vendredi 10 avril 2015

Toulouse

Às margens do Garonne 
Jorge Pinheiro

Eu estava hospedado no Hotel de France e dividia o apartamento com Jean Richard, naquela época diretor da Faculdade de Ciências da Religião na Universidade Laval, em Quebec, no Canadá. O hotel era e é confortável, mas sem luxo. Fica na Rue d´Austerlitz, ao lado da praça Wilson, florida e cheia de restaurantes com mesas nas calçadas. Ótimo lugar para ler despreocupado, comer devagar e ver o movimento. 

Tirei aqueles dias da viagem para estudar mais uma vez a carta de Paulo aos Romanos. Usei o texto francês da Bíblia de Jerusalém e o comentário de Guy Lafon, do Instituto Católico do Paris. 

Na abertura do Colóquio Internacional da Associação Paul Tillich em Língua Francesa, Jean Richard falou sobre “Doutrina social, teologia da libertação e socialismo religioso”. Ele é um especialista em Paul Tillich. Foi também um dos responsáveis pela tradução para o francês das obras do período alemão de Tillich. Dessas, três devem ser citadas por sua importância para a Teologia da Cultura: “Christianisme et socialisme”, “Écrits contre les nazis” e “La dimension religieuse de la culture”. 

Para Richard, conforme expôs em sua Comunicação, “o horizonte filosófico e teológico de Tillich, nos anos 1920, tem uma amplidão surpreendente. Desde 1919, ele dirigiu seus estudos sobre a questão do socialismo religioso, a partir da idéia de uma teologia da cultura e do princípio protestante”. 

“Segundo a interpretação que Tillich faz, explica Jean Richard, é o princípio protestante que permite superar a dicotomia do profano e do sagrado, do natural e do sobrenatural. Isto porque a justificação pela graça significa que a graça da salvação opera independentemente das condições religiosas: tanto na ordem do profano como na ordem do religioso”. 

“É neste sentido que Tillich vai interpretar a expressão socialismo religioso. O socialismo religioso não é o socialismo da Igreja; nem um socialismo consagrado pela religião, um socialismo absolutizado. É um movimento plenamente profano, mas que na sua profanidade se abre para a transcendência do Incondicionado”. 

“Tal conceito aparece junto com a elaboração filosófica e teológica do socialismo religioso que Tillich situa no quadro de uma teologia da cultura. Fica evidente que Tillich, desde o início de seus estudos, sobrepõe a oposição entre libertação sociopolítica e salvação cristã, oposição que não é, no fundo, mais que uma figura da dicotomia entre natural e sobrenatural, profano e sagrado”, afirmou o professor canadense. 

Curti o Garonne, rio limpo e azulado que banha a cidade. Ao lado de sua margem direita, perto dos jardins da praça Saint Pierre, há um bar agradável com internet. Dele escrevi e-mails de amor para Naira. Nos dias ensolarados que tive a bênção de viver lá, o azul suave do rio se confundia com o céu e fazia contraste com o rosa da cidade. 

Jean Richard

Eu e Jean Richard trocamos umas quantas idéias sobre o socialismo religioso de Tillich, que entendemos como uma crítica a toda forma de socialismo, ou de política, que quer se absolutizar, que se coloca acima do Incondicionado. 

“O socialismo que queremos, disse Tillich, é aquele que coloca na teoria e na prática a questão da possibilidade de que a vida tenha sentido para todos os indivíduos da sociedade e que se esforce para responder a esta questão no plano da realidade e do pensamento”. 

“Tal socialismo não é apenas um movimento político, é mais que um movimento proletário. É um movimento que procura apreender cada aspecto da vida e cada grupo da sociedade”. [Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 346]. 

Toda estrutura política pressupõe poder e, consequentemente, um grupo que o assuma. E como todo grupo de poder é também um conglomerado de interesses opostos a outras unidades de interesses, sempre necessita correção. 

Assim, quando no poder, todo grupo, seja socialista ou não, necessita de correção. É o que justifica a democracia e a faz necessária enquanto sistema que incorpora correções contra o uso errôneo da autoridade política. [Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, "Entre la heteronomia y la autonomia", Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 239-240]. 

Toulouse é um centro intelectual da ordem dominicana. E nós, a convite, usamos para nossas palestras e debates as dependências da Faculdade de Teologia do Instituto Católico. A universidade católica de Toulouse nasceu em 1229. Foi gostoso estar lá. Aquele antigo convento medieval, cheio de histórias, convida ao silêncio e à reflexão. 

Entrei numa velha igreja dominicana, de arquitetura normanda, com linhas curvas e elegantes, sem imagens, apenas com uma cruz limpa ao fundo. Uma jovem tocava música renascentista no órgão de tubos. A igreja, vazia, parecia que ia levantar vôo. 

Orei em Romanos, “quem poderá nos separar do amor de Cristo...” e deixei que o Espírito falasse ao meu espírito. 

vendredi 3 avril 2015

O mito e seus desdobramentos

Revista Eclésia 134
Entrevista com Jorge Pinheiro

1 - É possível estabelecer alguma relação entre mitologia e cristianismo?

Jorge Pinheiro -- Remonta às origens do ser humano a busca por soluções para os problemas referentes à natureza, sua origem, o modo como ela se comporta, as transformações que nela se verificam e seu caráter de continuidade. Estes questionamentos levaram, em uma primeira instância, ao surgimento de mitos, formas pictóricas para a explicação dos fenômenos – em geral, da natureza.

 2 - Mitologia é uma religião?

Jorge Pinheiro -- A passagem dos mitos para a razão aconteceu, primeiramente – até onde se tem notícia –, na Grécia Antiga, por volta de 600 a.C. Cem anos antes, Homero e Hesíodo haviam confeccionado um apanhado da mitologia grega. Os pioneiros da filosofia criticaram a semelhança dos deuses com os humanos, mencionando que talvez os mitos fossem pura imaginação dos homens. Estas críticas associadas à nova estruturação política e social da Grécia -- cidades-estados, nas quais os cidadãos podiam dedicar-se livremente à discussão de temas sociais e filosóficos, pois todo o trabalho braçal era desempenhado por escravos --, propiciaram o desenvolvimento de uma maneira de explicar o mundo, não mais através do mito, mas sim pelo principal bem de que dispõe o filósofo: a razão. Entretanto, apesar das críticas dos primeiros filósofos à concepção mítica do mundo, a filosofia não se caracteriza por uma ruptura radical com a mitologia, mas sim por um fluxo gradual a partir desta.

Como a nova ordem política permitiu aos cidadãos gregos esse encontro de idéias, que se defrontavam e provocavam nas pessoas a necessidade de um esforço intelectual mais intenso, seguiram-se, em sua esteira, as concepções referentes à natureza. Dos mitos restaram os rituais religiosos, os mistérios das seitas, e a enorme influência de toda uma história da qual permaneceram rastros. Olhando para a natureza, o homem viu que existia a necessidade de prolongar sua experiência intelectual até seus domínios. Era preciso buscar respostas na razão, no confronto de raciocínios, na formulação e refutação de teses.  Existe, pois, um vínculo forte entre a sociedade e a natureza. Antes, ambas estavam reunidas sob o véu dos mitos. Ao separar-se uma da outra, os cidadãos gregos serviram-se do mesmo modelo de pensamento para ordená-las. Nem poderia ser diferente, não faria o menor sentido um povo adotar um regime democrático, onde a divulgação e o debate de idéias eram essenciais, se permanecessem agarrados aos mitos no que concernem as explicações cosmogônicas.

