vendredi 4 septembre 2015

Abraham & A ALIANZA

Teoloxía do Antigo Testamento
prácticas Supervisado
Prof. Dr Jorge Pinheiro 




Abraham & A ALIANZA

A tradición bíblica presenta os pais da humanidade e os patriarcas como monoteístas. Adán, Sete, Noé, Abraham e os seus descendentes coñecían o Deus Eterno e gardaban os seus preceptos. O politeísmo xorde como dexeneración e distanciamento dese Deus creador do universo.

Calquera análise da aparición da relixión de Israel debe partir do home Abraham [1] e do seu contexto histórico e social. O mundo de Abraham é un mundo obxectivo, non mitológico, ea alianza co Deus Eterno, conforme se atopa en Xénese 15, é a clave para entender todo o Pentateuco, os cinco libros da Lei.

A consolidación desta alianza acontecerá con Moisés, descrita en Éxodo 24 e reiterada en Deuteronomio 5, nunha das montañas do deserto do istmo, entre o Exipto e Madián-Seir. Esa é a idea-forza de toda relixión de Israel: un acordo que implica salvación.

Un acordo solemne

Berit, alianza, ten o sentido de obrigación, senón tamén de seguridade. É un acordo entre dúas persoas, celebrado solemnemente, co derramamento de sangue. A parte máis forte ofrece a seguridade, ou a salvación, ea máis feble se obrigaba a determinados compromisos. Dese xeito, a alianza impuxo unha relación especial entre o Deus Eterno eo pobo. E os mandamentos e leis, datos máis tarde, no deserto a Moisés, transportan dunha connotación legal e externa para unha perspectiva de acordo maior, de adoración e obediencia. O centro da alianza está no primeiro mandamento do decálogo (as dez palabras, en hebreo) que prohibe a adoración de outros deuses, da milicia do ceo e dos ídolos.


Uma aliança ética 


Mas a aliança é também um pacto moral. Só que o fundamental desse pacto, que perpassa toda a Torah ou Pentateuco não é sua mera formalização, já que outros povos também possuíam noções desenvolvidas de lei e moralidade. O assassinato, o roubo, o adultério e o falso testemunho eram condenados não apenas pela lei moral universal, mas também duramente punidos pelos códigos de Ur-Nammu, de Lipit-Ishtar e de Hamurabi[2], para citar os mais representativos. 


Agora, no entanto, pela primeira vez a moralidade é apresentada pelo próprio Deus Eterno como fruto de um relacionamento entre Ele e o povo, com normas para o estabelecimento de um reino de novo tipo. É uma aliança com toda a nação. A consolidação que acontece centenas de anos mais tarde, no monte Sinai é fruto da aliança abraâmica e vai além das sabedorias babilônica e egípcia. 


A moralidade apresentada no Gênesis, por exemplo, que é individual, ganha aqui uma roupagem nova, passa a ser coletiva e nacional[3]. Na verdade, a aliança que o Deus Eterno faz com Abraão em Gênesis 15, historicamente, tem seu cumprimento em outras condições e em outra época, no Sinai. 


Dessa maneira, a aliança feita com Abraão não somente prepara o roteiro do Pentateuco, mas faz parte intrínseca dele. É bereshit[4] não somente como saga da origem, mas como alicerce de todos os cinco livros da Lei. 


Um conceito unificador 


A teologia de Gênesis tem por base o conceito da aliança, como descrição de um processo vivo, que tem origem em determinado momento histórico, numa relação entre o Deus Eterno e um homem historicamente definido[5]. Ao entendermos o conceito de aliança como centro unificador do livro de Gênesis e, por extensão, do Pentateuco, a leitura do texto bíblico passa a ter uma dinâmica real, que cresce conforme a aliança se transforma em osso e carne, primeiramente na vida dos patriarcas e, posteriormente, na formação da própria nação de Israel. 


O livro de Gênesis apresenta a humanidade recém-formada como monoteísta[6]. Até o capítulo 11 não vemos nenhum traço de idolatria. Só após Babel surge a idolatria, que seria contemporânea ao aparecimento das nações da antigüidade. 


A partir de Gênesis 12 temos nações idólatras e politeístas e pessoas que adoravam ao Deus Eterno. Entre estes estão Abraão e Melquisedeque. A compreensão desse fato é importante para tirarmos das costas de Abraão a responsabilidade de ter criado a primeira religião monoteísta. Ele não criou a religião do único e verdadeiro Deus, mas viveu uma tradição, no sentido de transmissão de conhecimento e cultura, que vinha em parte de seus antepassados. 


Uma região próspera 


Vejamos um pouco mais sobre a vida desse homem, conforme descrita em Gênesis 12:1 a 25:18. Ele vivia na terra formada entre os rios Tigre e Eufrates, às margens de um afluente do Eufrates, chamado Balique. 


A cidade de Ur, onde vivera antes de ir para Harã, é situada pelos arqueólogos na região da moderna Tell el-Muqayyar, a catorze quilômetros de Nasiryeh, no sul do Iraque. Segundo estudos de Sir Leonard Woolley, do Museu Britânico, que reconstruiu a história de Ur desde o quarto milênio até o ano 300 a.C., o deus-lua Nanar, que era adorado em Ur, também era a principal divindade em Harã. 


Décadas antes de Abraão, Ur era a mais importante cidade do mundo. Centro de produção manufatureira, agropastoril e exportador, estava situada numa região de enorme fertilidade. Daí partiam caravanas e navios em direção ao golfo Pérsico. Já na época de Abraão a cidade foi eclipsada pelo crescimento de Babilônia[7], mas manteve sua importância durante décadas. 


