vendredi 24 octobre 2014

O papel da ética protestante -- elementos para uma reflexão sobre a Era PT

Elementos para uma reflexão sobre a
Era PT e o papel ético do protestantismo

Jorge Pinheiro, PhD

Ao construir um roteiro e bases teóricas para a leitura da ética do protestantismo, apresentamos o conceito de barbárie histórica, que explica desde um ponto de vista filosófico como realidades e estruturas colocam em risco a existência humana, e como diante dessa ameaça é necessária a proclamação da vida. A esta proclamação da vida e a este protesto contra aquilo que fere a essência do ser humano chamamos clamor protestante.

Ao levar em conta o momento histórico vivido pelo Brasil durante os anos de governo do Partido dos Trabalhadores, tanto em relação às reivindicações democráticas, quanto em relação às perspectivas de construção de futuro, este foi um momento especial para a colocação de propostas e alternativas sociais. É um tempo carregado de tensão, de possibilidades e qualitativo e rico de conteúdo. Por isso, dizemos que vivemos um tempo de kairós, de viva consciência da história e é a partir dele que segmentos da sociedade brasileira procuraram elaborar uma filosofia consciente da história. 


Ao analisar o surgimento do protestantismo devemos levar em conta aspectos históricos do final da Idade Média e os movimentos ideológicos que se estruturam a partir da revolução protestante no século dezesseis. Tal metodologia é relevante para a compreensão do contexto a partir do qual constrói a própria ética protestante, já que em termos filosóficos a revolução que começou na Alemanha e se espraiou pela Europa fez um chamado a um posicionamento transcendente, de resistência ao impacto da catástrofe histórica na Europa. A necessidade de resistência e transformação exortava às comunidades de fé, recém surgidas em meio à convulsão social, a elaborar uma mensagem de esperança para o mundo simples.

Nesse contexto, o ser humano pós-medieval surge como livre, mas ainda estava inseguro em sua liberdade. Tal situação fez com que setores institucionalizados das comunidades de fé levantassem a necessidade de uma volta ao passado, fazendo o discurso da emancipação da autonomia, e retorno à submissão à hierarquia e à tradição. Mas a liberdade já tinha sido experimentada e, por isso, sua tendência era à expansão. Ora, a existência humana estava a elevar-se ao cume do que vivera até aquele momento em sua dimensão de liberdade. O ser humano se libertava das cadeias da necessidade natural imperiosamente presentes na Idade Média. Tornava-se consciente e adquiria liberdade de questionar a si próprio, seu ambiente, de questionar a verdade e o bem e de decidir a seu respeito. Entretanto, havia nessa liberdade certa falta de liberdade, pois implica em descobrir a importância de decidir por si próprio.

O ato de decidir faz parte da inevitabilidade da liberdade, e cria uma inquietude na existência. É no ato da decisão que a existência se sente ameaçada. Isso porque somos confrontados com a exigência de escolher o bem e de realizá-lo, na mesma medida em que isso pode ou não ser alcançado. No protestantismo, o ser humano, enquanto dimensão espiritual carrega uma ruptura, uma alienação, que também se manifesta na sociedade. Não é possível fugir dessa exigência, e quando a enfrentamos nunca nos sentimos absolutamente seguros.

Estamos, então, diante da possibilidade da barbárie, de uma situação histórica limite, onde os direitos e seguranças que construímos são questionados e as possibilidades apresentam limites. Na filosofia protestante, tal processo leva ao conceito de justificação, pois a graça da vida em todas as suas dimensões descarta o direito de qualquer autoridade, institucional ou não, exigir a aceitação de uma crença correta, definitiva.

Assim, a devoção à verdade é suprema somente quando é devoção a Deus, por isso, existe um elemento sagrado na própria dúvida, mesmo quando esta se refere ao Deus e às religiões. Na verdade, se Deus é a verdade, ele é a base e não o objeto das questões a seu respeito. Nesse sentido, qualquer lealdade à verdade seria sempre protestante, mesmo quando acaba constatando a falta de verdade. Assim, no protestantismo, o divino se faz presente na dúvida e o ateísmo pode se dirigir ao incondicional; pode ser uma forma de fé na verdade, pois a consciência da falta de sentido é uma presença paradoxal do sentido que há na falta de sentido. Assim na filosofia protestante, a justificação nasce não da certeza, mas da dúvida que leva ao movimento e à ação. E a atitude antagônica à justificação, é o cinismo que imobiliza. 


Por isso, o conceito barbárie se traduz como ameaça final à existência e é o diferencial do protestantismo. Nasce em torno da justificação pela fé, da vida em liberdade que traduz a aceitação da exigência incondicional de realizar a verdade e fazer o bem. Enfrentar a possibilidade da barbárie significa julgar e transformar, e essa é a diferença entre a ética protestante e aquelas que fazem a defesa da hierarquia e da tradição.

Sem uma relação universal entre protestantismo e ética não pode se construir uma noção de vocação da pessoa. Ou seja, não se pode fundar uma ética protestante apenas sobre o terreno da pessoalidade. Mas é importante entender que não existe uma única interpretação da globalidade, por isso a ética protestante não é uma grandeza estática, mas se realiza de forma dinâmica na existência. Por isso, as éticas protestantes não subscrevem nem a construção uma ética social absoluta, nem uma construção de tipo racionalista.

Ou seja, toda compreensão da globalidade e toda ética real são concretas, pois toda globalidade se situa num momento temporal determinado, pleno, que a filosofia protestante chama kairós. E a universalidade do kairós comporta riscos concretos, não se move num universal abstrato, separado do tempo e da situação atual. Assim, o que é válido para a pessoa se expressa enquanto consciência ética geral também para a comunidade.


Exatamente por isso, toda realidade global comporta dois aspectos: aquele que a leva à sua particularidade de origem, ao seu fundamento, e um outro que, a partir da particularidade, a remete à universalidade. Assim, a realização da globalidade se orienta na direção a ela própria, exprime o que lhe próprio, suas solidariedades no plano formal e sua finitude. Por isso, a filosofia protestante diz que a ética transporta ao Deus e à vida, que são o bem e o bom da existência.

lundi 20 octobre 2014

Waku sese, que tudo lhe vá bem

O



"Quem come jaraqui não sai mais daqui".

A alma foi lavada nas águas do rio Negro. Descobri um evangelicalismo amazônida, contextual, contemporâneo. A capital da Amazônia faz teologia de vanguarda, waku sese, que “tudo lhe vá bem”, meu camarada! O xalom dos Saterê-Mawê ressoa nos ouvidos como boas novas de um tempo bom para a teologia brasileira. Lagartas de fogo e papagaios inteligentes.

