vendredi 25 mars 2022

É possível dialogar?

Antropologia e religião

Jorge Pinheiro

Prof. Dr em Ciências da Religião



É possível dialogar?



Como encarar o debate religioso? Devemos nos fechar em definições doutrinárias e declarar que todo diálogo inter-religioso leva ao sincretismo e dissolve nossas crenças e fé? É possível o diálogo, reconhecendo diferenças e mantendo cada qual sua identidade religiosa? Para pensar essas questões, vamos fazer uma releitura do texto de José Maria da Silva. A identidade no mundo das religiões, análise desde um olhar localizado [Revista de Estudos da Religião, 2001, no. 4, pp. 14-26].


Mas antes vejamos alguns pressupostos metodológicos que podem nos ajudar a nortear o estudo da questão da identidade religiosa versus desafio do diálogo inter-religioso.


A ciência, e em especial a lingüística, trabalha com o conceito de paradigma. Um paradigma é um modelo, um padrão, um protótipo. É um conjunto de unidades suscetíveis de pesquisa baseada em realizações científicas passadas, que aparecem num mesmo contexto e que são comutáveis e mutuamente exclusivas. No paradigma, as unidades têm, pelo menos, um traço em comum -- forma, valor ou ambos -- que as relaciona, possibilitando conjuntos abertos ou fechados, segundo a natureza das unidades. No primeiro caso, quando essas unidades são formais, temos um paradigma que possibilita a tradução da realidade e, no segundo caso, quando são unidades de valor, temos um paradigma que sistematiza o conhecimento.


Mas há um outro dado importante: em cada época, há paradigmas dominantes, ou seja, aqueles a partir dos quais as pesquisas se realizam, comprometidas com determinadas regras e padrões.


Mas, nenhum paradigma é eterno. Ele pode ser quebrado. Nesse sentido, há quebra do paradigma quando uma visão que transforma a compreensão da realidade, dá a ela nova forma e dimensão, determinando uma releitura da verdade.


Segundo Thomas Kuhn [As estrutura das revoluções científicas, São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 38], “para ser aceita como paradigma, uma teoria deve parecer melhor que suas competidoras, mas não precisa (e de fato isso nunca acontece) explicar todos os fatos com os quais pode ser confrontada”. A quebra de paradigma, em última instância, significa mudança da imaginação científica e não um dado a mais numa estrutura de idéias já existente.  


No campo da religião cristã são três os paradigmas geralmente considerados: (1) exclusivismo ou visão eclesiocêntrica; (2) inclusivismo ou visão cristocêntrica; (3) pluralismo ou visão teocêntrica.


O catolicismo romano tem um axioma, formatado por Orígenes, Cipriano e Agostinho – “extra eclesiam nulla salus” -- e retomado pelo Concílio de Florença (1442), que caracteriza esse exclusivismo eclesiocêntrico. Ao dizer, “fora da igreja não há salvação”, o catolicismo romano está afirmando a fé católica é privativa, restrita e incompatível com qualquer outra fé, mesmo cristã. E isto é assim por direito divino entregue à essa igreja, que por assim dizer não tem concorrentes em qualquer outra expressão religiosa. 


No campo cristão protestante, tal espírito ou sistema de exclusão é traduzido na idéia de que “fora do cristianismo não existe salvação”, conforme expõe John Hick [A metáfora do Deus encarnado, Petrópolis, Vozes, 2000, pp. 13-14]. 


Geralmente, o exclusivismo eclesiocêntrico, quer católico, quer protestante, parte de uma interpretação tautológica da revelação, que se baseia no literalismo mítico. Mas, se parte daí, leva também à demonização da diferença, que aparece sempre como heresia ou doutrina sem fundamento e que, por isso, não merece crédito ou atenção. Assim, o que é diferente é sempre execrado, maldito, anátema.


O paradigma que se coloca no outro extremo é o do pluralismo teocêntrico, que parte da revolução copernicana, segundo a qual a realidade não é um todo orgânico, mas é composta de uma pluralidade de entidades independentes, quer materiais, quer espirituais. Ou seja, assim como os planetas giram ao redor do sol, todas as expressões religiosas estão voltadas para Deus.


Este paradigma dissolve a identidade religiosa, negando a qualidade daquilo que é particular a toda expressão religiosa, daquilo que a faz idêntica a ela própria. Ao diluir e até mesmo negar esse conjunto dos caracteres próprios à determinada religião, leva à conclusão de que todas são iguais, ou cumprem iguais funções, já que todas giram ao redor de Deus. 


Mas ao apoiar-se na revolução copernicana, o pluralismo teocêntrico traz para o campo das religiões um problema que não existe em outros campos científicos. Aqui, a afirmação de que todas as religiões são iguais não pode ser constatada pelo exame dos fatos. Ou melhor, a única solução possível seria analisar a fé em cada uma delas. Mas ainda esta solução não seria tão empírica como parece, pois a fé religiosa, por ser exclusiva, só é aceita por aqueles que comungam dela. 


A opção, como propõe teólogos como Hick, é a verificação escatológica, pois “até que a última curva não seja dobrada, nada se saberá de maneira definitiva”, conforme agrega José Maria da Silva [A identidade do mundo das religiões, análise desde um olhar localizado, artigo citado, p. 18]. Ou seja, para sabermos se a base paradigmática do pluralismo procede, quer dizer, que todas as religiões são iguais, temos que esperar o fim do mundo.  


Mas há um terceiro caminho, diferente do paradigma do exclusivismo eclesiocêntrico e diferente do paradigma do pluralismo teocêntrico. É esse paradigma é o inclusivismo cristocêntrico, que vê as religiões naturais como dado da revelação, ou seja, da universalidade salvífica do sacrifício de Cristo na cruz. Nesse sentido, todas elas, estão dentro do axioma apresentado por Paulo em Romanos 2.14-15: “Os não-judeus não têm a lei. Mas, quando fazem pela sua própria vontade o que a lei manda, eles são a sua própria lei, embora não tenham a lei. Eles mostram, pela sua maneira de agir, que têm a lei escrita no seu coração. A própria consciência deles mostra que isso é verdade, e os seus pensamentos, que às vezes os acusam e às vezes os defendem, também mostram isso”.


Nesse sentido, quando falamos de inclusivismo cristocêntrico, estamos falando da abrangência e envolvimento dos tempos da salvação na vida humana em particular e na vida da humanidade. Isto porque a salvação tem um tempo pretérito, conforme explica Paulo em II Tm 1.8-9: “Deus nos salvou e nos chamou para sermos o seu povo. Não foi por causa do que temos feito, mas porque este era o seu plano e por causa da sua graça. Ele nos deu essa graça por meio de Cristo Jesus, antes da criação do mundo”.  