3 - Em obras de importantes escultores e pintores renascentistas -- como Miguelangelo, Rafael Sanzio, e outros -- ficam evidentes muitas das características do classicismo, da arte grega. Em se tratando de religião cristã podem-se apontar características que tenham sido influências da mitologia grega?

Jorge Pinheiro -- Como paradigma sagrado de compreensão, o mito era um saber que, interpretando a origem do universo, dos deuses, dos homens e suas instituições, enfim, de toda e qualquer realidade, fundamentavam e estruturavam a vida individual e coletiva da comunidade.

No caso da Grécia antiga, sabemos da riqueza, em número e formas, que apresentava o conjunto de seus mitos. É discutível se, na experiência grega, a filosofia apareceu como uma ruptura ou como uma continuação do pensamento mítico. Por um lado, ela rompeu com o mito no que diz respeito ao modo de investigar: se podemos descrever a experiência mítica como uma cosmogonia, uma criação ou recriação religiosa da origem do mundo, a filosofia aparece como uma cosmologia, uma apreensão do mundo através do logos.
 
Os mitos gregos tanto no mundo antigo como na modernidade foram amplamente utilizados por artistas. E a utilização histórica e artística de elementos pictóricos de mitos gregos não significa em nada uma volta à mitologia. Tal questão situa-se no campo da estética mais do que no campo da ética.

4 - Quais os aspectos do mundo contemporâneo que podem remeter à mitologia?

Jorge Pinheiro -- A cultura grega apresentou uma leitura mítica do destino, que traduzia a maneira de pensar e viver do helenismo. Na sua época, por razões apologéticas, o apóstolo Paulo apresentou um conceito de destino que resgatava e transcendia o conceito veterotestamentário de aliança. Entre os gregos, a religião e o culto de mistérios traduziam uma luta contra o destino, numa tentativa de colocar-se acima dele. A origem dos cultos de mistério não pode ser entendida quando os separamos dos mitos.

Para o ser humano helênico a luta com o destino era inevitável porque o destino tinha qualidades demoníacas. Era um poder sagrado e destrutivo. Envolvia o ser humano numa culpa permanente. Os cultos de mistério, dessa forma, ofereciam uma purificação das mãos de deuses que manipulando o destino excluíam do ser humano qualquer possibilidade de liberdade.

Assim, também a filosofia helênica, através do conhecimento, procurava elevar o ser humano à transcendência, despojando-o dos objetivos e formas da vida imediata, para lançá-lo através da abstração em direção ao ser puro. O mundo helênico era um mundo de culpa e castigo trágico e um profundo pessimismo atravessava todo o conhecimento, desde Anaximandro, passando por Pitágoras, Demócrito, Sócrates, Platão e Aristóteles.

Diante desse destino trágico, o mundo helênico tinha necessidade da revelação. Ameaçado por um destino demoníaco, o mundo helênico ansiava por um destino salvador, necessitava não somente de liberdade, mas também de graça.

O cristianismo é a vitória sobre a idéia da força trágica da matéria eterna, traduz a idéia de que o mundo é uma criação divina. É a vitória da crença na perfeição do ser em todos seus aspectos sobre o medo trágico e a matéria que resiste hostil ao divino. É a negação radical do caráter demoníaco da existência em si. Dá à existência um valor essencialmente positivo e valoriza os acontecimentos da ordem temporal. Com o cristianismo, ao contrário do que pensava Anaximandro, a ordem do tempo não leva apenas ao transitório e perecível, mas também à possibilidade de algo totalmente novo, um propósito e um fim que dá pleno significado à vida humana.

No cristianismo o tempo triunfa sobre o espaço. O caráter irreversível do kairós substitui o tempo cíclico, transitório e perecível do pensamento helênico. A partir desse momento, destino outorga graça, que traz salvação no tempo e na história. O mundo helênico e sua interpretação da vida foram superados e com eles, a religião, os mitos e os cultos de mistério.

Antes, a filosofia buscava desesperadamente a revelação, agora a revelação apodera-se da filosofia dando origem à teologia. Assim, a teologia jogou fora o destino demoníaco e por extensão a metafísica helenística e se apropriou de suas formas lógicas e de seus conteúdos empíricos. O transitório e perecível da filosofia helenística não teve importância na formação do pensamento ocidental, mas sim a idéia da criação divina do mundo e a fé numa providência divina, através da salvação que se constrói historicamente e acontece no kairós. E isso já não é helenismo, mas teológica cristã.   

Hoje a globalização excludente é mitologia que consome o mundo. E diante dela devemos fazer o mesmo que fizeram os cristãos dos primeiros séculos. Assumir o comissionamento que nos foi entregue. É necessário proferir um não ao tempo presente. E nessa crítica, o fundamental é envolver-se na situação histórica concreta, ter a coragem de decidir e colocar-se sob julgamento, ao nível do particular. O cristão deve olhar o mundo com atenção. E a luta dos povos em diáspora deve sensibilizar os intelectuais que fazem parte do corpo da igreja, pois estamos vivendo uma era de kairós, e as utopias dos povos em diáspora são partes do clamor contra a opressão globalizadora que caracteriza este início de século. Não é correto classificar as utopias dos povos em diáspora como simples conflito racial e religioso, ou como problema localizado em regiões distantes do globo. Ao contrário, hoje estamos vendo um clamor global do desterrado e excluído. As utopias de liberdade dos povos em diáspora não serão revoltas raciais e religiosas se estivermos interessados em praticar a fraternidade cristã. Porém, pregou-se, por muito tempo, um cristianismo vazio de fraternidade, que não significava mais que o desejo de que os povos aceitassem passivamente o seu destino colonial. As nações industriais do Ocidente subjugaram culturas, nações e povos por razões econômicas. Essas ações de saques internacionais golpearam os continentes e são os responsáveis pelo baixo padrão de vida que prevalece em todo o mundo chamado subdesenvolvido.

Nosso comissionamento, dentro da visão paulina, deve traduzir o pensamento cristão palestino de destino, ou seja, de estar proposto para algo sublime, no sentido de que os limites estão dados de antemão, da lei transcendente na qual está imbricada o conceito de liberdade. Assim, estar predestinado também implica numa trindade conceitual: (1) o estar predestinado está sujeito à liberdade; (2) estar predestinado significa que a liberdade também está sujeita à lei; (3) estar predestinado significa que liberdade e lei são interdependentes e complementares.

Analisando o conceito cristão palestino de destino ou estar predestinado, exposto por Paulo em sua carta aos romanos (8.31-39; e 9), podemos dizer que a liberdade humana está ligada às leis universais, de tal forma que liberdade e leis se encontram intrinsecamente entrelaçadas. Aqui Paulo trabalha com um conceito judaico, de que lei é imposição de limites, que faz parte da revelação, que se expressa pela primeira vez como criação de Deus. Mas para Paulo, se o mal é uma probabilidade que surge da correlação lei/graça, o julgamento era inerente a tudo na criação, mas também a liberdade.