Receberam muitos nomes de antropólogos, sertanistas e de outros grupos indígenas, mas eles próprios se dizem Sateré, lagarta de fogo, e Mawé, papagaio inteligente. Os Saterê-Mawê habitavam o território entre os rios Madeira e Tapajós, ao norte das ilhas Tupinambaranas, no rio Amazonas, e ao sul das cabeceiras do Tapajós. 


O paraíso era Noçoquém, a morada dos heróis, à margem esquerda do Tapajós, lá onde as pedras falam. E Hawah, a mãe do homo sapiens sapiens, da cultura hebraica, é Uri, a mãe de todos os Saterê-Mawê. O primeiro filho foi tapuya, o segundo karaiwa. Por isso, os tapuya-in foram os moradores da mata na´apy kaiwat. Mas, depois, o imperador, o primeiro herói civilizador, disse que era para eles irem para yarupap, o lugar onde os barcos encostam. 

Mas são também filhos do guaraná, porque domesticaram a paullinia cupana, trepadeira silvestre. O guaraná é planta das terras altas da bacia do rio Maués-Açu. E a época do fabrico da bebida vira celebração com o ritual da tocandira. É liturgia do meter a mão na luva, quando os meninos tornam-se homens. Assim, os futuros guerreiros dão o salto de adesão e ruptura, com canções de amor, trabalho e guerra, e enfiam a mão em luvas de palha pintada com jenipapo e enfeitadas com penas de arara, para serem ferroados por formigas tocandiras.

No Espelho da Lua, Orellana viu as icamiabas

No meio do rio Negro, meu amigo Adelson sociologa sobre as amazonas, pensa em Orellana, na viagem de 1541 e 1542, quando viu as icamiabas. Orellana, quando desceu em busca de ouro, lá dos Andes, o rio ainda era chamado Grande, Mar Dulce e da Canela, por causa das árvores que existiam ali. Mas, a vitória esmagadora das icamiabas contra os espanhóis foi narrada ao rei Carlos V e este, pensando nas guerreiras titias, que os gregos chamavam de amazonas, que quer dizer sem centro, batizou o rio.

Assim, Orellana lá no Espelho da Lua, pros lados de Inhamundá, viu arqueiras majestosas, que extirpavam um dos seios, para melhor estirar o arco. Talvez tenha visto índios de cabelos longos, mas a lenda grega tomou forma e aqueceu o coração dos que mergulham no verde. Fé de quem persegue a imensidão amazônica.

A lancha amansa o salto e repousa na imensidão do rio Negro. Índios ribeirinhos canoeiam uma piroga a motor, que ombreia a lancha. E lá uma caixa se abre. É um momento mágico. O mundo de Orellana está ali, a eternidade sussurra palavras que não entendo – "quem come jaraqui não sai mais daqui" – e a jibóia, essa sim, majestosa, desliza por minha mão direita. É pesada, sinto a força braba da boa constrictor, que escorrega sobre o meu ombro em direção à mão esquerda. No barco estão os teólogos das boas novas. 

Pânico. Adelson quase se lança às águas, aterrorizado, as meninas gritam, a lancha oscila para a esquerda, pode virar. Mas eu estou sozinho, mergulhei na magia ancestral, não vejo o terror de Adelson, não ouço os gritos das meninas. Sós, eu e a jibóia.


Dialogamos, senti o peso, conversei através do tato, ela me olhou, como se me conhecesse desde eras. A língua tamborilou o ar, o olhar ficou fixo, pareceu perdido, como se quisesse me falar dos tempos mitológicos em que foi a naja do jardim, no paraíso de Orellana.

– Será que minha garganta é mesmo tumba aberta? Sou habitante dos pântanos, rastejante de terras profundas, princesa dos meandros, sinuosa, broto dos confins do inconsciente, a alimentar desejos, a sugerir atrações e repulsões. Será que sou sibilante, encantante, enfeitiçante ou apenas digo que se aprende pela experiência? Sou rival, guardiã do reino dos mortos, com alma e sexo, a se renovar eternamente, porque mordo a própria cauda. Sou medicina no bastão de Esculápio, mediadora entre deuses e humanos, benfeitora, malfeitora, e no livro dos mortos, tibetano, sou serpente, moro nas partes mais distantes da terra, morro, renasço e torno a ficar jovem. Será que sou acobreada, dura como o cobre, filha do cobre como minhas irmãs palestinas? Sou cobra, lagarto, dragão na cabeça das gentes, que se enroscam elas próprias, mas precisam de mim para exorcizar a culpa. Ah! Não sou Lilith, ela fugiu voando sobre o mar e persegue os nascituros, mas não é lâmina, é coruja. 


De repente, o mergulho se desfez, ouvi gritos, vi o pessoal fugindo, a procurar distância da minha amiga. Ah, o medo mais uma vez estilhaçou o sonho. E como o espanhol, vi o diálogo emudecer. A jibóia escapou do meu abraço urbano e retornou ao seu ribeirinho. E a lancha de novo voou sobre o rio Negro.

Jaraqui frito ou tambaque no tucupi?

Um dia depois, quando almoçava no Choupana, em Manaus, me contaram um segredo: o jaraqui é um peixe ótimo, saboroso, quando frito no azeite, numa frigideira bem quente. Deve ser temperado com sal e limão, depois enxuto e passado na farinha de trigo. O jaraqui deve ser virado sempre na frigideira até dourar. No mínimo, um jaraqui médio por pessoa. Deve ser acompanhado por baião de dois e pimenta murupi. A sobremesa pode ser pudim de cupuaçu. E no fim da tarde, um banho de igarapé. Então, o milagre acontece: "quem come jaraqui não sai mais daqui". Como eu tinha que voltar, pedi tambaqui no tucupi, bebi suco de cupuaçu e fiz o caminho do aeroporto.

samedi 11 octobre 2014

Alegría, festa e cuidado

— Todos os anos juntem uma décima parte de todas as colheitas e levem até o lugar que o Senhor, nosso Deus, tiver escolhido para nele ser adorado. Ali, na presença do Senhor, nosso Deus, comam aquela décima parte dos cereais, do vinho e do azeite e também a primeira cria das vacas e das ovelhas. Façam isso para aprender a temer a Deus para sempre. Mas, se o lugar de adoração ficar muito longe, e for impossível levar até lá a décima parte das colheitas com que Deus os abençoou, então façam isto: vendam aquela parte das colheitas, levem o dinheiro até o lugar de adoração que o Senhor tiver escolhido e ali comprem tudo o que quiserem comer: carne de vaca ou de carneiro, vinho, cerveja ou qualquer outra coisa que desejarem. E ali, na presença do Senhor, nosso Deus, vocês e as suas famílias comam essas coisas e se divirtam à vontade. — Porém não esqueçam os levitas que moram nas cidades de vocês. Eles não receberão terras em Canaã, como as outras tribos. De três em três anos juntem a décima parte das colheitas daquele ano e guardem nas cidades onde vocês moram. Essa comida é para os levitas, pois eles não têm terras próprias; é também para os estrangeiros, os órfãos e as viúvas que moram nas cidades de vocês. Assim todos eles terão toda a comida que precisarem. Façam isso para que o Senhor, nosso Deus, abençoe todo o trabalho de vocês. (Deuteronômio 14:22-29 NTLH)

vendredi 10 octobre 2014

A insatisfação política repercutiu nas urnas e o segundo turno será disputado voto a voto. Entrevista especial com Ruy Braga