Assim, a alienação e alvos errados dos seres humanos que sentiram a dor e tiveram consciência de sua miserabilidade, ou seja, que se arrependeram, foram perdoados através do sacrifício da cruz, conforme explica Paulo: “Deus ofereceu Cristo como sacrifício para que, pela sua morte na cruz, Cristo se tornasse o meio de as pessoas receberem o perdão dos seus pecados, pela fé nele. Deus quis mostrar com isso que ele é justo. No passado ele foi paciente e não castigou as pessoas por causa dos seus pecados; mas agora, pelo sacrifício de Cristo, Deus mostra que é justo. Assim ele é justo e aceita os que crêem em Jesus”.


Mas se a graça da cruz cobre aqueles que se arrependeram num tempo pretérito à cruz, enquanto perdão jurídico [Rm 5.9, Ef 1.7], acontece também no tempo presente [Tg 1.21, I Pe 1.9], enquanto tempo presente de liberdade [Lc 9.23+, Rm 5.10, Gl 5. 16, 25] e num tempo futuro [Rm 13.11], enquanto tempo de glória [Fp 3.20-21, Gl 1.4, I Pe 1.5, 3.20-21].


Dessa maneira, diferente dos paradigmas do exclusivismo eclesiocêntrico e do pluralismo teocêntrico, o paradigma do inclusivismo cristocêntrico possibilita o diálogo inter-religioso sem diluir nossa identidade cristã, protestante. Não nos isolamos, nem amaldiçoamos aqueles que são diferentes. Ao contrário, o conhecimento da diferença possibilita o diálogo e reafirma nossa identidade.


O paradigma do inclusivismo cristocêntrico afasta-se também do pluralismo teocêntrico e não diz que todas as religiões são iguais e nem diz que cumprem a mesma função salvífica. Não dilui nossa fé num emaranhado de crenças, mas a partir da manutenção de nossa identidade, vê que a expressão da revelação e do fator salvífico da cruz de Cristo, enquanto projeto redentor aconteceu fora do tempo e do espaço, na eternidade, e, por isso, possibilita a todos os seres humanos e à humanidade um encontro com o Criador.


Bem, todo paradigma implica em novidade da imaginação científica. É sempre um novo caminho para novas descobertas. É resposta para o desafio da pós-modernidade. Esbarramos todos os dias na diferença. Como vamos conviver e dialogar com essas diferenças? Talvez o paradigma do inclusivismo cristocêntrico nos ajude.


Em Cristo,

Do pastor e amigo,

Jorge Pinheiro.












 

mercredi 23 mars 2022

Adoratores adorabunt ...

 Adoratores adorabunt patrem in spiritu et veritate


Jorge Pinheiro

Professor doutor em Ciências da Religião


“No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”. João 4.23-24.


Introdução


A adoração pode ser definida como veneração ou culto que se rende a alguém ou algo que se considera sobrenatural, divino e sagrado, bem como rituais e códigos morais que expressam a ação de adorar.


A palavra portuguesa adorar deriva do latim adoratìo, ónis. No mundo helênico, anterior ao nascimento do cristianismo, adoração referia-se a realização de um serviço sacerdotal, no grego leitourgeo. Mas, depois, no cristianismo passou a ser visto como um estilo de comportamento marcado pelo amor, veneração, ou mesmo idolatria por alguém ou alguma coisa que se considerava excepcional, singular. Donde adorar passou a ser entendido como uma forma de paixão.


A palavra adoração foi usada durante séculos no contexto cultural da Europa, marcado pela presença do cristianismo que se apropriou do termo latino. E tanto na antropologia, como na sociologia, foi compreendida como expressão de um tropismo humano em direção ao transcendente, ou seja, como expressão de espiritualidade.


Se tomarmos, por exemplo, o filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, vemos que tanto os críticos como milhões de espectadores não notaram que o filme tratava de um dos temas centrais do cristianismo: a questão da espiritualidade cristã. E é esse tema que pretendo abordar, adoração/ espiritualidade, a partir de um texto clássico, o diálogo entre Jesus e a samaritana.


Para os povos semitas, o que nós hoje entendemos por adoração era traduzido nos gestos de curvar-se, prostrar-se, colocar a cabeça no chão, num ato de total submissão, de entrega, já que aquele diante de quem a pessoa se prostrava poderia decepar-lhe a cabeça. Mas havia um outro gesto, o do beijo, que significava o abrir-se ao espírito e ser por ele possuído. Assim, adorar foi entendido através desses gestuais como submissão e possessão. 


Mas a adoração não é exclusiva dos povos semitas. Os hindus têm, por exemplo, o culto ao rio Ganges, pois acreditam que é mais antigo que a terra e que jorrou do céu e, por isso, pode libertar o homem de seus pecados em vidas anteriores, curar e purificar o corpo e a alma. E eles adoram o Ganges. A adoração é chamada puja e consiste de orações e oferendas. Assim, a idéia de adoração é enriquecida também pelo ato de entregar algo, algo vital, que pode ser alimento, bebida ou mesmo riquezas.


Entendidos esses três componentes do conceito adoração, vamos à discussão do texto onde Jesus conversa com a samaritana e trata da adoração/ espiritualidade cristã. E pensar os versículos 23 e 24. De forma abrangente podemos dizer que espiritualidade é aquela relação do ser com a transcendência, que dá sentido à vida. E exatamente por isso intercalo na nossa reflexão o belo poema de Ada Negri, Atto d´amore.


"Não sei dizer-te quanto te amo Deus no qual creio, Deus que é a vida vivente, aquela já vivida e aquela que é para ser vivida além dos confins do mundo e onde não existe o tempo."


O ser humano, unidade multiforme, tem em seu espírito não uma dimensão parcial da vida, mas irredutível, conforme afirma Lossky. Nesse sentido, o espírito é a totalidade da vida. Nas situações de perda, falta de sentido e de ameaça à vida há sempre experiência com a transcendência, pois mesmo na negação dela há um sentido transcendente. 


Na reconstrução da Europa, depois da Segunda Guerra mundial, o teólogo teuto-americano Paul Tillich disse que a desintegração espiritual da sociedade ocidental já tinha sido prevista por teólogos e estudiosos, no século XIX, mas a necessidade de compreender este fenômeno exigia que nos aprofundássemos em seu estudo. 


Assim, para Tillich, “se não houver espírito, as construções humanas não poderão produzi-lo. Ele, o espírito age ou não age nos indivíduos e nos grupos. E quando age cria seu próprio meio de comunicação. Assim, o espírito se manifesta por meio das palavras, das formas de vida, das instituições sociais e dos símbolos religiosos”.


A idéia espírito, de que nos fala Jesus, nos leva a uma compreensão abrangente de espiritualidade, que não pode ser entendida apenas como sinônimo de piedade ou como conhecimento dos princípios de que se compõe a piedade.