Assim, a certeza de que o estar predestinado é divino e não demoníaco e tem um significado realizador e não destruidor é peça-chave do pensamento paulino, que coloca o logos acima do destino. Ao fazer isso, Paulo está dizendo que a compreensão do estar predestinado não está ao alcance do ser humano, nem pode ser submetido aos processos do pensamento humano. Mas esse logos eterno se reflete através de nossos pensamentos, embora não exista um ato do pensamento sem a secreta premissa de sua verdade incondicional. Mas a verdade incondicional não está ao nosso alcance. Em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco em cada enunciado da verdade. Mas, mesmo assim, devemos correr este risco, sabendo que este é o único modo que a verdade pode ser revelada a seres finitos e históricos.

Quando mantemos relação com o logos eterno e deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos o lugar que cabe ao estar predestinado em nosso pensamento. Podemos reconhecer que desde o princípio esteve submetido ao estar predestinado e que o nosso pensamento sempre desejou livrar-se dele, mas nunca conseguiu. Tarefa teológica da maior importância, na análise cristã do estar predestinado é saber relacionar logos e kairós. O logos deve envolver e dominar as leis universais, a plenitude do tempo, a verdade e o estar predestinado da existência. A separação entre logos e existência chegou ao fim. O logos alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco a ele próprio, mas porque é a expressão de seu próprio caráter intrínseco, sua liberdade.

É necessário, porém, entender que tanto a existência como o conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o imutável e eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento liberto do destino: a revelação. Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, todo ser humano possui uma potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu estar predestinado. Quanto maior a potencialidade do ser – que cresce à medida que é envolvido e dominado pelo logos – mais profundamente está implicado seu conhecimento no estar predestinado.

Nosso destino, que aqui deve ser entendido como missão, é servir ao logos, num novo kairós, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino, no sentido de prokeimai (em grego estar colocado, ser proposto) e o de nossa sociedade, tanto mais livres seremos. Então, nosso trabalho será pleno de força e verdade.

Diante da mitologia da globalização excludente, nosso comissionamento permanece o mesmo dos primeiros cristãos: levar a graça de Cristo a um mundo em crise, imerso em culpa e destino trágico.

5 - Existe mitologia cristã?

Jorge Pinheiro -- Dentro da exposição que fizemos do mito grego não se pode falar em mitologia cristã.

6 - Quanto ao Cálice Sagrado, ou Santo Graal, que algumas religiões apontam ter sido usado por Jesus na Última Ceia e que no qual, supostamente, José de Arimatéia teria recolhido o sangue de Cristo durante a crucificação, esse pode ser considerado um exemplo de mitologia cristã?

Jorge Pinheiro – A mitologia é fenômeno sócio-cultural. Não é um erro ou uma farsa. Quem é que conhece ou define sua vida pelo Santo Graal? Esse assunto deve ser situado no campo da ficção.

7 - E a Ordem dos Cavaleiros Templários que, também supostamente, teria realizado importantes descobertas e ter ficado de posse do Santo Graal?

Jorge Pinheiro – A resposta anterior elimina esta. Desde quando importantes descobertas são supostas?

8 - Há algum outro exemplo de "mito" cristão, se é que se pode ser chamado de mito?

Jorge Pinheiro – O cristianismo é uma fé racional e objetiva que brota do caráter e das promessas de Deus. É uma confiança racional, porque nasce da reflexão e leva à constatação de que Deus é digno de crédito. Mas, de maneira nenhuma, lança fora a vontade, a afetividade, a personalidade, as ações, obras e experiências humanas enquanto componentes e realidades da fé.

Teologicamente, conhecimento é fé (Hb 11.1). Ela depende de uma opção da pessoa e é um estado do coração. Vejamos por que: tomando por base alguns textos (Rm 10.9-10; 1 Jo 5.1; Jo 5. 38-40, 42, 44; 2 Ts 2.10; At 8. 37) podemos dizer que a fé (1) é um dever e, portanto, a vontade está incluída; (2) que é uma graça entregue pelo Espírito Santo (1Co 13), e sendo graça não está limitada ao intelecto; (3) que dá glória a Deus e não se dá glória a Deus só com a razão, já que envolve toda a personalidade humana; (4) expressa-se em termos de afeto (2Ts 2.10). Ora receber inclui afeto, implica assim em engajamento de afetividades (Rm 10.9-10); (5) a falta de fé está ligada a uma disposição moral (Jo5; Jo 8.33+; Hb 3; Ef 4.17). A incredulidade é um estado do coração, não é um erro enquanto abordagem meramente racional.

Se não houver arrependimento não há fé verdadeira. João, o batista, pregava o batismo do arrependimento. E sem regeneração também não há fé. Os textos que nos levam a pensar assim são 1Co 2.10-16, 1Co 12.3; a experiência de Nicodemos (Jo 3) e Rm 8.7.

Assim, a idéia de que o cristianismo tem base mítica nasce do desconhecimento do que significa a fé ou revelação, enquanto processo que inclui coração e mente, arrependimento e regeneração. O processo de conhecimento da revelação está ligado à obediência, que em última instância é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana, arrependimento e regeneração de vida. E isto está longe da mitologia.

9 - Na mitologia grega, Zeus é o deus supremo do mundo. Há alguma ligação histórica, filosófica, bíblica, entre Zeus e Deus, nosso Senhor?

Jorge Pinheiro -- Entre 171 e 169 antes de Cristo, Antíoco IV Epífanes, rei selêucida, enviou tropas a Jerusalém, ordenou a abolição da lei judaica e iniciou uma violenta política repressiva. Mandou construir em Jerusalém uma cidadela para abrigar uma guarnição pagã, levantou no templo um altar com uma estátua de Zeus olímpico e em dezembro de 167 a.C. iniciou sacrifícios de acordo com o ritual grego. Os capítulos 6 e 7 de 2Macabeus relatam casos de judeus torturados pelo governo por se recusarem a comer carne de porco e a fazer sacrifícios a baal shamaim (Zeus). As perseguições do início da década de 170 a.C. falam dos primeiros mártires da história: homens e mulheres que preferiam a morte a violar os preceitos de sua fé. Dê uma olhada em 1Macabeus 1.59; 2Macabeus 10.5, 6.2 e Daniel 11.31+. O que tem o Eterno, criador dos céus e da terra, com baal shamaim, o Zeus olímpico? Nada.

10 - Na sua opinião, qual foi a maior contribuição da mitologia grega para a humanidade, em todos os aspectos?

Jorge Pinheiro -- A filosofia apreende a realidade através do questionamento teórico, trabalhando, a partir de uma visão geral da totalidade, do real, com separações e aproximações de idéias -- dinâmica própria da razão, que estrutura o modo de pensamento que se tornou mais comum e predominante no Ocidente. Por outro lado, a filosofia tem em comum com o mito a sua questão: ambos nascem como modos de interpretar a origem (arché) do real. É neste sentido que Aristóteles, um dos pais da filosofia, escreveu em sua Metafísica: “Por isso, também o amante de mitos (philomythos) é, de algum modo, filósofo: pois o mito é composto de extraordinário”.

