia do Instituto Católico. A universidade católica de Toulouse nasceu em 1229. Foi gostoso estar lá. Aquele antigo convento medieval, cheio de histórias, convida ao silêncio e à reflexão. 

Entrei numa velha igreja dominicana, de arquitetura normanda, com linhas curvas e elegantes, sem imagens, apenas com uma cruz limpa ao fundo. Uma jovem tocava música renascentista no órgão de tubos. A igreja, vazia, parecia que ia levantar vôo. 

Orei em Romanos, “quem poderá nos separar do amor de Cristo...” e deixei que o Espírito falasse ao meu espírito. 

vendredi 3 avril 2015

O mito e seus desdobramentos

Revista Eclésia 134
Entrevista com Jorge Pinheiro

1 - É possível estabelecer alguma relação entre mitologia e cristianismo?

Jorge Pinheiro -- Remonta às origens do ser humano a busca por soluções para os problemas referentes à natureza, sua origem, o modo como ela se comporta, as transformações que nela se verificam e seu caráter de continuidade. Estes questionamentos levaram, em uma primeira instância, ao surgimento de mitos, formas pictóricas para a explicação dos fenômenos – em geral, da natureza.

 2 - Mitologia é uma religião?

Jorge Pinheiro -- A passagem dos mitos para a razão aconteceu, primeiramente – até onde se tem notícia –, na Grécia Antiga, por volta de 600 a.C. Cem anos antes, Homero e Hesíodo haviam confeccionado um apanhado da mitologia grega. Os pioneiros da filosofia criticaram a semelhança dos deuses com os humanos, mencionando que talvez os mitos fossem pura imaginação dos homens. Estas críticas associadas à nova estruturação política e social da Grécia -- cidades-estados, nas quais os cidadãos podiam dedicar-se livremente à discussão de temas sociais e filosóficos, pois todo o trabalho braçal era desempenhado por escravos --, propiciaram o desenvolvimento de uma maneira de explicar o mundo, não mais através do mito, mas sim pelo principal bem de que dispõe o filósofo: a razão. Entretanto, apesar das críticas dos primeiros filósofos à concepção mítica do mundo, a filosofia não se caracteriza por uma ruptura radical com a mitologia, mas sim por um fluxo gradual a partir desta.

Como a nova ordem política permitiu aos cidadãos gregos esse encontro de idéias, que se defrontavam e provocavam nas pessoas a necessidade de um esforço intelectual mais intenso, seguiram-se, em sua esteira, as concepções referentes à natureza. Dos mitos restaram os rituais religiosos, os mistérios das seitas, e a enorme influência de toda uma história da qual permaneceram rastros. Olhando para a natureza, o homem viu que existia a necessidade de prolongar sua experiência intelectual até seus domínios. Era preciso buscar respostas na razão, no confronto de raciocínios, na formulação e refutação de teses.  Existe, pois, um vínculo forte entre a sociedade e a natureza. Antes, ambas estavam reunidas sob o véu dos mitos. Ao separar-se uma da outra, os cidadãos gregos serviram-se do mesmo modelo de pensamento para ordená-las. Nem poderia ser diferente, não faria o menor sentido um povo adotar um regime democrático, onde a divulgação e o debate de idéias eram essenciais, se permanecessem agarrados aos mitos no que concernem as explicações cosmogônicas.

3 - Em obras de importantes escultores e pintores renascentistas -- como Miguelangelo, Rafael Sanzio, e outros -- ficam evidentes muitas das características do classicismo, da arte grega. Em se tratando de religião cristã podem-se apontar características que tenham sido influências da mitologia grega?

Jorge Pinheiro -- Como paradigma sagrado de compreensão, o mito era um saber que, interpretando a origem do universo, dos deuses, dos homens e suas instituições, enfim, de toda e qualquer realidade, fundamentavam e estruturavam a vida individual e coletiva da comunidade.