Partindo do senso comum da igreja brasileira, a espiritualidade pode ser vista como uma interpretação particular do ideal evangélico, mas se partimos do que Jesus nos transmite e da contextualização realizada por Tillich podemos dizer que há uma espiritualidade comum à espécie humana, que ela se expressa existencialmente por sermos todos imago Dei.


Quando multidões assistem a um filme como A Paixão de Cristo e são despertadas, cada qual a sua maneira, acerca da miserabilidade humana, constatamos que as pessoas têm atributos potenciais para a espiritualidade. Esses atributos, presentes na imagem de Deus que somos, e que chamo de tropismo à transcendência, nos leva à questão da adoração.


 “Eu não soube; mas a Ti nada escondo daquele que está no profundo. Cada ato da vida, em mim, foi amor. E eu acreditei/ que fosse pelo homem, ou a obra, ou a pátria terrena, ou nascido do meu próprio peso, ou das flores, das plantas, das frutas que caem no chão, da substância, alimento e luz mas foi o Teu amor, que em cada coisa e criatura estás presente. E agora que um a um caíram ao meu lado, os companheiros de estrada, e submissas sopram as vozes da terra, a tua face refulge de esplendor mais forte e tua voz é cântico do gloria”. 


A espiritualidade e o sagrado


Otto, um dos teóricos que se debruçou sobre esta questão, diz que a experiência humana diante do sagrado tem sempre algo intenso e profundo, que ele chama de mysterium tremendum, que traduz o numinoso, o que é transcendente para a realidade do crente, que diante daquilo que o esmaga desenvolve senso de temor. Esse temor é um medo qualitativo, motivo para reflexão e energia que transformado em poder faz dele um adorador. 


Tais experiências com o sagrado encorajam e incorporam no adorador aquilo que lhe é distinto. Apesar dessa relação de aparente intimidade de relacionamento, permanece o abismo entre adorador e sagrado. Dessa maneira, este desejo de saltar sobre o abismo que separa humano e sagrado é em última instância o móvel que dará origem à espiritualidade. 


Se por um lado a crise ocidental pode ser traduzida como uma crise espiritual, por outro essa busca frenética de bens materiais e de consumo aumenta o vazio humano e favorece a busca da espiritualidade como experiência de vida coerente e recomendável. Assim, vivemos numa sociedade em crise espiritual, que procura encontrar a espiritualidade perdida.


A espiritualidade cristã


A espiritualidade cristã foi construída ao redor da cruz. A paixão de Cristo sempre foi entendida por teólogos e crentes como o derramar do dom da vida de Deus sobre os seres humanos. E porque a morte de Jesus Cristo não é derrota, mas sacrifício livremente aceito, a espiritualidade cristã tem sempre dois movimentos:


1. Um movimento em relação ao outro, ao próximo, ao desvalido, àquele que sofre, que é um chamado ao compromisso. Este movimento da espiritualidade em relação ao próximo nós chamamos de serviço. 


A partir desse momento em que a espiritualidade torna-se caminho para Deus através do serviço ao próximo, a espiritualidade tem algo a dizer a todos os nossos relacionamentos, tanto pessoais, como sociais e políticos.


Pode parecer desconcertante relacionar espiritualidade e relacionamentos pessoais, sociais e políticos, mas ao falar de espiritualidade estamos falando do exercício do amor e por relacionamentos pessoais, sociais e políticos entendemos a transformação da sociedade na direção do reino de Deus, para que se faça justiça aos excluídos de tal forma que encontrem vida e salvação. Nesse sentido, a espiritualidade dá sentido à vida pessoal, social e política e torna-se além de profética, transformadora.


2. Mas a espiritualidade tem um outro movimento, que se por um lado está ligado ao rigor da fé, como vemos na oração e nos momentos de contrição, ela se realiza existencialmente, enquanto encontro com Deus. Esse encontro, conforme no diz Jesus, é a adoração e está na raiz da conversão e de todo processo de santificação. É um processo místico, no sentido que mostra nossa miserabilidade diante do insondável mistério de Deus. 


Considerações finais


Por isso, a espiritualidade e, por extensão, a sua expressão de submissão, possessão e entrega, que é a adoração, é profética e transformadora no encontro com o outro, com o humano, e um ato de adoração diante da majestade de Deus.


Ou, conforme nos diz Galilea, a contemplação de Jesus Cristo no irmão que sofre e a contemplação de Deus no Cristo ressurreto são sempre frutos da ação do Espírito em nossas vidas. Esses dois encontros devem ser a base da espiritualidade cristã na alta modernidade e fundamentam todo ato de adoração daquele que crê.


“Ora, Deus que sempre amei – te amo sabendo amar-te; com a inefável certeza que tudo foi justiça, mesmo a dor, tudo foi bem, mesmo o meu mal, tudo para mim Tu foste e sei, me faz temente de uma alegria maior que a morte. Permanece comigo, pois a noite desce sobre minha casa com misericórdia de sombras e estrelas. Que Tu participas, à mesa humilde, o pouco pão e a água pura da minha pobreza. Permanece Tu apenas junto de mim a tua serva; e no silêncio dos seres, o meu coração te entende único”.


Notas


1 Ada Negri nasceu em Lodi, na Lombardia, em 1870, filha de camponeses. Seus primeiros livros refletiam uma consciência social que se opunha às tendências dominantes no fim do século. Mais tarde, a sua poesia incluiu uma afirmação de sexualidade feminina, diferente das tradicionais poesias de amor (Il Libro di Mara, 1919). Ada Negri faleceu em 1945.

2 Tradução do italiano para o português por Jorge Pinheiro.

3 Vadlimir Lossky, A l’image et la ressemblance de Dieu, Paris, 1967, p. 118.

4 Paul Tillich, A Era Protestante, São Paulo, Ciências da Religião, 1992, pp. 275-276.

5 Rudolf Otto, O Sagrado, Lisboa, Edições 70, 1992, pp. 21-22.

6 Segundo Galilea, Espiritualidade da Libertação, Petrópolis, Vozes, 1975, pp. 15-16.



File:Ada Negri 2.jpg


Ada Negri, poeta italiana


dimanche 6 février 2022

Europa e missões

A missão no contexto europeu
Jorge Pinheiro  
Montpellier, 10/12/2020


"Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Devemos, portanto, compartilhar sua preocupação pela justiça e reconciliação em toda a sociedade humana e pela libertação dos homens de todo tipo de opressão ... expressamos penitência tanto por nossa negligência quanto por ter às vezes considerado o evangelismo e a preocupação social como mutuamente excludentes". John Stott  