A proposição de um problema dialético está relacionada à solução de um mistério ou enigma – forma de problematizar questões, muito empregada pelos gregos da Antiguidade –, visto que ambas são explicitadas enquanto opostos. Entende-se, pois, que o racionalismo é um ato contínuo ao misticismo, isto é, são etapas sucessivas de um processo. Não é sensato desprezar a visão mítica como ponto de partida para a ideação mais racional, no sentido de não-mítico. O mito foi o ponto de partida, o primeiro esforço da humanidade. A pergunta que se impõe é como o ser humano passou a pensar de forma não-mítica? Alguns autores consideram que houve um salto, chamado “milagre grego”. Esta é uma idéia ingênua, porque podemos perceber uma relação entre os mitos cosmogônicos, mitos que descreviam a formação do universo, e a cosmologia dos primeiros filósofos.

Em termos gerais, a razão é o exercício de procurar e avaliar argumentos antes de aceitar como bom o que penso saber. É a faculdade capaz de estabelecer ou captar as relações que fazem com que as coisas dependam umas das outras, e sejam constituídas de uma determinada forma e não de outra. Ao organizar as notícias, os estudos ou as experiências, aceitamos algumas à espera de melhores argumentos. E rejeitamos outras, tentando ligar as crenças entre si com alguma harmonia. Assim, podemos dizer que o ser humano atravessou o mito em direção à razão e ao pensamento científico: não há porque voltar a ele.


dimanche 29 mars 2015

Jorge Pinheiro, 70 anos

Jorge Pinheiro

Jorge PINHEIRO dos Santos

FotoÉ Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2011) e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008), Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2006), Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2001) e Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2001). É professor de tempo integral na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e Jornalista Profissional. Atua na área de Ciências da Religião, com especialização nas relações entre religião e política, e filosofia, teologia e cristianismo. 


vendredi 27 mars 2015

O dia da Sara

הִ֭תְרַפִּיתָ בְּיֹ֥ום צָרָ֗ה צַ֣ר כֹּחֶֽכָה׃

Si tu fai­blis au jour de la tsara, bien peu de tsar est ta force.
En cinq mots, vi­gou­reux ap­pel à l’éner­gie mo­rale. À l’­heure de l’épreuve, il faut ré­agir. Si, dans ces mo­ments dé­ci­sifs, on ne montre au­cune force, c’est qu’on n’en a point. Il y a dans l’o­ri­gi­nal un jeu de mots : Si tu fai­blis au jour de la tsara), bien peu de tsar est ta force.

DIA DA SARA -- Você e as crises
Jorge Pinheiro, PhD

Quem é fraco numa crise é realmente fraco”. Provérbios 24.10.

Quando falamos de crises lembramo-nos de problemas que nos cercam ou que são externos a nós. O que está fora é uma parte da questão, a outra é como nós enfrentamos os problemas. O provérbio acima não fala do que está acontecendo no mundo, mas analisa a nossa maneira de enfrentar ascrises.

Esse provérbio se divide em três momentos. Primeiro fala da pessoa que é fraca. A palavra hebraica que traduzimos por fraco, pode ser mais bem traduzida por frouxo. Não como expressão grosseira ou agressiva, mas como metáfora de algo que está solto, que não tem firmeza. Assim, quem se mostra frouxo, fica desalentado, deixa cair a bola, relaxa e afunda.

O segundo momento do provérbio é a expressão idiomática “dia da Sara”, que foi traduzida na versão em Linguagem de Hoje por crise. A expressão “dia da Sara” tem o sentido de “aquela que importuna” ou “de esposa rival”. Isto porque na tradição do judaísmo antigo, Sara, mulher de Abraão, era vista como brava e brigona, que maltratou Agar, a ponto dessa última fugir de casa.

Devemos nos lembrar que a família hebraica antiga era poligâmica e a esposa chamada de rival era aquela que em determinado momento entrava em choque com a outra, ou com as outras e desestabilizava o equilíbrio da família. Para o senhor, esse era um momento da crise. O homem era o senhor e regente dessa família de estrutura patriarcal, e caso se mostrasse frouxo, diz o ditado hebraico, perderia o controle da situação, entraria em depressão e afundaria.

O provérbio parte de uma realidade cultural, ilustrada na família patriarcal machista, onde as mulheres se chocam, e o marido não pode ser frouxo.

Apesar de não concordarmos com a estrutura poligâmica, patriarcal e machista dessa família, a lição do provérbio permanece válida. Assim, contextualizado, podemos dizer que a atitude que você deve tomar diante da crise não pode ser de alguém que se deixa desorientar e afundar.

A crise aí descrita fala de um momento onde há um elemento desestabilizador, que enlouquece um ambiente ou uma situação. Ser frouxo, ter uma atitude de “deixa estar que depois melhora” pode levar todos a afundarem juntos. Esse é o momento da liderança consciente, momento de encarar o problema com sabedoria e firmeza.

Como aconselhou o apóstolo Paulo, devemos estar alertas, ficar firmes na fé, ser corajosos e fortes (1ª. Carta aos coríntios 16.13). Que Deus lhe dê firmeza e sabedoria para enfrentar problemas e conquistar vitórias.




mercredi 25 mars 2015

Os batistas e o Estado

Nossos princípios batistas e nossas relações com o Estado
Jorge Pinheiro, PhD


As Escrituras revelam que cada ser humano é criado à imagem de Deus; é único, precioso e insubstituível. Criado ser racional, cada pessoa é moralmente responsável perante Deus e o próximo. O homem, como indivíduo, é distinto de todas as outras pessoas. Como pessoa, ele é unido aos outros no fluxo da vida, pois ninguém vive nem morre por si mesmo.

Aa Escrituras revelam que Cristo morreu por todos os seres humanos. O fato de ser o pessoa criada à imagem de Deus, e de Jesus Cristo morrer para salvá-la, é a fonte da dignidade e do valor humano. Ele, o ser humano, tem direitos, outorgados por Deus, de ser reconhecido e aceito como pessoa sem distinção de raça, cor, credo, ou cultura; de ser parte digna e respeitada da comunidade; de ter a plena oportunidade de alcançar o seu potencial.

Cada pessoa foi criada à imagem de Deus e, portanto, merece respeito e consideração como um indivíduo de valor e dignidade infinita.

O indivíduo, porque criado à imagem de Deus, torna-se responsável por suas decisões morais e de fé. Ele é competente, sob a orientação do Espírito Santo, para formular a própria resposta à chamada divina ao evangelho de Cristo, para a comunhão com Deus, para crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor. Estreitamente ligada a essa competência está a responsabilidade de procurar a verdade e, encontrando-a, agir conforme essa descoberta, e partilhar a verdade com outros. Embora não se admita coação no terreno religioso, o cristão não tem a liberdade de ser neutro em questões de consciência e convicção.

Cada pessoa é competente e responsável perante Deus, nas próprias decisões e questões morais e religiosas.

A inalienável liberdade de consciência

Os batistas consideram como inalienável a liberdade de consciência, a plena liberdade de religião de todas as pessoas. O homem é livre para aceitar ou rejeitar a religião; escolher ou mudar sua crença; propagar e ensinar a verdade como a entenda, sempre respeitando direitos e convicções alheios; cultuar a Deus tanto a sós quanto publicamente; convidar outras pessoas a participarem nos cultos e outras atividades de sua religião; possuir propriedade e quaisquer outros bens necessários à propagação de sua fé. Tal liberdade não é privilégio para ser concedido, rejeitado ou meramente tolerado – nem pelo Estado, nem por qualquer outro grupo religioso – é um direito outorgado por Deus.