No caso da Grécia antiga, sabemos da riqueza, em número e formas, que apresentava o conjunto de seus mitos. É discutível se, na experiência grega, a filosofia apareceu como uma ruptura ou como uma continuação do pensamento mítico. Por um lado, ela rompeu com o mito no que diz respeito ao modo de investigar: se podemos descrever a experiência mítica como uma cosmogonia, uma criação ou recriação religiosa da origem do mundo, a filosofia aparece como uma cosmologia, uma apreensão do mundo através do logos.
 
Os mitos gregos tanto no mundo antigo como na modernidade foram amplamente utilizados por artistas. E a utilização histórica e artística de elementos pictóricos de mitos gregos não significa em nada uma volta à mitologia. Tal questão situa-se no campo da estética mais do que no campo da ética.

4 - Quais os aspectos do mundo contemporâneo que podem remeter à mitologia?

Jorge Pinheiro -- A cultura grega apresentou uma leitura mítica do destino, que traduzia a maneira de pensar e viver do helenismo. Na sua época, por razões apologéticas, o apóstolo Paulo apresentou um conceito de destino que resgatava e transcendia o conceito veterotestamentário de aliança. Entre os gregos, a religião e o culto de mistérios traduziam uma luta contra o destino, numa tentativa de colocar-se acima dele. A origem dos cultos de mistério não pode ser entendida quando os separamos dos mitos.

Para o ser humano helênico a luta com o destino era inevitável porque o destino tinha qualidades demoníacas. Era um poder sagrado e destrutivo. Envolvia o ser humano numa culpa permanente. Os cultos de mistério, dessa forma, ofereciam uma purificação das mãos de deuses que manipulando o destino excluíam do ser humano qualquer possibilidade de liberdade.

Assim, também a filosofia helênica, através do conhecimento, procurava elevar o ser humano à transcendência, despojando-o dos objetivos e formas da vida imediata, para lançá-lo através da abstração em direção ao ser puro. O mundo helênico era um mundo de culpa e castigo trágico e um profundo pessimismo atravessava todo o conhecimento, desde Anaximandro, passando por Pitágoras, Demócrito, Sócrates, Platão e Aristóteles.

Diante desse destino trágico, o mundo helênico tinha necessidade da revelação. Ameaçado por um destino demoníaco, o mundo helênico ansiava por um destino salvador, necessitava não somente de liberdade, mas também de graça.

O cristianismo é a vitória sobre a idéia da força trágica da matéria eterna, traduz a idéia de que o mundo é uma criação divina. É a vitória da crença na perfeição do ser em todos seus aspectos sobre o medo trágico e a matéria que resiste hostil ao divino. É a negação radical do caráter demoníaco da existência em si. Dá à existência um valor essencialmente positivo e valoriza os acontecimentos da ordem temporal. Com o cristianismo, ao contrário do que pensava Anaximandro, a ordem do tempo não leva apenas ao transitório e perecível, mas também à possibilidade de algo totalmente novo, um propósito e um fim que dá pleno significado à vida humana.

No cristianismo o tempo triunfa sobre o espaço. O caráter irreversível do kairós substitui o tempo cíclico, transitório e perecível do pensamento helênico. A partir desse momento, destino outorga graça, que traz salvação no tempo e na história. O mundo helênico e sua interpretação da vida foram superados e com eles, a religião, os mitos e os cultos de mistério.

Antes, a filosofia buscava desesperadamente a revelação, agora a revelação apodera-se da filosofia dando origem à teologia. Assim, a teologia jogou fora o destino demoníaco e por extensão a metafísica helenística e se apropriou de suas formas lógicas e de seus conteúdos empíricos. O transitório e perecível da filosofia helenística não teve importância na formação do pensamento ocidental, mas sim a idéia da criação divina do mundo e a fé numa providência divina, através da salvação que se constrói historicamente e acontece no kairós. E isso já não é helenismo, mas teológica cristã.   