Duas ou três coisas

Quando me perguntam por que fazer missão na França, eu parto do que, realmente, está acontecendo hoje na Europa, e que os jornais e revistas nos relatam sobre isso.
Ao som de bateria e teclado, quatro back vocais dão o tom do culto na igreja, enquanto são acompanhados por fiéis que, com os braços erguidos, louvam e repetem as letras projetadas no telão. Logo acima, pode-se ler Dieu est amour. A cena, comum nas igrejas brasileiras, é novidade na França, que viu a fé protestante renascer nos últimos anos.
A presença dos muçulmanos traduziu a primeira abertura para a naturalização da expressão religiosa em lugares públicos na França. Mas isso criou um problema: tanto a condição de migrantes quanto a identidade associada a uma religião com grande visibilidade fez da população muçulmana um alvo de discriminações e intolerâncias.
Mas voltemos aos jornais e revistas francesas. Longe do anonimato das ruas, nas manhãs de domingo na entrada da Église Réformée de Belleville a recepção é calorosa e personalizada. 
“É a proximidade entre nós, os pastores, e nossos fiéis que faz a força do movimento protestante", afirma Amos Ngoua Mouri, pastor da Communauté Évangélique la Bonne Nouvelle, no norte de Paris.
Segundo Frédéric Rognon, professor de Filosofia das religiões na Faculdade de Teologia Protestante de Estrasburgo, na França, "os protestantes expressam a fé de forma contemporânea, enquanto os cristãos tradicionais utilizam ainda modelos antigos que não respondem à realidade da vida atual. 
“O lado da expressão pública da fé protestante, quase publicitário, choca numa cultura francesa que relega a religião ao domínio privado”, afirma Fath, garantindo porém que as coisas estão mudando no país da laicidade. O pastor Mouri, por exemplo, confirma que o movimento protestante é cada vez mais reconhecido.
A presença do Islã na França decorreu da colonização do mundo muçulmano e a questão da presença árabe-muçulmana, ou seja, da migração, tornou-se uma questão fundamental da política da União Europeia. Nas próximas décadas se estima que cerca de 70 milhões de pessoas serão migrantes na Europa. Donde, é inútil negar as razões da crise europeia, já que a gestão da migração, principalmente, a presença muçulmana, deve respeitar os direitos à vida. Mas tanto a União Europeia como os Estados-membros não sabem, nem tem como resolver o desafio.
Para vencer o ódio e construir cidadania, a missão deve defender uma cidadania, por exemplo, que inclua as crianças migrantes, nascidas fora da Europa. O que pode ser enquadrado nas regras do reagrupamento familiar. Ou seja, a cidadania deve ser europeia em primeiro lugar, e ser válida para migrantes e refugiados. Para os povos em diáspora que escolhem esta terra europeia como cidade de refúgio.
Ao se falar de crianças, devemos lembrar que, segundo a UNICEF, o número de crianças refugiadas dobrou entre 2005 e 2015, e essas crianças desenraizadas devem ser levadas em consideração.
Qualquer que seja seu status, uma criança é uma criança. Assim, os milhões de crianças refugiadas que tiveram que deixar seus países devem ser protegidas e ter pleno acesso a todos os seus direitos, garantidos pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. O grande número de crianças afetadas nos obriga a agir. Cada uma delas tem esperanças e sonhos. Conflitos violentos, perturbações causadas pelas mudanças climáticas não devem impedir que essas crianças tenham um futuro.
Para entender a escala do fenômeno, aqui estão alguns dados: 11 milhões de crianças são refugiadas ou requerentes de asilo fora do seu próprio país. Isto é o equivalente à população da Bélgica. 17 milhões de crianças foram deslocadas à força de suas casas. Cerca de 50% das crianças refugiadas vêm da Síria ou do Afeganistão.
Entre 2005 e 2015, o número de crianças migrantes aumentou 21%. Quanto ao número de crianças refugiadas, ele dobrou durante este período. Ou seja, 28 milhões de crianças foram deslocadas à força. Entre os 164 mil refugiados e migrantes que entraram na Europa em 2017, 29 mil são crianças. Mais de 90% das crianças que chegam à Itália estão sozinhas ou foram separadas de suas famílias. Cada uma delas enfrenta perigos consideráveis em sua jornada em busca de segurança. A rota do Mediterrâneo central, que está entre as mais perigosas, também é a mais utilizada. No final do percurso, essas crianças são frequentemente confrontadas com condições de acolhimento deploráveis: detidas, vítimas de discriminação, acumulam traumas que prejudicam o seu desenvolvimento. Muitas delas não têm acesso à educação ou aos serviços básicos de saúde. E outras optam pelo suicídio.
Vamos pensar a partir da teologia. Quando pensamos em missiologia na Europa e logicamente na França, devemos ouvir e ver o grito dos migrantes, muçulmanos e refugiados a partir do conceito de outro. E se não fizermos assim, vamos ver o próximo como se fosse uma projeção, e deixamos de entender a alteridade.
O renascer do protestantismo
Na França, a cada dez dias uma nova igreja evangélica abre as portas, de acordo com dados do CNEF -- Conselho Nacional dos Evangélicos da França.  

“A primeira razão é simplesmente a necessidade de esperança”, explica o sociólogo batista Sébastien Fath, especializado na história do protestantismo francês e autor dos livros Do gueto à rede, o protestantismo evangélico na França; e A nova França protestante, desenvolvimento e crescimento no século XXI.

"O contexto de crise, que atinge a sociedade francesa, tem por consequência um certo número de patologias sociais, como a solidão. O Estado não pode fazer tudo, as prestações sociais e capacidades de intervenção são em geral fragilizadas, pois há menos dinheiro público. A igreja evangélica responde às necessidade que o Estado não se encarrega mais”, avalia Fath, que enfatiza o caráter otimista do discurso evangélico, em um país onde o pessimismo é a regra.

Fath explica que embora a fé cristã esteja chegando a todos as classes sociais, inclusive às mais favorecidas, ela vem atraindo jovens e imigrantes, principalmente aqueles originários das antigas colônias francesas.

"Muitos franceses estão desencorajados diante da crise e da globalização. Há uma certa depressão e uma necessidade de perspectiva”, diz Fath. Já para Étienne L’Hermenault, pastor batista e ex-presidente do CNEF, o crescimento das igrejas evangélicas é fruto da sede espiritual. "A crise não é simplesmente financeira, mas também moral. Há um cansaço de uma sociedade que perdeu muitas referências e que busca valores”, argumenta.

Fath crê que o retorno ao protestantismo está ligado também à crise do discurso político. “Os franceses estão decepcionados com a política. O país que, durante muito tempo exportou pensamento político, se desencantou com as soluções políticas, há 15 ou 20 anos atrás”, avalia.

Evitar a realidade que nos circunda e fugir de uma leitura humana e presencial do Cristo nos remete à frase proposta por Tertuliano de Cartago, escritor cristão do século III, "credo quia absurdum!". Creio porque é um absurdo.

Esse absurdo paradoxal atinge o concreto e nos chama a mergulhar na imensidão do divino humano. Fechemos os olhos e digamos como aquele judeu que se chamou Paulo, o Pequeno: "Os judeus pedem um sinal, e os gregos sabedoria, mas nós pregamos o Cristo crucificado, que é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gregos”.