Cada pessoa é livre perante Deus em todas as questões de consciência e tem o direito de abraçar ou rejeitar a religião, bem como de testemunhar sua fé religiosa, respeitando os direitos dos outros.

Tanto a igreja como o Estado são ordenados por Deus e responsáveis perante ele. Cada um é distinto; cada um tem um propósito divino; nenhum deve transgredir os direitos do outro. Devem permanecer separados, mas igualmente manter a devida relação entre si e para com Deus. Cabe ao Estado o exercício da autoridade civil, a manutenção da ordem e a promoção do bem-estar público.

O cristão é cidadão de dois mundos – o reino de Deus e o estado político – e deve obedecer à lei de sua pátria terrena, tanto quanto à lei suprema. No caso de ser necessária uma escolha, o cristão deve obedecer a Deus antes que ao homem. Deve mostrar respeito para com aqueles que interpretam a lei e a põem em vigor, e participar ativamente na vida social, econômica e política com o espírito e princípios cristãos. A mordomia cristã da vida inclui tais responsabilidades como o voto, o pagamento de impostos e o apoio à legislação digna. O cristão deve orar pelas autoridades e incentivar outros cristãos a aceitarem a responsabilidade cívica, como um serviço a Deus e à humanidade.

A igreja é uma comunhão voluntária de cristãos, unidos sob o domínio de Cristo para o culto e serviço em seu nome. O Estado não pode ignorar a soberania de Deus nem rejeitar suas leis como a base da ordem moral e da justiça social. Os cristãos devem aceitar suas responsabilidades de sustentar o Estado e obedecer ao poder civil, de acordo com os princípios cristãos.

O Estado deve à igreja a proteção da lei e a liberdade plena, no exercício do seu ministério espiritual. A igreja deve ao Estado o reforço moral e espiritual para a lei e a ordem, bem como a proclamação clara das verdades que fundamentam a justiça e a paz. A igreja tem a responsabilidade tanto de orar pelo Estado quanto de declarar o juízo divino em relação ao governo, às responsabilidades de uma soberania autêntica e consciente, e aos direitos de todas as pessoas. A igreja deve praticar coerentemente os princípios que sustentam e que devem governar a relação entre ela e o Estado.

A igreja e o Estado são constituídos por Deus e perante Ele responsáveis. Devem permanecer distintos, mas têm a obrigação do reconhecimento e reforço mútuos, no propósito de cumprir-se a função divina.

Eis a compreensão batista da relação igreja-Estado e a razão porque proclamamos: "Igrejas livres em Estado livre!"

mercredi 18 mars 2015

Éthique sociale et socialisme religieux

Marc Boss, Doris Lax, Jean Richard, éd., Éthique sociale et socialisme religieux. Actes du XVe Colloque International Paul Tillich, Toulouse 2003, Münster, Lit, coll. « Tillich Studien », 2005. 23,5 cm. 276 p. € 29,90

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Ce volume rassemble les actes du XVe Colloque International de l’Association Paul Tillich d’Expression Française, qui s’est tenu à l’Institut catholique de Toulouse du 23 au 25 mai 2003.

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La première partie du recueil aborde, dans une perspective historique, les multiples facettes de la pensée politique et sociale de Tillich. Christian Danzmontre, à partir des écrits berlinois (1919-1924), que la philosophie de l’histoire qui sous-tend le socialisme religieux de Tillich est elle-même tributaire d’une théologie de l’histoire : « Le socialisme religieux est la forme dans laquelle une conscience historiale à caractère éthique, devenue transparente à elle-même au cœur même de la foi, se réalise dans l’histoire. » Martin Leiner analyse les relations entre Tillich et Barth à partir de leur enracinement commun dans le socialisme religieux et met ainsi en lumière le caractère central de la notion de « paradoxe positif » dans leurs systèmes théologiques respectifs. Tabea Röslerrelève plusieurs traces de la pensée du jeune Hegel dans La décision socialiste et dans d’autres écrits tillichiens de la période francfortoise (1929-1932) ; elle montre notamment que dans son combat contre le romantisme politique d’Emanuel Hirsch et du national-socialisme, Tillich emprunte à Hegel sa vision de l’éthique sociale comme éthique de la liberté et sa dialectique de l’être (religieux) et du devoir-être (politique). James Reimer souligne qu’à la différence de Hirsch et de l’école de Carl Schmitt, Tillich appuie sa vision du pouvoir, de la morale et du droit sur une ontologie fondamentale plutôt que sur un nationalisme historiciste, mais que sa théorie du droit admet, comme celle de ses adversaires, le postulat d’une instabilité foncière de principes légaux tels que les droits et les libertés. Brian Donnelly examine l’influence persistante de la pensée marxiste sur les écrits américains de Tillich ; analysant le rôle du concept de prolétariat dans le socialisme religieux, il montre que la corrélation établie entre conscience religieuse et conscience prolétarienne permet à Tillich d’intégrer cette dernière dans le symbolisme de la « communauté spirituelle ». Roland Galibois s’intéresse également, mais dans une perspective plus restreinte, à l’influence de Marx sur Tillich : révisant les conclusions de sa recherche antérieure sur les rapports entre religion et socialisme dans l’Utopie de Thomas More et dans l’œuvre allemande de Tillich, il souligne le rôle médiateur que le socialisme de Marx joue entre la pensée de More et celle de Tillich. Ronald Stone analyse les relations entre Tillich et Reinhold Niebuhr : s’ils se sont mutuellement influencés dans le domaine de la théologie, leur collaboration fut toutefois plus décisive dans le domaine politique et social, que ce soit dans le soutien à la cause sioniste ou dans la critique du programme d’armement nucléaire des États-Unis. Jean-Paul Gabus examine les implications ontologiques, théologiques et politiques des discours radiodiffusés que Paul Tillich adresse à ses « amis allemands » durant la Seconde Guerre mondiale ; ces discours témoignent de l’attente persistante, chez l’auteur de La décision socialiste, d’un « nouveau kairos » qui devait après la victoire des Alliés amener non seulement une renaissance décisive du peuple allemand, mais encore une révolution sociale parmi toutes les nations du monde. Terence O’Keeffe rappelle les multiples collaborations entre Tillich et l’école de Francfort, en Allemagne comme aux États-Unis, mais il souligne, en se fondant notamment sur les témoignages qu’il a personnellement recueillis auprès de Leo Löwenthal et d’Adolf Löwe, que les liens entre Tillich et les membres de l’école sont « des liens d’amitié plutôt que de dépendance intellectuelle ».