Hoje a globalização excludente é mitologia que consome o mundo. E diante dela devemos fazer o mesmo que fizeram os cristãos dos primeiros séculos. Assumir o comissionamento que nos foi entregue. É necessário proferir um não ao tempo presente. E nessa crítica, o fundamental é envolver-se na situação histórica concreta, ter a coragem de decidir e colocar-se sob julgamento, ao nível do particular. O cristão deve olhar o mundo com atenção. E a luta dos povos em diáspora deve sensibilizar os intelectuais que fazem parte do corpo da igreja, pois estamos vivendo uma era de kairós, e as utopias dos povos em diáspora são partes do clamor contra a opressão globalizadora que caracteriza este início de século. Não é correto classificar as utopias dos povos em diáspora como simples conflito racial e religioso, ou como problema localizado em regiões distantes do globo. Ao contrário, hoje estamos vendo um clamor global do desterrado e excluído. As utopias de liberdade dos povos em diáspora não serão revoltas raciais e religiosas se estivermos interessados em praticar a fraternidade cristã. Porém, pregou-se, por muito tempo, um cristianismo vazio de fraternidade, que não significava mais que o desejo de que os povos aceitassem passivamente o seu destino colonial. As nações industriais do Ocidente subjugaram culturas, nações e povos por razões econômicas. Essas ações de saques internacionais golpearam os continentes e são os responsáveis pelo baixo padrão de vida que prevalece em todo o mundo chamado subdesenvolvido.

Nosso comissionamento, dentro da visão paulina, deve traduzir o pensamento cristão palestino de destino, ou seja, de estar proposto para algo sublime, no sentido de que os limites estão dados de antemão, da lei transcendente na qual está imbricada o conceito de liberdade. Assim, estar predestinado também implica numa trindade conceitual: (1) o estar predestinado está sujeito à liberdade; (2) estar predestinado significa que a liberdade também está sujeita à lei; (3) estar predestinado significa que liberdade e lei são interdependentes e complementares.

Analisando o conceito cristão palestino de destino ou estar predestinado, exposto por Paulo em sua carta aos romanos (8.31-39; e 9), podemos dizer que a liberdade humana está ligada às leis universais, de tal forma que liberdade e leis se encontram intrinsecamente entrelaçadas. Aqui Paulo trabalha com um conceito judaico, de que lei é imposição de limites, que faz parte da revelação, que se expressa pela primeira vez como criação de Deus. Mas para Paulo, se o mal é uma probabilidade que surge da correlação lei/graça, o julgamento era inerente a tudo na criação, mas também a liberdade.

Assim, a certeza de que o estar predestinado é divino e não demoníaco e tem um significado realizador e não destruidor é peça-chave do pensamento paulino, que coloca o logos acima do destino. Ao fazer isso, Paulo está dizendo que a compreensão do estar predestinado não está ao alcance do ser humano, nem pode ser submetido aos processos do pensamento humano. Mas esse logos eterno se reflete através de nossos pensamentos, embora não exista um ato do pensamento sem a secreta premissa de sua verdade incondicional. Mas a verdade incondicional não está ao nosso alcance. Em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco em cada enunciado da verdade. Mas, mesmo assim, devemos correr este risco, sabendo que este é o único modo que a verdade pode ser revelada a seres finitos e históricos.

Quando mantemos relação com o logos eterno e deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos o lugar que cabe ao estar predestinado em nosso pensamento. Podemos reconhecer que desde o princípio esteve submetido ao estar predestinado e que o nosso pensamento sempre desejou livrar-se dele, mas nunca conseguiu. Tarefa teológica da maior importância, na análise cristã do estar predestinado é saber relacionar logos e kairós. O logos deve envolver e dominar as leis universais, a plenitude do tempo, a verdade e o estar predestinado da existência. A separação entre logos e existência chegou ao fim. O logos alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco a ele próprio, mas porque é a expressão de seu próprio caráter intrínseco, sua liberdade.

É necessário, porém, entender que tanto a existência como o conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o imutável e eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento liberto do destino: a revelação. Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, todo ser humano possui uma potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu estar predestinado. Quanto maior a potencialidade do ser – que cresce à medida que é envolvido e dominado pelo logos – mais profundamente está implicado seu conhecimento no estar predestinado.