A insatisfação política repercutiu nas urnas e o segundo turno será disputado voto a voto. Entrevista especial com Ruy Braga

Orixe e fin do amor e da vida


As memorias son a nosa historia e as miñas lecturas, pois discorro sobre acontecementos e nos levan a pensar o que non está aquí e agora, sobre o que é eterno. E cando isto ocorre historia e lecturas se complementan e enriquecen as nosas vidas. O certo é que a memoria ao apoiarse nos feitos deixa de ser o relato de algo particular, vive un proceso de amplitude que lle dá grandeza. E a historia, inversamente, ao recorrer á memoria trae emoción e vida ao traxe. 



Pero, como xa dixen parcialmente, por riba, as nosas memorias non se entreluzem só con feitos sociais, os nosos pesadelos, así como os nosos soños transportan nosas memorias a un mundo máxico, un mundo onde o imaxinario, ás veces, é tan real como a historia vivida. Transcende. Por iso, estas lecturas son traducións de experiencias coa eternidade, infinita e sen límites, creadora de todas as cousas, orixe e fin do amor e da vida.



A decisão socialista

Estudos sobre A Decisão Socialista de Paul Tillich
Jorge Pinheiro

Para Paul Tillich [A Decisão Socialista, Introdução: As duas raízes do pensamento político, o ser humano e a consciência política, Potsdam 1933, Gesammelte Werke, II, pp. 219-365], nem sempre é necessário perguntar pelas raízes de um fenômeno espiritual ou social. Muitas vezes tal pergunta mostra-se supérflua, principalmente quando um testemunho saudável revela a integridade das raízes. Mas quando se apresentam distorções ou desvios, quando o testemunho congela ou a vida principia a desaparecer, então se torna necessário perguntar: quais são suas raízes?

Em 1993, Tillich considerava que esta era a situação do socialismo e, em particular, do socialismo alemão. Para ele, os eventos que preanunciavam a ascensão do nazismo, revelavam o estado de profunda crise do socialismo. E esse estado não só se explicava pelos eventos dos últimos anos, mas deviam ser pesquisadas a partir da segunda metade do século de 19, pois faziam parte de sua constelação histórica de origem. Por isso, acreditava Tillich, a tarefa mais urgente dos anos futuros seria um exame das razões do debilitamento do socialismo. E tal tarefa seria impossível de ser realizada se não se achasse uma resposta à pergunta das raízes.   



Porém, afirmava Tillich, assim que se levanta a pergunta das raízes do pensamento socialista, faz-se necessário ir mais fundo, porque o socialismo é um movimento de oposição, de mão dupla, um movimento de oposição à sociedade burguesa, mas enquanto mediação, uniu-se à sociedade burguesa na oposição às formas feudais e patriarcais de sociedade. Entender esta raiz do socialismo, ajudaria a entender as raízes do pensamento político que lhe deu origem.

É necessário procurar pelas raízes do pensamento político no próprio do homem, declara Tillich. Para ele, sem uma imagem do homem, de suas forças e tensões, não se pode dizer nada sobre as fundações políticas do pensamento e do ser político. Sem uma teoria do homem, não se  pode construir uma teoria das orientações políticas.

 A antropologia política

O homem, afirma o teólogo, diferente da natureza, é um ser dividido. Não importa saber onde termina a natureza e onde começa o homem, não importa que a passagem entre os dois se faça através de lentas transições ou por um salto. O importante é que em determinado momento, a diferença ficou clara.

Há no entanto, para Tillich, um processo vital indiviso, que desdobra natureza sem interrogar nem requerer, um processo que está ligado àquilo que se encontra nele e faz parte do que ele é. Assim, existe um processo vital que deseja saber sobre o homem, e que coloca algumas questões para ele: já não é indiviso, mas também dividido. É idêntico a si mesmo quando diante de si mesmo, no ato de pensar e de conhecer. Mas não apenas isso.

Segundo Tillich, o homem tem consciência de si mesmo, ou em outras palavras, distingue-se da natureza enquanto ser que se desdobra, tornando-se um ser consciente de si mesmo. A natureza ignora esta divisão. Por isso, o homem não é uma combinação de duas partes autônomas, tais como natureza e mente ou corpo e alma, mas um só ser, porém fendido em sua unidade.
   
Estas determinações gerais, considera Tillich, levam a algumas considerações no que se refere à pesquisa do pensamento político. Elas negam qualquer dedução do pensamento político enquanto puro movimento de pensamento, de exigências ético-religiosas, ou considerações ditadas por determinada cosmovisão. O pensamento político vem do homem enquanto unidade. Está enraizada no ser e na sua consciência, mais precisamente em sua unidade indissolúvel. É por isso que não se pode entender um sistema de pensamento político sem contextualizar seu enraizamento no ser humano enquanto ser social, ou seja, o imbricamento de pulsões e  interesses, os constrangimentos e as aspirações constituintes do ser social.

Mas também é impossível separar o ser de sua consciência, ou ver o pensamento político como simples subproduto do ser. Assim, para Tillich, a consciência estrutura todo o ser do homem, todo o ser social, em cada um de seus elementos, inclusive as sensações pulsantes mais primitivas.

Quando tenta desfazer laços, explica Tillich, passa-se ao largo da primeira e mais importante característica da essência humana, o que produz uma distorção no quadro geral que ele faz de si próprio, de que há uma consciência inadequada ao ser, uma falsa consciência, mas que não invalida a unidade do ser e da consciência. Isto porque, afirma, o conceito de falsa consciência não é possível quando a coisa que se designa é não conhecível. Assim, a consciência justa é uma consciência que emerge do ser e ao mesmo tempo o determina. Não pode ser uma coisa sem ser a outra, porque o homem é uma unidade na divisão, e desta unidade nascem as duas raízes de todo pensamento político.

A origem do pensamento político conservador  

O homem se encontra enquanto realidade dada, assim como seu ambiente. Mas estar no mundo enquanto realidade significa aquele não vem da si mesmo, que ele não é sua própria origem. Para Tillich, que cita a expressão de Martin Heidegger, o homem é um “ser lançado”. Esta situação leva o homem a colocar-se a questão da fonte (Woher). O que mais tarde vai aparecer como questão filosófica. Mas tal discussão é uma construção, e o mito apresenta a primeira resposta, enquanto determinante para a discussão de conjunto.  