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Si la première partie du recueil privilégie une approche historique, la seconde examine, dans une perspective plus systématique, dans quelle mesure la voie du « socialisme religieux » explorée par Tillich peut aujourd’hui contribuer à l’élaboration de nouvelles formes d’éthique sociale dans un contexte mondialiste et multiculturel. À l’articulation de ces deux approches, l’étude de Céline Ehrweinexamine les relations entre Tillich et Hannah Arendt, à la lumière notamment de leur correspondance, et propose une critique croisée de leurs théories sociales et politiques : si la tentation du socialisme religieux est de confondre les domaines politique, social et spirituel, la tentation d’Arendt et des libéraux est d’abandonner toute thématisation critique de leur inéluctable conjonction. André Gounelle, dans une réflexion librement inspirée de Tillich, se demande si les sociétés ont besoin d’une éthique en complément de leurs règles juridiques et dans quelle mesure les convictions des communautés religieuses peuvent contribuer à en déterminer les contenus et à en tracer les limites. Théo Junkervoit dans le socialisme religieux de Tillich la synthèse d’un protestantisme et d’un socialisme reconduits à leurs principes respectifs ; à la croisée d’une tradition prophétique et d’une revendication de justice immanente, d’un « projet de civilisation générant une culture » et d’un « projet politique inspirant une forme de société », le socialisme religieux « établit les fondements d’une politique réaliste, ouverte à une théologie généreuse, libre et solidaire de la condition humaine ». Mary Ann Stenger explore les fondements ontologiques et théologiques de la théorie tillichienne de la justice créatrice et soumet ses applications au critère d’une vision différenciée du pouvoir politique : pour que la justice créatrice devienne effective, ceux qui se tiennent près des centres de pouvoir et ceux qui sont relégués dans leurs marges doivent accepter de s’écouter réciproquement dans le but de faire naître des structures politiques plus justes. Robison B. James suggère que la critique tillichienne de l’« existence bourgeoise » repose sur une lecture unilatérale d’Adam Smith et néglige un aspect crucial de sa doctrine : les sentiments moraux qui sont dans une population donnée la condition d’existence d’un système économique efficace et compétitif ; révisée sur ce point, l’éthique sociale de Tillich contiendrait l’amorce d’une contribution décisive aux discussions sur la théorie éthique de l’utilitarisme. Emmanuel Toniutti esquisse une réflexion éthique sur le management de l’entreprise à partir d’un cadre conceptuel emprunté au socialisme religieux de Tillich. Jean Richard montre comment le « socialisme religieux », élaboré par Tillich en terre protestante dans les années 1920, peut aider à résoudre le conflit toujours latent entre la « doctrine sociale de l’Église » catholique romaine et la « théologie de la libération » issue des pays du tiers-monde, d’Amérique latine tout particulièrement. Etienne Higuet analyse la vision du socialisme brésilien qui s’exprime dans les documents officiels du Partido dos Trabalhadores (Parti des Travailleurs) et dans son programme de gouvernement à partir des catégories du socialisme religieux de Tillich. Jorge Pinheiro examine plus spécifiquement l’évolution récente du socialisme brésilien à la lumière des réflexions de Tillich sur l’utopie et le mythe de l’origine. Denis Müller souligne que la religion, au sens où la conçoit Tillich, entretient avec le monde profane un rapport à la fois structurant et critique ; il interroge cette conception de la profanité à partir des rapprochements que Jean-Luc Nancy opère entre « création du monde » et « mondialisation ».

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Un discours de Tillich, intitulé « Le national-socialisme et la Révolution française », figure en annexe de ce volume. Radiodiffusé en Allemagne le 5 juillet 1943 sur les ondes de la Voix de l’Amérique, ce texte emblématique de l’itinéraire intellectuel et politique du théologien germano-américain est ici pour la première fois publié en traduction française.

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M. B.

samedi 14 mars 2015

Jorge Pinheiro deu esta entrevista em 2008



Jorge Pinheiro fala sobre seu livro  Novela de memórias: um pedaço de mim





Esta entrevista foi feita por ocasião do lançamento do livro de memórias de Jorge Pinheiro em maio de 2008, publicado pela Eleva Cultural, em São Paulo.