Nosso destino, que aqui deve ser entendido como missão, é servir ao logos, num novo kairós, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino, no sentido de prokeimai (em grego estar colocado, ser proposto) e o de nossa sociedade, tanto mais livres seremos. Então, nosso trabalho será pleno de força e verdade.

Diante da mitologia da globalização excludente, nosso comissionamento permanece o mesmo dos primeiros cristãos: levar a graça de Cristo a um mundo em crise, imerso em culpa e destino trágico.

5 - Existe mitologia cristã?

Jorge Pinheiro -- Dentro da exposição que fizemos do mito grego não se pode falar em mitologia cristã.

6 - Quanto ao Cálice Sagrado, ou Santo Graal, que algumas religiões apontam ter sido usado por Jesus na Última Ceia e que no qual, supostamente, José de Arimatéia teria recolhido o sangue de Cristo durante a crucificação, esse pode ser considerado um exemplo de mitologia cristã?

Jorge Pinheiro – A mitologia é fenômeno sócio-cultural. Não é um erro ou uma farsa. Quem é que conhece ou define sua vida pelo Santo Graal? Esse assunto deve ser situado no campo da ficção.

7 - E a Ordem dos Cavaleiros Templários que, também supostamente, teria realizado importantes descobertas e ter ficado de posse do Santo Graal?

Jorge Pinheiro – A resposta anterior elimina esta. Desde quando importantes descobertas são supostas?

8 - Há algum outro exemplo de "mito" cristão, se é que se pode ser chamado de mito?

Jorge Pinheiro – O cristianismo é uma fé racional e objetiva que brota do caráter e das promessas de Deus. É uma confiança racional, porque nasce da reflexão e leva à constatação de que Deus é digno de crédito. Mas, de maneira nenhuma, lança fora a vontade, a afetividade, a personalidade, as ações, obras e experiências humanas enquanto componentes e realidades da fé.

Teologicamente, conhecimento é fé (Hb 11.1). Ela depende de uma opção da pessoa e é um estado do coração. Vejamos por que: tomando por base alguns textos (Rm 10.9-10; 1 Jo 5.1; Jo 5. 38-40, 42, 44; 2 Ts 2.10; At 8. 37) podemos dizer que a fé (1) é um dever e, portanto, a vontade está incluída; (2) que é uma graça entregue pelo Espírito Santo (1Co 13), e sendo graça não está limitada ao intelecto; (3) que dá glória a Deus e não se dá glória a Deus só com a razão, já que envolve toda a personalidade humana; (4) expressa-se em termos de afeto (2Ts 2.10). Ora receber inclui afeto, implica assim em engajamento de afetividades (Rm 10.9-10); (5) a falta de fé está ligada a uma disposição moral (Jo5; Jo 8.33+; Hb 3; Ef 4.17). A incredulidade é um estado do coração, não é um erro enquanto abordagem meramente racional.

Se não houver arrependimento não há fé verdadeira. João, o batista, pregava o batismo do arrependimento. E sem regeneração também não há fé. Os textos que nos levam a pensar assim são 1Co 2.10-16, 1Co 12.3; a experiência de Nicodemos (Jo 3) e Rm 8.7.

Assim, a idéia de que o cristianismo tem base mítica nasce do desconhecimento do que significa a fé ou revelação, enquanto processo que inclui coração e mente, arrependimento e regeneração. O processo de conhecimento da revelação está ligado à obediência, que em última instância é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana, arrependimento e regeneração de vida. E isto está longe da mitologia.

9 - Na mitologia grega, Zeus é o deus supremo do mundo. Há alguma ligação histórica, filosófica, bíblica, entre Zeus e Deus, nosso Senhor?