Absurdo, escândalo, paradoxo... assim como o fundamento da fé, a mesma fé que justifica Abraão no meio da loucura de um pai que deve sacrificar o "filho da promessa". Portanto, a fé deixa de ser a emuná hebraica, que define uma posição militar, e se torna um paradoxo. Nenhuma ilusão ou devaneio, mas a loucura da confiança no divino, que não podemos compreender.

Como disse Paul Tillich, herdeiro de Hegel e do jovem Marx, a práxis é a mediação entre a ontologia e a realização da realidade. Essa correlação, que para Tillich se tornará um método, é a busca de superação da dialética anterior, que tratava do conhecimento do ser e de suas manifestações fora da práxis histórica. Devemos, nesta reflexão sobre missão na alta-modernidade europeia fazer essa passagem construindo uma lógica que não será hegeliana nem marxista no sentido clássico, mas buscará correlacionar ontologia, lógica e metodologia na dinâmica da práxis missiológica.

Essa correlação com a exterioridade caracteriza a mobilidade da missiologia integral que é uma missiologia da práxis. Desenvolve, assim, o caminho da correlação entre exterioridade e ontologia face à dinâmica da práxis, tratando de formulações de métodos que acompanham a superposição de horizontes ontológicos. Desse modo, tal missiologia coloca a afirmação da exterioridade como fonte anterior às demandas da ontologia, o que leva a uma intersecção comum: a ética.

Por isso, a missão na alta-modernidade deve ser construída a partir de duas leituras: o próximo como revelação de um mistério que nasce da liberdade, e da igreja como comunidade que denuncia os poderes que negam a milhões de pessoas a possibilidade a bens e direitos. A fé nasce do ato da inteligência -- essa é uma forma de ver. Mas quem, realmente, vai além do que vemos? Em primeiro lugar, a esperança de que o outro se revele. Ou seja, a possibilidade de produção e reprodução da vida que está além da visão do rosto. Assim, missiologia para a Europa na alta-modernidade significa pensar o outro, mas um outro que se revela na história, que é o mistério da nossa liberdade. Acreditar na revelação deste próximo é entender o significado da história.

Para que a missão seja integral devemos descobrir o significado do presente histórico, quer venha da África ou de regiões desfavorecidas do planeta. E o significado do presente histórico é profecia, é a palavra. Mas falar para quem? Na modernidade, falar ao outro nos levou à leitura formal do ir. Atravessar os mares e ir até os confins da terra. Devemos ir, sim. É claro que a profecia deve falar do significado dos acontecimentos presentes para nossa vida cristã. E isso é igreja. Mas, nesta alta-modernidade de caos e crise, o desafio não é apenas ir, mas receber. Vivemos na localidade global, não somos chamados somente a ir, mas a receber, porque muçulmanos, migrantes e refugiados estão entre nós, conosco. Assim, missão na alta-modernidade é receber e viver no chão da vida a realidade da fé.

A missão reconhece a vida do ponto de vista integral: onde o outro se apresenta como próximo, irmão, e não como como estranho, diferente, excluído. E esse é o conceito cristão de outro, sempre próximo, mesmo fisicamente distante, que no encontro nos pede novas atitudes e comportamentos.

A atividade missiológica é uma atividade de confronto que diz respeito a pessoas que sabem que muitas vezes devem discordar, pois não somos espectadores passivos.

A integralidade é uma contribuição para a questão metodológica, pois parte daquilo que está fora da igreja e mesmo do nosso círculo de amizades, que reconhece a existência da liberdade humana como graça de Deus. A lógica da missiologia moderna era dialética, não chegava ao horizonte do mundo, não incluía o outro porque anulava em sua alteridade. Mas, a missão integral nos apresenta um momento antropológico, uma maneira diferente de viver a missiologia, já que é uma missão holística, que abrange tanto o evangelismo e a presença junto às igrejas, quanto a responsabilidade social. 

Desde 1974, a missão integral influencia o mundo latino-americano, mas hoje se faz necessário que seja presença em todo o mundo, em especial na Europa. Ela nos mostra que o ser humano e a comunidade estão localizados além do horizonte da totalidade. Ser integrado, porque o outro é um ser inteiro, é o fulcro para novos desenvolvimentos. No entanto, o ponto de partida do discurso metódico é a externalidade do outro. Como alternativa à dialética que trabalha com a contradição, a identidade e a diferença, o princípio não é o da identidade, mas o da distinção. O estar e ser integral segue uma sequência, a totalidade é posta em causa pelo questionamento provocador do outro. Ouvir a palavra é ter consciência ética, é aceitar a palavra questionadora de quem fala. É ouvir e ver a necessidade real daqueles que estão na Europa, mas que tiveram sua ancestralidade longe dela.

Não podemos esquecer que 2,4 milhões de pessoas de países não pertencentes à Comunidade Europeia imigraram para a Europa em 2018. E que das 446 milhões de pessoas que viviam na Europa em 2019, 21 milhões eram de países que não pertenciam à Comunidade Europeia. Nas próximas décadas, segundo projeções da própria União Europeia, 70 milhões de africanos, principalmente jovens, migrarão para a Europa. O que isso diz a nós missionários?

A missão é holística

Utilizar o método da integralidade da missão significa aceitar eticamente o grito daqueles que chegam fugidos da miséria, da guerra e do extermínio. Essa ação é constitutiva, condição da possibilidade de compreensão: resulta na adoção da exterioridade, lugar do exercício da consciência crítica. 

A integralidade da missão é a afirmação da exterioridade: não é apenas a negação de um estado de coisas. É a superação da totalidade moderna a partir da transcendentalidade daquele que nunca esteve dentro. O momento é crítico por isso: é a superação do pensamento dialético negativo, mas não o nega, porque a dialética não nega a ciência, ela simplesmente a assume e a completa. Afirmar a exterioridade é alcançar o impossível para o sistema, o imprevisível para o todo, que decorre da liberdade. É somente por meio de um envolvimento integral que alguém pode se comprometer com o outro, a ponto de arriscar a vida na luta pela conquista de cidadania e direitos deste outro. Como resultado, a missão integral é prática: é uma uma pedagogia que visa a realização da alteridade humana.

A expressão missão integral foi criada na década de 1970 por membros da Fraternidade Teológica Latino-americana. A palavra integral, em espanhol e em português é usada para descrever a integridade do pão, pão integral, pão de trigo integral. Assim, a expressão é usada para descrever uma compreensão da missão que afirma a importância de expressar o amor de Deus e o amor ao próximo por todos os meios possíveis. Seus teóricos, dos quais eu citaria três, René Padilla, Samuel Escobar e John Sttot, enfatizaram a amplitude do Evangelho e da missão cristã. E usaram o conceito de missão holística para mostrar que a missão não deve se basear na dicotomia entre evangelismo e envolvimento social.