P- Você ainda é jovem. Políticos, jornalistas e escritores, em geral, escrevem suas memórias já tarde, quando o ocaso se aproxima. Por que você está lançando seu livro agora?
Jorge Pinheiro - Obrigado pelo jovem. Tenho 63 anos (lembrar que esta entrevista foi feita em 2008 portando agora o Jorge tem 69) saudáveis até agora, mas 63 anos nos levam a pensar no trânsito em direção à eternidade. Donde, começou a contagem regressiva. As ideias do livro partem de dois fatores, o papel da utopia socialista na minha vida e os demônios que infernizaram a minha juventude. Na verdade, como novela de memórias o livro tem dois personagens: eu mesmo e a utopia socialista. Quando falo utopia não estou menosprezando o sonho do socialismo, mas colocando-o num patamar de realização permanente, histórica e transhistórica. Ou seja, vejo o caminhar permanente da utopia, sinto o seu cheiro agradável, mas não necessariamente vou vivê-la como desejaria. E os demônios, seguindo Nietzsche, são os pecados da juventude que se tornam virtude na velhice. São os pesadelos que andam sempre ao lado dos sonhos. Nesse sentido, como qualquer texto biográfico, o meu livro tem função de exorcismo. Exorcizar fantasmas e demônios e ficar com a utopia geradora de novos sonhos. O livro é a primeira parte de uma trilogia esperada. É a minha história e a história da minha utopia, onde tudo o mais é cenário. É biografia, mas também ficção, pois sonhos e demônios são personificados, interferindo na vida do autor e de seu sonho maior.
P - Qual o período de sua história pessoal que é abrangido pela obra que em breve será lançada?
Jorge Pinheiro - A história cobre os anos de 1969 a 1973. Ou seja, minha militância no Movimento Nacionalista Revolucionário/MNR, o primeiro exílio, a militância no Chile de Allende, a prisão depois do golpe de Pinochet e a condenação por fuzilamento. Se levarmos em conta que fui para o paredón para ser fuzilado e hoje posso contar a história para vocês, é fácil entender os demônios da minha história.
P- Você sente algum tipo de nostalgia em relação ao período marcado pela ação política de 68, passados 40 anos do ocorrido?
Jorge Pinheiro- Vocês publicaram a coisa de semanas um ótimo artigo sobre Daniel Cohn-Bendit, onde ele pede às novas gerações que esqueçam o Maio francês. Eu e minha mulher, Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos, temos trabalhado bastante sobre esta questão. E, ao contrário de Cohn-Bendit, não negamos a contemporaneidade de 1968. Ao contrário, agradecemos a Deus por aquele kairós, enquanto esforço de ruptura com uma sociedade arcaica e sem sintonia com o novo que se avizinhava, e de construção de um socialismo democrático e revolucionário. Chamar o movimento de 68 de rebeldia juvenil é não entender a riqueza criativa do kairós histórico é negar as lutas que partiram de estudantes e trabalhadores da França em direção aos EUA, Itália e Alemanha, e jogar no lixo as lutas entre o capital e o trabalho, as guerras do Vietnã, Laos, Camboja e as insurreições populares no Chile, Portugal e Nicarágua. Não tenho nostalgia, porque não situo minha ação no passado, mas no presente, enquanto ativista político-social que sou. O Maio francês abriu um novo momento na história do planeta e não se limitou à Europa. Espraiou-se pelo mundo. E minha vida política, quer no Brasil, no Chile, na Argentina e mesmo na Europa, esteve correlacionada ao Maio francês. Aprendi desde pequeno que não se cospe no prato em que se come. Creio que cresci em relação à minha ingenuidade militante e juvenil, mas isso não significa negar os momentos nobres e poderosos da minha militância nos anos 60 e 70. Minha conversão ao cristianismo, que é um ato de fé no sacrifício do Cristo, de forma nenhuma implicou um abandono de minha consciência política. Nós, batistas, consideramos inalienável a liberdade de consciência e acreditamos que cada pessoa é livre perante Deus em todas as questões de consciência. Nesse sentido, sou um utópico: acredito que devo me posicionar a partir de uma ética da responsabilidade social. Isso implica entender o paradoxo da multicultura relacional brasileira: vivemos num país onde impera a moral autoritária do senhor, da casa grande e da senzala, e a moral libertária da contracultura – a moral do “não existe pecado do lado de baixo do Equador/ vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor”. Por isso, qualquer atuação no campo social implica compreender esta realidade. Mas, consciente de que as sociedades devem se organizar através de relações democráticas considero que a igreja na América Latina tem como desafio embasar seu compromisso no imperativo protestante: liberdade, conhecimento e justiça. Tal processo se expandirá conforme cresça a consciência de que temos a tarefa de transformar o Brasil num país onde todos possam acessar condições dignas de vida e justiça social. E, logicamente, todo o continente.
P- Como ocorreu o processo vivido por você -- um militante marxista radical considerado perigoso pela ditadura militar brasileira -- de rompimento com sua política e o posterior encontro com o cristianismo, a Igreja Batista, a teologia? Como você lida com essa questão hoje?
Jorge Pinheiro – Jesus proclamou a chegada do Reino de Deus, que é um reino de justiça, paz e alegria. É bem verdade que, muitas vezes, o cristianismo tem deixado a proclamação do Reino de Deus de lado e procurado viver sob a tutela do reino deste mundo. Mas, só para mostrar o envolvimento cristão protestante na transformação do mundo, vou me remeter à história da militância cristã na Inglaterra do século XVIII. William Wilberforce e William Pitt são nomes conhecidos na Inglaterra, mas não entre nós. Amigos desde a universidade, esses dois homens, no século 18, chegaram ao Parlamento no início dos seus vinte anos. Pitt elegeu-se primeiro-ministro e ganhou o apelido de "o jovem", para diferenciá-lo do pai, que também ocupara o cargo. E resolveu implantar um projeto político audacioso: acabar com o tráfico de escravos, liderado pela Inglaterra. Projeto difícil, pois a maioria dos parlamentares estava direta ou indiretamente ligada ao tráfico. Pitt convocou Wilberforce para ajudá-lo na tarefa. E foi assim que dois movimentos marcaram a Inglaterra: a campanha contra a escravidão, que começou em 1789, com um discurso de William Wilberforce na Câmara dos Comuns, e as campanhas pelas reformas trabalhistas, que desembocaram no movimento social cristão. Em 23 de fevereiro de 1807, o tráfico de escravos foi interrompido, graças à intensa militância cristã e política de Wilberforce. A partir desse momento, as campanhas abolicionistas foram lideradas por outro ativista, Thomas Fowell Buxton. Ambos, Wilberforce e Buxton, pertenciam a um pequeno grupo protestante surgido na paróquia de Clapham, vilarejo distante oito quilômetros de Londres. Assim, a comunidade de Clapham, aliada a grupos não conformistas, e através da publicação de literatura, realização de palestras e mobilizações de rua, foi responsável por algumas das manifestações sociais mais importantes da Inglaterra. Em 25 de julho de 1833, o Ato de Emancipação libertou os escravos em todo o império britânico. O significado dessa ação repercutiu em todo o mundo, inclusive no Império brasileiro, estrategicamente ligado à Inglaterra, através de três intelectuais: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Luiz Gama. Nabuco, que era diplomata, se inspirou no cristianismo militante de Wilberforce para organizar o movimento que levou a monarquia brasileira a aprovar a Lei do Ventre Livre. Somada à pressão britânica, a militância de Nabuco contribuiu para determinar a abolição da escravatura, em 1888. Junto com as campanhas abolicionistas, as reformas trabalhistas mobilizaram outros intelectuais protestantes vindos do anglicanismo, como John Malcolm Ludlow (1821-1891), Charles Kingsley (1819-1875) e Thomas Hughes (1822-1896), que lutaram pelo fim da escravidão, contra o trabalho infantil nas fábricas e pela jornada de dez horas. Essas mobilizações levaram a uma ampla reforma social e ao surgimento do movimento social cristão inglês. Assim, os protestantes deram início ao movimento social inglês. Homens como Ludlow, Kingsley, Maurice e Hughes criaram o socialismo cristão na Inglaterra. Com plena consciência do que estava fazendo, Maurice afirmou “a necessidade de uma reforma teológica inglesa, como meio de evitar uma revolução política e de trazer o que de bom existe nas revoluções estrangeiras, tem estado cada vez mais impresso no meu pensamento”. O movimento inglês repercutiu com força nos Estados Unidos. E, apesar da visão escravista de muitos protestantes estadunidenses, como Richard Furman, líder batista da Carolina do Sul, que, de certa forma, traduzia o sentimento generalizado entre os grandes fazendeiros sulistas, no norte surgiu um forte movimento protestante contra a escravidão. Seu primeiro grande ativista foi Charles G. Finney, seguido por abolicionistas como Theodore Weld e Lymann Beecher. Um romance marcará a campanha abolicionista e entrará para a história da literatura mundial: A cabana do pai Tomás, de Harriet Stowe. Numa leitura escatológica milenarista, Harriet Stowe considerava que a escravidão não era apenas um pecado do Sul, mas que a culpa era nacional e, por isso, o juízo seria nacional. No livro, atacava a consciência nacional escravista na esperança de que uma purificação da alma dos Estados Unidos livrasse o corpo político da vingança divina. É interessante que o argumento de Wilberforce, exposto em