Anos mais tarde, as águas do golfo Pérsico recuaram e o rio Eufrates mudou seu curso, correndo 16 quilômetros para leste. Ur então foi abandonada, sendo sepultada pelas tempestades de areia do deserto. 


As pesquisas arqueológicas desenvolvidas pela Universidade da Pensilvânia e o Museu Britânico, numa expedição dirigida por Sir Woolley, entre 1922-1934, descobriram o Zigurate ou torre-templo, cujo modelo fora a torre de Babel. Era o edifício mais importante da época de Abraão. A torre era quadrangular, construída com sólidos tijolos, possuía terraços arborizados e no topo ficava um santuário ao deus Lua. 


A cidade tinha ainda dois templos. Um ao deus Lua, Nanar, e outro à deusa Lua, Ningal. Esses dois templos eram um complexo de santuários, com pequenas salas, alojamentos de sacerdotes, sacerdotisas e atendentes. Eram essas divindades que o pai de Abraão cultuava. 


Num bairro residencial de Ur foram descobertas casas, lojas, escolas e capelas, com milhares de placas, documentos de negócios, contratos, recibos, hinos, liturgias, etc. As casas eram de alvenaria, com dois pavimentos, no alinhamento das ruas, e com pátio interno. 


Uma época conturbada 


Depois de sair de Ur, Abraão viveu com sua família em Harã, uma cidade também muito desenvolvida. Seus parentes, Terá, Naor, Pelegue e Serugue, tiveram seus nomes registrados nos documentos diplomáticos de Mari, cidade situada na região do rio Eufrates, e também em documentação dos assírios, como nomes de cidades naquelas regiões[8]. 


Segundo ampla documentação da época, a última parte do período patriarcal se caracterizou pelo tráfego de tribos seminômades por toda a região da Mesopotâmia e Babilônia[9]. Essas tribos tinham sua economia baseada na pecuária, ovinocultura e criação de camelos. 


A necessidade básica desses grupos era água e pastagens. Assim, a escassez desses elementos determinavam o movimento de toda a comunidade. Sendo uma economia ajustada, com mútua dependência de seus membros, forte sentido coletivo de propriedade, e consciência de uma descendência comum, o grande fator de desequilíbrio, fora questões climáticas, era o aumento natural da população tribal. Esse fator levava ao fracionamento do grupo, quando este crescia em demasia, à aglutinação de parcela de uma tribo a outro grupo tribal, ou a uma postura guerreira na tentativa de apossar-se de territórios controlados por comunidades agrícolas e sedentárias. 


Normalmente, quando a terceira opção acontecia, essas tribos nômades, com o tempo, acabavam sendo assimiladas pela cultura sedentária. Nesses casos, os líderes nômades e seus descendentes, geralmente, passavam a ocupar a liderança da comunidade conquistada. 


Uma vida dura 


Abraão, seu pai e seus irmãos, assim como seu filho Isaque e seu neto Jacó foram seminômades, já que todos conheceram também a vida sedentária. Mas, Abraão, sem dúvida, foi um homem que viveu sob tendas, acompanhando seu rebanho às nascentes de água e pastagens. Enfrentou as guerras, que caracterizaram o período e o modo de vida tribal. Essa vida dura e cheia de dificuldades fazia desses homens pessoas bastante especiais para sua época[10]. 


Ao sair de Harã, Abraão deixava para trás a cultura politeísta babilônica. Mas isso não significa que todos os seus parentes compartilhavam suas idéias sobre a adoração de um único e verdadeiro Deus. Em Josué 24:2 vemos que membros de sua família eram politeístas. Em Canaã, também estava rodeado de idólatras, mas mesmo assim erigiu um altar ao Deus Eterno. 


Um servo de Deus 


Este homem Abraão era, sem dúvida, alguém peculiar. Sua fé em Deus produziu em sua vida um fruto muito especial. Era um homem que procurava a paz (13:8-9), generoso (14:21-24), hospitaleiro (18:1-8), intercessor (18:23-33), que buscava a justiça e o direito (18:19). Era um homem moral e temente a Deus. 


Dessa maneira, os livros de Gênesis e Êxodo apresentam a fé israelita fundamentada em dois acontecimentos históricos. O primeiro, é a escolha de um homem chamado Abrão[11], que foi tirado da cidade de Ur e levado para Canaã, uma terra prometida a ele e sua descendência (Gn 12:1-3; 13:14-17). Essa promessa foi selada com um pacto, uma aliança entre o Deus Eterno e Abraão, conforme Gênesis 15:5-10. E o segundo acontecimento histórico é a libertação dos descendentes de Abraão da escravidão do Egito, através de Moisés, e sua entrada na terra prometida (Ex 3:6-10). 


Esses dois acontecimentos expressam a materialidade da aliança, que se traduz como escolha de Deus a favor de um homem, gerador de um povo, para uma missão definida. Realidade esta que foi reafirmada, centenas de anos depois, pelo príncipe dos profetas israelitas, quando disse: 


“Ouvi-me, vós, que estais à procura da justiça, vós que buscais ao Deus Eterno. Olhai para a rocha da qual fostes talhados, para a cova de que fostes extraídos. Olhai para Abraão, vosso pai, e para Sara, aquela que vos deu à luz. Ele estava só quando o chamei, mas eu o abençoei e o multipliquei”. Isaías 51:1-2. 