A origem (Ursprung) é o que faz emergir (entspringen). Este aparecimento (Sprung) dá lugar  a algo novo, que não existiu antes, que produz uma consciência própria, diferente da origem. A realidade que somos está colocada, mas também é algo próprio. É uma tensão entre o ser-posto e o ser-próprio.

Para Tillich, a origem não nos liberta. Não se pode dizer que era e que não é mais. Constantemente somos puxados pela origem: ela nos faz emergir, nos segura firme. É ela que nos estabelece como algo, enquanto essência. Dessa maneira, ser-posto no mundo supõe caminhar para a morte.

Assim, para Tillich, a concepção conservadora admite o surgimento do eterno no tempo, que repousa no passado. Por essa razão nega toda mudança, presente ou futura[1]. A força dessa concepção repousa no fato de que considera o eterno como dado e não como resultado da ação cultural e religiosa do ser humano.

A concepção conservadora também reconhece o kairós[2], mas o situa no passado. Desconsidera que se aconteceu no passado como acontecimento único, é ele quem se revela em todos os sim e não do passado, do presente e futuro. Sob tal visão repousa o pensamento político conservador. Perdeu o sentido supratemporal do kairós[3].

O mito expressou com profunda riqueza este estado de coisas, com o testemunho de  objetos e eventos nos quais o grupo humano percebe sua origem. Em todos os mitos ressoam a lei cíclica do nascimento e da morte. Todo o mito é mito da origem, responde à pergunta da providência e conta porque somos segurados na origem e estamos debaixo de seu império. A consciência mítica original é a raiz de todo o pensamento político conservador e romântico.    

 A origem do pensamento democrático e socialista

Mas o homem vai além do colocar-se como realidade dada, vai além do saber colocar-se diante do ciclo do nascimento e a morte. Faz a experiência de uma exigência que separou o imediato da vida e o leva a colocar-se diante da pergunta da providência uma outra pergunta: "por que?”

Esta pergunta quebra o ciclo de uma maneira fundamental, eleva o homem acima da esfera do simples viver. Porque é a exigência de algo que não está aí, que tem que se tornar realidade. Quando se faz a experiência desse tipo de exigência não se está mais colado à origem. Vai-se além da afirmação do que já está. A exigência nomeia o que deve ser. E o que deve ser não é determinado com a afirmação daquilo que já é, disso que é, significa que tal exigência impôs ao homem o incondicionado.

O “por que” não está dentro dos limites da fonte. É o incondicionalmente novo. É através do “por que” que o homem deve alcançar algo do incondicionalmente novo. Este é o sentido da exigência, quando o homem, por ser dividido, faz esta experiência. Ele detém um conhecimento próprio, por isso é possível ir além da realidade, além daquilo que o cerca.

Tal é a liberdade do homem: não que ele tenha uma vontade livre, mas não está preso, enquanto homem, ao que está dado. O ciclo do nascimento e morte foi quebrado, sua existência e sua ação não estão amarradas na simples propagação de sua origem. Quando esta consciência se  impõe, são rasgados os laços da origem, o mito original está quebrado. A ruptura do mito original pelo incondicionado de exigência é a raiz do pensamento político liberal,  democrático e socialista.

Mas, a concepção progressista considera o eterno um alvo infinito, existente em cada época, mas que não se apresenta enquanto irrupção. Assim, os tempos tornam-se vazios, sem decisão, sem responsabilidade. Na concepção progressista existe uma tensão diante do que foi. Mas a consciência de que o alvo é inacessível a debilita e produz um compromisso continuado com o passado. A concepção progressista não oferece nenhuma opção ao que está dado. Transforma-se em progresso mitigado, em crítica pontual desprovida de tensão, onde não há nenhuma responsabilidade última [4]. 

Este progressismo mitigado é a atitude característica da sociedade burguesa. É um perigo que ameaça constantemente, é a supressão do não e do sim incondicionados, a supressão do anúncio da plenitude dos tempos. É o verdadeiro adversário do espírito profético [5].

O mito, uma crença desvelada
  
A exigência que o homem faz na experiência diante do incondicionado não é estranha a ele. Se fosse estranha à sua essência, não lhe seriam concernentes e ele não poderia discernir tal coisa como exigência. Se ela lhe toca é porque coloca diante de seus olhos gás sua essência enquanto exigência. Funda-se a incondicionalidade, a irrevogabilidade com que o dever-ser aborda o homem e exige ser afirmado por ele.

Se a exigência é a própria essência do homem, então ela encontra seu fundamento na sua  origem, e então a providência e o destino não pertencem a mundos diferentes. Ainda, diante do original, o que é requerido é o incondicionalmente novo. Assim, para Tillich, a origem é ambígua. Há nela uma separação entre origem verdadeira e a  origem real. O que é realmente  original não é o que é original de verdade.

A realização da origem é esta exigência e este dever-ser pelo qual o homem é confrontado. O “por que” do homem é a realização da sua providência. A  origem real é negada pela origem verdadeira; mas certamente, não é uma pura e simples negação. A origem real tem que levar à real verdadeira, ela é sua expressão, mas também disfarce e distorção. A pura consciência mítica original ignora todas as ambigüidades da origem. É por isto que esta consciência está presa à origem e considera sacrilégio toda a ultrapassagem da origem. Só a consciência que, fazendo a experiência da exigência da incondicionalidade, se livra dos laços de origem e se apercebe da ambigüidade da origem.   

A exigência quer a realização da origem verdadeira. Porém o homem não recebe uma exigência incondicionada de outros. É no reencontro do "eu e você" que a exigência torna-se concreta. Seu conteúdo é reconhecido no você com a dignidade do "eu", a dignidade para ser livre, portador da realização daquilo que  apontada à origem. Reconhecer no você uma dignidade igual ao do eu, isto é justiça. A exigência que nos arrasta à ambigüidade da  origem é a exigência de justiça. A origem não rompida conduz a poderes em tensão que procuram a dominação e destroem um ao outro. Quando a origem é rompida vem o poder do ser, o declínio dos poderes que "expiam e são julgados por seu sacrilégio, de acordo com a ordem do tempo", como já evocou a filosofia grega.

A exigência incondicional eleva acima deste ciclo trágico. Diante do poder e da impotência do ser, opõe a justiça, que provém do dever-ser. Portanto, para Tillich, não há uma simples oposição, porque o dever-ser é a realização do ser. A justiça é o verdadeiro poder do ser. Nisto se torna realidade o que é apontado na origem. Na relação entre os dois elementos da existência humana e as duas raízes do pensamento político, a exigência predomina sobre a pura origem, e a justiça, sobre o puro poder do ser. A pergunta do “por que” é superior à da providência. O mito original não deve representar no pensamento político mais do que uma crença rompida, uma crença desvelada.   

Esse é o caminho da utopia. Sem o espírito utópico não há protesto, nem espírito profético[6]. 

