mercredi 6 août 2008

A Reforma Radical, Thomas Münzer

Por Kenneth Rexroth
A Reforma de Lutero, Zwinglio e Calvino, quando surgiu, foi certamente uma revolução, mas foi uma revolução inserida na sociedade, na cultura dominante, e no processo geral da história da civilização ocidental. A Reforma dissolveu a natureza hierárquica do feudalismo e quebrou sua capacidade de interligar direitos e deveres. Liberou os ativos congelados sob a propriedade eclesiástica — mais da metade das terras férteis da Europa Ocidental e provavelmente a maior parte de seu ativo. Aboliu a alfândega e todas as sanções legais e a alfândega que mantinham a economia estática. Sancionou a usura e permitiu ao agiota exigir o juro que quisesse. Anulou a supressão ou o controle da competição entre os sócios das agremiações. Na Idade Média os camponeses tinham claramente definidos os seus direitos e deveres, sancionados por um costume imemorial e por leis — as pessoas comuns estavam subordinadas ao senhor local, que por seu turno tinha responsabilidades e privilégios em relação ao seu superior, e assim por diante até chegar ao imperador ou papa. Com a Reforma, o camponês que no princípio esperava ganhar uma vaga mas maravilhosa liberdade a partir da nova moralidade social pregada pelo jovem Lutero, acabou mesmo reduzido ao estado de servo, sem quaisquer direitos e, em vez de deveres, era obrigado a trabalhos forçados.

Ao final da Idade Média, a sociedade estava abarrotada de organizações de caridade de todos os tipos que cuidavam de desempregados crônicos ou pessoas fora do mercado de trabalho. Com a concentração de riqueza da Igreja, apenas uma pequena fração destas instituições eram alimentadas pelos auspícios privados ou estatais e pela absorção da mais valia necessária para manter-se diante de uma economia estática. Desde aquela época até os dias presentes os legisladores tornaram-se ferozes perseguidores dos "desocupados" e “vagabundos” As leis da Europa pós-Reforma, que dizem respeito aos pobres, não importa o país, todas tem um ponto em comum — a pobreza é culpa do próprio pobre e a indigência é um vício. Teoricamente os velhos tratos da Idade Média foram substituídos por uma estrutura de contratos entre indivíduos, homem a homem, "pessoa jurídica" ou instituições legais; mas devido ao tamanho da população não comportar contratos de qualquer espécie, isso acabou resultando em uma progressiva atomização. O homem medieval era salvo como um membro do corpo de Cristo, a Igreja, que literalmente incorporava seus membros. O cristão luterano salvava-se sozinho, por um ato individual de fé, e a sua relação com a deidade era um momento atômico totalmente contingente e destituído de auto-suficiência diante da absoluta onipotência e auto-suficiência de Deus.

O calvinismo introduz apenas uma mudança de ênfase. Se Deus predestina um eleito à salvação, e todos os outros homens à danação desde o começo dos tempos, esse eleito não faria parte de uma comunidade, porque sua sociedade era desconhecida e irreconhecível. Alguém poderia pensar que isto conduziria a um completo antinomianismo, o abandono de toda moralidade. Totalmente o contrário, tudo aquilo que o homem poderia fazer era se comportar como eleito e esperar o melhor. Assim, o extremo ascetismo de Calvino circunscrevia o comportamento do homem de tal forma que ele não poderia fazer outra coisa senão trabalhar duro, acumular dinheiro, e investi-lo. Lutero era a religião do livre empreendimento, Calvino da acumulação de capital. Em tal sistema, com as teocracias calvinistas de Genebra, França, Escócia, ou Nova Inglaterra, o pobre estava condenado a priori pela sua própria condição. Nem todo sócio da elite poderia ser um sócio do eleito, mas o pobre, e especialmente o indigente pobre, obviamente não o era. O incompetente, o artigo defeituoso, o bêbado, e todos aqueles que apenas viveram para o prazer em vez do lucro eram por si só evidentemente malditos.

Embora os três grandes reformadores enfatizassem a Bíblia — “apenas pela fé, apenas pela Bíblia”, disse Lutero — a era apostólica, e os pais da Igreja, sua teologia na realidade foi derivada diretamente de Santo Agostinho e dos escolásticos medievais. Sua insistência na salvação pela fé e predestinação representa apenas leves mudanças de ênfase, comparados com os ensinamentos dos escolásticos mais ortodoxos. Não foi assim no começo do século dezessete na Inglaterra onde a Igreja Anglicana iniciou uma séria tentativa para construir uma teologia baseada nos Pais e no testemunho de uma Igreja unida por conselhos ecumênicos. Para os reformadores a Igreja era coligada ao Estado, da mesma maneira que os teólogos católicos, a Igreja e o Estado exerciam apenas papéis diferentes no exercício do poder. A diferença era que a Igreja não tinha mais a autoridade final — personificada no papa. Em princípio a principal apelo foi o próprio Lutero. Os outros líderes da Reforma alemã sempre adiaram decisões concludentes — como no caso da doutrina da Eucaristia de Zwinglio; na questão das relações com a igreja de Utraquisto da Boêmia, dos remanescentes Taborites, e dos primeiros irmãos suiços; foi no bojo desses problemas disciplinares que surgiu Thomas Münzer; e, naturalmente, a notória condenação da Revolta dos Camponeses por parte de Lutero.

A maioria dos problemas religiosos eram conhecidos pelo Estado secular, pelos conselhos da cidade, pelos senhores locais, e até mesmo pelos príncipes e duques dos conglomerados de estados insignificantes e de reinos pequenos que compunham o Império alemão, a velha comunidade política começava a desmoronar sob o sopro do conflito universal gerado pela Reforma. Assim foi estabelecido o princípio cujus regio, ejus religio, “como o governo, assim a religião”, sem o qual a Europa Central se esfacelaria em uma guerra de todos contra todos, a autoridade espiritual na realidade não estava mais centrada em um imperador ou em algum poder secular abstrato, mas circunstancialmente nas insignificantes cortes da Alemanha.

A religião dos anabatistas e a reforma radical, em termos gerais, se opunham diametralmente à Reforma de Lutero. Thomas Münzer em Mühlhausen e Frankenhausen, da mesma forma que a comuna apocalíptica anabatista de Münster, pretendiam estabelecer o reino milenário na forma de um Império secular, mas apesar de toda sua notoriedade eles eram atípicos. Em termos relativos, poucas pessoas estavam envolvidas nos grupos anabatistas. Recentes historiadores americanos menonitas e batistas têm ligado as antigas raízes anabatistas e os reformadores radicais do século dezesseis com seitas similares ao longo da Idade Média que vêm desde o tempo dos apóstolos. Eles estão essencialmente certos.

A Reforma aparenta, de forma bem superficial, advogar a liberdade de expressão, libertar e tornar pública a dissidência radical, que estava lá todo o tempo, e brevemente permitiu que o proselitismo se espalhasse através de pastores cujas doutrinas eram subversivas à própria Reforma, até mesmo mais do que ao catolicismo romano. Há registros que indicam que até a Reforma a Igreja romana vinha provavelmente ignorando a maioria dos cultos estranhos que floresciam na Idade Média, a menos que dessem algum escândalo ou fizessem questão de aparecer, algo semelhante à concubinagem clerical. Nos anos posteriores os extremistas sectários e os católicos romanos freqüentemente formavam uma frente unida contra a igreja protestante e o estado, conforme testemunha a estreita amizade entre William Penn e James II.

Os sectários radicais não apenas apelaram às tradições da Igreja, antes de serem cooptados por Constantino, eles se esforçavam em restabelece-la totalmente em fé e prática, como um remanescente salvo em um mundo condenado. Eles eram indiferentes ao conflito de poder entre o imperador e o papa, entre Lutero e o príncipe, porque eles não acreditavam no poder mundano como tal. Eles eram indiferentes a leis que regulam competição e tomada de interesse porque eles não acreditavam nessa coisa que mais tarde foi denominada "economia política". Eles se esforçavam por alcançar a economia auto-suficiente de uma subcultura fechada, um comunismo de produção e consumo. Na maioria dos casos as circunstancias não permitiam isso, mas eles sempre defendiam uma comunidade apostólica de bens coletivos, a responsabilidade compartilhada para o bem-estar físico de todos os sócios; e desde os primeiros dias eles freqüentemente praticaram um comunismo de consumo enquanto ganhavam seu pão e trabalhavam no mundo. Profundamente influenciados por Eckhart, Tauler, e Suso, que segundo a maioria dos seus leitores teólogos, eles olhavam o processo de salvação como uma progressiva deificação do homem em comunidade em vez da forense "justificação" do indivíduo diante do julgamento de Deus pela fé no sacrifício de Cristo — eles acreditavam em com-ação não em compensação, no Cristo vivo não em seu sacrifício, na comunhão não na Missa. Assim, os anabatistas (duas-vezes-batizados) se opunham ao batismo de crianças inconscientes ou de crianças imaturas. Para eles o batismo era o selo divino na alma desperta na comunidade do eleito, um ato consciente pelo qual o indivíduo dá as costas para o mundo e embarca na peregrinação espiritual pela divinização em companhia de sua amada comunidade.

Embora praticamente todos os anabatistas sejam milenaristas no sentido de que eles esperam a vinda do reino em um futuro indefinido, eles não concebem a si mesmos como o exército do apocalipse para o qual foi dada a função de condutor nos últimos dias, eles concebem a si mesmo como aqueles que aguardam o advento divino. Os dois episódios mais famosos da história dos anabatistas primitivos não surgiu fora do corpo principal do movimento mas germinou de uma forma independente.

Thomas Münzer não foi um anabatista, ou pelo menos não dava qualquer importância a questões sobre quando e por que batizar, várias vezes em sua carreira ele deu respostas contraditórias sobre esse assunto. Nem mesmo em seus últimos dias ele pregou comunidade de bens coletivos, e sua única declaração definida no assunto foi feita em sua confissão final após tortura e antes da execução.

Münzer nasceu em Stolberg de uma família próspera nas montanhas de Harz e foi educado em Leipzig e Frankfurt. Parece que ele se encontrou com Lutero por volta de 1519, passou seus anos de escola estudando seriamente a procura de respostas, profundamente aborrecido pela apostasia da Igreja estabelecida. Naquele mesmo ano tornou-se padre confessor em um convento em Beuditz e com a segurança e o lazer proporcionados por sua posição, gastou mais de um ano em um intensivo estudo lendo Josephus, a história da igreja de Eusebius, St. Augustine, os atos dos conselhos gerais, os atos de Constance e Basel, e os escritos místicos de Suso e Tauler. Ele começou a se corresponder com os principais reformadores, a maioria dos quais eram de cinco a dez anos mais velhos do que ele. No próximo ano lhe recomendaram como pastor na Igreja de Santa Maria em Zwickau para substituir temporariamente o pastor João Egranus. No princípio ele parecia ser mais um dos jovens apóstolos de Lutero -- cuja fama se espalhava por toda a Alemanha -- até que se envolveu em uma violenta controvérsia com os franciscanos locais.

Zwickau por aqueles dias era uma das maiores cidades da Alemanha, três vezes maior do que Dresden. Fora um próspero centro têxtil mas com o desenvolvimento das minas de prata nas montanhas vizinhas, abandonou o comércio de tecelagens gerando desemprego entre os tecelões. A cidade assumiu uma característica de boom econômico com uma grave inflação dos preços locais, típico das cidades mineradoras, a polarização radical das classes, com uma grande riqueza ao topo e pobreza e desemprego em massa na base. Zwickau fazia fronteira com a Boêmia e fora o pivô da agitação de Tamborite no século anterior. Nicholas Storch -- o descendente de uma família anteriormente rica e poderosa mas que foi levada à falência pelos proprietários das minas -- juntou e organizou pequenos grupos clandestinos de Picardos remanescentes formando um movimento aberto conhecido como os Profetas de Zwickau. Quando se encontrou com Münzer, Storch já era um líder pentencostal extremista, de uma seita chiliástica de religiosos revolucionários, freqüentemente bem ao gosto dos tecelões desempregados.

A violência dos sermões de Münzer contra os franciscanos resultou em problemas com a assembléia municipal, a congregação de Santa Maria, e com João Egranus, ao qual devolveu o púlpito, ele se viu cada vez mais lançado em direção a Storch. Eventualmente ele deixou a classe alta de Santa Maria tornando-se o pastor de Santa Catarina, uma grande congregação composta por mineiros, tecelões pobres, e desempregados. Em Santa Catarina, Münzer tornou-se conscientemente um pastor de pobres. Ele abandonou sua postura de luterano ortodoxo tornando-se um apocalíptico como Storch, dedicando cada vez mais tempo em reuniões com os Profetas. A assembléia municipal assumiu um crescente antagonismo. Na primavera de 1521 Münzer recebeu ordem para sair de Zwickau. Lutero retirara seu apoio.

Münzer foi a Praga onde recebeu entusiásticas boas-vindas como um dos novos luteranos, sendo convidado a pregar nas igrejas. Mas seus sermões não eram luteranos; ele não apenas se tornara um chiliasta desenvolvido, como também sua linguagem se tornara extraordinariamente violenta, abusiva, e grosseira, ao mesmo tempo que reivindicava-se escolhido por Deus para recrutar os eleitos para a luta armada final antes do milênio, devido às condições ultrajantes daqueles dias. Os sofisticados cidadãos de Praga ouviram tudo isso cem anos antes e não se impressionaram.

Münzer partiu, desiludido com os bohemios. Antes de partir, imitando Lutero, ele pregou um manifesto nas portas das principais igrejas, resumindo suas principais idéias que o guiariam até o fim de sua vida, mas com a violência e a incoerência de sua linguagem configurando sua característica mais notável. Durante 1522 ele vagou quase que sem uma ocupação regular. Ele visitou Lutero em Wittenberg, com o qual aparentemente se aborreceu, mas que parece ter usado de sua influência tanto que Münzer obteve uma posição como pastor da Igreja de São João na pequena cidade de Alstedt na Saxony. Lá ele deu seu primeiro sermão no dia de Páscoa em 1523.
Os dezesseis meses que Münzer permaneceu em Alstedt foram os mais quietos e os mais produtivos de sua breve carreira. Ele se casou com uma ex-freira, Ottilie von Gersen. Na Páscoa do ano seguinte ela o presenteou com um filho. Münzer, que tinha iniciado, de uma forma muito tranqüila para ele, como um porta-voz da Reforma ortodoxa, embora emocional e excêntrico; decidiu-se mover cautelosamente e com uma certa dose de duplicidade, mas seus tempestuosos sermões logo fizeram dele o pastor mais popular de todo distrito. As pessoas vinham dos arredores para ouvi-lo. Ele escreveu e celebrou a primeira Eucaristia no idioma alemão e depois publicou um missal completo com liturgias para comunhão, batismo, matrimônio, comunhão do doente e funerais, inclusive confissão pública de pecado antes da comunhão. Sua liturgia prometia ser amplamente adotada, mas seu envolvimento com a Revolta dos Camponeses trouxe a condenação por parte de Lutero que, porém, não teve escrúpulos em copiá-la três anos depois. A coisa mais impressionante sobre a liturgia de Münzer é a completa ausência de sua habitual grosseria e violência. Pelo contrário elas mostram uma excepcional sensibilidade poética e devocional.