Jorge Pinheiro -- Entre 171 e 169 antes de Cristo, Antíoco IV Epífanes, rei selêucida, enviou tropas a Jerusalém, ordenou a abolição da lei judaica e iniciou uma violenta política repressiva. Mandou construir em Jerusalém uma cidadela para abrigar uma guarnição pagã, levantou no templo um altar com uma estátua de Zeus olímpico e em dezembro de 167 a.C. iniciou sacrifícios de acordo com o ritual grego. Os capítulos 6 e 7 de 2Macabeus relatam casos de judeus torturados pelo governo por se recusarem a comer carne de porco e a fazer sacrifícios a baal shamaim (Zeus). As perseguições do início da década de 170 a.C. falam dos primeiros mártires da história: homens e mulheres que preferiam a morte a violar os preceitos de sua fé. Dê uma olhada em 1Macabeus 1.59; 2Macabeus 10.5, 6.2 e Daniel 11.31+. O que tem o Eterno, criador dos céus e da terra, com baal shamaim, o Zeus olímpico? Nada.

10 - Na sua opinião, qual foi a maior contribuição da mitologia grega para a humanidade, em todos os aspectos?

Jorge Pinheiro -- A filosofia apreende a realidade através do questionamento teórico, trabalhando, a partir de uma visão geral da totalidade, do real, com separações e aproximações de idéias -- dinâmica própria da razão, que estrutura o modo de pensamento que se tornou mais comum e predominante no Ocidente. Por outro lado, a filosofia tem em comum com o mito a sua questão: ambos nascem como modos de interpretar a origem (arché) do real. É neste sentido que Aristóteles, um dos pais da filosofia, escreveu em sua Metafísica: “Por isso, também o amante de mitos (philomythos) é, de algum modo, filósofo: pois o mito é composto de extraordinário”.

A proposição de um problema dialético está relacionada à solução de um mistério ou enigma – forma de problematizar questões, muito empregada pelos gregos da Antiguidade –, visto que ambas são explicitadas enquanto opostos. Entende-se, pois, que o racionalismo é um ato contínuo ao misticismo, isto é, são etapas sucessivas de um processo. Não é sensato desprezar a visão mítica como ponto de partida para a ideação mais racional, no sentido de não-mítico. O mito foi o ponto de partida, o primeiro esforço da humanidade. A pergunta que se impõe é como o ser humano passou a pensar de forma não-mítica? Alguns autores consideram que houve um salto, chamado “milagre grego”. Esta é uma idéia ingênua, porque podemos perceber uma relação entre os mitos cosmogônicos, mitos que descreviam a formação do universo, e a cosmologia dos primeiros filósofos.

Em termos gerais, a razão é o exercício de procurar e avaliar argumentos antes de aceitar como bom o que penso saber. É a faculdade capaz de estabelecer ou captar as relações que fazem com que as coisas dependam umas das outras, e sejam constituídas de uma determinada forma e não de outra. Ao organizar as notícias, os estudos ou as experiências, aceitamos algumas à espera de melhores argumentos. E rejeitamos outras, tentando ligar as crenças entre si com alguma harmonia. Assim, podemos dizer que o ser humano atravessou o mito em direção à razão e ao pensamento científico: não há porque voltar a ele.


dimanche 29 mars 2015

Jorge Pinheiro, 70 anos

Jorge Pinheiro

Jorge PINHEIRO dos Santos

FotoÉ Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2011) e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008), Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2006), Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2001) e Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2001). É professor de tempo integral na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e Jornalista Profissional. Atua na área de Ciências da Religião, com especialização nas relações entre religião e política, e filosofia, teologia e cristianismo. 


vendredi 27 mars 2015

O dia da Sara

הִ֭תְרַפִּיתָ בְּיֹ֥ום צָרָ֗ה צַ֣ר כֹּחֶֽכָה׃

Si tu fai­blis au jour de la tsara, bien peu de tsar est ta force.
En cinq mots, vi­gou­reux ap­pel à l’éner­gie mo­rale. À l’­heure de l’épreuve, il faut ré­agir. Si, dans ces mo­ments dé­ci­sifs, on ne montre au­cune force, c’est qu’on n’en a point. Il y a dans l’o­ri­gi­nal un jeu de mots : Si tu fai­blis au jour de la tsara), bien peu de tsar est ta force.