Mas o conceito não é novo: está presente no Novo Testamento e no ministério de Jesus. Missão integral é uma expressão que nos leva à compreensão de que a missão é holística, não é dualista, nem dialética. 

A missão integral já fez uma jornada de cerca de cinco décadas. Em 1966, o Congresso da Missão Mundial da Igreja, realizado em Wheaton, Illinois, reuniu evangélicos de 71 países. A Declaração de Wheaton declarou que "nós somos culpados de um isolamento antibíblico do mundo que muitas vezes nos impede de enfrentar e lidar honestamente com suas preocupações" e a "falha [da igreja] em aplicar os princípios bíblicos a problemas como racismo, guerra, explosão populacional, pobreza, desintegração familiar, revolução social e comunismo”.  

E naquele mesmo ano, o Congresso Mundial sobre Evangelização em Berlim reafirmou a concepção tradicional da missão, que chamamos de moderna. Billy Graham, neste Congresso, disse que se a igreja voltasse à sua tarefa principal de proclamar o evangelho, ela teria um impacto muito maior nas necessidades sociais, morais e psicológicas das pessoas do que poderia alcançar por meio de qualquer outra ação. 

Mas logo depois tivemos o Congresso Internacional sobre Evangelização Mundial em Lausanne, 1974, o mais importante encontro cristão do século XX, que propôs a missão integral como método para chegar aos desterrados neste novo momento da pregação do Evangelho.

Depois do Congresso de Lausanne, a missão integral cresceu. E na Inglaterra, em 1980, se elaborou um documento -- "Um Compromisso Evangélico com Estilo de Vida Simples" --, que reafirmou nosso compromisso com a justiça dentro da concepção de missão.

E em 1982, a Consulta Internacional sobre a Relação entre Evangelismo e Responsabilidade Social entendeu que a responsabilidade social é uma ponte e parceira do evangelismo. Ou seja, os dois são, na verdade, inseparáveis. 

Um ano depois, a Consulta sobre a Igreja, realizada em Wheaton, Illinois, publicou "Transformação: A resposta da igreja às necessidades humanas", que foi a mais profunda afirmação cristã da missão integral. Fez a denúncia da injustiça, e uma crítica àquelas igrejas que através do silêncio dão seu apoio tácito ao status quo sócio-econômico.

Depois de "A Questão Judaica", Marx fez a crítica econômica do cristianismo. Essa crítica foi dirigida às igrejas, porque para Marx elas eram a expressão da miséria. Mas também criticou a religião quando analisou o fetichismo da mercadoria, porque para ele a leitura religiosa do mundo real não desapareceria enquanto as atuais condições de vida não fossem superadas. Mas, em que consiste essa leitura do mundo real? Ora, o olhar religioso vê a existência separada das relações construídas pelo ser humano. E essa existência independente das relações sociais, essa existência irreal, é um reflexo de outro real. Essa divisão entre aparência que oculta a existência e oculta a realidade é esta idolatria do fetichismo da mercadoria. Estranho fetichismo, que consiste nisto: ele oculta o caráter social do trabalho e se manifesta como se este fosse um caráter material dos próprios produtos do trabalho. Ou seja, em relação à mercadoria, e infelizmente para o mundo da religião alienada, a realidade está separada das relações de trabalho, do essencial concreto e de seu produto. Vê-se, então, uma realidade aparente, como se o valor da mercadoria pertencesse de direito à sua própria estrutura independente. É esta visão de mundo alienada, separada da realidade, que a missão integral se propõe denunciar.

Uma missiologia para a Europa na alta-modernidade é uma ética da vida. Não é apenas uma razão estratégica que visa levar a revelação aos alienados de seu destino, mas deve ser capaz de integrar os princípios de vida que posicionem o outro, o próximo e o diferente como análogos.

O sistema-mundo nesta alta-modernidade de caos e crise, ao tornar impossível a produção e reprodução da vida, aprofunda seu caos e crise semeando a exclusão de bens e direitos. As vítimas são milhões de pessoas que estão aqui do nosso lado. Fome e miséria são cavalos do Apocalipse. Cabe, portanto, à missão elevar a ética como recurso diante de uma humanidade em perigo. Esta missiologia é responsável pela solidariedade que parte do critério da vida em relação à morte, da caminhada digna no caminho da fronteira, entre os abismos da irresponsabilidade ética e a paranoia fundamentalista.

Estamos aqui diante do sujeito histórico que aponta para a esperança escatológica, que se abrirá para ir além da alta-modernidade, onde o ser humano terá pleno direito de produção e reprodução da vida. E a missão, exatamente por ser holística, deve compreender que esta ação e esta postura não negam o análogo de Cristo, mas deve deixar de ser uma hermenêutica teórica e se desenvolver como uma presença que leva a uma transformação real.

É por isso que a missão apresenta um princípio universal: a defesa do direito à produção e reprodução da vida de cada ser humano. Esse princípio é objetivo e subjetivamente negado pelo sistema-mundo e pela globalização.

A revelação é palavra

Missão integral é revelação. E revelação é palavra, é linguagem e pessoalidade, é ver o próximo, ouvir a pessoa, caminhar com ela. Por isso, a missão corre no fio da navalha: por um lado está a negação da presença e recepção do diferente, daquele que veio de longe e, por outro, o fundamentalismo pró-integração, que quer fazer dele um igual a nós. Por isso, abrir-se para receber, e tudo o que isso implica, rompe a discussão moderna entre o paradoxo e a dialética do Cristo. Não há paradoxo porque Cristo é análogo e o método é holístico. 

E não nos esqueçamos das palavras do profeta Miquéias (6:8): "O que o Senhor requer de você senão que faça justiça, ame a bondade e ande humildemente com seu Deus". A nossa missiologia mostra que Deus criador e mantenedor existe nesta esperança e nesta possibilidade de produção e reprodução da vida. E Cristo não é uma monstruosidade ou um paradoxo, mas análogo. Assim, os que vem de longe, verão que Deus existe e Cristo é pessoa, Deus que se fez carne por amor a nós.

E volto ao Goddard de "Duas ou três coisas que sei dela", quando ele cita o Tractatus Logico-Philosophicus de Wittgenstein: "Os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem." Mas, então, vemos Juliette cruzar Paris e dizer: "Mas o mundo sou eu".


Bibliografia

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BOSCH, David J. Missão transformadora. Mudanças de paradigmas na teologia de missão. São Leopoldo: Sinodal, 2002.
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samedi 29 janvier 2022

Para pensar a imago Dei

Afin d'étudier et de penser la théologie de l'être humain, c'est-à-dire l'imago Dei, nous devons nous concentrer sur des questions fondamentales pour cette étude : le défi du Christ, le défi de l'humain et le défi de l'interprétation. Mais, même ainsi, il est nécessaire de penser à deux autres questions qui sont présentes dans cette relation causale et définitive - la révélation et la théologie.