Com o tempo Münzer revelou cada vez mais sua mensagem apocalíptica, apresentando-se abertamente como um homem escolhido de Deus. Ao mesmo tempo ele começou a organização secreta de um exército revolucionário. A Liga dos Eleitos começou a invadir, pilhar, e incendiar conventos e monastérios na zona rural aos arredores da cidade. Em pouco tempo ele recrutara para sua liga um vasto círculo de comunidades da Thuringia. Com sua fama chegando até o estrangeiro, suas atividades começaram a preocupar Frederick, o eleitor da Saxônia, seu irmão Duque João, que eram partidários da Reforma, e Lutero, com o qual sua relação tornava-se cada vez mais atribulada e divergente. Münzer também entrou em uma violenta disputa com o senhor local, o Conde de Mansfeld. Enquanto isso ele constantemente emitia panfletos, cada um mais radical que o outro. Frederick decidiu investigar e enviou o Duque João, seu filho João Frederick, seu chanceler, e vários outros oficiais para Alstedt. Eles convidaram Münzer para que pregasse para eles no castelo e em 13 de julho ele formulou aquilo que foi considerado a expressão vocal pública mais extraordinária da era da Reforma.

Seu sermão baseou-se em visões apocalípticas do livro de Daniel, Münzer anunciou uma guerra iminente entre as forças do Diabo e a Liga dos Eleitos que conduziria ao milênio, e apelou aos príncipes visitantes para que se juntassem ao exército de santos. Ele visava uma nova reforma tendo como sua capital a pequena cidade de Alstedt, dali a palavra se esparramaria, primeiro pela Saxônia, depois por toda a Alemanha, e finalmente por todo o mundo. Seria um reino exclusivo de eleitos, alcançado por um método simples -- matar todos os opositores. Ele terminou ameaçando exterminar seus nobres ouvintes se não se juntassem a ele. Nada revelou melhor a turbulência intelectual da época do que o Duque João confiando em Münzer e aceitando suas idéias.

O sermão foi impresso e distribuído. Duque João retornou para consultar o Eleitor Frederico, que no princípio estava preparado para tolerar o fanatismo de Münzer, desde que seu fanatismo não se convertesse em ações. Münzer persistiu acossando tanto Lutero como os governantes. Ele foi chamado até Weimar, onde proclamou ser o líder do final dos tempos, e onde sua linguagem sanguinária tornou-se ainda mais extremada. Ele voltou a Alstedt, ainda confiante da vitória sobre a corte saxônica. Frederick, Duque João, e Lutero começaram a exercer pressão no conselho de Alstedt para que o expulsassem da cidade. Repentinamente, na noite de 7 de agosto de 1524, ele saiu de Alstedt, deixando para trás sua esposa, seus filhos e todas suas posses.
Münzer passou o outono e o inverno viajando, primeiro para Mühlhausen, onde o militante anabatista Henry Pfeiffer organizara sua Liga dos Eleitos visando assumir a cidade. Münzer imediatamente assumiu a liderança de Pfeiffer, sobrepôs seu próprio programa apocalíptico, organizou uma manifestação, e tentaram tomar a prefeitura e o conselho da cidade. Os nobres, juntamente com uma companhia de soldados mercenários, dispersaram a multidão e expulsaram Münzer e Pfeiffer.

Münzer foi até Nuremberg visitar seu amigo João Hut, que publicou o panfleto mais violento, incoerente, e abusivo de Münzer contra Lutero, uma expressão de ódio histérico e contínuo. As autoridades de Nuremberg confiscaram e destruíram quase todas as cópias, apreenderam a impressora, e expulsaram Münzer e Pfeiffer. Münzer foi para a Suíça em busca de aliados entre os Irmãos Suíços, nessa oportunidade visitou João Oecolampadius, um reformador ortodoxo zwingliano. Ele também visitou Balthasar Hübmaier em Waldshut na fronteira com a Alemanha, um líder anabatista ligeiramente menos militante do que Münzer, tudo isso na busca de aliados, em toda parte, na tentativa de levantar as pessoas para a sua revolução. Todavia ele não conseguiu impressionar nem os líderes nem as pessoas, o máximo que conseguiu foi chocar profundamente os pacíficos Irmãos Suíços. Münzer retornou a Mühlhausen. Pfeiffer já retornara e os radicais controlavam a cidade. Münzer revitalizou e armou sua liga, expeliu os oponentes, e estabeleceu oficialmente um novo conselho no qual tanto ele como Pfeiffer recusaram pertencer. Nesse meio tempo a Revolta dos Camponeses já havia alcançado a Thuringia, e Münzer estava pronto, não apenas para juntar-se a ela, mas também para assumi-la.

Embora Münzer fosse muitas vezes chamado de herói das Revoltas Camponesas, devemos entender que, na verdade, ele nada teve a ver com elas. A revolta em Mühlhausen foi uma ação completamente separada e com objetivos bastante diferentes. Como a Reforma procedeu destruindo relações econômicas e sociais do feudalismo, os camponeses da Alemanha assumiram a postura de Lutero como favorável à liberdade econômica, uma sociedade de fazendeiros independentes e de trabalhadores livres. A velha relação social começava a despencar — desde o topo — de tal forma que os nobres e magnatas iniciaram uma servidão forçada aos camponeses, uma condição bem diferente dos camponeses medievais que tinham direitos e deveres. A servidão pós-Reforma em muito se assemelha à versão Russa, uma condição servil muito próxima à escravidão.

Na medida em que as classes dominantes fechavam o cerco, os camponeses de todo o sul da Alemanha começaram a se rebelar. Desde o princípio do século dezesseis todos os anos em algum lugar eclodiram revoltas esporádicas, normalmente sob a liderança do soldado Joss Fritz, e pela difusão de uma organização secreta chamada no princípio de Bundschuh e depois de Pobre Konrad. Estas não foram pequenas revoltas, mas batalhas que envolviam algo em torno de cinco mil camponeses armados. Em 1525 as ações locais e revoltas se fundiram em uma completa guerra no Tirol, Áustria e sudoeste da Alemanha.

Antes desse tempo, Lutero, que tinha permanecido originalmente neutro, culpando tanto camponeses como governantes, passou a denunciar os camponeses e incitar a nobreza para a matança, em uma linguagem tão desenfreada quanto a de Thomas Münzer. “Só há uma maneira do sr. povinho fazer sua obrigação", disse Lutero, "constrangendo-o pela lei e pela espada, prendendo-o em cadeias e gaiolas, da mesma forma que se faz com bestas selvagens . . . melhor a morte de todos os camponeses do que a morte dos príncipes . . . estrangulem os rebeldes como fariam com cães raivosos”. E quando a rebelião foi suprimida através de um massacre total, Lutero disse "que todo seu sangue recaia sobre mim", procedendo uma justificação teológica à nova servidão.

As demandas dos camponeses eram simples, consistentes, longe de milenarismos, raramente religiosas, e certamente não comunistas. Eles reivindicavam a abolição do que restara do feudalismo e das novas medidas que os lançava na servidão, o desestabelecimento da Igreja, uma drástica redução de taxas, o restabelecimento de direitos comuns nos pastos, bosques, e liberdade de caça e pesca. Não havia nada de subversivo na nova ordem social inaugurada pela Reforma. Pelo contrário, era o retorno a um capitalismo semi-feudal, o esmagamento da Revolta dos Camponeses, o que assegurou o desenvolvimento alemão por trezentos anos.

Thomas Münzer não estava interessado nos problemas práticos dos camponeses e proletários. Em todos os seus escritos ele não mostra nem mesmo qualquer evidência de estar atento a eles. Seu interesse estava apenas no milênio, e em seu retorno a Mühlhausen ele dedicou-se febrilmente a essa idéia. Münzer enviou mensageiros em todas as direções para juntar forças onde quer que a Liga dos Eleitos tivesse membros, ou onde Münzer formasse grupos de discípulos. Alstedt, Zwickau, Mansfeld, foram chamadas para compor as tropas. Da mesma forma que Tabor, um século antes, os revolucionários puseram-se a caminho quando chegaram as notícias de Mühlhausen. Nicholas Storch chegou encabeçando seu próprio pequeno exército. Naquele momento Münzer, Pfeiffer, e Storch podem ter apresentado a comunidade de bens coletivos, entretanto é impossível determinar se isso ocorreu na forma de um comunismo de assédio, ou simplesmente na forma de comunismo de cidade sitiada. Esse assunto apenas é mencionado na passagem da confissão final de Münzer.

Durante a primeira semana de maio o exército camponês, entre oito e dez mil, se reuniu em Frankenhausen, que tinha sido tomada por revolucionários de Mühlhausen. Em onze de maio Münzer chegou ao acampamento camponês e começou a organizar o exército do apocalipse. É importante destacar que ele trouxe apenas trezentos de seus próprios seguidores de Mülhausen e que Pfeiffer tenha ficado para traz, opondo-se à aliança da cidade do apocalipse com o exército de camponeses. Enquanto isso o Duque João, que havia se tornado eleitor pela morte de seu irmão em quatro de maio, e outros príncipes das vizinhanças levantaram um exército sob o comando de Filipe, proprietário de terras em Hesse, que imediatamente marchou para Mühlhausen.
No dia 15 Filipe atacou com cerca de cinco mil artilheiros e dois mil cavaleiros, os camponeses não tinham nada disso. Filipe propôs paz se entregassem Münzer; mas após uma resposta emotiva do próprio Münzer -- dizendo que pegaria as balas de canhão com seu capote, que aqueles que tivessem fé completa seriam imunes às balas, que apareceria um arco-íris (símbolo de sua bandeira) no céu -- os camponeses recusaram. Enquanto o exército camponês cantava "Veni Sancte Spiritus" a artilharia de Filipe abriu fogo forçando os camponeses a recuar abrindo o flanco à cavalaria enquanto que a infantaria atacava pelos outros dois lados. Completamente cercados, os camponeses foram feitos em pedaços. Foram mortos cinco mil no campo de batalha, seiscentos capturados, o restante fugiu para as florestas da Thuringian. O exército de Filipe perdeu seis homens.

No momento em que o ataque começou Münzer correu para longe escondendo-se em um sótão em Frankenhausen. Os soldados o descobriram deitado em uma cama com a cabeça coberta. Ele dizia ser um homem doente e que não tinha nada a ver com a revolta; como recusava mostrar seus documentos foi descoberto. Ele foi levado à presença de Filipe e depois ao seu inimigo, o Conde Ernesto de Mansfeld, que o torturou a maior parte da noite. Pela manhã Münzer assinou uma confissão onde nomeava todos seus confederados e proclamava ter iniciado sua carreira revolucionária num grupo secreto em Halle quando era garoto.

Em 24 de maio um exército do Duque capturou Mühlhausen que implorando clemência não ofereceu nenhuma resistência. Em 26 de maio Pfeiffer e a maioria dos membros do "conselho eterno" foram decapitados, Münzer foi decapitado em praça pública. Münzer retratou-se e recebeu comunhão de acordo com o rito católico mas não conseguiu se lembrar do Credo de Niceia. Pfeiffer recusou e morreu desafiante. A cidade de Mühlhausen foi multada em quarenta mil gulden (mais de meio milhão de dólares). Seu estatus de cidade livre foi abolido e nunca mais recuperou sua prosperidade.

A batalha de Frankenhausen marcou o fim da Revolta dos Camponeses, embora os anos seguintes tenham sido dedicados a operações de rescaldo, julgamentos, execuções, e massacres secundários de camponeses desmoralizados por toda parte do sul da Alemanha e da Áustria. Lutero publicou um panfleto exultante, A Terrivel História e o Julgamento de Deus para com Thomas Münzer. Os documentos de Münzer ficaram em poder de Filipe de Hesse e de George da Saxonia que depositou-os nos arquivos de Marburg, Dresden, e Weimar.

Quatro diferentes Thomas Münzers sobreviveram na história. Para os protestantes ortodoxos suas conclusões lógicas foram que ele seria um típico anabatista que não fez outra coisa senão empurrar suas doutrinas de sectarismo radical. Mas para os anabatistas cuja maioria sempre foi pacifista, seu pacifismo foi ainda mais intensificado devido a Münzer e a comuna de Münster alguns anos depois. Assim eles o repudiaram como um completo e lunático fanático sem nenhuma real conecção com o corpo principal do movimento. Para os historiadores católicos romanos Münzer simplesmente operou dentro das inevitáveis conseqüencias do individualismo protestante, e Mühlhausen foi apenas mais um exemplo ligeiramente mais extremo da Reforma atacando a lei e a ordem. Em 1850 Friedrich Engels publicou The Peasants' War in Germany e Münzer tornou-se um santo revolucionário, uma posição que ele nunca abandonou. Os historiadores marxistas o qualificam de ideólogo da Guerra dos Camponeses, o primeiro político cosmopolita. Engels disse que a filosofia religiosa de Münzer tocava o ateísmo e que seu programa político tocava o comunismo. Karl Kautsky em sua obra Communism in Central Europe at the Time on the Reformation e Ernst Bloch em Thomas Müntzer als Theologe der Revolution, ambos retratam Münzer como um plenamente desenvolvido, embora primitivo, ideólogo do comunismo revolucionário. Ele é um herói popular na Alemanha Oriental. Muitos livros foram escritos sobre ele, ruas e praças receberam seu nome. A versão de Engels da história de Münzer é ensinada para educar as crianças, e foram impressos selos onde aparece seu rosto. Em recentes anos pesquisas em fontes que Engels desconhecia tornaram possível desenhar um quadro bastante preciso do real Thomas Münzer.

Münster
Embora seja bem provável que a maioria dos primitivos líderes da Reforma radical se opusessem ao batismo infantil, apenas após 21 de janeiro de 1525, que o primeiro rebatismo de um adulto foi executado no círculo dos Irmãos Suíços em Zurique, quando seu líder, Konrad Grebel, batizou Georg Blaurock, um exato contemporâneo do começo da revolução em Mühlhausen. Em alguns anos todos que tomaram parte disso seriam martirizados, mas os Irmãos Suíços permaneceram pacifistas comunitários, sobrevivendo e provendo a primeira imigração menonita para a América. Desde os primeiros anos eles pregaram uma comunidade apostólica de bens coletivos. Na prática, em parte porque tratava-se de um movimento urbano de pessoas empregadas, tal comunalismo usualmente tomava a forma de pobreza voluntária e de um fundo comum. Eles eram milenaristas, mas não como Lutero, Zwinglio, ou Calvino. O fim do mundo estava próximo, mas sua chegada não era tão eminente; e seu milenarismo tomava a forma de uma escatologia ética — “Viva como se o mundo fosse terminar amanhã, procedendo como membro da raça humana”, que é na realidade a moralidade do Sermão do Monte.

Depois da queda de Frankenhausen, o violento milenarismo de Thomas Münzer se espalhou de norte a oeste dos Países Baixos e pelas regiões da Alemanha onde se falava o dialeto plattdeutsch. O livreiro e impressor itinerante Hans Hut escapou da batalha e esparramou o evangelho da revolta pelo sul da Alemanha, mas acabou sendo pego e imediatamente executado. Pequenos grupos comunais milenários se levantaram em algumas partes no sul da Alemanha mas logo foram suprimidos. Muitos deles, como os conduzidos por Augustine Bader, rejeitaram todos os ritos e sacramentos, possuindo todas as coisas em comum, e vivendo de acordo com a orientação do grupo religioso Luz Eterna, aguardando o fim do mundo. O líder mais importante foi Melchior Hoffmann, um sócio de Münzer em seus primeiros dias. Ele tornou Strassburg sua sede, mas a influencia de seu ensino se esparramou como uma atividade de missão organizada, tanto ele como seus discípulos exerceram forte influência por toda a Alemanha. Ele era principalmente milenarista, e os melchioritas apenas adotaram o batismo de adultos como um símbolo para marcar o corpo do eleito. Embora ele não acreditasse pessoalmente em implantar o reino pela violência, seus seguidores tornaram-se mais e mais revolucionários. Simultaneamente as medidas repressivas tornaram-se ainda mais severas. O fervor escatológico de Hoffmann desafiava o risco de prisão ou morte, não excluindo uma violenta revolução. Mas em 1533 às vésperas do estabelecimento da Nova Jerusalém em Münster, Hoffmann foi aprisionado em Strassburg passando 10 anos de sua vida na prisão.