Selado com sangue 


A aliança com Abraão foi selada com sangue, conforme os versículos 9 e 10 de Gênesis 15. Segundo os costumes semitas, o berit (pacto ou aliança) era feito através da degola de animais, geralmente um bezerro, que era dividido em duas partes, colocadas uma em frente à outra, e os contratantes passavam entre os pedaços (Jr 34:18-20) e diziam: “que a divindade corte em pedaços, como a estes animais, os violadores deste pacto” [12]. Daí as expressões, “karot berit”, imolar uma vítima para concluir um pacto; “bo ba berit”, entrar na aliança (Jr 34:10); “abor ba berit”, passar pela aliança (Dt 39:2); “amod ba berit”, parar na aliança (2 Rs 23:3). 


O Deus Eterno formalizou um pacto com Abraão. O próprio Deus selou o acordo com um costume humano, a fim de que a aliança pudesse ser visualizada por Abraão. E o Deus Eterno, em seu amor pelo contratante mais fraco, passa no meio dos animais partidos (Gn 15:17). E o versículo seguinte agrega: 


“Naquele dia, o Eterno estabeleceu uma aliança com Abrão nestes termos: à tua posteridade darei esta terra(...)”. 


A aliança fornece uma base para a compreensão do livro de Gênesis. O diálogo de Deus com Adão e Eva em Gênesis 3:15 já apontava para um Salvador. Mas é em Gênesis 15 que temos a primeira realização dessa promessa. É através da aliança com Abraão, que surgirá a descendência prometida, um povo com duas missões: ser testemunha entre as nações e ser a nação separada, da qual nasceria o Messias. 


“É de suma importância entender que a aliança iniciou uma nova relação entre Deus e Israel, uma relação imposta por Iaveh, mas exclusiva e íntima em seu ideal”[13]. Embora, na tradição judaica, o livro de Êxodo seja o livro da aliança, o conceito está presente e é desenvolvido no livro de Gênesis, com o pacto realizado com Abraão. 


Herdeiros da promessa 


Na aliança está embutida a idéia de salvação e de relacionamento pessoal com Deus. Esta realidade nova dentro do plano de redenção do homem, está implícita na declaração de Deus a Abraão: “Estabelecerei uma aliança entre eu e você, e a sua raça depois de você, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o seu Deus e o da tua raça depois de você” (Gn 17:7). E como todo pacto, além do “berit milah” (pacto da circuncisão), Abraão e seus descendentes são chamados à responsabilidade moral (v.1) e à uma adoração permanente (vs.7 e 19). 


Elementos estes, que a partir de Moisés serão desenvolvidos, dando origem à religião de Israel, que tem por base, num primeiro momento histórico à primazia do culto e suas ordenanças e, num segundo momento, com o surgimento da profecia literária, da justiça social. 


É impossível fazer uma completa separação entre aliança e reino. Este último aparece como construção que tem seu primeiro tijolo na nova relação estabelecida por Deus com os homens. 


Uma revelação progressiva 


A circuncisão na época de Abraão era costume de alguns povos, que a tinham como fator de diferenciação tribal[14]. Sabemos também que os pactos eram selados com sangue e o seu rompimento significava a morte do transgressor e que esses costumes faziam parte de culturas que Abraão e seu clã conheceram. E não foi por ela que Abraão foi bem-aventurado (Rm 4:9-12). Da mesma forma, valores morais como adoração (“edificar um altar” Gn 12:8), obediência (“foi habitar nos carvalhais de Manre”, Gn 13:17-18), entrega de bens e posses (“e de tudo lhe deu o dízimo”, Gn 14:20), fidelidade (“ele creu no Senhor”, Gn 15:6), e consciência da onipotência divina (“não fará justiça o juiz de toda a terra?”, Gn 18:25) eram uma realidade na vida dos patriarcas que antecederam a Abraão. 


Mas há um bereshit, um fiat, um momento especial que faz a diferença na vida deste homem de Deus: é a revelação. A partir da promessa de Gênesis 3:15 temos uma revelação. A aliança surge como revelação, como ruptura que dá vida a antigos costumes e valores, colocando em movimento um processo histórico que vai-se construir enquanto estrutura (povo escolhido, terra prometida) e dar novo salto com a formalização maior realizada no Sinai. Assim, a base da aliança serão revelação e fé (Rm 4:13-15). 


No Antigo Testamento, a aliança entre Deus e Israel fundamentou toda a relação de Deus com seu povo. O significado da aliança é que Israel pertenceu a Deus e Deus pertenceu a Israel. A relação, às vezes, é descrita como a de pai e filho, ou como de marido e esposa. É por isso que o Antigo Testamento diz que Deus é ciumento (Êx 20:5; 34:14; Dt 4:24; Is 54:5; 62:5; Os 2:19)[15]. 


Filhos de Abraão 


Dessa maneira, através de Abraão, a aliança é em primeiro lugar pessoal, abrangendo cada vez um espectro maior: tribal, nacional, universal. Mas, quer no primeiro caso, pessoal, quer historicamente, como redenção, ela é sempre estrutural. 


Mas, se aliança é eleição, escolha, implica em preferência por alguém, escolher por prazer ou por amor. Essa conceituação entre aliança e amor é muito claramente enunciada em 1Rs 11:13, quando Deus afirma que escolheu Jerusalém por amor. Assim, aliança e amor não podem ser separados, embora não sejam a mesma coisa. A aliança é o selo, o pacto. O amor, o motivo que leva à aliança. No livro de Gênesis vemos o amor de Deus na criação, na conversa com Adão e Eva e na promessa de um Salvador. Mas é na aliança que o amor pelo homem caído torna-se material e compreensível. A saga dos patriarcas descendentes de Abraão, que se torna um pai de muitos povos, mostra o caminho da concretização dessa aliança. Eis o tema central de Gênesis e de todo o Pentateuco: Deus ama e casa-se com um povo, criado por ele, e comissionado por ele[16]. O resto da história, nós conhecemos. E por amor estamos dentro da aliança abraâmica (Rm 4:11-25). 