DIA DA SARA -- Você e as crises
Jorge Pinheiro, PhD

Quem é fraco numa crise é realmente fraco”. Provérbios 24.10.

Quando falamos de crises lembramo-nos de problemas que nos cercam ou que são externos a nós. O que está fora é uma parte da questão, a outra é como nós enfrentamos os problemas. O provérbio acima não fala do que está acontecendo no mundo, mas analisa a nossa maneira de enfrentar ascrises.

Esse provérbio se divide em três momentos. Primeiro fala da pessoa que é fraca. A palavra hebraica que traduzimos por fraco, pode ser mais bem traduzida por frouxo. Não como expressão grosseira ou agressiva, mas como metáfora de algo que está solto, que não tem firmeza. Assim, quem se mostra frouxo, fica desalentado, deixa cair a bola, relaxa e afunda.

O segundo momento do provérbio é a expressão idiomática “dia da Sara”, que foi traduzida na versão em Linguagem de Hoje por crise. A expressão “dia da Sara” tem o sentido de “aquela que importuna” ou “de esposa rival”. Isto porque na tradição do judaísmo antigo, Sara, mulher de Abraão, era vista como brava e brigona, que maltratou Agar, a ponto dessa última fugir de casa.

Devemos nos lembrar que a família hebraica antiga era poligâmica e a esposa chamada de rival era aquela que em determinado momento entrava em choque com a outra, ou com as outras e desestabilizava o equilíbrio da família. Para o senhor, esse era um momento da crise. O homem era o senhor e regente dessa família de estrutura patriarcal, e caso se mostrasse frouxo, diz o ditado hebraico, perderia o controle da situação, entraria em depressão e afundaria.

O provérbio parte de uma realidade cultural, ilustrada na família patriarcal machista, onde as mulheres se chocam, e o marido não pode ser frouxo.

Apesar de não concordarmos com a estrutura poligâmica, patriarcal e machista dessa família, a lição do provérbio permanece válida. Assim, contextualizado, podemos dizer que a atitude que você deve tomar diante da crise não pode ser de alguém que se deixa desorientar e afundar.

A crise aí descrita fala de um momento onde há um elemento desestabilizador, que enlouquece um ambiente ou uma situação. Ser frouxo, ter uma atitude de “deixa estar que depois melhora” pode levar todos a afundarem juntos. Esse é o momento da liderança consciente, momento de encarar o problema com sabedoria e firmeza.

Como aconselhou o apóstolo Paulo, devemos estar alertas, ficar firmes na fé, ser corajosos e fortes (1ª. Carta aos coríntios 16.13). Que Deus lhe dê firmeza e sabedoria para enfrentar problemas e conquistar vitórias.




mercredi 25 mars 2015

Os batistas e o Estado

Nossos princípios batistas e nossas relações com o Estado
Jorge Pinheiro, PhD


As Escrituras revelam que cada ser humano é criado à imagem de Deus; é único, precioso e insubstituível. Criado ser racional, cada pessoa é moralmente responsável perante Deus e o próximo. O homem, como indivíduo, é distinto de todas as outras pessoas. Como pessoa, ele é unido aos outros no fluxo da vida, pois ninguém vive nem morre por si mesmo.

Aa Escrituras revelam que Cristo morreu por todos os seres humanos. O fato de ser o pessoa criada à imagem de Deus, e de Jesus Cristo morrer para salvá-la, é a fonte da dignidade e do valor humano. Ele, o ser humano, tem direitos, outorgados por Deus, de ser reconhecido e aceito como pessoa sem distinção de raça, cor, credo, ou cultura; de ser parte digna e respeitada da comunidade; de ter a plena oportunidade de alcançar o seu potencial.

Cada pessoa foi criada à imagem de Deus e, portanto, merece respeito e consideração como um indivíduo de valor e dignidade infinita.