Münster era um dos muitos pequenos estados eclesiásticos no noroeste da Alemanha sob o governo dos príncipes bispos, que na realidade freqüentemente eram leigos. Uma cidade com um importante comércio, sofrendo uma grave e crônica tensão entre os desejos dos príncipes bispos e o conselho de comerciantes e líderes de agremiações. Münster tinha recentemente passado por uma época de inundações, pestes, escassez local, e conflito de classes resultante da Revolta dos Camponeses no sul; mas apesar destes problemas, emergira uma quantia considerável de civismo democrático, com o poder nas mãos do conselho da cidade.

O líder religioso mais influente da cidade foi Bernt Rothmann. De 1531 até 1533 ele constantemente se movia do catolicismo evangélico para o luteranismo, da doutrina de Zwinglio do repúdio à real presença de Cristo no pão e no vinho, para a simpatia com os melchioritas e os apóstolos do grupo Luz Eterna. Até o último momento ele teve o apoio do conselho da cidade, e a cidade tornou-se oficialmente protestante com a Igreja Católica limitada à catedral, monastérios, e conventos.

Mas quando Rothmann e seus seguidores recusaram batizar as crianças que eram apresentadas na igreja, o conselho se rebelou e exilou-os da cidade, substituindo-os por luteranos ortodoxos. Porém, enquanto isso, a cidade estava sendo invadida por pregadores melchioritas dos Países Baixos, discípulos vagantes de Thomas Münzer e outros militantes sectários. Rothmann recusou partir e um mês depois — em janeiro de 1534 — ele reassumiu o controle, com os católicos da catedral e os luteranos permitindo-o pregar na igreja de São Lambert.

A cidade tinha sido visitada no outono anterior por Jan Bockelson (João de Leyden), que retornou à Holanda com excitantes notícias de que o reino dos eleitos estava próximo de ser estabelecido em Münster. Jan Mattys, o líder melchiorita em Amsterdam, teve uma revelação — de que Melchior Hoffmann tinha compreendido mal suas próprias visões, e que Münster, não Strassburg, fora destinada a ser a Nova Jerusalém. No início de janeiro de 1534 dois apóstolos de Amsterdam, enviados por Mattys, foram até Münster e imediatamente rebatizaram Rothmann, o sócio de Henry Rol, e vários outros clérigos. Nos próximos oito dias Rothmann e outros batizaram mil e quatrocentos cidadãos em cerimônias privadas em suas casas. Pouco tempo depois, chegaram o próprio Mattys e Bockelson, pregando o mais militante chiliasmo e exigindo uma completa reorganização da comunidade; eles converteram Rothmann e seus seguidores, inclusive o prefeito, Bernard Knipperdolling.

O conselho da cidade tentou resistir. O bispo juntou uma força de mercenários da vizinhança e ofereceu ajuda, que o conselho rejeitou, mas os cidadãos em massa publicamente forçaram o conselho a renunciar. Uma nova eleição foi feita e Knipperdolling, um rico comerciante de tecidos foi eleito como prefeito. Knipperdolling fora discípulo de Sebastian Franck e, mesmo antes do levante anabatista, ele fora, por ordem direta do rei, proibido de pregar a Reforma radical. Logo Bockelson se casou com Klara, a filha de Knipperdolling, e tanto ele como Mattys assumiram o completo controle da cidade. Dali em diante Rothmann dedicou-se a trabalhar principalmente como teólogo e apologista do movimento. Aparentemente, ele teve uma premonição de um futuro apocalíptico pois advertiu um amigo seu para aceitar um compromisso em outro lugar fora de Münster, pois, disse ele, "as coisas não irão bem por aqui".

Mattys começou a instituir uma comunidade de bens coletivos e solicitou todas as riquezas em dinheiro, jóias, e metais preciosos para serem trazidas para um fundo comum. O conselho lutou resistindo e aprovou por estreita maioria uma ordem de expulsar os pregadores radicais da cidade. Os radicais foram escoltados a um portão da cidade e foram despejados, eles rodearam o muro, e entraram por outro portão, onde foram recebidos e colocados de volta a suas igrejas por uma multidão solidária; de cima do púlpito passaram a denunciar as hordas do Anticristo. Católicos, Luteranos, e pessoas neutras que desejavam evitar problemas começaram a fugir da cidade. Os habitantes, metade da população original, foram substituídos por santos entrantes. Mattys tinha enviado pregadores por toda parte dos Países Baixos e Baixa Alemanha para recrutar cidadãos para sua Nova Jerusalém, proclamando para que viessem rapidamente, desembaraçando-se de suas posses, pois lá havia suficiente para todos os eleitos. Os monastérios e as igrejas já haviam sido pilhadas quando Mattys, prevendo futuras pilhagens, confiscou toda propriedade privada daqueles que haviam fugido da cidade. Os depósitos de alimento foram declarados propriedade pública, todas as lojas particulares foram confiscadas e posteriormente transformadas em postos de livre distribuição. As casas também foram declaradas propriedade pública, mas foi permitido às famílias permanecer nelas contanto que as portas fossem mantidas abertas de dia e de noite.

Como resultado de toda essa agitação, o príncipe bispo ficou completamente desprovido de dinheiro, pois a riqueza da Igreja era extraída da própria cidade. Ele perdeu todo seu crédito. A nobreza protestante não estava interessada em restabelecer um senhor católico e a nobreza católica era principalmente imperialista e o Império durante anos tentara tomar o controle de Münster. Na realidade desde os primeiros dias o imperador tinha enviado uma oferta de apoio à comuna de Münster. Com o fato da revolução social, o príncipe bispo pode angariar alguns empréstimos de alguns governantes e nobres da vizinhança para contratar mercenários e, embora temeroso no princípio, tentou investir sobre a cidade. A perspectiva de vida relativamente longa na comuna de Münster deveu-se principalmente ao acaso, por causa de suas ligações com a Revolta dos Camponeses. O Império entrara em colapso e não havia nenhuma entidade política como a Alemanha, relegada a uma imensa quantidade de querelas jurídicas. As velhas coletas feudais eram impossíveis de ser feitas e os príncipes só poderiam confiar em exércitos de mercenários e em estruturas tiradas do meio da nobreza que se sentia diretamente ameaçada. Os conflitos imperiais e religiosos tornaram as alianças difíceis de serem formadas e impossíveis de serem mantidas. Estados bem organizados como a França e a Inglaterra daquela época, teriam sido capazes de mobilizar forças necessárias para controlar rapidamente cidades como Münster restabelecendo a ordem dominante e esmagando a revolta.

Embora a ajuda do Príncipe Bispo Franz von Waldek demorasse a chegar, os governantes foram bem rápidos em suprimir os anabatistas em seu próprio território através da mais completa brutalidade. Em Amsterdam todos os participantes de uma tentativa para tomar a prefeitura foram executados, da mesma forma revoltas semelhantes foram contidas em outros lugares. Depois que Bernt Rothmann chamou todos os anabatistas para vir até Münster, grandes multidões começaram a se dirigir à cidade. Eles foram caçados nas estradas, assassinados, ou aprisionados. Três mil homens, mulheres e crianças que tentavam vir pelo mar foram capturados e devolvidos aos Países Baixos. A matança indiscriminada teve que ser interrompida pelo temor de despovoar o país. A despeito dos contínuos ataques aos anabatistas, eles constituíam um número surpreendente. A população da cidade foi completamente alterada. Depois que aqueles que recusavam o batismo de adultos se retiraram, os novos habitantes se tornaram maioria. Outra maioria igualmente significante foi a população feminina que possivelmente chegou a compor dois terços da população, transformando as ruas e praças durante o dia e durante a noite em um contínuo reavivamento pentecostal, gritando, dançando, cantando, esvoaçando seus cabelos soltos, e caindo em transes pelas ruas.

Mattys teve uma súbita visão de um banquete cerimonial que havia se tornado uma parte essencial no culto de Münster, no outro dia enviou um punhado de voluntários para atacar o exército do príncipe bispo. Jan Bockelson imediatamente tomou o poder executivo. Ele dissolveu o novo conselho por haver sido escolhido por homens em vez de por Deus que agia através dele; e designou um gabinete subordinado a Bockelson, simbolizando os doze anciões das tribos de Israel. Em seu nome ele emitiu um novo código de leis que abrangia praticamente todos os crimes, contravenções, faltas, defeitos de caráter de gravidade capital, desde a traição e adultério até responsabilidades que atingiam os pais da pessoa. Uma vez estabelecida a lei também foi estabelecida uma política para obrigar seu cumprimento, Bockelson introduziu a poligamia, sem ouvir nem mesmo as recomendações contrárias de seu próprio gabinete. Quarenta e oito dos principais cidadãos se revoltaram e o prenderam, mas a população libertou Bockelson e os quarenta e oito foram mortos. Após algumas outras execuções, a poligamia foi estabelecida. Eventualmente Bockelson adquiriu quinze esposas e Rothmann nove.

Nesta época Bockelson, com uma extraordinária ingenuidade, abriu negociações com Filipe de Hesse e com o Imperador Carlos V. Este último respondeu enviando um emissário para que se encontrasse com Rothmann. As negociações fracassaram. Depois de uma drástica derrota das forças sitiantes quando tentaram invadir a cidade, em um triunfal banquete massivo, Bockelson coroou-se a si mesmo como Rei do Povo de Deus e Governador da Nova Sião. Daí para a frente ele sempre aparecia em estado cerimonial, em roupões reais feitos dos vestuários religiosos mais suntuosos, segurando uma maçã dourada perfurada por duas espadas, e ostentando uma coroa que simbolizava seu governo no mundo, sempre precedido e seguido por espadachins. Knipperdolling sugeriu a si mesmo como líder espiritual enquanto que Bockelson agiria como rei nos assuntos mundanos — os messias sacerdotais e reais depois de David e Melchizedek do apocalipse judaico. Bockelson não recebeu bem essa sugestão e aprisionou Knipperdolling, como isso repercutiu mal ele logo o libertou designando-o como mestre de cerimônias, na realidade um sub-comandante.

Em 13 de outubro Bockelson convocou toda população para uma assembléia na praça da catedral, para que depois marchasse para fora para subjugar os sitiadores e desse boas vindas ao imaginário exército de anabatistas que estava vindo dos Países Baixos. Quanto todos se concentraram ele anunciou que se tratava de um teste de lealdade e convidou-os todos para um grande banquete messiânico. Foram fixadas mesas pela praça e toda população alegrou-se, dançou e cantou enquanto o rei, a rainha e os conselheiros os serviam, ao final foi distribuído pão e vinho santificado em sagrada comunhão. Quando Bockelson anunciou sua abdicação, Jan Dousentschuer, o profeta de plantão, imediatamente teve uma comunicação com a deidade que proibia a abdicação, e cerimonialmente ungiram e coroaram Bockelson novamente, enquanto o povo reunido festejava.

Antes que se tornasse um líder religioso, Jan Bockelson tinha sido escritor de concursos e peças religiosas, e ele disse que havia planejado e organizado a comuna de Münster como um melodrama religioso. Certamente ele proporcionou às pessoas bastante esplendor nas cerimônias de sua corte: encontros religiosos ao ar livre, comunhão, banquetes messiânicos, e jogos, trata-se de uma situação revolucionária mesmo baseada no misticismo medieval e em milagres. Um de seus atos mais importantes foi difundir a distribuição de bens e de comida, e o mais importante, introduzir o comunismo de produção. Os membros da guilda cujo trabalho era essencial à vida da comunidade foram ordenados para trabalhar sem salário e contribuir com seus produtos ao depósito de bens os quais todos poderiam dispor livremente de acordo com a necessidade. Todo esse programa parece ter funcionado com pouca resistência. Algumas pessoas foram executadas por acúmulo e algumas mulheres por se oporem às práticas poligâmicas — ele próprio decapitou uma de suas esposas — mas sobretudo por se objetarem às suas medidas comunizantes. Muitas de suas execuções parecem ter sido incentivadas pelo seu gosto pela decapitação. Ele possuía uma concepção folclórica de realeza — um rei deve constantemente gritar "arranquem a cabeça dele!". Esta atitude naturalmente foi compartilhada pela maioria da população. Na realidade toda a ideologia de Münster que emerge dos documentos é carregada de folclore, uma combinação de lendas apócrifas do judaísmo, contos camponeses dos irmãos Grimm, e lendas da Idade Média, tudo sob o pano de fundo da teologia anabatista que não exerce um papel exclusivo. Durante o outono e o inverno lentamente von Waldek juntou dinheiro, aliados, e mercenários, apertando o assédio e aumentando ainda mais o cerco. Foram despachados emissários para pedir ajuda mas todos eram pegos e executados, exceto um, Henry Graess, que virou traidor e revelou o plano de mobilização efetuado para obter suporte de forças anabatistas. Poucos responderam. O próprio Graess que já havia retornado a Münster foi julgado e decapitado.
Antes da primavera a cidade passava fome. Em junho de 1535 começou a escassez. As mulheres e crianças, com exceção da Rainha Divara e alguns outros, e os homens mais velhos, foram enviados para fora da cidade. Von Waldek recusou que atravessassem suas linhas e permaneceram cercados entre os muros e o exército sitiante até que a maioria morresse. Este ato de extraordinária crueldade foi executado sob as ordens específicas do arcebispo de Colônia que von Waldek tinha convidado para seu conselho.

Parecia que Münster iria se render durante o verão quando de repente dois homens, Hans Eck e Henry Gresbeck, escaparam da cidade e atravessaram as fileiras do príncipe bispo. Depois de uma batalha de intensidade diabólica que durou todo o dia a cidade caiu e o exército invasor arrasou a cidade matando a maioria de seus habitantes. Bockelson, Knipperdolling, e Bernard Krechting, principais conselheiros do rei, foram capturados. Rothmann desapareceu e nunca foi encontrado, nem vivo, nem morto. Durante seis meses os três líderes desfilaram pelo país afora dentro de gaiolas. Até que foram devolvidos a Münster, julgados, condenados, e literalmente torturados até a morte. Depois seus corpos foram colocados em gaiolas e dependurados na torre da igreja de Santo Lambert, onde permaneceram até o fim do século dezenove, quando a torre foi reconstruída e as gaiolas substituídas. Assim terminou a única comunidade comunista a ser estabelecida em um estado regular até a Revolução Russa — pelo menos na civilização Ocidental.

Thomas Münzer permanecera apenas alguns dias em Mühlhausen, e é duvidoso se qualquer uma das medidas comunizantes propostas por ele e Pfeiffer tivessem resultado efetivas, além do mais tais medidas eram centralizadas em sua política milenarista. A resistência incrivelmente longa de Münzer deveu-se a vários fatores. Tanto Burgomaster Knipperdolling como João de Leyden foram notáveis políticos qualificados e organizadores, com toda sua fantástica linguagem e cerimoniais, Rothmann foi um apologista de uma inteligência incomum. Eles não tiveram escrúpulos de fazer uso do mais extremo terror. Não apenas mantendo os rebeldes fora de circulação, como unificando e convencendo a maioria da população a consentir isso.