suas campanhas, sobre a inviolabilidade do conceito de que todos os homens são iguais, foi usado pelo presidente estadunidense Abraham Lincoln no ato de 1863, que aboliu a escravidão nos Estados Unidos. Lincoln, cujo mandato se desenrolou em meio à Guerra de Secessão, compartilhava a visão de Wilberforce de que era uma imoralidade possuir outro ser humano e citava o inglês em seus discursos. Com a guerra, veio a vitória do norte e a abolição da escravatura. Finda a escravidão, a discussão sobre a industrialização do país, os danos humanos, misérias e exclusão que produzia entraram na ordem do dia. Surgiram assim os “protestantes públicos” que, ao contrário dos “privatistas”, falavam de cristianismo social, evangelho social, serviço social. Expoentes desse pensamento foram Washington Gladden, ministro congregacional de Ohio, o escritor Charles Sheldon, que produziu uma obra até hoje famosa, Em Seus Passos Que Faria Jesus? e o pastor batista Walter Rauschenbusch.Rauschenbusch (1861-1918) era de origem alemã. Levantou a questão do evangelho social, a partir de uma leitura que combinava a doutrina bíblica da responsabilidade social e os socialistas utópicos. Defendeu uma democracia econômica e política e propôs uma atuação através dos sindicatos. “Nossa economia política tem sido por muito tempo o oráculo de um deus falso. Ensinaram-nos a ver as questões econômicas do ponto da vista dos bens e não do homem. Disseram-nos como a riqueza é produzida e dividida e consumida pelo homem, e não como a vida e o desenvolvimento do homem podem melhorar e serem promovidos pela riqueza material. É significativo que a discussão do consumo da riqueza esteja negligenciada na economia política, contudo a questão humana é a mais importante de todas. A teologia deve ser cristocêntrica, mas a economia política deve tornar-se antropocêntrica. O homem é cristianizado quando põe Deus acima de si próprio, a economia política será cristianizada quando colocar o homem acima da riqueza. É isso que uma economia política socialista faz”, afirmou em Christianity and the social crisis. No mesmo livro, dizia que “nada dará a classe trabalhadora uma compreensão real de seu status de classe e de seu objetivo final do que a luta permanente para conquistar suas reivindicações mínimas e para eliminar as pressões reacionárias contra seus sindicatos. Nós partimos do princípio de que uma organização fraternal da sociedade não terá força se for apoiada apenas por idealistas. Ela (a organização fraternal da sociedade) necessita da sustentação firme da classe trabalhadora, cujo futuro econômico depende do sucesso desse ideal. A classe trabalhadora industrial é, consciente ou inconscientemente, a força para a realização desse princípio. Assim, aqueles que desejam a vitória, desde um ponto de vista religioso, terão que fazer uma aliança com a classe trabalhadora. Mas o princípio protestante da liberdade religiosa e o princípio democrático da liberdade política levam à vitória através da aliança da classe média, que também deseja a conquista do poder, com a classe trabalhadora; dessa maneira, o novo princípio cristão, que busca uma organização fraternal da sociedade, deve aliar-se para a conquista que ambos querem”.Acho que estou em boa companhia, principalmente quando me lembro do companheiro Martin Luther King Jr., pastor batista, e um dos maiores militantes da causa social em todos os tempos.
P - Como essa crise e a superação dela aparecem no livro? A revolução e Cristo ainda caminham juntos na América Latina? Por quê?
Jorge Pinheiro – Hoje, na América Latina, muitos intelectuais, pastores e teólogos protestantes estão organizados ao redor de projetos político-sociais. Mas, logicamente, a preocupação primeira das igrejas protestantes é com a vida espiritual das pessoas e sua renovação em Cristo. Hoje, não poucos evangélicos atuam inspirados na fé cristã em movimentos populares, sindicatos, partidos políticos e ministérios de ação social de suas igrejas. E, em relação ao nosso país, atuar politicamente já faz parte da vida dos protestantes brasileiros. Em termos de organização, vou falar de dois movimentos que, embora novos, têm fermentado positivamente o solo militante evangélico. O primeiro é o movimento da Missão Integral, que procura envolver as igrejas locais com o compromisso social. Na visão da Missão Integral, da qual faço parte e sou um dentre muitos teóricos, a proclamação do Evangelho tem consequências sociais quando olha o ser humano como totalidade. Assim, a teologia da Missão Integral busca a justiça social porque entende a fé como intervenção política, material e espiritual, e acredita que a transformação das pessoas e as mudanças estruturais estão correlacionadas. E porque acreditamos que o ser humano é a imagem de Deus, a Missão Integral é uma teologia para aqueles que carecem de bens e possibilidades, mas que, como os demais, são imagem de Deus. Os despossuídos de bens e possibilidades têm conhecimento, habilidades e recursos. Tratá-los com respeito significa propiciar condições para que sejam arquitetos de mudança em suas comunidades, ao invés de impor soluções. Trabalhar com os despossuídos e expropriados envolve a construção de relações que conduzem a uma mudança mútua. E, para a Missão Integral, quem pode e deve atuar assim são as igrejas locais. O futuro da missão integral se define, pois, em termos de capacitar as igrejas locais para que transformem as comunidades das quais fazem parte. As igrejas, como comunidades de cuidado e inclusividade, estão no coração do que significa fazer missão. As pessoas são, em particular, atraídas à comunidade cristã antes de serem atraídas pela mensagem cristã. Esse jeito de produzir inclusão social nasce de baixo, nasce nas igrejas, traduz uma teologia do Reino de Deus, comunitária, a experiência de caminhar com as comunidades. Olhando assim, a igreja não é meramente uma instituição, mas comunidade na qual se concretizam os valores do Reino de Deus. A participação dos despossuídos e expropriados na vida da igreja leva a encontrar novas maneiras de ser igreja no contexto da cultura brasileira. Dessa maneira, a Missão Integral, que hoje envolve centenas de igrejas evangélicas brasileiras, é uma teologia social. Tal atividade se amplia para incluir avanços até a transformação de valores, a valorização das comunidades e a cooperação em questões de justiça. Em sua presença entre os despossuídos e expropriados, a igreja está numa posição singular para restaurar a dignidade das pessoas, apresentando valores que produzem recursos e criam redes de solidariedade. Mas os problemas continuam presentes, por isso toda ação de transformação é permanente. Temos problemas políticos e sociais, como pobreza, violência, corrupção. Má qualidade dos serviços públicos nas áreas de educação e saúde, agressões contra o meio ambiente. Por isso, num momento em que a visibilidade e o reconhecimento da presença protestante reclamam expressões políticas de responsabilidade e serviço, nós, ou seja, um grupo de evangélicos de igrejas diferentes e de diferentes partes do Brasil estamos atuando na construção de um movimento chamado Evangélicos pela Justiça. Bem, você deve estar pensando, mas por que dois movimentos: Missão Integral e Evangélicos pela Justiça? Considero que a Missão Integral, que hoje já é estudada como matéria em muitas faculdades de teologia, visa atuar através das igrejas, sugerindo programas e propostas para estas atuarem nos lugares onde estão implantadas. Aqui, então, o agente é a igreja local: agente de transformação social. Já no caso do movimento dos Evangélicos pela Justiça desejamos ter neste primeiro momento uma atuação conscientizadora sobre os formadores de opinião do mundo protestante. Ao mesmo tempo, temos uma preocupação definitivamente política, pois queremos uma alter sociedade, que supere o capitalismo e suas orientações ideológicas, o neoliberalismo e as chamadas terceiras vias. Trata-se de meta histórica e estratégica, que necessita de um programa de transição, e que envolverá contribuições de dentro e de fora do campo protestante. Mas, acima de tudo, não é um projeto que envolva a criação de um poder evangélico ou apoiado na religião. Por isso, nós, os Evangélicos pela Justiça, rejeitamos os modelos de fusão entre instituições religiosas e poder político. Não porque consideramos a política indigna ou contrária à mensagem do Reino de Deus, mas porque acreditamos que as instituições políticas de uma sociedade democrática devam ser construções históricas, pactuadas entre pessoas de qualquer fé ou de nenhuma fé. E que o papel dos cristãos é testemunhar de sua fé também nas questões sociais e políticas. Assim, a luta contra a globalização excludente e suas formas de legitimação ideológicas, seculares e religiosas, conservadoras ou progressistas, é um projeto que exige estratégia histórica, que vai além das confissões religiosas, remetendo à aspiração de uma humanidade livre e democrática. Mas é um projeto legítimo para quem vê a fé cristã como chamado ao compromisso com a libertação de todas as formas de escravidão, opressão e discriminação, que negam nos seres humanos a imagem de Deus e nos impedem de um encontro com nosso Criador. É isso aí.

Jorge Pinheiro, é escritor, foi professor de Filosofia e Teologia na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, é pós-doutorado Mackenzie e atualmente mora em Paris, França.

Omar de Barros Filho é jornalista, tradutor e editor do site



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