Isto é exato na medida em que cada tensão orientada para adiante comporta uma representação daquilo que deve vir e de como se entende a realização desse ideal. Eis porque o espírito da utopia está presente em todo agir incondicionalmente decidido, em todo agir orientado à transformação do presente [7].

A utopia quer realizar a eternidade no tempo, mas esquece que o eterno abala o tempo e todos seus conteúdos. É por isso que a utopia leva, necessariamente, à decepção. Progresso mitigado é o resultado da utopia revolucionária desencantada.

A idéia do kairós nasce da discussão com a utopia. O kairós comporta a irrupção da eternidade no tempo, o caráter absolutamente decisivo deste instante histórico enquanto destino, mas tem a consciência de que não pode existir um estado de eternidade no tempo, a consciência de que o eterno é, em sua essência, aquele que faz a irrupção no tempo, sem contudo fixar-se nele.

Assim, a realização da visão profética se encontra além do tempo, lá onde a utopia desaparece, mas não a sua ação[8].

Metodologicamente, Tillich mostra que toda mudança, toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que vá além do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro, deve entender que há no espírito profético da responsabilidade inelutável um choque entre este kairós[9] e a utopia, que pensa poder fixar a eternidade no tempo presente. Tal desafio não pode ser resolvido por um homem, por mais que encarne o espírito da profecia. O sujeito da transformação será, em última instância, a massa.

Para Tillich, essas duas raízes do pensamento político mantêm entre elas uma relação que é mais do simples justaposição. A exigência predomina na origem. Considerando as várias tendências políticas, não se pode supor que elas sejam atitudes humanas justificadas. Onde são requeridas decisões, o conceito tradicional de realidade não é aplicável. Outro, no entanto, é quando estamos diante de uma exigência do incondicionado.

Ninguém pode entender o socialismo se não experimentar a exigência de sua justiça como uma exigência do incondicionado. Quem não é confrontado pelo socialismo não pode falar do socialismo, a não ser enquanto expressão que vem do exterior.  Não podem falar dele em verdade, porque é contrário às tendências políticas que defendem. Aí está o nó da origem.

As raízes do pensamento político não são apenas pensamentos. O pensamento político é a expressão de um ser político, de uma situação social. Não se pode entender o pensamento quando se subestimam as realidades sociais das quais vem o pensamento político. As raízes do pensamento político não podem agir com uma força igual em todo momento e em todo grupo. Um ou outro pode predominar, depende de uma situação social, grupos ou formas de dominação determinadas. Depende de estruturas sócio-psicológicas, da interação com a situação social objetiva.

A pessoa poderia puxar o que precede uma conseqüência metodológica de acordo com a qual seriam segurar disto às realidades históricas e deixar de voltar melhor até as raízes. Estas raízes, a pessoa avançará, é inconhecével e destituído de realidade. Não tem primeiro lá nenhum elemento do ser humano independente da realidade histórica. O homem seria o que faz tal ou tal situação social, nada além de. Mas esta conseqüência se contradiz ela, assim que comece recorrendo a tais condições que tripulam, história, situação social, etc. são supostas.

Estas condições, realmente, para caracterizar o jogo da história do homem e não são então encadernado a só um momento histórico. É por que a pessoa não tem necessidade para não falar do "étemelle de gás" do homem. por outro lado, é completamente necessário agarrar nem mesmo em unidade de his/her/its o homem histórico eminentemente concreto, ao risco de não pode dizer nada, sobre o fenômeno histórico mais concreto. Mas especialmente, toda a norma acharia se supresso disto. A paixão com que alguns representantes deste pensamento histórico supostamente o radical distribui julgamentos de valor, por exemplo sobre o capitalismo, e até mesmo interpreta e leva um julgamento em toda a história humana como história feita de lutas de classes, assiste bem que neles a consciência normativa não é não extinguida e isso. bem bastante, eles se deixaram orientarem por um certo quadro de um assim--ciété humano onde o ser do homem chegaria a uma realização maior que hoje. Mas por lá põe a pessoa, [232] até mesmo sem querer isto, um momento saber-prahistorique: o um do ser humano gosta de ser realizar. É não levar primeiro até os elementos do homem está sendo então equivalente para não suprimir a exigência, a ultrapassagem e a espera. Porque o ser e o ser realizado se distingue na mesma medida que a origem e o proletariado de meta? É necessário responder isto: certamente, a consciência é ligada ao ser, mas esta aderência mútua é funcional, não de ordem biográfica. D teve alguns pensamentos que tiveram para função para expressar o ser lá burguês, não importa que é dos aristocratas ou bourgeoises que os expressaram. E há alguns pensamentos que têm para função para expressar o ser proletário, não importa que é do bourgeoises ou proletários que os expressam. O fato que especialmente é os aristocratas que prepararam a sociedade burguesa e do bourgeoises que deu ao proletariado a consciência dele bem de espetáculos que o relatório biográfico intervém pequeno forte aqui. Pode acontecer até mesmo que o distância separando sendo a consciência é necessário de forma que as elevações de ser para a consciência. O conhecimento não só supõe uma ligação ao ser, mas também uma distância para consideração de his/her/its. Aqui é por que o que é abalado em his/her/its aderência original para um grupo ou para uma classe é designado para dar consciência dela a outra classe totalmente que seu. O Marx e Lenin são o exemplo mais evidente disto Eles fazem veja que o relatório entre a situação social e o pensamento político tem que subir imediatamente de da esfera biográfica para o um do fonctionnelles14 de relações.   
   
A palavra princípio serve para caracterizar de maneira global os grupos políticos. O pensamento tem como tarefa extrair uma multiplicidade de fenômenos que constitui a característica comum a todos os indivíduos. Normalmente, se cumpre esta tarefa com ajuda de um conceito de gás. Desde Platão, a relação de gás e o fenômeno domina em Oeste a teoria do conhecimento. Porém he/it se apareceram que a lógica de gás não é suficiente para dar conta do historiques15 de realidades. A "essência de um fenômeno histórico" é uma abstração vazia, donde foi expelido a força viva de história. E ainda, a pessoa não pode fazer sem administrar caractérisations geral quando a pessoa tiver negócio a um movimento de unidade.  

Perguntas

1. Até que ponto a Teologia da Cultura pode dizer algo a respeito da ação social e humana?
2. Qual a pertinência do discurso teológico?
3. O que Paul Tillich está produzindo neste texto? Uma história da religião, sociologia da religião ou filosofia da religião?
4.  Qual é o estatuto epistemológico e teórico da análise de Paul Tillich?
5. Quais os referenciais de Paul Tillich? Uma filosofia da vida? Qual a validade desses referenciais?

Algumas considerações

Neste texto, Paul Tillich traduz uma confiança no progresso humano. Parte de uma filosofia política onde seu referencial primeiro é o ser. Nesse sentido, podemos dizer que faz uma fenomenologia política quando analisa questões como o ser, a origem do pensamento político, enquanto mito, e a partir daí procura trazer à tona os elementos não reflexivos do pensamento político conservador.