O comunismo não foi um incidente no milenarismo de Bockelson, nem foi um mero "comunismo de assédio”. O comunismo de Bockelson foi central. O batismo em massa de adultos propiciava nos membros uma convenção e a comunhão em massa mantinha-os juntos. Os sacramentos não eram o principal. O principal estava na comunidade onde as coisas eram compartilhadas. Cada esforço era feito para intensificar este senso de comunidade. A vida ela melodramatizada. Concursos, execuções, grandes banquetes messiânicos, até mesmo o próprio assédio contribuiu à exultação. Se a vida em Tabor foi exaltada, a vida em Münster por mais que seus participantes fossem estáticos e encantados, havia um contínuo ágape. Havia pouca chance para pausar e lembrar de si mesmo. Até mesmo o anabatista mais convicto necessitaria apenas de alguns dias de pausa para suspeitar que não estava em nenhuma Jerusalém divina mas que se tratava de uma armadilha em que foi pego. A poucos foi permitido um tempo para reflexão. Eles foram varridos por um tremendo fervor revolucionário aumentado pelo mito.

Houve ganhos positivos a serem considerados a partir da experiência de Münster, mas poucos deles foram percebidos. O mais importante foi precisamente a manifestação da comuna revolucionária através de um culto dramático, cerimonial. Algo que os revolucionários do futuro raramente estariam preparados para admitir. Apenas Robespierre na plenitude de seu poder e os bolcheviques nos primeiros anos da Revolução e da Guerra Civil conscientemente adotaram tal conceito ou prática. Indubitavelmente haveria coisas a serem aprendidas da economia política real de Münster mas nada sabemos sobre esse assunto. Porém, um número surpreendente de pessoas escapou para retornar posteriormente na forma de grupos comunais pacifistas provavelmente trazendo consigo alguns benefícios práticos de sua experiência.
O anabatismo jamais seria capaz de sobreviver em Münster. Desde o começo as perseguições foram grandemente intensificadas. A descoberta de um grupo anabatista, não importa o quão pequeno fosse, era recebido com horror pelas autoridades e os sócios eram freqüentemente executados sem as mãos. Não obstante o movimento foi suficientemente grande em seu início, considerando o grande número que fugiu de Münster para voltar depois; nos anos posteriores se espalhou pelo estrangeiro crescendo de forma espantosa. Essa histeria política se assemelhou um pouco à histeria macartista que varreu o século XX em toda a Europa. As autoridades viam anabatistas em toda parte e qualquer encontro ortodoxo não católico, luterano ou calvinista era imediatamente rotulado de anabatista. Os eclesiásticos ingleses estavam convictos de que todo o sul e oeste da Inglaterra estava enxameado de anabatistas. A verdade é que se havia alguns eram bem escassos, quando descobriam um punhado de imigrantes alemães e holandeses estes eram presos, exilados ou executados. Como ocorreu com o próprio movimento anabatista, Münster tornou-se rigorosamente pacifista — na realidade a maioria dos grupos organizados sempre foram pacifistas.

Fonte
Comunalismo -- Copyright 1974. Versão inglesa reproduzida com permissão de Kenneth Rexroth Trust.
WEB: http://www.geocities.com/projetoperiferia/comunalismo3.htm

mardi 5 août 2008

Pobreza diminui em quase um terço nas regiões metropolitanas em 5 anos

05/08/2008
EDUARDO CUCOLO
Folha Online, em Brasília

O percentual de famílias pobres caiu de 35% para 24,1% da população nas seis maiores regiões metropolitanas do país entre 2003 e 2008, segundo trabalho realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão ligado ao governo. Isso representa uma redução de quase um terço no percentual de pobres, ou cerca de 4 milhões de pessoas.
O levantamento, com base nos dados do IBGE, considera como pobres pessoas em famílias com renda mensal per capita de até meio salário mínimo (R$ 207,50).
Já o percentual de indigentes (renda de até R$ 103,75) caiu pela metade no mesmo período, de 13,7% para 6,6%, uma redução de quase 3 milhões de pessoas nessa condição.
Hoje, 27,4% dos pobres são considerados indigentes, ante 38,6%, considerando, nesse caso, dados de 2002.
"As medidas para o combate da indigência estão tendo resultados mais efetivos que as medidas para combate da pobreza", disse o presidente do Ipea, Marcio Pochmann.

Regiões

Em números absolutos, as duas regiões metropolitanas que registraram as maiores quedas na pobreza foram São Paulo e Rio, com redução de 1,15 milhão e 571 mil no número de pessoas pobre entre 2002 e 2008.
A região que menos reduziu foi Recife, cerca de 300 mil pobres a menos. Além dessas regiões, entraram na pesquisa Porto Alegre e Salvador.

Mais ricos

O estudo do Ipea mostra que, entre 2003 e 2008, o crescimento da economia beneficiou também os mais ricos (indivíduo pertencente a famílias cuja renda mensal é igual ou superior a 40 salários mínimos, ou R$ 16,6 mil).
Em termos percentuais, os ricos passaram de 0,8% da população em 2003 para 1% em 2008. Em números absolutos, cresceu de 362 mil para 476,5 mil.
Segundo o Ipea, o crescimento da economia beneficiou menos os riscos e pessoas de classe média alta.
"O crescimento econômico vem acompanhado de mais empregos, que estão basicamente na base da pirâmide. A expansão do emprego de classe média alta depende da continuidade do crescimento", disse Pochmann.

samedi 5 juillet 2008

Novela de memorias: un pedazo de mí

Novela de memorias: un pedazo de mí
Jorge Pinheiro – Extractos y entrevista con el autor


Omar L. DE BARROS FILHO
Traducido por Àlex Tarradellas. Revisado por Juan Vivanco


Quien, como yo, tuvo la oportunidad de conocer a Jorge Pinheiro durante su activa militancia socialista en la década de los 70, después del exilio en Argentina, Chile y Europa, se quedó sorprendido con los rumbos de su trayectoria posterior, tras la derrota de la dictadura y la consolidación democrática brasileña, aún en proceso. Lo normal sería que el talentoso periodista ocupara un cargo de importancia en los medios de comunicación tradicionales, o trabajara en alguna asesoría de comunicación del sector público o privado. Sin embargo, Jorge Pinheiro, un superviviente de la represión de la policía política de Brasil y del paredón de fusilamiento durante el golpe contra Allende, en Chile, optó por un camino distinto: se convirtió a la fe del cristianismo y adoptó la construcción de la Iglesia Baptista como su nuevo objetivo. Se doctoró en teología, escribió obras de temática religiosa, se volvió profesor y pastor. Ahora, al concluir el primer volumen de una trilogía en preparación –Novela de memórias: um pedaço de mim–, que será presentado por Eleva Cultural el próximo 31 de mayo en São Paulo, el científico de la religión, Jorge Pinheiro, abre una nueva etapa en su camino. Una inflexión que lo ha llevado a describir y reflexionar sobre la marcha de un militante marxista y sus camaradas por un continente sin rumbo, oprimido por regímenes arbitrarios, una América Latina injusta y violenta que, incluso así, ha sobrevivido a la sombra de las alas del cóndor.

Capítulo 1 – Yendo…

Rebeca quitó el pie del acelerador. El coche derrapó a un lado y chocó con fuerza en el barranco. Durante unos segunos ninguno de nosotros entendió lo que estaba sucediendo. Filemón tenía el rostro ensangrentado y el cuerpo anestesiado por el impacto. En el asiento de atrás, Yasmin y yo nos recuperamos rápidamente del susto y saltamos del coche. Entre los tres agarramos a Filemón por los brazos y lo arrastramos hacia fuera. Estaba demasiado pálido, color de cera, a no ser por el rojo que le escurría por la cara.

—Está muerto —dijo Rebeca.

—No, no lo está —respondió Yasmin.

Y se miraron una a otra, con una disputa de miradas que todo el mundo conocía muy bien. Se odiaban y nunca perdían la oportunidad de demostrarlo. Es absurdo, esas dos van a empezar a pelearse aquí, quién sabe si se van a enzarzar, a morderse, a mentarse la madre, yo qué sé, mientras Filemón se disipa en la sangre.

—Tiene un golpe en la cabeza. Si es algo muy grave, sólo lo sabremos después. Ahora no podemos llamar al médico.

Las dos me miraron como si estuvieran delante de un extraterrestre. Cogimos un trozo de estopa viejo y manchado de aceite, el único que había a mano, limpiamos la cabeza de Filemón y le hicimos un vendaje con unos trapos que estaban tirados en el fondo del coche, un Dauphine que servía para todo.

Reclinamos al chico en el barranco y, entonces, volvimos al mundo real. Eran las dos y media de la madrugada. Allí estábamos cuatro militantes del Movimiento Nacionalista Revolucionario con un coche lleno de armas, volcado junto a un barranco de la Rua Almirante Alexandrino, en Santa Teresa, Río de Janeiro. Mira que le había dicho a Rebeca que condujera con cuidado porque esos caminitos resbalaban. Cuidado con esa curva cercana al hospital alemán, cuidado. Pero quién dijo que Rebeca escuchaba. Siempre se consideraba una Mata Hari. Sólo que no usaba boquilla. Pero ¿será cierto que Mata Hari usaba boquilla o será una invención más de Hollywood?

—Estamos cerca de casa. A unos cincuenta metros. El problema es si pasa alguien.

Dominada la ira inoportuna, Yasmin se arregló la blusa y la minifalda, que se le había subido hasta la parte alta del muslo. Siempre combinaba el color de la minifalda con el de las bragas. Meneó la cabeza, se pasó la mano por el cabello, como si, de repente, se estuviera despertando para la vida.

—Pongámonos manos a la obra antes de que alguien nos vea.

Y una vez más los tres volvimos a trabajar juntos. Dimos la vuelta al coche, abracé a Filemón lo mejor que pude, agarrándolo como si fuera un borracho y lo arrastré hasta el edificio. Las dos mujeres, llenas de paquetes, intentaban andar deprisa delante de mí. No corrían. Las ametralladoras, aun desmontadas, eran bultos pesados. Lo que nos faltaba era que nos detuvieran ahora, después de un viaje tan largo.

Capítulo 15 – Ahumada con huérfanos
Escena Tres – Diálogo Tres

El hombre que fue baleado en el pecho, a quemarropa, que tiene la camisa y la parka verde oliva quemadas, continúa su historia. Todos escuchan en silencio.

El autobús de carabineros bloquea la calle sin salida. Empiezan a llegar tanques. Voy a intentar romper el cerco por la retaguardia. Hacemos explotar una pared y salimos por detrás. Estamos en San Joaquín, frente a la Coca Cola.

Ametrallan a León. Unos compañeros lo llevan de regreso a Indumet. Los carabineros invaden Indumet y fusilan a León y a dos obreros más.

Cruzamos San Joaquín y nos metemos en una calle al lado de la Coca Cola.

Nuestro comando ha llegado a La Legua. Un camión de carabineros ha intentado interceptarnos, pero hemos respondido con tiros de bazuca. El camión se ha incendiado. Cogemos todas sus armas y hemos dado un pequeño discurso exhortándoles a que luchen al lado del pueblo y no contra él.

Ocupamos la plaza de La Lengua. Tomamos un camión de bomberos, ponemos la sirena y pasamos de población en población llamando a la gente a que resista y defienda a su gobierno.

En La Legua dejamos a una compañera que estaba herida en el tobillo. Se ha quedado con algunos habitantes de una población y se ha salvado.

Llegamos a Sumar, que era uno de los lugares de concentración, según nuestro plan de resistencia. Varios compañeros estaban llegando de Tomás Moro. Uno de ellos con una camioneta llena de armas.

El compañero Lozada, de la comisión política, ha dirigido nuestra reorganización. Tenemos 200 hombres armados.

En esto nos ataca un helicóptero Puma del Ejército. Baja a la altura de las copas de los árboles y nos empieza a ametrallar. Unos cien compañeros responden inmediatamente. El Puma es alcanzado y se aleja con rapidez, mortalmente herido.

He pensado en derribarlo con un tiro de bazuca o de M60, pero ya no teníamos esas armas a mano. En medio de ese alboroto, recuerdo la frase del Che: «Si la revolución es verdadera, o se vence o se muere».

Para no ser un blanco fácil y concentrado, creamos un comando para que se una a los trabajadores de Mademsa-Madeco. He ido en ese comando.

En el camino, por La Legua, nos han atacado unidades de carabineros. Como la orden era llegar a Mademsa-Madeco, un grupo se ha quedado combatiendo, mientras otro, cerca de 50 compañeros, ha roto el cerco y ha seguido su camino.

Hemos llegado a nuestro destino y ahí hemos creado nuestra segunda defensa perimetral, con coches, radio y control de varias manzanas.

A las tres de la tarde me he reunido con el interventor de la fábrica, un compañero socialista. Hemos conseguido pan para los combatientes. Entonces la central de radio me ha informado de que hasta el momento no había habido ninguna comunicación de las regionales.

Los militares habían ocupado todas las radios.


A continuación, lea la entrevista de Jorge Pinheiro con Omar L. de Barros Filho, editor de ViaPolítica, sobre Novela de memórias: um pedaço de mim, en la que el autor discurre detalladamente sobre el libro y sobre las bases de su opción religiosa.

VP – Usted aún es joven. Los políticos, periodistas y escritores, en general, escriben sobre sus memorias ya tarde, cuando el ocaso se aproxima. ¿Por qué publica su libro ahora?

Jorge Pinheiro – Gracias por lo de joven. Tengo 63 años, con salud hasta ahora, pero 63 años nos llevan a pensar en el tránsito en dirección a la eternidad. Ya ha empezado la cuenta regresiva. Las ideas del libro parten de los factores, el papel de la utopía socialista en mi vida y los demonios que acosaron mi juventud.

En realidad, como novela de memorias, el libro tiene dos personajes: yo mismo y la utopía socialista. Cuando hablo de utopía no es para menospreciar el sueño del socialismo, sino para colocarlo en un nivel de realización permanente, histórica y transhistórica. O sea, veo el caminar permanente de la utopía, siento su olor agradable, pero no necesariamente voy a vivirla como desearía.

Y los demonios, siguiendo a Nietzsche, son los pecados de la juventud que se tornan virtud en la vejez. Son las pesadillas que andan siempre al lado de los sueños. En ese sentido, como cualquier texto biográfico, mi libro tiene la función de un exorcismo. Exorcizar a fantasmas y demonios y quedarse con la utopía generadora de nuevos sueños.

El libro es la primera parte de una trilogía esperada. Es mi historia y la historia de mi utopía, donde todo lo demás es escenario. Es biografía, pero también ficción, pues los sueños y demonios están personificados e interfieren en la vida del autor y de su sueño más grande.

VP - ¿Cuál es el periodo de su historia personal abarcado por la obra que en breve será publicada?

Jorge Pinheiro – La historia abarca de 1969 a 1973. O sea, mi militancia en el Movimiento Nacionalista Revolucionario/MNR, el primer exilio, la militancia en el Chile de Allende, la prisión después del golpe de Pinochet y la condena a fusilamiento.

Si tenemos en cuenta que me llevaron al paredón para fusilarme y hoy puedo contar la historia para ustedes, es fácil entender los demonios de mi vida personal.

