lundi 7 octobre 2013

Lições de existência

As pessoas são tocadas pelo amor. Nada sensibiliza mais o ser humano, talvez por isso o rolo bíblico de Cantares compare a paixão à força da morte, já que os dois estados se nos apresentem como definitivos. Caso você já tenha estado apaixonado ou apaixonada sabe como é.

Num domingo de janeiro preparei este prefácio de manhã a partir daquilo que chamei Lições de amor. Foi um pensar na gratidão ao Eterno, um jeito de dizer a Ele que o amo. E pensando, me remeti a um filme de 2001, Uma lição de amor, que conta a história de um pai com deficiência mental e uma filha, de sete anos, que começa a ultrapassá-lo intelectualmente. No filme, uma assistente social quer levar a menina para um orfanato, alegando que o pai não tem condições de criar a filha. Foi nesse momento que me deparei com dois dois textos, o de Cantares (8.6), já citado acima, e outro, também belíssimo, de um profeta mal compreendido e meio abandonado, Oséias (2.14-23).

Minha leitura de Deus, um delírio, de Richard Dawkins, não fez o efeito que ele esperava. Na verdade, me levou a uma outra leitura: fiz uma ponte entre as lições de amor do Eterno e a minha paixão por Ele. E foi assim que surgiu esse prefácio, num discurso sobre as minhas provas da existência do Eterno, que divido em três: o “Noturno Opus 9, no. 2” de Chopin, a roda e a raiz quadrada de menos 1. Talvez, você, querido leitor do meu amigo Jorge Luiz Sperandio, esteja achando que estou louco, o que pode não ser mentira, mas se tiver curiosidade e paciência, vai entender o caminho que trilhei. E esse caminho, que vai na contramão do que Dawkins disse, nos ajuda a entender porque Sperandio está preocupado com os temas centrais da fé cristã, criação, pecado e salvação. Enfim, as lições de amor e essas minhas provas da existência do Eterno se correlacionaram, e levam a uma teoria da existência.
 
Eternidade e amor estão entrelaçados, e vejo isso quando sou obrigado a pensar uma teoria da existência. E, metodologicamente, como teólogo, a primeira coisa que devo me perguntar é se uma coisa existe ou não existe. E isso significa trabalhar com variáveis: uma coisa existe; uma coisa não existe; uma coisa não existe, mas já existiu, deixou de existir e não existe mais, porém poderia existir.
 
Devo pensar também, e essa questão é um pouco mais complexa, que a existência existe. E ainda que eu diga que existência é espaço/tempo, como não temos espaço apenas, ou tempo apenas, a existência existe. Não dá para dizer que a existência não existe, ela é realidade no cosmo, produz diferença no mundo. Caso não existisse a existência, então, nada existiria.

 
Mas, outra questão deve ser colocada: se posso falar numa teoria da existência, preciso entender que posso apreendê-la enquanto atos de conhecimento. E ato de conhecimento é uma ação consciente sobre algo que existe ou uma realidade. Por isso, os atos de conhecimento nos remetem a pessoas que são conscientes e podem conhecer a existência através de seus processos e modos.



As pessoas são tocadas pelo amor. Nada sensibiliza mais o ser humano do que o amor, como dissemos acima. E, por isso, o amor e a morte se nos apresentam como estados definitivos. Caso você já tenha estado apaixonado ou apaixonada sabe como é.

E Oséias contou que o Eterno disse (2.14-18): “Vou seduzir a minha amada e levá-la de novo para o deserto, onde lhe falarei do meu amor. Ali, eu devolverei a ela as suas plantações de uvas e transformarei o vale da Desgraça em porta de esperança. Então ela falará comigo como fazia no tempo em que era moça, quando saiu do Egito. Mais uma vez ela me chamará de “meu marido”, em vez de me chamar “meu senhor” (meu baal). Nunca mais deixarei que ela diga o nome baal, nunca mais ela falará desse deus. Sou eu o Senhor quem está falando. Naquele dia, farei a favor dela uma aliança com os animais selvagens, com as aves, com as cobras, para que não ataquem a minha amada. Quebrarei as armas de guerra, os arcos e as espadas. Não haverá mais guerra e o meu povo viverá em paz e segurança. Israel, eu casarei com você, e para sempre você será minha legítima esposa. Eu tratarei você com amor e carinho, e serei um marido fiel. Então, você se dedicará a mim, o Senhor. Naquele dia, serei o Deus que atende: atenderei o pedido dos céus, os céus atenderão o pedido da terra, dando-lhe chuvas. E a terra responderá produzindo trigo, uvas e azeitonas. Assim, eu atenderei as orações do meu povo de Israel. Plantarei o meu povo na Terra Prometida para que eles sejam a minha própria plantação. E eu amarei aquela que se chama Não-Amada, e para aquele que se chama Não-Meu-Povo eu direi: “Você é meu povo” e ele responderá: “Tu és meu Deus”.