Quadro Cronológico (2050-1500 a.C.) 




EGITO < > PALESTINA < MESOPOTÂMIA 


2050 Império médio -- Época do bronze (M) -- Renascimento sumério, dinastia de Ur. Amorreus. 
2000 Egito reunificado -- Amorreus 
1950 XII dinastia 
Egito controla a costa 
1900 
Siro-palestina -- Assíria -- Mari -- Isin -- Larsa 
1850 
Chegada de Abraão 
1800 
Babilônia 
1750 Invasão dos hicsos -- Hammurab 
1700 Hebreus 
A.R. Hitita 
1650 XV dinastia 
1600 
1550 Novo Império 
1500 XVIII dinastia e Época do bronze (R) 
expulsão dos hicsos 


Pequena Cronologia de Abraão (Gn 11:26-32; 12:4; At 7:2-4) 
Nascimento 
Quando seu pai tinha 130 anos. 
Canaã 
Entrou na Palestina aos 75 anos. 
Ló 
Libertou seu sobrinho quando tinha 80 anos. 
Ismael 
Tinha 86 anos quando seu primeiro filho nasceu. 
Sodoma e Gomorra 
As cidades foram destruídas quando tinha 99 anos. 
Isaque 
Nasceu quando tinha 100 anos. 
Sara 
Tinha 137 anos quando sua mulher morreu. 
Esaú e Jacó 
Quando seus netos nasceram tinha 160 anos. 
Morte 
Aos 175 anos de idade. 


Roteiro de Estudo -- Visão Panorâmica 

1o bloco 
1. Introdução Geral: a herança de Abraão para os cristãos de hoje. 
2. Chamado: Gn 12.1-9; At 7.2-4; Hb 11.8. No Egito: Gn 12.10-20; Rt 1.1; Mt 12.14,15. 
3. A separação de Ló: Gn 13.1-18; Ef 3.18 e 4:1. 


2o bloco 
1. A derrota de Sodoma e a captura de Ló: Gn 14.1-12. 
2. Abraão resgata Ló: Gn 14.13-16. 
3. Abraão, Melquisedeque e o rei de Sodoma: Gn 14.17-24; Hb 7.2; Sl 110.4. 


3o bloco 


1. Fé e aliança: Gn15.1-21; Rm 4; Gl 3. 
a. A fé que movia Abraão. 
b. A promessa vira aliança. 


4o. bloco 


1. Hagar e Ismael: Gn 16.1-16; Gl 4.22 e 29; Pv 24.3; Ex 3.2, 4; Jz 6.12-14. 
2. Sara, um novo nome: Gn 17.15-22; Rm 9.24. 
3. Abraão intercede por Sodoma: Gn 18.16-33; Is 41.8; 1Tm 3.4-5; Ex 32.32; Is 53.12. 


Conclusão: A herança de Abraão para os cristãos de hoje. 