Para pensar a imago Dei

Uma observação necessária

Jorge Pinheiro



Para estudar e pensar a teologia do ser humano, ou seja, a imago Dei, devemos nos debruçar sobre questões fundamentais para este estudo: o desafio do Cristo, o desafio do humano e o desafio da interpretação. Mas, ainda assim, é necessário pensar duas outras questões que estão presentes nesta relação causal e definitiva -- revelação e teologia.


E nessa introdução necessária, desejamos analisar com você, caro leitor, ainda que a voo de pássaro, o fato de que a teologia que nasce dos textos antigos da tradição hebraica muitas vezes é abordada apenas sob um de seus aspectos, a auto-manifestação da divindade, deixando de lado seu aspecto fundante: de que nos textos primeiros da teologia judaico-cristã estamos diante de um diálogo, pois toda construção desses textos implicou em interação, na existência de um personagem, que muitas vezes deixamos de ver sua centralidade, a espécie humana, que não somente participa do diálogo, mas vive. E é a partir daí, da teologia que nasce da construção dos textos antigos enquanto diálogo, que deve partir toda e qualquer análise da imago Dei, enquanto teologia do ser humano.

 

A questão antropológica no processo da construção dos textos antigos da tradição hebraica é determinante, pois não basta ouvir, o desafio é viver. Nesse processo desigual e combinado presente nos textos antigos da literatura hebraica podemos distinguir elementos que se sobrepõem e se complementam. Dentre eles, o mais fascinante é a questão do significado e da significação que estes textos constroem na história do povo hebreu e por extensão no imaginário da tradição cristã. A construção dos textos antigos da tradição hebraica dá-se através de um processo de adequação histórica e linguística.


Entretanto essa construção não demanda unicamente a apreensão de uma determinada realidade. Faz-se necessário que esta realidade seja lida através de uma construção de análise e síntese. Como premissa fundante, temos que reconhecer uma justaposição entre compreensão intuitiva e conhecimento discursivo. A compreensão intuitiva vem de imediato à mente sem que se tenha à frente uma determinada realidade, palpável e visual, ao passo que o conhecimento discursivo requer passar de algo conhecido, através de uma série de juízos, à apreensão do ainda não apreendido. Ao primeiro processo chamamos juízo sintético e ao segundo juízo analítico.


Tal construção dos textos antigos hebraicos não se deu simplesmente como processo de adequação da mente humana, individual e coletiva, ao novo que lhe era apresentado. Impôs-se que o novo inerente ao processo cognoscitivo tivesse um significado. Uma relação em que o ser humano operou como ser significante e o novo como significado. Desta forma, a construção dos textos antigos não se processaram entre realidades que não são históricas, mas em relação espacial e temporal, exigindo para que a interação entre o ser humano e a realidade se estabelecesse como algo maior, alguma coisa além de ambos, da pessoa coletiva e da própria realidade em que estava situada esta coletividade, deixando assim de ser causal e tornando-se essencial. No processo da construção dos textos antigos o ser humano, enquanto pessoa e coletividade, também encontrava-se em construção, pois não havia senhorio pleno do processo. Era um ser colocado no tempo e no espaço, que estabelecia relação com a realidade que o circundava, que o cercava dentro do processo cognoscitivo enquanto dimensão humana e histórica.


Outro pressuposto é a natureza genética da linguagem, que se encontrava em constante construção. Dessa maneira, significante e significado estavam intimamente ligados à linguagem, enquanto construção cultural e histórica. Assim, compreendemos que dependendo da utilização de determinado objeto ou realidade o ser humano constrói conhecimento de determinada forma e no processo pode construir conceitos diferentes a partir de um objeto ou realidade anteriores. Podemos inferir ao que isso conduz. 


A construção dos textos antigos está ligada à vida do ser humano, já que será a própria experiência humana que agregará valor ao objeto ou realidade antes conhecidos e vividos. Dessa maneira, o velho gerará o novo, uma essência que transcende, uma universalidade, a partir da própria experiência de vida, que em teologia podemos chamar de obediência ao mandamento de Deus. Mas ainda não definimos a importância do ser significante e do significado dentro do processo da construção dos textos antigos. Se tal construção é histórica, é importante notar que ela própria age sobre a vida humana, pessoal e coletiva, sobre a historicidade do ser humano. E mais do que isso, ao definir a historicidade humana muda o próprio meio onde o ser humano vive e atua. Dessa forma, a construção dos textos antigos cria processos de formação, escalas de valores, normas e condicionamentos. E é aí que reside toda a problemática dessa construção enquanto conhecimento: como o ser humano, a partir da construção dos textos, num primeiro momento presa à oralidade e só depois gravada em pedra e registrada em manuscritos, pode conhecer a Deus e dar um sentido ao mundo que o cerca, assim como achar seu papel dentro de todo esse complexo?


A verdade da construção dos textos antigos é o significado que uma determinada realidade tem para a comunidade e a pessoa. Há uma construção intuitiva, quando a experiência da própria construção produz uma interação entre o humano, pessoal e coletivo, e a divindade, sem que essa experiência necessariamente influa no processo discursivo de conhecimento. Mas mesmo neste caso o ser humano não abandona ou perde sua formação. Não deixa de ser aquilo que é: pessoa inserida em determinada comunidade. Mesmo quando esse processo dá-se sem elaboração discursiva, é intuitiva, o ser humano está condicionado pela historicidade de ser que conhece. 


E dentro dessa condicionante sempre se processa a interação ser humano e realidade. Aqui, afetividades e sentimentos, que geralmente passam despercebidos, são realçados. Isso porque nesse momento específico, determinada realidade passa a ter significado, que mesmo não sendo inerente, exige que se lhe dê um. E nesse caso o conhecimento da construção faz do ser humano um ser significante. Assim a construção dos textos antigos dá ao mundo um significado imanente. O ser humano, enquanto pessoa e comunidade, através da construção do texto passa a ter significado, contudo este conhecimento e o significado dado não se dão sem história, mas dentro das limitações de sua própria obediência dos limites e regras que vão sendo definidos. Podemos, então, concluir que a partir da construção da antiga literatura hebraica, teológica e religiosa, o ser humano torna-se significante na construção da comunidade, pois através do conhecimento construído é ele quem historicamente pode modificar causas e efeitos, imprimindo ao processo nova direção.


Como se processa a relação entre significado e significante quer no caso isolado da interação entre ser humano e realidade, quer no caso de todo o processo da construção dos textos antigos? Se dentro do conhecimento da construção do texto o ser humano é um ser significante podemos, então, ver que a escala de valores do sistema ético, oferecido por esta construção à comunidade, torna-se parte integrante do significado dado ao mundo pela própria construção. Portanto, dentro de uma interação significante/significado existem elementos dinâmicos de transformação. O universo é o mundo do ser humano, em que ele constrói seu habitat. Através do significado dado pelo ser humano à natureza, dentro de um significado de utilização que lhe empresta, ele atua sobre ela produzindo cultura e transformação.