Agora, vamos desconstruir o texto de Oséias e relacioná-lo com a teoria da existência.
 
Deslumbrar e fascinar são desafios da existência e isso está expresso do texto de Oséias, quando o Eterno diz: Vou seduzir a minha amada e levá-la de novo para o deserto, onde lhe falarei do meu amor”. A travessia do deserto, quando os hebreus fugiram do Egito, foi um tempo de intimidade com a eternidade, uma porta de esperança, diferente do vale da desgraça, onde o soldado Acã foi condenado à morte por traição.

Assim, nessa correlação entre eternidade e amor, podemos discutir a existência a partir dos noturnos de Frederico Francisco Chopin. Esses noturnos eram cantos livres, que traduziam as experiências pessoais de Chopin e expressavam sua espiritualidade. Diria que os noturnos desse músico são o deserto do profeta Oséias, espaço/tempo de intimidade com a eternidade.
 
Particularmente, sou apaixonado pelo Noturno Opus 9 no. 2, que tem a propriedade de ser uma obra de criação e pertença de um humano sensível. É peculiar, diria inédita e exclusiva. E ao dizer essas coisas, afirmo não apenas que existe, mas sou obrigado a falar de sua natureza, de sua essência. Ou seja, saber que o Noturno Opus 9 no. 2 de Chopin existe, significa dizer que não existem outros Noturnos Opus 9 no. 2. Só existe esse.
 
Baal e îche são outros dois desafios da existência
 
E as lições de amor nos trazem de volta a Oséias, quando o Eterno diz: “Ela me chamará de meu marido”. E Isaías (54:4-5) conta que o Eterno disse: “Não temas, porque não serás envergonhada; não te envergonhes, porque não sofrerás humilhação; pois te esquecerás da vergonha da tua mocidade e não mais te lembrarás do opróbrio da tua viuvez. Porque o teu Criador é o teu marido; o Senhor dos Exércitos é o seu nome; e o Santo de Israel é o teu Redentor; ele é chamado o Deus de toda a terra”.
 
E mais uma vez a correlação entre amor e eternidade me remeteu a outro processo da existência, que vou analisar a partir de uma das mais simples máquinas que construímos: a roda. Todos conhecemos as suas aplicações e sabemos que crescem a cada dia: vão do uso nos transportes à utilização nas mais diferentes máquinas mecânicas. Mas é simples: caracteriza-se pelo movimento de rotação em seu interior. Em mecânica diz-se que o seu fato mais importante é determinado pela a transmissão de força, velocidade e distância, que se dá pela  relação entre o diâmetro da borda da roda e o diâmetro do eixo.
 
Ora, a roda nos remete ao trocadilho que Oséias fez com a palavra baal, que era o deus da fertilidade dos cananeus, mas cuja palavra significava também senhor e marido. Oséias não quer que sua amada o chame de baal, mas de îche, homem, que por extensão poderia significar também marido e herói.
 
Esse exemplo, o da roda, nos ajuda a entender a questão da existência, que não é uma propriedade que pertence, mas é o pertencimento a uma propriedade. Pense na roda, no conceito roda e em todas que existem ou podem existir. A existência da roda consiste em participar de relações de predicados. Assim, a existência da roda significa que pertence a propriedades ou é parte de propriedades. Nesse sentido, a existência é sempre participação na relação de predicados. Como baal ou îche.
 
Celebrar a imagem que transcende é um desafio fundante da existência
 
E para sempre você será minha legítima esposa”, disse o Eterno sobre sua amada. Oséias utiliza esse recurso para falar de uma aliança que transcende os predicados definidos pela existência.

Ou como o Eterno disse ao profeta Jeremias (31.33-34): “Quando esse tempo chegar, farei com o povo de Israel esta aliança: eu porei a minha lei na mente deles e no coração deles a escreverei; eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo. Sou eu, o Senhor, quem está falando. 34 Ninguém vai precisar ensinar o seu patrício nem o seu parente, dizendo: “Procure conhecer a Deus, o Senhor.” Porque todos me conhecerão, tanto as pessoas mais importantes como as mais humildes. Pois eu perdoarei os seus pecados e nunca mais lembrarei das suas maldades. Eu, o Senhor, estou falando”.
 