Lembramos aqui, em passant, a crítica de Ernest Bloch a Freud – conforme exposto por Etienne Higuet --, quando apresenta a Psicanálise como uma volta à origem, que resultaria em conformidade às normas sociais. Assim, o mito não é transformador. Só a utopia, enquanto sonho acordado, é progressivo e pode se apresentar como revolucionário.

Tillich não é tão radical como Bloch. Ele parte do mito, entendendo que devemos rompe-lo passando através, resgatá-lo. Nesse sentido, os símbolos devem ser atravessados para que se possa conhecer aquilo que ele evoca. E isso é o que deve acontecer em relação ao mito de origem, ele não pode ser abandonado, mas atravessado.

Assim, a questão existencial, presente nessa filosofia política, leva a uma antropologia existencial.

É importante, também, entender que o pensamento político liberal, a que Tillich se refere aqui, fala da experiência liberal européia, que teve sua origem no Iluminismo, na Revolução Francesa e nas constituições do século XIX. Essas constituições serão criticadas por Marx, que não as vê como fruto das reais necessidades da sociedade. 




Citações

[1] Kairós II in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 255-267, tradução francesa do original Kairós. Zur Geisteslage und Geisteswendung,  Gesammelte Werke, 1926, VI, pp. 29-41.
[2] Paul Tillich ao falar da plenitude do tempo no evento Jesus, explica a construção de sua concepção de kairós: um tempo carregado de tensão, de possibilidades e impossibilidades, qualitativo e rico de conteúdo. Nem tudo é possível sempre, nem tudo é verdade em todos os tempos, nem tudo é exigido em todo momento. Diversos mestres, diferentes poderes cósmicos, reinam em tempos diferentes, e o Senhor que triunfa sobre anjos e poderes, reina no tempo pleno de destino e de tensões, que se estende entre a Ressurreição e a Segunda vinda. Ele reina no tempo presente que, em sua essência, é diferente dos outros tempos do passado. É nessa viva e profunda consciência da história que está enraizada a idéia de kairós, e é a partir dela que deve ser elaborado o conceito de uma filosofia consciente da história. [Kairos I in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 116-117].   
[3] Idem, op.cit., p. 260.
[4] Idem, op.cit., p. 260.
[5] Idem, op.cit., p. 260.
[6] Para Tillich, o espírito profético está envolvido na situação histórica concreta, tem a coragem de decidir e colocar-se sob julgamento, ao nível do particular. Sem esquecer que sua relação aponta ao incondicionado, e que o ponto mais elevado que é possível alcançar no tempo está submetido ao não. Mas não deverá, por temer o não, perder a audácia do não e do sim concretos. [Kairós II, idem, op.cit., p. 259].    
[7] Idem, op.cit., p. 260.
[8] Idem, op. cit., p.261.
[9] E é a partir dessa compreensão do que significa o espírito de profecia no tempo presente, que voltamos ao kairós, mas agora com novos conteúdos, construído enquanto responsabilidade inetulável. [Paul Tillich, História do pensamento cristão, Kairós, São Paulo, ASTE, 2000, p. 24]. Kairós significa tempo concluído, o instante concreto e, no sentido profético, a plenitude do tempo, a irrupção do eterno no tempo. Kairós não é um qualquer momento pleno, uma parte ou outra do curso temporal: kairós é o tempo onde se completa aquilo que é absolutamente significativo, é o tempo do destino. Considerar uma época como um kairós, considerar o tempo como aquele de uma decisão inevitável, de uma responsabilidade inelutável, é considerá-lo enquanto espírito da profecia. [Kairós II, idem, op. cit., p. 259].

jeudi 9 octobre 2014

Fome Zero e os evangélicos -- 2003

A FAO vai realizar uma missão conjunta com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, para analisar o Projeto Fome Zero, anunciado como prioridade pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

A chefia da missão ficará a cargo de Andrew McMillan, diretor de divisão da FAO em Roma, que comandará uma equipe a ser integrada também por técnicos brasileiros. Durante dez dias, de 1 a 10 de dezembro, a comitiva vai analisar pontos do programa, além de realizar visitas ao Nordeste e Sul brasileiros, para observar in loco o drama da fome e o desenvolvimento da agricultura familiar. 


“A FAO vai financiar a contratação de consultorias nesse período. Elas ajudarão a identificar questões ainda não suficientemente aprofundadas do programa”, explicou o coordenador do projeto, José Graziano da Silva,[1] que retornou de Washington, onde debateu o Projeto Fome Zero em reunião da FAO.

O Projeto Fome Zero traz para nós evangélicos a questão da relação entre nossas igrejas e a sociedade, assim como a questão de nosso potencial para impulsionar o cumprimento integral da missão da igreja.

Há um quase consenso na teologia de que existe uma estreita relação entre religião e sociedade. Na teologia de missão e no pentecostalismo, que predominam em nosso país, é comum acreditar que uma mudança na crença de uma pessoa muda a sua maneira de agir. Assim, a conversão teria a capacidade de renovar a sociedade. Já para a esquerda clássica, que parte de Marx, a religião é um reflexo da situação econômica.

Talvez, sociologicamente, Max Weber possa ser um ponto de equilíbrio, pois via que entre o cristianismo e a sociedade existem afinidades eletivas, interações de características que geram atração recíproca, desenvolvem alguns traços e relativizam outros.

Outra questão, é que o catolicismo de corte tridentino influenciou nossa sociedade produzindo efeitos de longo prazo. Assim, determinados interesses inibiram transformações abrangentes, durante a Colônia e o Império, principalmente no que se refere à escravidão e ao principal fruto dela: a exclusão do povo negro..

Por isso, nós evangélicos devemos aprender com o erro alheio e olhar o Projeto Fome Zero e a luta pelo fim da exclusão social como oportunidades para a realização de uma ampla ação transformadora.

Segundo o economista mexicano Gustavo Gordillo de Anda, representante regional da FAO para América Latina e Caribe:

“O Projeto Fome Zero é um programa referência por contemplar três requisitos: a produção de alimentos, o acesso a eles e a disponibilidade de estoques”.

Segundo Gustavo Gordillo de Anda há no BID, Banco Mundial e FAO diversos programas voltados para a área social, já assinados com o governo brasileiro, que poderiam eventualmente sofrer uma reciclagem para reforçar o caixa do Fome Zero.

Para o coordenador do Projeto Fome Zero do futuro governo Lula, José Graziano da Silva, “não podemos dizer quais seriam esses programas, nem estabelecer valores. Isso tudo será objeto de análise”.