Citações 
[1]Podemos localizar as origens do surgimento de Israel na primeira metade do segundo milênio a.C. (2.000-1550, aproximadamente). Foi nesse período que Abraão migrou de Ur com destino à Palestina. 
[2] Lleón Epsztein, Aa Jjustiça Ssocial no Aantigo Ooriente Mmédio e o Ppovo da Bbíblia, Ssão Ppaulo, Eed. Paulinas, 1990, "Aas Lleis Mmesopotâmicas", pp. 11 a 26. 
[3]"Yahweh não elegeu Iisrael para fundar um novo culto mágico em benefício dele; elegeu-o para ser seu povo, para realizar nele o seu arbítrio. Portanto, por sua natureza, também a aliança religiosa foi uma aliança moral-legal, envolvendo não apenas o culto, mas também a estrutura e os regulamentos da sociedade. Assim, colocou-se o alicerce da religião da Ttorá, incluindo tanto o culto como a moralidade e concebendo a ambos como expressões da vontade divina". Yyehezkel Kaufmann, "Aa Rreligião de Iisrael", Ssão Ppaulo, Eeditora Pperspectiva, 1989, p. 232. 
[4] Bereshit é uma expressão hebraica que normalmente traduzimos por “no princípio”. É formada pela preposição B mais var, que significa cabeça, início, principal, o mais elevado. Na Bíblia hebraica o nome do livro de Gênesis é Bereshit, porque o primeiro versículo das Escrituras começa assim: “No princípio ...”. 
[5] “A centralidade da aliança para a religião do AaTt já possuía defensores muito antes de Eeichrodt”.: Aauugust Kkayser, Ddie Ttheologie ddes AaTt in ihrer Ggeschichtlichen Eentwicklung Ddargestellt (Sstrassburg, 1886), p. 74. : “Aa concepção dominante dos profetas, a âncora e o alicerce da religião do AaTt em geral, é a noção de teocracia ou, utilizando a expressão do próprio AaTt, a noção de aliança”. G. F. Oehler, Ttheologie des AaTt (Ttubingen, 1873), Ii, p. 69.: “O fundamento da religião do AaTt é a aliança por meio da qual Ddeus recebeu a tribo escolhida, a fim de realizar seu plano de salvação”, in Ggerhard F. Hhasel, oOp. cit., p. 57. 
[6] Yyehezkel Kaufmann, op. cit., p. 220. 
[7] A Babilônia destaca-se no cenário mundial a partir do governo de Hammurabi (1728-1686 a.C.). Ele venceu militarmente a Assíria, subjugou antigos aliados e também o reino de Mari, importante centro comercial da época. Durante seu governo, a Babilônia teve um impressionante florescimento cultural. 
[8] Ssamuel J. Schultz, A“a Hhistória de Iisrael no Aantigo Ttestamento”, Ssão Ppaulo, Eed. Vida Nnova, 1992, p. 31. 
[9] Na verdade, foi uma época de grande confusão. Os hicsos, possivelmente povos semitas do sul da Síria, invadiram o Egito. Os hurrianos desceram das montanhas da Armênia em direção à Mesopotâmia e toda a área que vai da Mesopotâmia até o delta do Nilo viveu um século de incertezas, guerras e grandes processos migratórios. 
[10] León Epsztein, op. cit., pp. 107, 108. “No deserto não existem muros para se protegerem, e daí a importância capital da liderança, a necessidade urgente de uma disciplina. Todavia, a mobilidade da vida nômade impede a fixação definitiva do poder em determinado grupo. Não há privilégio hierárquico. Quando surgem dificuldades, quando a guerra ameaça a segurança do grupo nômade, qualquer indivíduo de sagacidade maior ou de grande coragem impõe-se como chefe, mas não passa de primus inter pares: uma vez afastado o perigo, volta a seu lugar habitual. Diante de tais condições, o poder político dificilmente pode adquirir suficiente influência ou prestígio para prevalecer sobre a ética, sobre os valores morais, mormente com a crença dos hebreus, segundo a qual os homens, criados por Deus à sua imagem, beneficiam-se dos mesmo direitos e devem assumir as mesmas responsabilidades”. 
[11] Em Gênesis 17:5 Deus muda o nome de Abrão para Abraão. Essa mudança de nome traduz o seu chamado. Abrão significa “tão grande quanto seu pai”. Mas Deus o chama “ab hamôn”, pai de multidão. 
[12] Mmeir Mmatzliah Mmelamed, A“a Llei de Mmoisés e as Hhaftarót”, fFlórida, 1962, p. 33. 
[13] Bbyron Hharbin, T“teologia do Aantigo Ttestamento”, apostila, SsPp, Ffaculdade Tteológica Bbatista de Ssão Ppaulo, 19956, p. 4. 
[14] F. Ddavidson, O“o Nnovo Ccomentário da Bbíblia, Ssão Ppaulo, Eed. Vida Nnova, 1994, p. 160. 
[15] Eedgard Yyoung Mullins, T“the Cchristian Rreligion in the Ddoctrinal Eexpression, Pphiladelphia, Jjudson, 1954, pp. 237, 431, in Hharbin, op. cit., p. 5. 
[16] É o “escândalo da história” ou “escândalo da particularidade” , segundo C. H. Dodd, The Apostolic Preaching and Its Development, Londres, Hodden and Stoughton, 1963, p. 88, in Gabriel Moran, Teologia da Revelação, São Paulo, Editora Herder, 1969, p. 54. 


Fonte 
Jorge Pinheiro, História e Religião de Israel, Origens e crise do pensamento judaico, Ed. Vida, São Paulo, 2007, pp. 42-55. 







jeudi 3 septembre 2015

Bom dia!

Caetano Veloso, Maria Gadú - Beleza Pura

Na contramão com Aristófanes


Um, dois, três... 
Na contramão com Aristófanes 
e um poema de Caetano e Peninha no meio

Por Jorge Pinheiro

Os corpos entendem as solidões, as loucuras dos desejos, os abismos do prazer. Se após a união dos corpos, a solidão é parceira, o corpo é este pedaço de mim nunca completado.


O texto hebraico das Origens conta que o Eterno disse não é bom que o cara viva sozinho, vou construir para ele alguém que o ajude a ir em frente. Isso a gente sabe, todos num estado de tranquilidade, e ciente dos desejos do coração, deseja amar e ser amado.

Ou seja, num momento de sinceridade, amamos ter alguém em quem confiar, e se possível a ponto de podermos revelar nosso lado íntimo. É, acho que gostaríamos muito poder confiar àqueles que gozam de nossa intimidade alguns dos sentimentos que guardamos lá dentro. Talvez, por isso, nos sentimos atraídos por grupos de relacionamentos como facebook, twitter e outros. É isso mesmo, no raso e no fundo, queremos amar e ser amados.

Às vezes no silêncio da noite/ Eu fico imaginando nós dois/ Eu fico ali sonhando acordado/ Juntando o antes, o agora e o depois (“Sozinho”, de Caetano Veloso e Peninha).

Por isso, a pergunta procede: o que nos impede de abrir o coração e amar? Tememos riscos? Que riscos?

Vamos pensar sobre isso com o poeta Aristófanes, lá no Banquete de Platão. Ele disse que antigamente a natureza não era como é hoje. Nossos ancestrais eram duplos, mas tinham uma unidade perfeita. Cada homem constituía um todo, de forma esférica, com costas e flancos arredondados. Tinham quatro mãos, o mesmo número de pernas, dois rostos idênticos num pescoço redondo, mas uma cabeça única para o conjunto desses dois rostos opostos um ao outro. Tinham quatro orelhas e dois órgãos sexuais.