VP - ¿Siente algún tipo de nostalgia del periodo marcado por la acción política del 68, 40 años después de lo ocurrido?

Jorge Pinheiro – Ustedes publicaron hace unas semanas un excelente artículo sobre Daniel Cohn-Bendit, en el que pide a las nuevas generaciones que olviden el Mayo francés [1]. Yo y mi mujer, Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos, hemos reflexionado bastante sobre esta cuestión y, a diferencia de Cohn-Bendit, no negamos la contemporaneidad de 1968. Al contrario, damos gracias a Dios por aquel «kairos», como esfuerzo de ruptura con una sociedad arcaica y sin sintonía con lo nuevo que se avecinaba, y de construcción de un socialismo democrático y revolucionario. Llamar el movimiento del 68 rebeldía juvenil es no entender la riqueza creativa del «kairos» histórico. Es negar las luchas que partieron de estudiantes y trabajadores de Francia en dirección a los Estados Unidos, Italia y Alemania, y desechar las luchas entre el capital y el trabajo, las guerras de Vietnam, Laos, Camboya y las insurrecciones populares en Chile, Portugal y Nicaragua.

No tengo nostalgia, porque no sitúo mi acción en el pasado, sino en el presente, como activista político-social que soy. El Mayo francés abrió un nuevo momento en la historia del planeta y no se limitó a Europa. Se expandió por el mundo. Y mi vida política, sea en Brasil, Chile, Argentina e incluso Europa, estuvo vinculada al Mayo francés. Desde pequeño aprendí que no se escupe en el plato en que se come. Creo que he progresado en relación con mi ingenuidad militante y juvenil, pero eso no significa negar los momentos nobles y poderosos de mi militancia en los años 60 y 70.

Mi conversión al cristianismo, que es un acto de fe en el sacrificio de Cristo, no implicó de ninguna manera un abandono de mi conciencia política. Nosotros, los baptistas, consideramos inalienable la libertad de conciencia y creemos que cada persona es libre ante Dios en todas las cuestiones de conciencia.

En ese sentido, soy un utópico: creo que debo partir de una ética de responsabilidad social. Eso implica entender la paradoja de la multicultura relacional brasileña: vivimos en un país donde impera la moral autoritaria del señor, de la casa grande y la senzala [2], y la moral libertaria de la contracultura –la moral del «no existe pecado por debajo del Ecuador/ vamos a hacer un pecado abierto, sudado, a todo vapor» [3].

Por eso, cualquier actuación en el campo social comporta comprender esta realidad. Sin embargo, consciente de que las sociedades deben organizarse a través de relaciones democráticas, considero que el reto de la Iglesia en América Latina es basar su compromiso en el imperativo protestante: libertad, conocimiento y justicia.

Tal proceso se expandirá conforme crezca la conciencia de que tenemos la tarea de transformar Brasil en un país donde todos puedan tener acceso a condiciones dignas de vida y justicia social. Y, lógicamente, todo el continente.

VP - ¿Cómo ocurrió el proceso vivido por usted –un militante marxista radical considerado peligroso por la dictadura brasileña- de ruptura con su política y el posterior encuentro con el cristianismo, la Iglesia Baptista y la teología? ¿Cómo lidia con esa cuestión hoy en día?

Jorge Pinheiro – Jesús proclamó la llegada del Reino de Dios, que es un reino de justicia, paz y alegría. Es bien cierto que, muchas veces, el cristianismo ha dejado la proclamación del Reino de Dios de lado y ha procurado vivir bajo la tutela del reino de este mundo. Sin embargo, sólo para demostrar la implicación cristiana protestante en la transformación del mundo, voy a remitirme a la historia de la militancia cristiana en la Inglaterra del siglo XVIII.

William Wilberforce y William Pitt son dos personajes conocidos en Inglaterra, pero no entre nosotros. Amigos desde la universidad, estos dos hombres, en el siglo XVIII, llegaron al Parlamento con poco más de veinte años. Pitt fue elegido primer ministro y se ganó el mote de «el Joven» para diferenciarlo de su padre, que también había ocupado el cargo. Decidió llevar adelante un proyecto político audaz: acabar con el tráfico de esclavos, liderado por Inglaterra. Un proyecto difícil, pues la mayoría de los parlamentarios estaba directa o indirectamente ligada al tráfico.

Pitt convocó a Wilberforce para ayudarlo en la tarea. Y fue así como dos movimientos marcaron a Inglaterra: la campaña contra la esclavitud, que empezó en 1789, con un discurso de William Wilberforce en la Cámara de los Comunes, y las campañas para las reformas laborales, que desembocaron en el movimiento social cristiano. El 23 de febrero de 1807 se suspendió el tráfico de esclavos, gracias a la militancia cristiana y política de Wilberforce.

A partir de ese momento, otro activista, Thomas Fowell Buxton, encabezó las campañas abolicionistas. Los dos, Wilberforce y Buxton, pertenecían a un pequeño grupo protestante surgido en la parroquia de Clapham, pueblecito distante a ocho kilómetros de Londres. De modo que la comunidad de Clapham, aliada con los grupos no conformistas, y a través de publicaciones, charlas y movilizaciones en la calle, fue responsable de algunas de las manifestaciones sociales más importantes de Inglaterra. El 25 de julio de 1833, la Ley de Emancipación liberó a los esclavos en todo el imperio británico.

El significado de esa acción repercutió en todo el mundo, incluso en el Imperio brasileño, estratégicamente ligado a Inglaterra, a través de tres intelectuales: Joaquim Tabuco, Rui Barbosa y Luiz Gama. Tabuco, que era diplomático, se inspiró en el cristianismo militante de Wiilberforce para organizar el movimiento que llevó a la monarquía brasileña a aprobar la Ley del Vientre. Sumada a la presión británica, la militancia de Tabuco contribuyó a la abolición de la esclavitud, en 1888.

Junto con las campañas abolicionistas, las reformas laborales movilizaron a otros intelectuales provenientes del anglicanismo, como John Malcom Ludlow (1821-1891), Charles Kingslev (1819-1875) y Thomas Hughes (1822-1896), que lucharon por el fin de la esclavitud, contra el trabajo infantil en las fábricas y por la jornada de diez horas. Esas movilizaciones conllevaron una amplia reforma social y el surgimiento del movimiento socialcristiano inglés.

Como vemos, los protestantes iniciaron el movimiento social inglés. Hombres como Ludlow, Kingslev, Maurice y Hughes crearon el socialismo cristiano en Inglaterra. Con plena conciencia de lo que estaban haciendo, Maurice proclamó «la necesidad de una reforma teológica inglesa, para evitar una revolución política y traer lo bueno que existe en las revoluciones extranjeras, que ha estado cada vez más grabado en mi pensamiento».

El movimiento inglés repercutió con fuerza en los Estados Unidos. A pesar de la visión esclavista de muchos protestantes estadounidenses, como Richard Furman, líder baptista de Carolina del Sur, que, en cierto modo, traducía el sentimiento generalizado entre los terratenientes del sur, en el norte surgió un fuerte movimiento protestante contra la esclavitud. Su primer gran activista fue Charles G. Finney, seguido por abolicionistas como Theeodore Weld y Liman Beecher.

Una novela marcará la campaña abolicionista y entrará en la historia de la literatura mundial: La cabaña del tío Tom, de Harriet Stowe. Con una lectura escatológica milenarista, Harriet Stowe consideraba que la esclavitud no era un pecado del Sur, sino que la culpa era nacional y, por eso, el juicio sería nacional.

En el libro, atacaba la conciencia nacional esclavista con la esperanza de que una purificación del alma de los Estados Unidos librara el cuerpo político de la venganza divina. Es interesante saber que el argumento de Wilberforce, expuesto en sus campañas, sobre la inviolabilidad del concepto de que todos los hombres son iguales, fue recogido por el presidente estadounidense Abraham Lincoln en la ley de 1863 que abolió la esclavitud en los Estados Unidos. Lincoln, cuyo mandato se desarrolló en medio de la Guerra de Secesión, compartía la visión de Wilberforce de que era una inmoralidad poseer a otro ser humano y citaba al inglés en sus discursos.

Con la guerra, llegó la victoria del Norte y la abolición de la esclavitud. Una vez abolida, la discusión sobre la industrialización del país, los daños humanos, miserias y exclusión que producía entraron en la orden del día. Surgieron los «protestantes públicos» que, al contrario de los «privatistas», hablaban de cristianismo social, evangelio social y servicio social. Exponentes de ese pensamiento fueron Washington Gladden, ministro congregacional de Ohio, el escritor Charles Sheldon, autor de una obra que llegó a ser famosa, En sus pasos, ¿Qué haría Jesús?, y el pastor baptista Walter Rauschenbusch.

Rauschenbusch (1861-1918) era de origen alemán. Planteó la cuestión del evangelio social, a partir de una lectura que combinaba la doctrina bíblica de la responsabilidad social y los socialistas utópicos. Defendió una democracia económica y política y propuso una actuación a través de los sindicatos.

«Nuestra economía política ha sido durante mucho tiempo el oráculo de un dios falso. Nos enseñaron a ver las cuestiones económicas desde el punto de vista de los bienes y no de los hombres. Nos contaron cómo la riqueza es producida y dividida y consumida por el hombre, y no cómo la vida y el desarrollo del hombre pueden mejorar y ser promovidos por la riqueza material. Es significativo que en la economía política se descuide la discusión del consumo de la riqueza, a pesar de que la cuestión humana es la más importante de todas. La teología debe ser cristocéntrica, pero la economía política debe volverse antropocéntrica. El hombre es cristianizado cuando pone a Dios por encima de sí mismo, la economía política será cristianizada cuando coloque al hombre por encima de la riqueza. Es eso lo que hace una economía política socialista», afirmó en Christianity and the social crisis.

En el mismo libro decía que

«nada dará a la clase trabajadora una comprensión más real de su condición de clase y de su objetivo final que la lucha permanente para conquistar sus reivindicaciones mínimas y para eliminar las presiones reaccionarias contra sus sindicatos. Nosotros partimos del principio de que una organización fraternal de la sociedad no tendrá fuerza si sólo es apoyada por idealistas. Ésta (la organización fraternal de la sociedad) necesita el sustento firme de la clase trabajadora, cuyo fruto económico depende del éxito de ese ideal. La clase trabajadora industrial es, consciente o inconscientemente, la fuerza para la realización de ese principio. Los que desean la victoria, desde un punto de vista religioso, tendrán que hacer una alianza con la clase trabajadora. Sin embargo, el principio protestante de la libertad religiosa y el principio democrático de la libertad política llevan a la victoria a través de la alianza de la clase media, que también desea la conquista del poder, con la clase trabajadora; de esa manera, el nuevo principio cristiano, que busca una organización fraternal de la sociedad, debe aliarse para una conquista que ambos quieren».

Creo que estoy en buena compañía, principalmente cuando recuerdo al compañero Martin Luther King Jr., pastor baptista, y uno de los mayores militantes de la causa social de todos los tiempos.

VP - ¿Cómo aparecen en el libro esa crisis y su superación? ¿La revolución y Cristo aún caminan juntos en América Latina? ¿Por qué?

Jorge Pinheiro – Hoy, en América Latina, muchos intelectuales, pastores y teólogos protestantes están organizados alrededor de proyectos sociopolíticos. Sin embargo, lógicamente, la primera preocupación de las iglesias protestantes es la vida espiritual de las personas y su renovación en Cristo. Hoy en día no son pocos los evangélicos que actúan inspirados en la fe cristiana en los movimientos populares, los sindicatos, los partidos políticos y los ministerios de acción social de sus iglesias. Y, en relación con nuestro país, actuar políticamente ya forma parte de la vida de los protestantes brasileños. En términos de organización, voy a hablar de los movimientos que, aunque sean nuevos, han fermentado positivamente el suelo militante evangelista. El primero es el movimiento de la Misión Integral, que procura implicar a las iglesias locales con el compromiso social. En la visión de la Misión Integral, de la cual formo parte y soy uno de sus muchos teóricos, la proclamación del Evangelio tiene consecuencias sociales cuando mira al ser humano como totalidad.

La teología de la Misión Integral busca la justicia social porque entiende la fe como intervención política, material y espiritual, y cree que la transformación de las personas y los cambios estructurales están relacionados.

Y porque creemos que el ser humano es la imagen de Dios, la Misión Integral es una teología para aquellos que carecen de bienes y posibilidades, pero que, como los demás, son imagen de Dios. Los desposeídos de bienes y posibilidades tienen conocimiento, habilidades y recursos. Tratarlos con respeto significa crear condiciones para que sean arquitectos del cambio en sus comunidades, en vez de imponer soluciones. Trabajar con los desposeídos y expropiados implica la construcción de relaciones que conducen a un cambio mutuo.

Para la Misión Integral, quienes pueden y deben actuar así son las iglesias. El futuro de la misión integral se define, pues, en términos de capacitar a las iglesias locales para que transformen las comunidades de las cuales forman parte. Las iglesias, como comunidades de cuidado e inclusión, son el centro de lo que significa hacer misión. Las personas, en particular, son atraídas a la comunidad cristiana antes de ser atraídas por el mensaje cristiano.

Esa manera de producir inclusión social nace de abajo, nace de las iglesias, traduce una teología del Reino de Dios, comunitaria, la experiencia de caminar con las comunidades. Vista así, la iglesia no es meramente una institución, sino una comunidad en la que se concretan los valores del Reino de Dios.

La participación de los desposeídos y expropiados en la vida de la iglesia lleva a encontrar nuevas maneras de ser iglesia en el contexto de la cultura brasileña. De esa manera, la Misión Integral, que hoy abarca centenas de iglesias evangelistas brasileñas, es una teología social. Tal actividad se amplía para incluir avances hasta la transformación de valores, la valoración de las comunidades y la cooperación en cuestiones de justicia. Con su presencia entre los desposeídos y expropiados, la iglesia está en una posición singular para restaurar la dignidad de las personas, presentando valores que producen recursos y crean redes de solidaridad.

Sin embargo, los problemas continúan presentes, por esto toda acción de transformación es permanente. Tenemos problemas políticos y sociales, como pobreza, violencia y corrupción. También son evidentes la mala calidad de los servicios públicos en el área de la educación y la sanidad y las agresiones contra el medio ambiente. Por eso, en un momento en que la visibilidad y el reconocimiento de la presencia protestante reclaman expresiones políticas de responsabilidad y servicio, nosotros, o sea, un grupo de evangelistas de iglesias diferentes y de diferentes partes de Brasil, estamos actuando en la construcción de un movimiento llamado Evangelistas por la Justicia.

Bien, debe estar pensando, ¿pero por qué dos movimientos: Misión Integral y Evangelistas por la Justicia? Considero que la Misión Integral, que hoy ya se estudia como materia en muchas facultades de teología, actúa a través de las iglesias sugiriendo programas y propuestas para que éstas actúen en los lugares donde están implantadas. Aquí, entonces, el agente es la iglesia local: agente de transformación social.

Si pasamos al caso de los Evangelistas por la Justicia deseamos tener en este primer momento una actuación concienciadora sobre los formadores de opinión del mundo protestante. Al mismo tiempo, tenemos una preocupación definitivamente política, pues queremos una sociedad distinta, que supere el capitalismo y sus orientaciones ideológicas, el neoliberalismo y las llamadas terceras vías, y que implicará contribuciones de dentro y fuera del campo protestante. Sin embargo, por encima de todo, no es un proyecto que implique la creación de un poder evangelista o apoyado en la religión.