Para a igreja evangélica, que quer ser sal da terra e luz do mundo, esta questão não pode ser irrelevante, porque nela se expressa a pergunta pelo serviço que presta a seus conterrâneos. Na verdade, aliar-se ao programa responde a pergunta: a serviço de que forças sociais nossas denominações estão? Atuar no campo concreto da cidadania é uma forma de a igreja cumprir com sua responsabilidade e produzir efeito duradouro.

Em seu livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, Max Weber constatou de que na região estudada por ele, no vale do Ruhr, na Alemanha, os filhos dos católicos escolhiam carreiras profissionais na área de Humanas, enquanto os protestantes as carreiras técnicas. Assim, os protestantes se fizeram representar entre os industriais e técnicos de nível superior. A partir daí, Weber desenvolveu uma pesquisa, na qual concluiu que denominações do protestantismo, como calvinismo, pietismo, metodismo e batistas, por causa da fé e da ética que desenvolveram, contribuíram para a formação do espírito que impulsiona a moderna economia capitalista.

Algo assim deve acontecer no Brasil, mas em sentido social. Na sociedade brasileira é impossível testemunhar o evangelho e não partilhar com as pessoas a boa nova na vida do dia-a-dia. Por isso, a igreja deve lançar mão de mediações sociais e políticas. As mediações, como escolas, artes, participação política, fazem a ponte entre a igreja e seus objetivos..

A igreja precisa fazer uma leitura brasileira de sua missão que, além do contexto social-cultural, político e econômico, traduzirá um combate declarado à fome e à exclusão social.

“Todos os programas negociados com a FAO e dirigidos ao combate à pobreza poderão ser canalizados para a fome. É dinheiro a ser sacado”, observou Gordillo de Anda. 

Graziano explicou que o empréstimo de US$ 9 bilhões, anunciado pelo presidente do Bird, Enrique Iglesias, refere-se à soma de desembolsos anuais para projetos do futuro governo na área social, que tem no Projeto Fome Zero sua prioridade.

O coordenador do projeto disse que “duas coisas precisam ficar claras, quando o presidente eleito diz que deseja assegurar três refeições a cada brasileiro. Ele está se propondo a implantar uma política de segurança alimentar no Brasil. O Projeto Fome Zero é isso: um programa de segurança alimentar. Queremos acabar com a fome e com a insegurança no acesso à comida”.

Quando ao problema da fome aqui tratado, há a certeza de que a igreja pode ajudar, ao potencializar sua influência e aproveitar ao máximo a capacidade de suas próprias estruturas.

Nossos laços de unidade no trabalho missionário e de evangelização do Brasil devem aproveitar o potencial que o trabalho em redes e ONGs possibilitam. Pequenas comunidades locais em movimento, que criam organizações na medida necessária para manter estabilizada a mobilização de seus recursos, mas que estão entrelaçadas com outras, têm condições de fazer a diferença.

O modelo é a imagem da rede, que é flexível, essencialmente igualitária e tem orientação integral. A rede é adequada a sociedade e à igreja, complexas e pluralistas.

Mas voltemos a Gordillo de Anda e Graziano, que assim explicaram seus sonhos:

“Nós gostaríamos de acabar com a pobreza no país e assegurar uma renda mínima a todo cidadão, mas não há recursos para isso. O Projeto Fome Zero não exclui os demais quarenta e um programas destinados ao combate à pobreza. Porém, fizemos uma escolha. Definimos uma prioridade: implantar um programa de segurança alimentar. Assim, vamos eleger mecanismos que vinculem os recursos aos gastos com alimentos”.

A igreja é a instituição de salvação equipada para a obra redentora, que pode acolher as massas e viver o mundo porque tem o tesouro objetivo da graça. Sua missão é a associação livre de cristãos conscientes, que se unem enquanto renascidos, e que colocam em prática o modo cristão de vida baseada no amor. A mística desse projeto é a internalização do ideário cristalizado no culto e na doutrina como embasamento histórico da fé cristã.[2]

Mas muitas vezes, por miopia, corremos o risco de não entendermos o papel que nos cabe enquanto corpo de Cristo, e acabamos por priorizar as mobilizações em detrimento das ações. Corremos o risco de recebermos de Deus, por graça, grandes e sofisticados recursos e encantarmo-nos com eles, sem ter o ânimo necessário para usá-los nas ações que podem salvar o próximo faminto e excluído. Exemplos típicos podem ser o empenho na construção de templos, altos custos de organização e investimentos desmedidos em equipamentos.

Por isso, que fique conosco o chamado à ação que Jesus nos faz na parábola do Bom Samaritano:

-- Vá e faça a mesma coisa.

Fontes
[1] Missão internacional analisa o Fome Zero, 14/11/2002 [PT: Equipe técnica de transição] www.pt.org.br
[2] Emil Albert Sobottka, As estruturas eclesiais e as estruturas da sociedade na América Latina. Fraternidade Teológica Latino-Americana: www.fratela.org/ponencias/Emil60.doc

mercredi 8 octobre 2014

Noite sem lua -- poema

Noite sem lua
Jorge Pinheiro

A pomba voou e foi para o mar, 
cercada de marinheiros, 
ficou enrolada, coberta num canto do barco, 
envolta em fantasmas de medo, 
a olhar as cordas da amarração, 
a pensar em partir para as profundezas. 


Os marinheiros querem a vida depois da tormenta, 
tempo seco e ventos alíseos. 
Beber sentados nos barris, cantar, dançar, 
sabendo que ao longe há um farol de segurança.

Param de sonhar, se voltam para a pomba, 
repartem a angústia, querem ouvi-la falar da vida elevada, 
mas as ondas arrebentam, o mar é onça no cio, 
a pomba reclama que a flama da lâmpada apagou, 
que a noite já não importa. 
Sou hebreia e adoro Iavé, 
Eloim do céu, que fez o mar e a terra.

E viram a pomba suja a caminho do exílio, 
no cruzeiro para o extremo do mundo, 
marujo sem capitão, desgrenhada, 
de olhos fixos no abismo. 
Não há tempo para discursos, é melhor jogá-la fora.

Talvez amanhã não seja a última noite, 
o farol brilhe de novo, 
os meses de inverno garantam águas serenas. 
Talvez, em terra firme, 
o dia abrande e os olhos delas acariciem corpos, céu e mar. 

A pomba amanhece, deixa a casa de Eloim, 
faz o caminho ensolarado, 
agradecida pelo resgate das entranhas do monstro, 
sem saber como pode existir noite sem lua.




lundi 29 septembre 2014

vendredi 26 septembre 2014

Shostakovich: Symphony No. 5 / Bernstein · New York Philharmonic Orchestra




O Sermão do Fogo
Jorge Pinheiro

O príncipe dos pregadores do século XIX, Charles Haddon Spurgeon, pregou um sermão que ficou conhecido como Apressando a Ló, com base no texto de Gênesis 19.15. O centro dessa mensagem de Spurgeon é que diante de uma cidade que vai arder, justos e errantes devem ser apressados.