Por que você me deixa tão solto?/ Por que você não cola em mim?/ Tô me sentindo muito sozinho

Essa dualidade genital explica por que não havia dois e sim três gêneros na espécie humana: os machos, que tinham dois sexos de homem, as fêmeas, que tinham dois sexos de mulher e os andróginos, que tinham ambos os sexos.

O macho, conta o poeta, era filho do Sol, a fêmea filha da Terra, a espécie mista da Lua, que participa do Sol e da Terra. Todos tinham uma força impressionante, e, por isso, tentaram escalar o céu e combater os deuses. Para puni-los, Zeus decidiu cortá-los em dois, de cima a baixo, como se corta uma laranja. Então se acabou a completitude, a unidade, a felicidade! A partir de então cada um é obrigado a buscar o outro pedaço.

Não sou nem quero ser o seu dono/ É que um carinho às vezes cai bem/ Eu tenho meus desejos e planos secretos/ Só abro pra você mais ninguém

Agora, estamos separados de nós mesmos. Esse desejo de busca é o que Aristófanes chamava amor, e, quando satisfeito, é a condição da felicidade. Somente o amor reconstrói a natureza, ao fundir dois seres num só. Por isso, para o poeta uma pessoa seria homoafetiva, heteroafetiva ou andrógina, conforme a unidade perdida.

Assim, a partir do mito, Aristófanes considera que quando uma pessoa -- tenha ela inclinação por homens ou mulheres – encontra a sua metade, transforma-se num prodígio de amor e ternura.

Por que você me esquece e some?/ E se eu me interessar por alguém?/ E se ela, de repente, me ganha?

Essa é a definição do amor fusional de Aristófanes, que faria voltar à unidade da natureza primeira, que libertaria da solidão, e que seria, tanto nesta vida como na outra, a maior felicidade a ser alcançada.

Mas, por necessitar duas pessoas tal fusão, hoje, é sempre um momento e, por isso, longe de abolir a solidão, a confirma. Se as almas pudessem se fundir seria outra coisa, mas são os corpos que se fundem, por um momento.

Daí o fracasso. Todos querem ser um só, mas eis todos mais do que nunca sendo dois, sempre. Por isso, os romanos diziam que post coitum omne animal triste. Mas se o amor não nasce dessa fusão de corpos, nasce o prazer. Ou, podemos dizer, os corpos entendem mais de eros do que os especialistas. Os corpos entendem as solidões, as loucuras dos desejos, os abismos do prazer. Se após a união dos corpos, a solidão é parceira, o corpo é este pedaço de mim nunca completado.

Detalhe: Platão detestava Aristófanes. E o relato hebreu, que mergulha nas profundezas na existência, não deixa por menos, somos dois mesmos, sempre. E é do diferente, do divergente, que deve nascer a unidade. Ou como disse o homem de Nazaré, e ambos serão uma carne só. E se isso é bênção ou maldição, acho que depende de cada dois.

Ou você me engana/ Ou não está madura/ Onde está você agora?
(“Sozinho”, de Caetano Veloso e Peninha).



mercredi 2 septembre 2015

Paseabase el rey moro (Mudejar/Begoña Olavide)

Le défi de la complexité - Edgar Morin, à l'USI

Edgar Morin e a ecologia da ação

O PENSAMENTO COMPLEXO 
DE Edgar Morin E SUA ECOLOGIA DA AÇÃO
por Angélica Sátiro*

A Revista Linha Direta vem realizando um interessante trabalho de intercâmbio e divulgação de idéias de pensadores contemporâneos através de sua seção HIPERTEXTO.

Preservando um espaço que vai além de uma simples entrevista, convida intelectuais inquietos e produtivos, agentes de mudança e de transformação para “dialogar” com nosso leitor. Nesse número, fomos brindados com um presente: o sorriso amável do francês Edgar Morin.


Edgar Morin (Paris, 1921) é considerado um dos maiores pensadores do século XX. É doutor honoris causa em 17 universidades de diversos países, tais como Itália, Portugal, Espanha, Dinamarca, Grécia, México, Bolívia e Brasil (em João Pessoa e Porto Alegre). Para estudar os problemas do humano e do mundo contemporâneo, passa por distintas áreas do conhecimento: ciências biológicas, ciências físicas e humanas entre outras. Tem formação pluridisciplinar, é sociólogo, antropólogo, historiador, geógrafo e filósofo, mas acima de tudo é um intelectual livre que nos propõe uma visão transdisciplinar do pensamento. Tem mais de 40 livros de Epistemologia, sociologia, política e antropologia, publicados e traduzidos em diversas línguas. Merece ser destacada sua obra de 4 volumes, intitulada El Mètode que trata da transformação das ciências e do seu impacto na sociedade contemporânea. É diretor do Centro de Estudos Transdisciplinares em Paris, (EHESS), presidente da Agência Européia de Cultura da UNESCO e presidente da Associação de Pensamento Complexo. É um apaixonado pelas artes em geral, principalmente pela literatura e pelo cinema. E gosta de ressaltar que durante a II Guerra Mundial, foi combatente voluntário da resistência francesa nos anos de I942 a 1944, lutando contra o nazismo e o stalinismo.

Nosso encontro ocorreu no cenário gótico da Universidade de Girona, na Espanha. Edgar Morin estava lá como convidado do professor José Maria Terricabras, da cátedra Ferrater Mora, a quem devemos nosso mais caloroso agradecimento por facilitar essa entrevista.

Linha Direta ‑ Qual é a educação necessária para o século XXI?