Por eso, nosotros, los Evangelistas por la Justicia, rechazamos los modelos de fusión entre las instituciones religiosas y el poder económico. No porque consideremos que la política es indigna o contraria al mensaje del Reino de Dios, sino porque creemos que las instituciones políticas de una sociedad democrática deben ser construcciones históricas, pactadas entre personas de cualquier fe o de ninguna fe. A la vez, creemos que el papel de los cristianos es testificar su fe también en las cuestiones sociales y políticas.

Así, la lucha contra la globalización excluyente y sus formas de legitimación ideológicas, seculares y religiosas, conservadoras o progresistas, es un proyecto que exige estrategia histórica, que va más allá de las confesiones religiosas, que remite a la aspiración de una humanidad libre y democrática. Sin embargo, es un proyecto legítimo para los que ven la fe cristiana como una llamada al compromiso con la liberación de todas las formas de esclavitud, opresión y discriminación, que niegan en los seres humanos la imagen de Dios y nos impiden un encuentro con nuestro Creador. Es eso.

Notas del traductor:

[1] Puede consultar el artículo de Mário Maestri «Cohn-Bendit pide disculpas» en español en Tlaxcala: http://www.tlaxcala.es/pp.asp?lg=es&reference=4931

[2] Pinheiro hace referencia a la novela de Gilberto Freyre Casa grande y senzala. Existen dos ediciones en español del libro, ambas traducidas por Benjamín Garay. Una de Emecé Editores (Buenos Aires, 1943) y otra de la Biblioteca Ayacucho (Caracas, 1977). Las senzalas son los lugares donde se alojaban los esclavos en las antiguas haciendas o las casas señoriales.

[3] Referencia a la canción compuesta por Chico Buarque y Ruy Guerra Não existe pecado ao sul do Equador. Puede ver la letra y escuchar la canción en: http://letras.terra.com.br/chico-buarque/86006/

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Fuente: http://www.viapolitica.com.br/anima_view.php?id_anima=65

Artículo original publicado el 12 de mayo de 2008

Omar L. de Barros Filho es editor de ViaPolitica y miembro de Tlaxcala, la red de traductores por la diversidad lingüística. Àlex Tarradellas y Juan Vivanco son miembros de Rebelión, Cubadebate y Tlaxcala. Esta traducción se puede reproducir libremente a condición de respetar su integridad y mencionar a sus autores y la fuente.

Tlaxcala: http://www.tlaxcala.es/pp.asp?reference=5426&lg=es

jeudi 3 juillet 2008

A injustiça e a desordem

Luiz Fernando Veríssimo
O Globo

Quando Goethe disse que preferia a injustiça à desordem, a Europa recém fora sacudida pela revolução francesa e enfrentava outro terremoto, o bonapartismo em marcha. Sua opção não era teórica, era pela específica velha ordem que os
novos tempos ameaçavam. Por mais injusta que fosse, a velha ordem era melhor do que as paixões incontroláveis libertadas pela revolução.

Mas a frase de Goethe atravessou 200 anos, foi usada ou repudiada por muitos, na teoria ou na prática e em vários contextos, e chega aos nossos dias mais atual do que nunca. Você não pode pensar na questão agrária brasileira, por exemplo, sem cedo ou tarde ter que se perguntar se prefere a justiça ou a ordem.

A injustiça no caso é flagrante e escandalosa. Mesmo que se aceite todas as teses sobre o desvirtuamento do movimento dos sem-terra e se acate a demonização dos seus líderes, militantes e simpatizantes, a dimensão do movimento é uma evidência literalmente gritante do tamanho da iniqüidade fundiária no Brasil, que ou é uma
ficção que milhares de pessoas resolveram adotar só para fazer barulho ou é uma vergonha nacional. A iniqüidade que criou essa multidão de deserdados no país com a maior extensão de terras aráveis do mundo é a mesma que expulsou outra multidão para as ruas e favelas das grandes cidades, deixando o campo despovoado para o latifúndio e o agronegócio predatório.

A demora de uma reforma agrária para valer, tão prometida e tão adiada, só agrava a exclusão e aumenta a revolta.

Quem acha que desordem é pior do que injustiça tem do que se queixar, e a que recorrer. As invasões e manifestações dos sem-terra se sucedem e assustam. Proprietários rurais se mobilizam e se armam, a violência e o medo aumentam, a reação se organiza. Agora mesmo no Rio Grande do Sul, enquanto endurece a repressão policial às ações do MST, um documento do Ministério Público estadual prega a criminalização de vez do movimento, caracterizando-o como uma guerrilha que ameaça a segurança nacional, com ajuda de fora. É improvável que uma maioria de promotores
de justiça do estado, transformados em promotores de ordem acima de tudo, tivesse abonado o documento como estava redigido, com seu vocabulário evocativo de outra era. Mas ele dá uma idéia da força crescente do outro lado da opção definidora, dos que escolheram como Goethe.

O mistério sagrado do capital

Julian Gough

A idéia da economia como sendo uma religião não é nova. Como apontou Max Weber, os primeiros protestantes viam o sucesso econômico como um sinal de Deus de que alguém era celestialmente eleito. Foi um pequeno passo passar disso a buscar o sucesso para assegurar a salvação. O capitalismo, como disse Walter Benjamin, pegou discretamente a Reforma Protestante e substituiu a religião por si mesmo: ele se tornou uma religião, a religião ocidental. Logo, quando o protestantismo chegou aos Estados Unidos, em sua forma mais pura, o capitalismo fez o mesmo: as Américas espanholas católicas nunca prosperaram economicamente, diferentemente da América do Norte anglo-saxã protestante.

Mas as religiões evoluem, e os eventos recentes mostram que o capitalismo começou a evoluir menos como os tentilhões de Galápagos (cujos bicos se ajustaram ao longo de milênios para se adequar às bagas de sua ilha individual), e mais como o Incrível Hulk. O capitalismo Incrível Hulk pode expandir seus músculos de crédito tão rapidamente que suas roupas de ativos do mundo real não podem se expandir rápido o suficiente para contê-los. Expansão, explosão, colapso - o capitalismo Incrível Hulk cai, atordoado e encolhido de novo, nos trapos de seus ativos. Ou, retornando à nossa analogia religiosa, se o capitalismo fosse uma religião, ela agora seria um culto pseudocientífico prazerosamente demente.

O capitalismo Incrível Hulk está para o capitalismo de Adam Smith como a Cientologia está para cristianismo de Cristo. Tanto as altas finanças modernas quanto a Cientologia usam a linguagem e instrumentos da ciência para fins que são religiosos, não científicos. Ambos atendem uma necessidade, um anseio que as antigas formas de religião e capitalismo não mais atendem. A necessidade de um poder misterioso maior do que nós, no qual possamos acreditar. Ele precisa ser poderoso - mas também deve ser misterioso. E o mistério vem desaparecendo do mundo cada vez mais rápido, desde Galileu.

Nós sabemos do que são feitas as estrelas e podemos computar seu curso pelos céus pelos próximos 10 mil anos. Nós podemos explicar as tempestades e inundações que antes eram evidência da ira de Deus. Mas à medida que o avanço da ciência removeu o mistério divino de grande parte da vida, o avanço do capitalismo de livre mercado o devolveu. Apenas a economia moderna pode atualmente fornecer forças que não entendemos. E precisamos disso em nossas vidas.

De Adam Smith até o presente se passaram pouco mais de 200 anos. O Islã, o cristianismo e as religiões do Oriente levaram muito mais tempo para cobrir territórios bem menores. Por que o capitalismo moderno acelerou repentinamente, de forma explosiva, sua disseminação nos últimos 30 anos?

Para um sistema substituir sem derramamento de sangue outro sistema entrincheirado, o novo deve oferecer alguma melhoria significativa. E deve oferecê-la a todos. A religião de Abraão e Moisés não explodiu pelo mundo até que Paulo decidiu tornar a versão do judaísmo pregada por Jesus aberta a todos, independente de seu nascimento. Da mesma forma, o capitalismo à moda antiga era incapaz de se tornar uma religião universal, porque não oferecia esperança de salvação para todos. Apenas aqueles nascidos em uma elite de proprietários de terras e donos de capital podiam ter acesso ao capital. Mas o recente aumento do capital de risco abriu o capitalismo a todos e finalmente o tornou uma religião potencialmente universal.

Apenas mais uma mudança era necessária, e ela veio em 1971. Pois enquanto o dinheiro precisava ser apoiado pelo ouro, a economia estava enraizada no mundo material (da mesma forma que o cristianismo era apenas uma filosofia interessante enquanto Cristo estava vivo). O abandono do padrão ouro foi a crucificação e ressurreição do capitalismo; o evento traumático e libertador que permitiu ao capitalismo ser puramente religioso e totalmente movido pela fé. E como todas as religiões, assim que seu elo com o mundo físico foi partido, o capitalismo de livre mercado lamentou brevemente, então experimentou um aumento de energia e expansão.

Em uma explosão dos mercados de crédito, gastos geradores de déficit e dinheiro baseado em fé, ele subjugou os soviéticos e chineses e sacudiu as sociedades islâmicas até suas raízes. Ele se expandiu mais longe e mais depressa que o Islã após a morte de Maomé. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial enviaram seus missionários para cada país. E sua língua agora substituiu o latim como língua universal, falada por uma casta sacerdotal sombria, vestida de preto, mas expressa sem o entendimento das pessoas comuns.

As pessoas precisam disso, elas anseiam por mistérios, um sacerdócio, xamãs em contato com grandes forças. E as altas finanças modernas, como o latim da igreja cristã, têm mistérios profundos em seu âmago. Nem mesmo banqueiros sabem o que realmente é uma obrigação de débito colateralizada ao cubo.

Enquanto antes o mistério essencial estava contido na frase "fiat lux" - que haja luz - ele agora está contido na frase "fiat money" (moeda fiduciária). O dinheiro, essa coisa sem peso, esse espírito que está em toda parte e em lugar nenhum: este nada em tudo, é o Espírito Santo do capitalismo. E seu toque pode transformar você nesta vida, dando a ele uma grande vantagem sobre religiões anteriores, que oferecem apenas consolo na próxima. Um banco com uma base de capital de US$ 10 bilhões pode emprestar US$ 100 bilhões. Mas com esse dinheiro, as pessoas constroem casas reais, dirigem carros reais, comem pão real e bebem vinho real. Este não é um ato de criação? Não é um mistério digno de Deus?

Um banqueiro pode fazer um empréstimo de US$ 1 bilhão para uma empresa de mineração. Este dinheiro baseado em fé, apoiado por nada, transferido eletronicamente, é usado para transformar colinas em buracos. A mineradora envia o minério resultante para todo o mundo. Nós vivemos na primeira era em que a fé pode literalmente mover montanhas.

Os críticos do capitalismo de consumo se desesperam diante da tolice das massas, que compram o que querem embalado como se fosse o que precisam. Mas este é um entendimento equivocado da transação. Nós rezamos com nosso dinheiro, que é apoiado por nada a não ser fé, e um milagre acontece - nossas cestas se enchem de bens, muito mais coisas do que poderíamos produzir ou cultivar nós mesmos. Em todas as outras religiões, você vai ao templo e dá aos guardiões alimentos que você cultivou com dificuldade. Sob esta nova religião melhorada, o templo dá alimento a você. O que acontece, toda vez que realizamos compras, é um milagre semelhante ao dos pães e peixes.

Muitos falam sobre as desigualdades do capitalismo moderno. Mas a verdade é mais sutil e estranha. O cristianismo antes pregava a igualdade do homem, mas não conseguiu encontrar um modo de tornar real a visão. O comunismo tentou e fracassou em impor a igualdade a nós. Mas apenas nosso capitalismo moderno, excitável, baseado na fé, conseguiu este grau de uniformidade e igualdade. A Ikea, com suas cadeiras de US$ 10, está proporcionando não apenas o céu cristão, mas também o comunista: todos iguais, sentados nas mesmas cadeiras, iluminados pelos mesmos abajures, em todo o mundo.

Fonte
Julian Gough conquistou o prêmio BBC National Short Story em 2007
Tradução: George El Khouri Andolfato
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mercredi 2 juillet 2008

¿Puede Argentina aprender de Brasil?


Joaquín Mirkin
¿Cómo se explica que, ante a un mundo de alimentos y commodities caros, dos países agroexportadores repletos de recursos naturales como Brasil y Argentina tengan resultados económicos y empresariales tan diferentes?

(Desde Madrid) LA REVISTA THE ECONOMIST RESPONDÍA a este interrogante con inteligencia ilustrando el cuento de la carrera entre la liebre y la tortuga: la liebre (Argentina) corría tan deprisa que terminaba cayéndose por el precipicio. La tortuga (Brasil) avanzaba lentamente, poco a poco, pero a paso firme y seguro.

Esto es lo que ha ocurrido desde el triunfo de Néstor Kirchner y Lula Da Silva en 2003: Argentina ha crecido a tasas asiáticas, a una media del 8-9 por ciento del PIB. Brasil, en cambio, lo ha hecho muy por debajo el 4-5 por ciento, pero atrayendo inversión extranjera, y controlando la inflación.

“Ambos países se benefician de la nueva era de los commodities caros, pero Brasil está aprovechando mucho más el nuevo contexto económico global”

La previsión es que Brasil crezca este año un 4,8 por ciento, mientras que Argentina lo hará a un 6 por ciento, pero con una importante salvedad: mientras la inflación real en Argentina alcanza el 30 por ciento anual (según los analistas argentinos más prestigiosos, pero es de un 10 por ciento de acuerdo con las estadísticas oficiales del Indec, el Instituto Nacional de Estadística), en Brasil, la inflación real rozará el 4 por ciento anual. Mientras en Brasil, las empresas se internacionalizan y ganan mercados, se reduce la pobreza y se incorpora a millones de personas a la clase media, en Argentina se vive un conflicto entre el sector agroexportador y el gobierno central que lleva ya más de 100 días y la pobreza aumenta.

BRASIL APROVECHA LA OPORTUNIDAD

“Argentina sigue retenida en el pasado, sin encontrar el equilibrio y huérfana de canales institucionales efectivos para resolver sus conflictos”

Mi opinión es la siguiente: los dos países se benefician de la nueva era de los commodities caros, pero Brasil está aprovechando mucho más que Argentina el nuevo contexto económico global, que llegó para quedarse por un buen tiempo.

Está claro que Lula tiene una estrategia de crecimiento que busca transformar a Brasil en una potencia política, económica y empresarial a nivel internacional a medio y largo plazo, lo que otorga mayor previsibilidad al país, mientras que Argentina sigue retenida en el pasado, sin poder encontrar el equilibrio y es huérfana de canales institucionales efectivos para resolver sus conflictos, desaprovechando la enésima oportunidad.

“La deuda neta de Brasil está pagada y tiene amplio acceso a los mercados de capitales internacionales”

Así lo demuestran los más de 100 días que lleva el enfrenamiento entre el campo y el gobierno de Cristina Fernández de Kirchner, un hecho que ha dejado atónitos a los medios más prestigiosos del mundo que cubren el (innecesario) conflicto, incapaces de entender qué es lo que sucede en el país austral, donde el sector agroexportador es uno de los más competitivos del mundo, pero el país pierde mercados.

Argentina, por su activo humano altamente capacitado y por sus recursos naturales, debería estar hoy mucho mejor que Brasil, o, incluso, que Chile; debería ser la Australia del cono sur.