O indivíduo, porque criado à imagem de Deus, torna-se responsável por suas decisões morais e de fé. Ele é competente, sob a orientação do Espírito Santo, para formular a própria resposta à chamada divina ao evangelho de Cristo, para a comunhão com Deus, para crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor. Estreitamente ligada a essa competência está a responsabilidade de procurar a verdade e, encontrando-a, agir conforme essa descoberta, e partilhar a verdade com outros. Embora não se admita coação no terreno religioso, o cristão não tem a liberdade de ser neutro em questões de consciência e convicção.

Cada pessoa é competente e responsável perante Deus, nas próprias decisões e questões morais e religiosas.

A inalienável liberdade de consciência

Os batistas consideram como inalienável a liberdade de consciência, a plena liberdade de religião de todas as pessoas. O homem é livre para aceitar ou rejeitar a religião; escolher ou mudar sua crença; propagar e ensinar a verdade como a entenda, sempre respeitando direitos e convicções alheios; cultuar a Deus tanto a sós quanto publicamente; convidar outras pessoas a participarem nos cultos e outras atividades de sua religião; possuir propriedade e quaisquer outros bens necessários à propagação de sua fé. Tal liberdade não é privilégio para ser concedido, rejeitado ou meramente tolerado – nem pelo Estado, nem por qualquer outro grupo religioso – é um direito outorgado por Deus.

Cada pessoa é livre perante Deus em todas as questões de consciência e tem o direito de abraçar ou rejeitar a religião, bem como de testemunhar sua fé religiosa, respeitando os direitos dos outros.

Tanto a igreja como o Estado são ordenados por Deus e responsáveis perante ele. Cada um é distinto; cada um tem um propósito divino; nenhum deve transgredir os direitos do outro. Devem permanecer separados, mas igualmente manter a devida relação entre si e para com Deus. Cabe ao Estado o exercício da autoridade civil, a manutenção da ordem e a promoção do bem-estar público.

O cristão é cidadão de dois mundos – o reino de Deus e o estado político – e deve obedecer à lei de sua pátria terrena, tanto quanto à lei suprema. No caso de ser necessária uma escolha, o cristão deve obedecer a Deus antes que ao homem. Deve mostrar respeito para com aqueles que interpretam a lei e a põem em vigor, e participar ativamente na vida social, econômica e política com o espírito e princípios cristãos. A mordomia cristã da vida inclui tais responsabilidades como o voto, o pagamento de impostos e o apoio à legislação digna. O cristão deve orar pelas autoridades e incentivar outros cristãos a aceitarem a responsabilidade cívica, como um serviço a Deus e à humanidade.

A igreja é uma comunhão voluntária de cristãos, unidos sob o domínio de Cristo para o culto e serviço em seu nome. O Estado não pode ignorar a soberania de Deus nem rejeitar suas leis como a base da ordem moral e da justiça social. Os cristãos devem aceitar suas responsabilidades de sustentar o Estado e obedecer ao poder civil, de acordo com os princípios cristãos.

O Estado deve à igreja a proteção da lei e a liberdade plena, no exercício do seu ministério espiritual. A igreja deve ao Estado o reforço moral e espiritual para a lei e a ordem, bem como a proclamação clara das verdades que fundamentam a justiça e a paz. A igreja tem a responsabilidade tanto de orar pelo Estado quanto de declarar o juízo divino em relação ao governo, às responsabilidades de uma soberania autêntica e consciente, e aos direitos de todas as pessoas. A igreja deve praticar coerentemente os princípios que sustentam e que devem governar a relação entre ela e o Estado.

A igreja e o Estado são constituídos por Deus e perante Ele responsáveis. Devem permanecer distintos, mas têm a obrigação do reconhecimento e reforço mútuos, no propósito de cumprir-se a função divina.

Eis a compreensão batista da relação igreja-Estado e a razão porque proclamamos: "Igrejas livres em Estado livre!"