Edgar Morin ‑ Há que se fazer uma total reorganização da educação. E essa reorganização não se refere ao ato de ensinar. Refere‑se à luta contra os defeitos do sistema que estão cada vez maiores. Por exemplo, o ensino de disciplinas separadas e sem comunicação entre si produz uma fragmentação e uma dispersão que nos impede de ver globalmente coisas que são cada vez mais importantes no mundo. Existem problemas centrais e fundamentais que permanecem completamente ignorados ou esquecidos e que são importantes para qualquer sociedade e qualquer cultura.

Linha Direta ‑ O senhor se refere ao seu estudo sobre os sete saberes necessários para a educação do futuro?

Edgar Morin ‑ Sim, refiro‑me aos sete saberes necessários que implicam em ensinar a:
·      Reconhecer as cegueiras do conhecimento, seus erros e ilusões.
·      Assumir os princípios de um conhecimento pertinente
·      Condição humana
·      Identidade planetária
·      Enfrentar as incertezas
·      compreender
·      ética do gênero humano

Linha Direta ‑ Poderia fazer um comentário mais detalhado para cada um deles?

Edgar Morin ‑ Entende‑se reconhecer as cegueiras do conhecimento, seus erros e ilusões, é assumir  o ato de conhecer como um  traduzir e não como uma foto correta da realidade. Trata‑se de armar nossas ates para o combate vital pela lucidez e isso o significa estar sempre buscando modos de conhecer o próprio ato de conhecer:

Por assumir os princípios de conhecimento pertinente, entende‑se a necessidade de ensinar os métodos que permitam apreender as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo se mundo complexo. Trata‑se de envolver uma atitude mental capaz abordar problemas globais que contextualizem suas informações parciais e locais.

Ensinar a condição humana deveria ser o objeto essencial de qualquer sistema de ensino e isso passa considerar conhecimentos que estão dispersos em várias disciplinas como as ciências naturais, as ciências humanas, a literatura e a filosofia. As  gerações precisam conhecer a unidade e a diversidade do humano.

Ensinar a identidade planetária tem a ver com mostrar a complexidade da crise planetária que caracteriza o século XX. Trata‑se de ensinar a história da era planetária, mostrando como todas as partes do mundo necessitam ser intersolidárias, a vez que enfrentam os mesmos problemas de vida e de morte.

É preciso aprender a tentar as incertezas reveladas ao longo do século XX através da microfísica, da termodinâmica, da cosmologia, das ciências biológicas evolutivas, das neurociências e das ciências históricas. É preciso aprender a navegar no oceano das incertezas através dos arquipélagos das certezas.

Compreender é ao mesmo tempo meio e fim da comunicação humana, portanto não pode ser algo desconsiderado pela educação. E, para tanto, precisamos passar por uma reforma das mentalidades.

Por ética do gênero humano, entendo uma abordagem que considere tanto o indivíduo, quanto a sociedade e a espécie. E isso não se ensina dando lições de moral. Isso passa pela consciência que o humano vai adquirindo de si mesmo como indivíduo, como parte da sociedade e como parte da espécie humana. Isso implica conceber a humanidade como uma comunidade planetária composta de indivíduos que vivem em democracias.

Linha Direta ‑ Sua proposta é muito interessante, mas parece ir contra um movimento que tem ocorrido tanto na Espanha, quanto no Brasil. Trata‑se da proposta de realizar avaliações que buscam medir a quantidade de conhecimento dado por essas disciplinas fragmentadas. Com base em dados vindos dessa forma de avaliar, separam‑se os alunos pelo nível de informação que foram capazes de reter e se afirma uma média educacional nacional. Como o senhor vê esse tipo de iniciativa?

Edgar Morin ‑ Não sou a favor de nenhum tipo de segregação, uma vez que ao longo da vida passamos por tudo: atrasos, progressos, encontros, desencontros, crises. Esse tipo de avaliação é uma forma de segregação que não ajuda a organizar o conhecimento e suas relações entre as distintas informações. Os dados e fatos que cabem em avaliações desse tipo não são conhecimentos, representam um vazio que não reflete nenhum dos sete saberes enunciados anteriormente.

Linha Direta ‑ Um outro contra‑exemplo para a idéia que o senhor apresenta seria o ocorrido em I I de setembro de 2001, não é verdade?

Edgar Morin ‑ É evidente que sua pergunta é muito importante e pede um tipo de resposta que vai além do tempo que podemos dedicar a essa entrevista. Mas vou tentar resumir o que penso sobre isso. Temos ouvido falar de choque de civilizações em discursos pessimistas que revelam um maniqueísmo simétrico com direção trágica. De um lado, o fenômeno da modernização que é baseado na homogeneização geral, é um processo que suscita diversos tipos de reação nas civilizações mais antigas: Elas se aferram a seu passado, às suas raízes e à sua religião, porque têm medo de perder sua identidade. De outro lado, fracassou no mundo ocidental, a fé no progresso tecnológico e econômico como algo que nos conduzia à um mundo melhor. Já se sabe que esse progresso pode gerar inclusive o fim do mundo com uma guerra atômica.

Mas, não podemos entender as conseqüências possíveis desse momento como determinação histórica. E, portanto, não devemos aceitar a idéia da inevitabilidade da guerra.

Linha Direta ‑ Mas parece que temos outros indícios que também vão a direção contrária ao que o senhor propõe. Estamos vendo que tanto na Europa quanto em outros países do mundo, a extrema direita tem avançado de modo muito evidente. Como o senhor vê esse retorno à ideologia de extrema direita?