LOS FRUTOS DEL EQUILIBRIO

Brasil acaba de recibir el investment grade para sus emisiones de divisas, según Standard & Poor´s. La agencia Fitch subió la calificación de crédito de Brasil un escalón, a BBB-, desde BB+.

“El Real se ha valorizado como resultado de la lluvia de dólares en inversión extranjera directa y en exportaciones de commodities”

Para los analistas en São Paulo, la clave ha estado en las reformas financieras. Brasil ha otorgado independencia a su banco central, dejando que el tipo de cambio flote de acuerdo a las leyes del mercado para ubicarse hoy en el 1,60 Reales por dólares estadounidenses. El Banco Central de Brasil, a diferencia del argentino, no regula los mercados de divisas de forma arbitraria, y la prueba está en que el Real se ha valorizado, pese a la resistencia de los industriales, y lo ha hecho como resultado de la lluvia de dólares en inversión extranjera directa y en exportaciones de commodities que está viviendo el país.

Argentina, en cambio, ha seguido una política económica menos ortodoxa que ha servido, desde mi punto de vista, para recuperar al país de la crisis de 2001-2002, pero que no puede ser eterna.

“Según el gobierno argentino, las retenciones a las exportaciones le han permitido mantener su superávit y distribuir el ingreso. Pero esto no es del todo cierto”

Cristina Fernández de Kirchner debe imprimir un cambio de rumbo urgente, priorizando en la institucionalidad y en la sostenibilidad del crecimiento, ofreciendo una mayor seguridad jurídica a las inversiones. Pero la pretensión de aumentar aún más la recaudación a través de retenciones móviles a las exportaciones ha desatado una ola de protestas que ha puesto en cuestionamiento el modelo económico kirchnerista en su conjunto, con una inflación, siempre regresiva, que se desborda y afecta a los más pobres.

El Banco Central de Argentina ha estado comprando dólares para mantener su valor por encima de los 3 pesos argentinos por dólar y ganar de este modo competitividad. Se trata de unos de los pocos países del mundo, si no el único, donde el dólar tiene un alto valor. De este modo, y gracias a la subida espectacular de los commodities, Argentina ha crecido a tasas asiáticas, con altos niveles de consumo interno. Según el gobierno argentino, las retenciones a las exportaciones le han permitido mantener su superávit y distribuir el ingreso. Pero esto no es del todo cierto.

LAS EMPRESAS BRASILERAS SE INTERNACIONALIZAN

“Brasil ha recibido 35 mil millones de dólares de inversión extranjera directa en 2007; Argentina, 5 mil millones, detrás de Chile, que recibió el triple”

Brasil, con un esquema más ortodoxo y austero de control del gasto público, y de fuerte apoyo a sus empresas, sin retenciones, ha logrado reducir la pobreza, con políticas económicas que han apostado por el crecimiento lento, pero seguro. De este modo, el país se ha ganado la confianza del mundo entero y ha mejorado su reputación internacional. Argentina ha seguido un camino inverso y está pagando el precio.

Los hechos hablan por sí solos: Brasil ha recibido 35 mil millones de dólares de inversión extranjera directa durante 2007, según datos de la Cepal; Argentina, 5 mil millones, muy por detrás de Chile, que recibió el triple: 15 mil millones de dólares. El mercado premia la previsibilidad.

Brasil cuenta con escala, y con empresas fuertes y competitivas, que se internacionalizan con el apoyo del Banco de Desarrollo.

“Pocas empresas argentinas buscan ser multilatinas. En cambio, una decena de brasileras cuentan ya con operaciones globales” y ganan mercados en todo el mundo, como Embraer (Defensa), Petrobras (Petrolera), Marfrig (Frigoríficos), Sadia (Alimentación), Vale de Rio Doce (Minería). Embraer, por ejemplo, construye aviones en China y vende a todo el mundo. Petrobras acaba de realizar uno de los mayores descubrimientos de petróleo offshore, a unos 275 kilómetros de la costa de São Paulo, y se ha transformado en la petrolera más eficiente en exploraciones marítimas, gracias a la inversión en tecnología. El grupo brasilero Marfrig compró hace pocos meses 8 frigoríficos en Argentina y 4 en Uruguay, incluyendo los de Quickfood. Marfrig se ha transformado en el cuarto frigorífico del mundo, y acaba de comprar el grupo OSI (proveedor de McDonald’s) por 680 millones de dólares para nuevas operaciones en Brasil y en ciertos países de Europa, con lo que su facturación pasaría de 3 mil millones de dólares a 5 mil millones. “En Argentina la inflación desbordada afecta a los más necesitados” Se trata de un claro ejemplo de internacionalización de empresas en áreas competitivas.

Se calcula que desde 2002 Brasil ha invertido más de 8.000 millones de dólares en empresas argentinas de calzado, textiles, alimentos, construcción, petróleo y bebidas. Cervecería Quilmes, Perez Companc, Loma Negra (Cemento), Acindar (Acero), Alpargatas, Quickfood y Swift Armour, entre otras, son hoy brasileras. Salvo el grupo Techint (construcción e infraestructuras) y Arcor (alimentación), pocas empresas argentinas buscan ser multilatinas. En cambio, una decena de empresas brasileras cuentan ya con operaciones globales.

EL PRINCIPAL PROBLEMA SE LLAMA INFLACIÓN

Sin duda, la pobreza y la distribución del ingreso son muy graves en ambos países, y lo son en mayor medida en Brasil. Pero Brasil está dando respuestas más eficaces y aprovecha la oportunidad con inteligencia. El principal problema que enfrenta hoy la región se llama inflación, siempre regresiva y que afecta a los más pobres.

“Brasil incorporó más de 40 millones de personas a las clases medias, en el periodo 2000-2005″

Es interesante observar cómo los países gobernados por izquierdas más pragmáticas, como Brasil, Chile y Perú, tienen una inflación baja, más o menos controlada, mientras que las izquierdas populistas enfrentan serios problemas de alza de precios.

Si bien Argentina ha reducido espectacularmente la pobreza desde la crisis de 2001-2002, la inflación desbordada afecta hoy a los más necesitados y retrotrae el numero de pobres al 30 por ciento, aunque no hay cifras fidedignas al respecto.

Según estimaciones de la consultora McKinsey, Brasil incorporó más de 40 millones de personas a las clases medias, en el periodo 2000-2005, sacando de la pobreza a unas 8 millones de familias de la pobreza, gracias a políticas integrales acertadas.

LA GRANJA DEL MUNDO

“Emilio Botín: Lula nos ha enseñado que el éxito también puede ser latinoamericano”

José Juan Ruiz Gómez, economista jefe y director de estrategia de la división América del Grupo Santander, dice que Brasil no es la revolución, pero da resultados: Brasil ha logrado un espectacular despegue de su economía, la confianza del capital internacional y un protagonismo creciente de sus empresas en el mundo.

Michael Redi, editor para las Americas de The Economist, afirma que China es hoy el taller del mundo, India su oficina, y Brasil es la granja del mundo… Pero, ¿y Argentina?

En su última visita a Madrid, Lula estaba feliz. Emilio Botín, presidente del Grupo Santander, fue muy claro, y afirmó: Lula nos ha enseñado que el éxito también puede ser latinoamericano. Yo me pregunto con envidia: ¿Por qué el gobierno de Cristina Fernández de Kirchner no acierta en el rumbo como lo está haciendo Lula en Brasil?

Sobre el autor
Joaquín Mirkin

Director Ejecutivo de la Fundación Safe Democracy. Es experto en Comunicación Política e Institucional. Licenciado en Ciencia Política por la Universidad de Buenos Aires, ha realizado un Master en Relaciones Internacionales y Comunicación en la Universidad Complutense de Madrid y otro Master en Comunicación Política e Institucional del Instituto Ortega y Gasset de Madrid. Ha trabajado los últimos 9 años en Periodismo (en el diario Página/12 de Buenos Aires), en Comunicación y Relaciones Institucionales, con énfasis en la construcción de comunidades. Reside desde hace seis años en Madrid.

Fonte
http://spanish.safe-democracy.org/2008/06/25/el-exito-tambien-puede-ser-latinoamericano/

O desafio socialista de Einstein

Escrito em 1949, o ensaio “Por que o socialismo?” de Albert Einstein, o maior gênio da ciência no século XX, guarda toda a sua atualidade. A crítica do sistema capitalista, associado à fase predatória do desenvolvimento da humanidade, se faz em termos que aproxima muito o argumento de Einstein do de Marx: economia planetária assentada na desigual distribuição das riquezas, anarquia econômica, exploração dos que trabalham, geração contínua de crises de super-produção e deturpação ética dos indivíduos.

Ao final, Einstein coloca o desafio da construção de um socialismo democrático no centro do futuro da humanidade já que “uma economia planificada pode ser acompanhada pela completa escravização do indivíduo”.

O ensaio foi publicado em livro, editado pela Brasiliense em 1983 e organizado e prefaciado pelo físico brasileiro Mário Schemberg , sob o título “Albert Einstein. Pensamento político e últimas conclusões.”

Por que o socialismo?
É aconselhável para quem não é especialista em assuntos econômicos e sociais expressar seus pontos de vista sobre o socialismo? Creio que sim, por uma série de razões.

Consideremos primeiro a questão do ponto de vista do conhecimento científico. Pode parecer que não há diferenças metodológicas essências entre Astronomia e Economia: os cientistas de ambos os campos tentaram descobrir leis de aceitação geral para um grupo circunscrito de fenômenos para tornar a interconexão desses fenômenos mais facilmente compreensível. Mas na realidade estas diferenças metodológicas existem. A descoberta de leis gerais no campo da Economia é dificultada pela circunstância de que os fenômenos econômicos observados são frequentemente afetados por múltiplos fatores, muito difíceis de serem avaliados separadamente. Além disso, a experiência acumulada desde o início, o chamado período civilizado da história humana, tem sido - como é bem conhecido - grandemente influenciada e limitada por causas que não são, de forma alguma, exclusivamente de natureza econômica. Por exemplo, a maioria das mais importantes nações da história devem a sua influência à conquista. Os povos conquistadores se estabeleceram, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Arrebataram para si mesmos o monopólio da propriedade da terra e constituíam a classe sacerdotal com membros de suas próprias camadas. Os sacerdotes, exercendo o controle da educação, tornaram a divisão de classes da sociedade numa instituição permanente e criam um sistema de valores pelo qual o povo passou a ser, dali em diante, guiado, em grande parte inconscientemente, no seu comportamento social.

Mas a tradição histórica é, por assim dizer, coisa de ontem; em parte alguma conseguimos realmente sobrepujar o que Thorstein Veblen denominou de “fase predatória” do desenvolvimento humano. Os fatos econômicos observáveis pertencem a essa fase e até mesmo as leis que podemos inferir deles não são aplicáveis a outras fases. Uma vez que o propósito real do socialismo é precisamente sobrepujar e ultrapassar a fase predatória do desenvolvimento humano, a ciência da Economia em seu estado atual pouca luz pode lançar sobre a sociedade socialista do futuro.

Em segundo lugar, o socialismo dirige-se a um fim sócio-ético. A Ciência, porém, não pode criar fins, e menos ainda instila-los nos seres humanos. A ciência, na melhor das hipóteses, pode suprir os meios pelos quais certos fins podem ser alcançados. Mas os fins em si mesmos não são determinados por personalidades com elevados ideais éticos e - se esses fins não são nati-mortos, mas vitais e vigorosos - são adotados e levados adiante pelos inúmeros seres humanos que, meio inconscientemente, determinam a lenta evolução da sociedade.

Por estas razões devemos nos pôr em guarda para não superestimar a Ciência e os métodos científicos, quando se trata de uma questão de problemas humanos; e não devemos presumir que os técnicos são os únicos que têm o direito de se expressar sobre questões que afetam a organização da sociedade.

Indivíduo e sociedade
Inúmeras são as vozes que se têm levantado, há algum tempo já, advertindo que a sociedade humana está passando por uma crise, e que sua estabilidade foi perigosamente abalada. É característico de uma situação assim que os indivíduos se sintam indiferentes, ou mesmo hostis, em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. Para ilustrar meu pensamento, quero recordar aqui uma experiência pessoal.

Discutia recentemente com um homem inteligente e de boa vontade, a ameaça de uma nova guerra, a qual na minha opinião, poria em grave perigo a existência da humanidade. Observava eu que somente uma organização supranacional poderia oferecer proteção contra semelhante perigo. Nesse ponto meu visitante, muito calma e friamente, me respondeu: “Por que você se opõe tão intensamente ao desaparecimento da raça humana?”

Estou certo de que apenas um século atrás ninguém teria tão obviamente feito uma insinuação como essa. É a declaração de um homem que lutara em vão para atingir um equilíbrio dentro de si mesmo e que havia praticamente perdido a esperança de consegui-lo. É a expressão de uma solidão e de um isolamento dolorosos que tantas pessoas sofrem hoje em dia. Qual é a causa? Haverá uma solução?

É fácil fazer estas perguntas, mas difícil respondê-las com um mínimo de certeza. Devo tentá-lo, no entanto, da melhor maneira possível, embora esteja muito consciente do fato de serem os nossos sentimentos e esforços frequentemente contraditórios e obscuros e de que não podem ser expressos por meio de fórmulas fáceis ou simples.

O homem é simultaneamente um ser solitário e um ser social. Como ser solitário, tenta proteger sua própria existência e a daqueles que lhe são chegados, para satisfazer seus desejos pessoais e para desenvolver suas habilidades inatas. Como ser social, busca conquistar o reconhecimento e o afeto dos outros seres humanos, compartilhar dos seus prazeres, confortá-los nas suas tristezas, e melhorar suas condições de vida. Somente a existência desses esforços diferentes e muitas vezes conflitantes respondem pelo caráter especial do homem, e a combinações específica desses esforços determina até que ponto cada indivíduo consegue atingir equilíbrio interior e contribuir para o bem-estar da sociedade. É bem possível que a força relativa desses dois estímulos seja, em sua maior parte, determinada pela herança. Mas a personalidade que finalmente emerge é amplamente formada pelo ambiente em que o homem se encontra durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que ele cresce, pela tradição dessa sociedade pelo apreço dessa sociedade por determinados tipos de comportamento. O conceito abstrato “sociedade” significa para o indivíduo a soma total de suas relações diretas e indiretas com seus contemporâneos e com todas as pessoas das gerações anteriores. O indivíduo é capaz de pensar, sentir, esforçar-se, e trabalhar por si mesmo. Mas depende tanto da sociedade em relação à sua existência física, intelectual e emocional, que é impossível pensar nele ou entendê-lo fora do contexto da sociedade. É a “sociedade” que fornece ao homem a comida, a roupa, o lar, as ferramentas de trabalho, a linguagem, as formas de pensar e a maior parte do conteúdo do pensamento. Sua vida se torna possível através do trabalho e das realizações de muitos milhões de pessoas, passadas e presentes, que estão todas ocultas atrás da pequena palavra “sociedade”.

É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade é um fato da Natureza que não pode ser eliminado - tal como no caso das formigas e abelhas. Contudo, ao passo que todo o processo de vida das formigas e das abelhas é determinado, até o mais ínfimo detalhe, por instintos hereditários rígidos, o padrão social e o inter-relacionamento dos seres humanos são muito variáveis e suscetíveis de mudança. A memória, a capacidade de fazer novas combinações, o dom de comunicação oral tornaram possível desenvolvimentos entre os seres humanos que não são ditados pelas necessidades biológicas. Tais desenvolvimentos se manifestam em tradições, instituições e organizações; na literatura; nas realizações científicas e de engenharia; nas obras de arte. Isso explica como acontece que, em certo sentido, o homem possa influenciar a sua vida por meio de sua própria conduta, e que nesse processo o pensamento e o querer conscientes possam desempenhar sua parte.