Aqui entra o meu terceiro exemplo dessa correlação entre eternidade e amor e os desafios de uma teoria da existência: a raiz quadrada de menos 1 (
-1). Como vimos, as coisas que existem tem suas propriedades. Quando alguma coisa não tem condições de ter existência comprovada ou não tem pertença/predicados, ela fica fora das leis fundamentais da lógica e da existência dos atos de conhecimento. Por isso, em matemática falamos em unidade imaginária i, enquanto solução da equação quadrática: x2+1=0, da qual decorre x2=−1.
 
Ou, dessa séria questão existencial x=
-1, onde a unidade imaginária é i=-1. Dentro da lógica matemática não posso dizer que este número exista, ele é imaginário porque é um recurso da minha imaginação, pois não há número real cujo quadrado seja negativo. É isso é um fato. Imagina-se, então, que haja números especiais, dotados de propriedades que satisfaçam essa exigência da imaginação. E assim a matemática criou uma classe de números: os imaginários, que não são reais.
 
E, agora, voltemos ao filme. O que os amigos do pai deficiente mental entendiam, e a assistente social não, era que havia entre o pai e a filha uma aliança maior, que transcendia em muito suas deficiências intelectuais, uma aliança de amor.
 
Dessa maneira, nessa correlação tresloucada entre eternidade e amor digo que uma teoria da existência parte de três fundamentos: (1) a diferença entre existir e não existir, e que essa diferença não é um atributo, não é uma propriedade; (2) a existência não faz parte da essência de cada coisa, mas cada coisa, todas as coisas mostram diferenças entre natureza e existência; (3) a mente transcende, produz representações que agregam conhecimento e constroem sentido para a existência. É o que Dawkins não entende e que
Sperandio, com paciência e amor, explica a ele.
 
Assim, na correlação eternidade/amor, a existência deslumbra e fascina; é baal e îche; transcende e cria a imagem que alucina.

Jorge Pinheiro

mercredi 2 octobre 2013

Comitê Nacional de Diversidade Religiosa

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República - SDH/PR divulgou, recentemente, edital para seleção de representantes da sociedade civil para compor o Comitê Nacional de Diversidade Religiosa. Sobre o assunto, o CONIC foi falar com a assessora da Política de Diversidade Religiosa da SDH, Marga Janete Ströher.

Confira:

1) Qual será a função do Comitê Nacional de Diversidade Religiosa?

O Comitê terá como finalidade principal promover o direito ao livre exercício das diversas práticas religiosas, disseminando uma cultura da paz, da justiça e do respeito às diferentes crenças e convicções e auxiliar na elaboração de políticas de afirmação do direito à liberdade religiosa na perspectiva dos direitos humanos.

2) De que modo ele contribuirá para a promoção dessa diversidade?

O Comitê terá como um de seus principais objetivos auxiliar a elaboração de políticas de afirmação do direito à liberdade religiosa, do respeito à diversidade religiosa e da opção de não ter religião de forma a viabilizar a implementação das ações programáticas previstas no PNDH-3 a fim de garantir a liberdade de crença, coibir a intolerância religiosa e garantir a laicidade do Estado, desenvolvendo uma cultura do respeito mútuo e da compreensão recíproca em relação às diferenças.

3) Como será o processo de escolha dos representantes da sociedade civil que irão integrar o Comitê?

Através de Edital de Seleção (clique aqui e saiba mais) que normatiza a escolha de pessoas que livremente se candidatam com a apresentação de documentos e com uma declaração de entidade que possa atestar sua atuação e compromisso com a diversidade religiosa e os direitos humanos. Após o prazo de encerramento das inscrições (30/09), a Comissão de Seleção coordenará as diversas etapas do processo seletivo, conforme descrito no Edital. Ao finalizar a seleção, a lista dos nomes será encaminhada para a homologação da Ministra para posterior publicação oficial.

4) Na sua opinião, quais os principais desafios em se trabalhar a diversidade religiosa no Brasil?

O Brasil tem uma diversidade e uma pluralidade religiosa que é também resultado do próprio processo de colonização. Mas ainda estamos distantes de uma convivência religiosa amistosa. Há muita discriminação e a intolerância religiosa tem aumentado consideravelmente, especialmente em relação às comunidades tradicionais de matriz africana por parte de grupos religiosos fundamentalistas. Neste sentido, é um desafio poder estabelecer um possível diálogo a fim de enfrentar a violência religiosa e desenvolver uma cultura de respeito às diferenças, à diversidade e aos direitos humanos.