Edgar Morin ‑ Concordo que haja uma ressurreição de coisas do passado que deveriam ter sido esquecidas ao longo do tempo. Mas, a questão é saber se isso é algo que permanecerá minoritário e localizado ou se pode vir a assumir grandes proporções em todo mundo. Compreende‑se que isso ocorre em função do clima de incerteza atual e da angústia gerada por essa política do dia –a ‑dia que não dá esperanças de melhora para seus cidadãos. A globalização e a imigração que vem principalmente da África e dos países da América do Sul têm causado na Europa um aumento da necessidade de identidade nacional. Essa identidade de pátria faz com que as relações de cooperação internacional fiquem frágeis, além é claro de dar lugar a inúmeros tipos de ações racistas. A imigração da forma como está ocorrendo tem trazido questões complexas como a marginalização, a delinqüência juvenil e o conseqüente aumento de violência urbana. Da forma como aparecem, esses são fatores que favorecem a extrema direita.

Mas volto a insistir que não são determinismos, o futuro está limpo e não se deve pensar que o perigo é inevitável. Precisamos estar em estado de vigilância para que isso não cresça, mas não em estado de alarme como se esse fosse um mal inevitável. Para contrapor a tudo isso está a educação. E é por isso que venho desenvolvendo os últimos volumes da obra . O Método. O quinto volume está dedicado à educação e no sexto volume, desenvolvo minha proposta ética de resistência à crueldade do mundo.

Linha Direta ‑ O senhor poderia nos explicar as linhas gerais dessa sua proposta ética?

Edgar Morin ‑ Falo de autoética, de sócio­ética, de antropo‑ética e de ética planetária. Isso porque vejo o indivíduo, a sociedade e a espécie como categorias interdependentes. Diante de toda a complexidade contemporânea não há como descartar alguma dessas perspectivas. O problema atual da ética não é o dever, a prescrição, a norma. Não precisamos de imperativos categóricos. Precisamos saber se o resultado de nossas ações corresponde ao que queríamos para nós mesmos, para a sociedade e para o planeta. Já sabemos que não basta ter boa vontade, uma vez que em nome dela foram cometidas inúmeras ações desastrosas. A minha ética é uma ética do bem pensar e está implícito nisso toda a minha idéia de pensamento complexo.

Linha Direta ‑ O senhor poderia apresentar uma síntese de sua teoria do pensamento complexo?

Edgar Morin ‑ Muitos me vêem como sintetizador, unificador, afirmativo e suficiente que trata de apresentar uma teoria sistemática e global. Mas, devo admitir que isso é um engano, eu não tenho uma teoria que sai do bolso afirmando: “aqui estou, podem jogar fora seus paradigmas anteriores!” Claro que essa proposta de pensamento complexo é fruto de um esforço em articular saberes dispersos, diversos e adversos. Mas a própria idéia de complexidade conduz a uma impossibilidade de unificar, uma vez que parte da incerteza admite o reconhecimento cara a cara com o indizível. A complexidade não é uma receita que eu dou, é apenas um convite para a civilização das idéias.

O pensamento complexo é a união entre a simplicidade e a complexidade. Isso implica processos como selecionar, hierarquizar, separar, reduzir e globalizar. Trata‑se de articular o que está dissociado e distinguido e de distinguir o que está indissociado. Mas não é uma união superficial, uma vez que essa relação é ao mesmo tempo antagônica ‑e complementária.

Linha Direta ‑ O senhor gostaria de enviar alguma mensagem especial para os leitores da Revista Linha Direta?
Edgar Morin ‑ Sinto‑me muito bem no Brasil e agradecido pelo reconhecimento que me dedicam, no mês de agosto de 2002, quando estive em São Paulo. Sempre estou em contato, porque me sinto em harmonia com os pensadores e educadores brasileiros, vejo que tratamos questões similares com enfoques similares e isso me alegra muito. Que sigamos com nossa ecologia da ação!

Linha Direta ‑ A revista agradece ao professor Josep Maria Terricabras e à cátedra Ferrater Mora da Universidade de Girona pelo apoio à realização dessa entrevista, bem como à professora Irene de Puig pela facilitação às informações. Agradece evidentemente ao entrevistado que, por sua atitude durante a entrevista, demonstrou ser coerente com as idéias que apresenta. Pedimos permissão a ele para encerrar essa entrevista citando‑o:

“Somos habitantes da Terra. Citamos a Holderlin e completamos sua frase dizendo: prosaica e poeticamente o homem habita a Terra. Prosaicamente (trabalhando, fixando‑se em objetivos práticos, tentando sobreviver) e poeticamente (cantando, sonhando, gozando, amando, admirando), habitamos a Terra. A vida humana está tecida de prosa e poesia. A poesia não é só um gênero literário, é também um modo de viver a participação, o amor, o fervor, a comunhão, a exaltação, o rito, a festa, a embriaguez, a dança, o canto que transfiguram definitivamente a vida prosaica feita de tarefas práticas, utilitárias e técnicas. Assim, o ser humano fala duas linguagens a partir de sua língua. A primeira denota, objetiva, funda‑se no lógica do terceiro excluído. A segunda fala através da conotação, dos signifcados contextualizados que rodeiam cada palavra, das metáforas, das analogias, tenta traduzir emoções e sentimentos, permite expressar a alma. (...) No estado poético, o segundo estado se converte em primeiro”.

Esperamos que a entrevista inspire o leitor a seguir educando prosaica e poeticamente, lembrando que um estado pode converter‑se em outro.

*Angélica Sátiro é escritora, educadora e doutoranda na universidade de Barcelona. Investiga as relações entre criatividade e ética. e‑mail: angelsatiro@hotmail.com