O justo deve ser apressado em relação ao que é melhor para sua família, a sair da loucura do século presente e buscar a solidariedade do Eterno. E o errante deve ouvir do perigo iminente e da necessidade de tomar uma decisão imediata.

O pano de fundo do sermão é a cidade que vai arder. Mas para mim a sinfonia no. 5 de Shostakovich está sempre presente.

Décadas mais tarde, um poeta norte-americano, de ascendência inglesa, escreveu sobre um mundo que já ardeu. Seus poemas traduzem a angústia profética diante da guerra e do drama humano.

Terra Desolada é um dos mais impressionantes poemas de Thomas Stearns Eliot. É um gemido diante de um mundo árido, onde sobreviventes se arrastam e agonizam. Escrito entre 1921 e 1922, é considerado o mais terrível poema da literatura ocidental no século XX.

Mas, em meio ao desespero, podemos ver o sentido de transcendência que brota na Terra Desolada desse cristão agoniado diante do destino humano. No final da terceira parte do poema, chamado O Sermão do Fogo, terror e êxtase se complementam:

A Cartago então eu vim 
Ardendo ardendo ardendo ardendo
Ó Senhor Tu que me arrebatas
Ó Senhor tu que me arrebatas
ardendo

Eliot em suas notas conta que o primeiro verso acima foi tirado das Confissões de santo Agostinho, quando o teólogo diz: “A Cartago então eu vim, onde todos os amores ímpios, como num caldeirão, cantavam em meus ouvidos”.

E o verso seguinte faz parte do Sermão do Fogo, de Buda, que segundo Eliot é tão importante para o mundo oriental quanto o Sermão da Montanha para nós cristãos. E volta às Confissões de Agostinho, com o verso: “Ó Senhor Tu que me arrebatas”.

Eliot afirma que “a inserção destes dois representantes do ascetismo oriental e ocidental no ponto culminante desta parte do poema não é fortuita”, já que através de uma leitura cheia de ecumenicidade transmite ao leitor toda a angústia diante de um mundo que arde.

Três anos mais tarde, Eliot lançou Os Homens Ocos onde, ainda em meio ao mundo desolado, fala de homens vazios, empalhados. E é aqui, neste poema, que a transcendência transborda, apontando para o sentido profundo da mudança de rumo. 

Entre o desejo 
E o espanto, 
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o 

E numa estrofe sublime, genial, completa:

Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro. 

Diante de uma cidade que vai arder, de um mundo que já ardeu, ficam a urgência e a esperança... “e como ele estava demorando, os anjos pegaram pela mão Ló, a sua mulher e as suas filhas e os levaram para fora da cidade...

Fontes
Spurgeon, Charles Haddon, Esboços Bíblicos de Gênesis a Apocalipse, aprendendo com o príncipe dos pregadores, São Paulo, Shedd Publicações, 2002.
Eliot, T. S., Poesia, 3a. edição, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1981.



mardi 23 septembre 2014

I pugni in tasca



I pugni in tasca è un film del 1965, scritto e diretto da Marco Bellocchio, all'esordio nella regia di un lungometraggio. Si tratta di un film manifesto, per certi versi anticipatore della contestazione sessantottina. Il film è stato selezionato tra i 100 film italiani da salvare[1].

La storia si svolge in uno spazio chiuso, angosciante, dove vivono i componenti di una famiglia borghese piacentina senza pace, malsana e autodistruttriva, talmente attaccati gli uni con gli altri, che soli non hanno ragione di esistere:
la madre, cieca, ancorata ai ricordi il fratello minore Leone, affetto da ritardo mentale ed epilessia: un ragazzo tenero, indifeso ed immensamente dolce ma inutile agli occhi degli altri familiari Augusto, il fratello maggiore, l'unico "normale", cinico e mediocre, che aspira a farsi una propria famiglia, al benessere economico, all'integrazione nella società ad ogni costo
Giulia, l'unica sorella, molto curiosa nei confronti dei vari aspetti della vita (spia le prostitute) e apparentemente normale, è in realtà anch'essa disturbata e ferma psicologicamente ad una preadolescenza che la lega morbosamente al fratello Sandro, al punto da consumare un incesto. Alessandro, o Sandro: pazzo ed epilettico anch'egli, è tuttavia anche lucido nell'avvertire il disagio della famiglia, un disagio che lo ossessiona al punto da desiderare la morte dei componenti. Sandro non sa uscire dalla propria autocontemplazione, dal suo estremo narcisismo e non sa crearsi nessun rapporto se non all'interno dalla famiglia.

Il film venne realizzato in grande economia e circolò con una distribuzione indipendente. La famiglia Bellocchio contribuì alla realizzazione del film: il fratello di Marco Bellocchio, Tonino, finanziò l'opera con cinquanta milioni; l'interno della casa è quello della madre del regista[2].

Le riprese in esterno furono girate tra Bobbio e Piacenza. Il montaggio fu curato da Silvano Agosti che usò lo pseudonimo di Aurelio Mangiarotti (un suo amico muratore che viveva in Francia). Per completare il lavoro, Silvano Agosti impiegò 26 giorni in totale autonomia[3].

Lou Castel e Paola Pitagora in una scena del film

Per il ruolo di protagonista era stato contattato Gianni Morandi. Per il ruolo di Giulia, Bellocchio aveva pensato a Susan Strasberg e a Raffaella Carrà, per quello di Augusto a Maurice Ronet.

Lou Castel, nel ruolo di Alessandro, è riuscito genialmente a modificare il suo personaggio, aggiungendovi una dolcezza imprevista che lo rende ancora più crudele e tagliente. Meravigliose le scene in cui si abbandona totalmente a sé stesso pensando di non essere visto (per esempio davanti alla madre cieca). Durante le riprese Castel aveva spesso reazioni esilaranti o violente, costringendo la troupe a interrompere le riprese o il regista a modificare una scena; Masé reagiva male alle provocazioni di Castel, giungendo anche a schiaffeggiarlo[4]. Pur recitando in italiano nel film, Castel fu doppiato a causa del forte accento straniero.

Una scena del film

Il film fu proiettato per la prima volta in pubblico il 31 ottobre 1965 (v.c. n. 45471 del 28-7-1965). Fu distribuito anche in Francia (Les poings dans les poches - Hyères, maggio 1966 - 85'), Germania Occidentale (Mit der Faust in der Tasche - 5-12-1969 - 108'), Gran Bretagna (Fists in the Pocket - 1966 - 113') e Usa (Fist in His Pocket - 1968 - 105').


Note
Rete degli Spettatori
2 Sandro Bernardi, Marco Bellocchio, Il Castoro, 1978, pag. 28
3 dichiarazioni rilasciate al sito www.formacinema.it [1]
4 Sandro Bernardi, id.

Fonte: Wikipedia