5) Em linhas gerais, quais suas expectativas com a criação deste Comitê?

Espero que o Comitê tenha uma composição bastante diversificada e que seus membros possam estar engajados nos objetivos definidos em sua portaria de instituição e na colaboração proativa para a implementação de políticas de enfrentamento à intolerância religiosa, o respeito às diferenças e a garantia de liberdade e igualdade entre todas as pessoas.

FONTE: CONIC em 28/09/2013


samedi 21 septembre 2013

Google quer dominar a morte


Saiba um pouco mais sobre como a Google quer "dominar" a morte

Com a Calico, a gigante de Mountain View pretende mudar muito do que sabemos atualmente sobre a medicina 

Por Rafael Gazzarrini em 20 de Setembro de 2013

Saiba um pouco mais sobre como a Google quer

Ray Kurzweil, um dos homens por trás do trabalho da Google. (Fonte da imagem: Reprodução/flipthemedia)

Na quarta-feira desta semana (18), você deve ter lido aqui no Tecmundo uma notícia bastante interessante, envolvendo empresas do ramo de tecnologia e a área da saúde. Nós estamos falando do anúncio da Calico, companhia que surgiu entre uma espécie de esforço conjunto entre a Google e a Apple — sim, as famosas concorrentes.

Como foi informado, um dos altos executivos da Maçã, Arthur Levinson, vai ser o CEO da nova organização. Além disso, o objetivo dela é o de encontrar cura paras as doenças que afligem os seres humanos, como o câncer, e melhorar a qualidade de vida de todos. Para isso, a empresa vai trabalhar com foco em biotecnologia e cuidados com a saúde.
O início e o significado de tudo

Assim como diferentes fontes internacionais mostraram, Larry Page, um dos cabeças da Google, é um grande admirador de Ray Kurzweil. O estudioso defende a ideia que é conhecida apenas por “Singularidade”, afirmando que a tecnologia um dia vai ser tão avançada que o corpo humano poderá ser facilmente alterado, eliminando a velhice e a morte.

Tanto que, através da Google, Page foi um dos fundadores da Singularity University, sendo que ele tirou do próprio bolso US$ 250 mil (cerca de R$ 575) em doações para a instituição. Como se já não bastasse todo esse esforço, a própria gigante de Mountain View acabou contratando Kurzweil em dezembro do ano passado.

Dessa maneira, os empenhos da companhia para trabalhar com a saúde em geral acabaram tomando um novo rumo, resultando na criação da Calico. Como os objetivos da organização são voltados para o estudo da Singularidade, podemos dizer com tranquilidade que a Google simplesmente está trabalhando para que as pessoas não morram mais. Tem mais coisa do que isso...
Saiba um pouco mais sobre como a Google quer Arthur Levinson, o CEO da Calico. (Fonte da imagem: Reprodução/9to5Mac)

Apesar de a admiração de Page por Kurzweil e a cura de doenças graves serem dois pontos que pesaram para a construção da Calico, a importância econômica de tudo isso também falou alto. Em primeiro lugar, os estudos da ciência da vida estão pautados na genética, o que é algo que os computadores de hoje em dia podem entender.
Além disso, a área de pesquisas em saúde e biotecnologia não conta com tantos investidores quanto você pode imaginar — a própria Google é um dos primeiros, com o projeto Ventures. Dessa maneira, por mais que seja um investimento de grandes riscos, a gigante de Mountain View pode crescer de maneira espantosa e extraordinária caso suas iniciativas deem certo.
Empolgação X Discussões
Enquanto Page se preparava para anunciar o surgimento de Calico, o executivo agradeceu Bill Maris — da Google Ventures — e Levinson, com um ar bastante positivo. Além disso, o novo CEO afirmou que está empolgado para trabalhar em projetos “meio malucos”, como a expansão do tempo de vida e a cura do câncer.
No entanto, caso a Google saia vitoriosa e consiga mesmo criar pessoas virtualmente imortais, o mundo acabaria ficando superpopuloso. Para piorar, o balanço entre a parcela produtiva de pessoas e a de aposentadas iria ser desiquilibrado — afinal de contas, não se saberia dizer até quando alguém iria viver ou se ela deveria trabalhar mais ou menos.
Dessa maneira, mesmo no começo e sem planos definidos de operação, a Calico e as pessoas por trás dela precisam responder algumas questões e vencer algumas discussões. E aí, depois de ler tudo isso, você tem alguma opinião formada sobre o assunto?
Fonte: Time MagazineThe Verge


Leia mais em: http://www.tecmundo.com.br/google/44781-saiba-um-pouco-mais-como-a-google-quer-dominar-a-morte.htm#ixzz2fXj9meJM

mercredi 18 septembre 2013

A gestação étnica brasileira segundo Darcy Ribeiro


A GESTÃO ÉTNICA

por LÉA FERREIRA DE SOUZA OLIVEIRA 


RIBEIRO, Darcy, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002.