A construção dos textos antigos, enquanto relação entre significante e significado é dialética. Pois se ela faz da pessoa e da comunidade ser significante, permite a ambas transferir ao mundo que as cercam a cosmovisão que utiliza essa mesma significação. Ao fazer significante a sua realidade, o ser humano dá origem a transformações, engendra causas e passa à construção do futuro, já não como sonho, mas como realidade. Para viabilizar tais transformações é necessário que transfira, enquanto comunidade, novos significados aos processos históricos e sociais. Através da relação estabelecida entre significante e significado encontraremos as causas de conotações. Um dos exemplos desse processo encontramos no livro das Origens, quando a divindade ordena a circuncisão do clã de Abraão. A circuncisão, antes um costume presente em algumas tribos da Palestina, recebe a conotação de aliança. E a circuncisão, enquanto aliança, passa a ser marca de uma comunidade especial, separada, é mandamento do Eterno. Mas isso só acontece historicamente, quando pessoas e comunidade vivem tal ordenança. É, então, que a circuncisão faz de cada homem hebreu significante dessa construção, dando significado cultural, histórico e teológico ao ato de corte do prepúcio. 


Nesse sentido, revelação traduz o processo de construção dos textos antigos judaico-cristãos, conforme exposto acima, e, por isso neste trabalho damos a devida importância à linguística e à antropologia, para podemos construir uma teologia do ser humano, enquanto imago Dei. Por isso, consideramos que quando deixamos de colocar os desafios do Cristo, do humano e da interpretação em diálogo com a imago Dei compreendemos de forma fraturada questões fundamentais quanto ao destino humano. Por isso, assim definimos nosso caminhar na construção dessa teologia do ser humano, construída com três momentos: o metodológico, o da leitura dos textos antigos, e o contextual-contemporâneo, quando a teologia do ser humano invade nossa vida, como desafio de ação e transformação.


Assim, desejamos que o leitor compreenda este processo de construção dos textos antigos, enquanto desafio ético, e possa caminhar nesta teologia do ser humano, que desafia à ação e transformação.








vendredi 28 janvier 2022

Aletheia e a perda de sentido

Aletheia, em grego antigo ἀλήθεια, verdade, no sentido de desvelamento, de a-lethe, é a negação do esquecimento. Para os pensadores pré-socráticos physis, logos e aletheia formavam a base primeira do pensar filosófico. 

Aletheia transcende o humano, por ser uma palavra que se coloca fora do tempo, antes do tempo, como fundamento do tempo. É a palavra da justiça, que envolve a memória, confiança, poder de persuasão e adesão última. 

Os pensadores pré-socráticos não trabalhavam uma oposição rígida entre verdade e falsidade, por isso outros pares de opostos como memória e esquecimento, certo e errado, confiança e engano rompiam esse padrão. 

Aletheia é um conceito aberto, e não uma correspondência de julgamento. É um conceito mítico, que expressa a força da physis enquanto natureza, cosmo. Traduz a verdade dos justos e dos sábios, mas é frágil, sujeita a erro e à fraude -- uma palavra para o léthé. 

Aletheia, assim, para os pensadores pré-socráticos significava fora do lethe, fora do esquecimento, e nos fala da experiência de colocar-se fora de uma situação que a princípio deveria ser esquecida ou deixada de lado. É uma experiência ontológica. Não é apenas uma recurso de linguagem. É um conceito governado pelo lethe. Baseia-se no fato de que é necessário desvelar, trazer à revelação aquilo que estava fora ou colocado no esquecimento. Este é o âmago da expressão entre os pensadores pré-socráticos e poetas como Homero e Hesíodo. 

Desde Platão, em sua Alegoria da caverna, aletheia aparece como o brilho da idéia. Mas, há um pressuposto presente no pensamento de Aristóteles, que vai influenciar todo o pensamento moderno, quando aletheia é entendida enquanto dimensão lógica: uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ou seja, aletheia aparece, então, ligada ao princípio da não-contradição. Aletheia passa a traduzir a idéia de que algo realmente não pode ser e não-ser. 

E no pensamento moderno, aletheia ressurge no pensar matemático, em Descartes, e no fenômeno, em Kant. E será entendida como o "intellectus adaequatio". Assim, aletheia passa a ser compreendida na modernidade como uma correspondência entre a idéia e a coisa. Ou seja, quando esta construção do conhecimento é estabelecida a aletheia é atingida. 

Mas será Martin Heidegger quem confrontará a posição aristotélica, ao entender que a lógica fica em suspensão em relação à aletheia do ser, quando se aplica o princípio da contradição em um círculo. 

Martin Heidegger voltou ao significado original da ideia de aletheia, partindo dos pré-socráticos, Parmênides, Heráclito, Anaximandro e também de Homero, o poeta. Para os primeiros pensadores pré-socráticos, três temas -- physis, logos e aletheia -- estão em contato, porque são conceitos fundamentais para se pensar a filosofia. E essa relação deve ser mantida. 

Heidegger põe em xeque o postulado aristotélico, e volta às origens gregas para desconstruir a dimensão lógica do conceito aletheia. Ou seja, retorna à compreensão ontológica de aletheia, que exige deixar de fora do conceito a idéia exclusiva de acordo e retidão de julgamento. E assim, em Heidegger, aletheia volta a ser um conceito aberto, como fora para os pensadores pré-socráticos, em especial para Parmênides. 

Para Platão, a aletheia é um evento, e não levar em conta que o evento ocorreu produz perda de sentido, porque esse esquecimento é perda metafísica de sentido, o que para Heidegger é catástrofe e colapso. 

Aletheia em Platão não é um acontecimento em processo, mas o resultado de um processo. O acontecimento é fato dado. Ou seja, estamos diante da mutação da essência e por extensão do ser. 

Para Heidegger, aletheia caminha pari passo com o bem. E isso está posto a partir de Platão, que na República, apresenta o bem supremo como regulador, é aletheia/bem. Ou seja, Platão vai além dos pré-socráticos Parmênides e Heráclito nas suas construções primeiras de aletheia. E Heidegger seguiu a trilha aberta por Platão. 

Martin Heidegger trabalha aletheia como inauguração do estar e não como um acordo de início. Assim o conceito aletheia remete, a partir de Heidegger, a duas compreensões fundamentais: (1) eficácia: o logos não está separado de sua realização, porque traduz as forças da natureza; (2) intemporalidade: o logos é pronunciado em um tempo que escapa a sucessão de passado, presente e futuro. 

Segundo Heidegger, não podemos afirmar que hoje a aletheia deixou de existir, mas que, como entendeu Emmanuel Levinas, deu-se em relação a ela uma perda de precisão, ou seja, de sentido.