ANÁLISE

Darcy desenvolve sua visão sobre as condições em que os brasileiros foram se formando, o que denominou cunhadismo. O cunhadismo, segundo ele, era a prática indígena que tornou possível incorporar estranhos às comunidades. Consistia em se oferecer uma moça índia como esposa aos recém-chegados. A partir de então, o estranho estabelecia uma relação de parentesco com os índios dessa família. Esse processo acabou influenciando decisivamente no processo de formação do brasileiro.

Para o colonizador essa prática tornou-se a condição de possibilidade para o processo de pilhagem nas terras conquistadas e também a própria condição da conquista das terras. Pois contavam com um enorme contingente de índios que segundo determinava o sistema de parentesco dos índios, deveriam pôr-se a serviço do parente.

Como cada europeu posto na costa podia fazer muitíssimos desses casamentos, a instituição funcionava como uma forma vasta e eficaz de recrutamento de mão-de-obra para os trabalhados pesados de cortar paus-de-tinta, transportar e carregar para os navios, de caçar e amestrar papagaios e soíns.

A função do cunhadismo na sua nova inserção civilizatória foi fazer surgir a numerosa camada de gente mestiça que efetivamente ocupou o Brasil. É crível até que a colonização pudesse ser feita através do desenvolvimento dessa prática. Tinha o defeito, porém, de ser acessível a qualquer europeu desembarcado junto às aldeias indígenas. Isso efetivamente ocorreu, pondo em movimento um número crescente de navios e incorporando a indiada ao sistema mercantil de produção. Para Portugal é que representou uma ameaça, já que estava perdendo sua conquista para armadores franceses, holandeses, ingleses e alemães, cujos navios já sabiam onde buscar sua carga.

Por fim, à medida em que a demanda de mão-de-obra foi aumentando, tiveram de passar da utilização do sistema de cunhadismo às guerras de captura dos índios.

Outras instituições que tiveram grande influência na gestação étnica do Brasil foram as donatarias e as reduções, onde os índios viviam submetidos às ordens dos missionários.

Na concepção de Darcy o Brasil tem sido, ao longo dos séculos, um terrível moinho de gastar gentes. O fato é que se gastaram milhões de índios, milhões de africanos e milhões de europeus.

Foi desindianizando o índio, desafricanizando o negro, deseuropeizando o europeu e fundindo suas heranças culturais que nos fizemos. Somos, em consequência, um povo síntese, mestiço na carne e na alma, orgulhoso de si mesmo, porque entre nós a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Um povo sem peias que nos atenham a qualquer servidão, desafiado a florescer, finalmente, como uma civilização nova, autônoma e melhor.

Nossa matriz negra foi responsável por remarcar o amálgama racial e cultural brasileiro com suas cores mais fortes. Pelo fato de aprenderem o português com que os capatazes lhes gritavam e que com o tempo passavam a se comunicar entre si, acabaram conseguindo aportuguesar o Brasil.

Nossa matriz africana é a mais abrasileirada delas. Já na primeira geração, o negro, nascido aqui, é um brasileiro. O era antes mesmo do brasileiro existir, reconhecido e assumido como tal. O era, porque só aqui ele saberia viver, falando como sua língua do amo. Língua que não só difundiu e fixou nas áreas onde mais se concentrou, mas amoldou, fazendo do idioma o Brasil um português falado por bocas negras, o que se constata ouvindo o sotaque de Lisboa e o de Luanda.

A condição de vida do negro é descrita por Darcy como uma situação espantosa. Relata a violência permanente pela qual foram obrigados a viver. Pergunta-se: como conseguiram permanecer humanos? Como sobreviver sobre tanta pressão, trabalhando dezoito horas por dia todos os dias do ano? A triste conclusão é de que seu destino era morrer de estafa que era sua morte natural.

Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da marginalidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria.

Darcy assinala com grande lamento que "nossos patrícios negros" sofreram e ainda sofrem o drama de sua penosa ascensão de escravo a assalariado e a cidadão, sobre a dureza do preconceito racial.

(Trabalho apresentado no programa de integralização de Créditos do curso Bacharel em Teologia -- Estudo da Realidade Brasileira, ministrado pelo Prof. Dr. Jorge Pinheiro).