Comunidade planetária
O homem adquire ao nascer, pela hereditariedade, uma constituição biológica que devemos considerar fixa e inalterável, incluindo estímulos naturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante a vida, o homem adquire a constituição cultural que adota da sociedade através da comunicação e através de muitos outros tipos de influências. É essa constituição cultural que, com o passar do tempo, está sujeita a mudanças e que determina em grande parte o relacionamento entre o indivíduo e a sociedade. A Antropologia moderna nos ensina, através da investigação comparativa das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode diferir enormemente, dependendo dos padrões culturais que prevalecem e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que os que se esforçam para melhorar a sorte do homem podem fundamentar suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, a se aniquilarem uns aos outros, nem a ficarem à mercê de um destino cruel e auto-infringido.

Se nos perguntarem como a estrutura da sociedade e a atitude cultural dos homens deveriam mudar para tornar a vida humana tão satisfatória quanto possível, deveremos estar permanentemente conscientes do fato de haver certas condições que somos incapazes de modificar. Como já foi mencionado antes, a natureza biológica do homem não está, para todos os fins práticos, sujeita a mudança. Além do mais, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições irreversíveis. Em populações estabelecidas e de relativa densidade demográfica, com os bens que são indispensáveis à continuação de sua existência, são absolutamente necessários uma rígida divisão de trabalho e um esquema produtivo altamente centralizado. O tempo – que, ao olharmos para o passado, nos parece tão idílico – em que indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente auto-suficientes já passou. Não é exagero dizer que a humanidade se constitui, neste momento, numa comunidade planetária de produção e consumo.

Cheguei ao ponto, agora em que posso indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise de nossa época. Diz respeito ao relacionamento do indivíduo com a sociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da sua dependência da sociedade. Mas ele não experimenta essa dependência como uma qualidade positiva, como uma ligação orgânica, como uma força protetora, e sim como ameaça a seus direitos naturais, ou até à sua existência econômica. Além do mais, sua posição na sociedade é tal que os impulsos egoísticos de sua constituição estão constantemente sendo acentuados, ao passo que seus impulsos sociais, que são mais fracos por natureza, deterioram-se progressivamente. Todos os seres humanos, qualquer que seja sua posição na sociedade, estão sofrendo desse processo de deterioração. Prisioneiros, sem o saber, de seu próprio egocentrismo, sentem-se inseguros, solitários e desprovidos do ingênuo, simples e despojado prazer de viver. O homem pode encontrar significado na vida, curta e perigosa como é, somente através do devotamento à sociedade.

Anarquia capitalista
A anarquia econômica da sociedade capitalista, como existe hoje em dia, é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos diante de nós uma enorme comunidade de produtores, cujos membros estão incessantemente esforçando-se por arrebatar, uns dos outros, os frutos do seu trabalho coletivo – não pela força, mas em geral pela fácil obediência a regras legalmente estabelecidas. A esse respeito é importante perceber que os meios de produção – isto é, toda a capacidade produtiva necessária para produzir bens de consumo assim como outros bens de capital – podem ser legalmente, e na maior parte dos casos são, propriedade privada de indivíduos.

Para simplificar, na discussão que segue, chamarei de “trabalhadores” a todos aqueles que não compartilham da posse dos meios de produção – embora isso não corresponda ao uso habitual do termo. O proprietário dos meios de produção está em condições de comprar a capacidade de trabalho do trabalhador. Usando os meios de produção, o trabalhador produz novos bens, que se tornam propriedade do capitalista. O ponto essencial desse processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que ele recebe como pagamento, medidos ambos em termos de valor real. Na medida em que o contrato de trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe é determinado não pelo valor real dos bens que ele produz, mas pelas suas necessidades mínimas e pelas exigências dos capitalistas quanto à força de trabalho em relação ao número de trabalhadores que competem pelos empregos. É importante entender que mesmo em teoria o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor que ele produz.

O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte devido à competição entre os capitalistas e em parte devido ao desenvolvimento tecnológico e à crescente divisão de trabalho, que encoraja a formação de maiores unidades de produção em detrimento das menores. O resultado desses desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado, mesmo numa sociedade política organizada democraticamente. Isto é assim, já que os membros dos corpos legislativos são escolhidos por partidos políticos, extensamente financiados ou influenciados por outros meios pelos capitalistas privados que, para todos os fins práticos, separam o eleitorado da legislação. A conseqüência é que os representantes do povo (deputados) de fato não protegem suficientemente os interesses dos setores menos privilegiados da população. Além do mais, nas condições vigentes, direta ou indiretamente, controlam as principais fontes de informação (a imprensa, o rádio, a educação). Assim, é extremamente difícil, e na realidade praticamente impossível, na maioria dos casos, que o indivíduo, como cidadão, chegue a conclusões objetivas e faça uso inteligente de seus direitos políticos.

A situação que prevalece numa economia baseada na propriedade privada do capital é, portanto, caracterizada por dois princípios fundamentais: primeiro, os meios de produção (capital) são propriedade privada e os proprietários dispõem deles a seu bel-prazer; segundo, o contrato de trabalho é livre. Naturalmente não existe o que se possa chamar de sociedade capitalista pura, no sentido absoluto. Em particular, deve-se notar que os trabalhadores, através de longas e amargas lutas políticas, conseguiram assegurar uma forma melhorada de “contrato livre de trabalho” para certas categorias de trabalhadores. Mas, considerada como um todo, a economia dos dias atuais não difere muito do capitalismo “puro”.

A produção é levada adiante visando o lucro, não a utilidade. Não se prevêm as condições para que todos os que são capazes e desejosos de trabalhar encontrem sempre emprego. Existe quase sempre um “exército de desempregados”. O trabalhador vive no constante temor de perder o seu emprego. Já que os trabalhadores desempregados e os mal pagos não fornecem um mercado lucrativo, a produção dos bens de consumo é restringida e grandes dificuldades da vida são a conseqüência. O progresso tecnológico frequentemente resulta em maior desemprego, em lugar de facilitar a carga de trabalho para todos. O motivo de lucro, aliado à competição entre os capitalistas, é responsável por uma instabilidade no acúmulo e na utilização de capital que leva a depressões cada vez mais graves. A competição ilimitada leva a grande desperdício de trabalho e àquela deturpação da consciência social dos indivíduos que já mencionei antes.

Essa deturpação dos indivíduos é o que considero o pior malefício do capitalismo. Todo o nosso sistema de educação sofre deste mal.

Uma exacerbada atitude competitiva é inculcada nos estudantes, que são treinados para adorar o sucesso aquisitivo como preparação para a sua futura carreira.

Por que socialismo?
Estou convencido de que só há um modo de eliminar esses males tão graves, a saber, através do estabelecimento de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educacional orientado para objetivos sociais. Numa tal economia, os meios de produção seriam propriedade da própria sociedade e utilizados de forma planificada. Uma economia planificada, que adapta a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser realizado entre todos os que fossem capazes de trabalhar e garantiria o sustento de cada homem, mulher ou criança. A educação do indivíduo, além de promover suas próprias habilidades inatas, tentaria desenvolver nele um senso de responsabilidade por seus semelhantes em lugar da glorificação do poder e do sucesso, como em nossa sociedade atual.

Contudo, é necessário lembrar que uma economia planificada não é socialismo, ainda. Uma economia planificada, por si só, pode ser acompanhada pela completa escravização do indivíduo. Chegar ao socialismo exige a solução de alguns problemas sócio-políticos extremamente difíceis: como é possível, em vista da imensa centralização do poder econômico e político, evitar que a burocracia se torne toda-poderosa e prepotente? Como podem os direitos do indivíduo ser protegidos e com isso assegurar-se um contrapeso democrático para equilibrar o poder da burocracia?

Fonte
Socialismo em discussão
O desafio socialista de Einstein -- Boletim Fundação Perseu abramo no. 97.

lundi 30 juin 2008

Intérpretes do Brasil


Chico Mendez, para o Valor, de Washington
27/06/2008

O historiador americano e brasilianista Bryan McCann conseguiu uma proeza e tanto neste semestre. Professor do Departamento de História da Universidade de Georgetown, em Washington, McCann percebeu que havia uma demanda por assuntos brasileiros entre seus alunos. O natural, segundo ele, seria abrir mais um curso de história do Brasil para atender ao interesse dos universitários. E foi justamente essa medida que ele adotou. No entanto, com uma única e, considerando os padrões americanos, enorme diferença: o curso foi todo ministrado em língua portuguesa para 18 alunos americanos da pós-graduação. "A única exigência era o português básico. Foi uma excelente experiência. Pretendo ministrar o curso de dois em dois anos", diz McCann.

Para se ter uma idéia do que esse fato representa, as aulas de história sobre países ainda muito mais relevantes para os interesses dos universitários americanos, como o México ou a China, são oferecidas em inglês. "A curiosidade sobre o Brasil aumentou muito nos últimos anos", prossegue o professor, que é diretor do Brazilian Studies Program, o centro de estudos brasileiros da universidade.

Biocombustíveis, a questão amazônica, Petrobras e Embraer, um presidente operário, os holofotes da mídia mundial dirigidos para os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e o grau de institucionalização que o país atingiu inevitavelmente atraem a curiosidade dos estrangeiros, seja por novos negócios, seja por novas áreas de estudo. "Há 20 anos os estudantes ainda tinham aquela imagem do Brasil exótico, da terra do samba e do carnaval. Hoje, a visão é de um país emergente, uma potência que produz jatos, commodities e biocombustiveis", afirma Todd Diacon, professor da Universidade do Tennessee e integrante de uma nova geração de brasilianistas, como McCann.

Esse novo panorama brasileiro pode explicar o aumento na demanda por informações sobre o maior país da América Latina, que se reflete no número de alunos universitários aprendendo o português. "Hoje, há cerca de 10 mil jovens aprendendo a língua. Há quatro anos, eles eram 7 mil. Houve, também, aumento de 20% no número de professores ensinando história do Brasil nas universidades americanas nos últimos cinco anos", explica o historiador e brasilianista James Green, ex-presidente da Brasa (Associação de Estudos Brasileiros), que hoje mantém 600 associados. Segundo o professor, o total de especialistas, entre antropólogos, sociólogos e professores de literatura e língua portuguesa, chega a 800. Para ele, os jovens americanos enxergam no Brasil um campo vasto e ainda pouco explorado para desenvolver pesquisas inéditas nas ciências humanas.

O diplomata e sociólogo Paulo Roberto de Almeida, autor do livro "O Brasil dos Brasilianistas - Um Guia dos Estudos Sobre o Brasil nos Estados Unidos 1945-2000" com Marshall C. Eakin e Rubens Antônio Barbosa (Paz e Terra), observa que o crescente interesse pelos assuntos brasileiros corresponde ao momento político do país. "Temos um presidente operário, o que é um dado raro e chama atenção dos estrangeiros", afirma Almeida. "Fora isso, há também a questão da Amazônia, que ganhou destaque com a ex-ministra Marina Silva, e isso também desperta muita curiosidade dos americanos", diz.

Outra explicação é que a intensa concorrência dentro da academia americana leva os pesquisadores para lugares onde há muitas áreas de estudo com potencial, mas pouco exploradas. "Os pesquisadores estão sempre em busca de aspectos novos, que saiam do modelo convencional. E a América Latina é sempre um terreno novo", explica.

É nesse "terreno novo" que surge nos Estados Unidos uma nova geração de brasilianistas, como Diacan e McCann. São todos jovens acadêmicos, que se situam na faixa dos 35 aos 50 anos, pouco conhecidos da mídia brasileira, mas muito ativos na pesquisa, no contato com o Brasil e no relacionamento com a academia brasileira. Essa nova leva de brasilianistas não se envolve em questões macro, como fizeram seus antecessores nos anos 1960 e 1970, como Thomas Skidmore e Alfred Stepan, mas em estudos de áreas bastante específicas.

"Essa nova geração descobriu um novo mundo repleto de novas oportunidades para o estudo de novas áreas", comenta Skidmore, um dos brasilianistas mais reconhecidos.

O que desperta a crescente curiosidade dos estudantes americanos sobre o Brasil explica, também, as mudanças que os estudos brasileiros sofreram nos Estados Unidos na última década. Desde a abertura política, nos anos 1980, as pesquisas sobre o país na academia americana se diversificaram bastante. Hoje, os brasilianistas não têm mais a "função" de explicar o Brasil, como tiveram nas décadas de 1960 e 1970, mas buscam no país assuntos pontuais para desenvolver as suas investigações. O mesmo ocorre com os estudantes que se interessam pelos assuntos brasileiros e procuram no país as explicações para os seus estudos, como energia, raça e meio ambiente, por exemplo. "Essa diversificação das pesquisas é um tendência histórica. A sociedade se tornou mais ampla, democrática e diversificada", analisa Almeida. Ele destaca, ainda, que a "setorização" dos estudos é um fenômeno da academia americana. "Os chamados estudos de gêneros - sobre as minorias - ganharam muito espaço nos Estados Unidos."

Esses novos acadêmicos mantêm hábitos parecidos: lêem entre dois e três jornais do Brasil diariamente pela internet, viajam pelo menos uma vez por ano ao país, falam português fluentemente e se relacionam bastante com a academia brasileira.

"O que os intelectuais americanos pensam sobre o Brasil, hoje, é muito menos importante para os brasileiros. Nós, americanos, temos muito mais a aprender com o Brasil do que a opinar sobre ele", afirma a historiadora Brodwyn Fischer, de 38 anos, da Universidade de Northwestern. Para ela, os historiadores americanos, atualmente, são intérpretes do Brasil nos Estados Unidos. "As pessoas mais apropriadas para opinar sobre o que ocorre no Brasil são os brasileiros. Nós podemos usar o nosso conhecimento para divulgar o Brasil como um país nos Estados Unidos", observa.

O total de universitários americanos aprendendo português ou o número de professores ensinando história do Brasil ainda são indicadores baixos se comparados aos universitários que buscam aprender outras línguas, como espanhol ou mandarim. No entanto, é um sinal de que a realidade brasileira tem atraído novos olhares nas universidades americanas. "Isso é absolutamente verdadeiro", diz o professor Jerry Davila, de 38 anos, da Universidade da Carolina do Norte, sobre o aumento de alunos que o procuram para saber mais sobre o país. "Há uma série de temas semelhantes entre o Brasil e os Estados Unidos", diz. Para Diacon, da Universidade do Tennessee, outro fator que ajuda na divulgação positiva do Brasil são as péssimas referencias de líderes na América Latina. "Quando os americanos comparam o Lula ao Hugo Chávez fica evidente a superioridade do presidente brasileiro. Isso ajuda a imagem do país e do Lula também."

McCann, de 40 anos, de Georgetown, recorre ao velho bordão "Brasil, o país do futuro" para explicar como seus alunos vêem o país. "O Brasil já é uma potência. Isso, no entanto, não quer dizer que todos os problemas estejam resolvidos. O Brasil já chegou ao tal futuro e controla o seu destino de forma muito mais evidente." Victoria Langland, de 37 anos, da Universidade da Califórnia, diz que muitos latinos a procuram para saber mais sobre o Brasil. "Eles enxergam o país como um vizinho importante que precisam conhecer mais profundamente."

Para James Green, algumas mudanças nas universidades americanas ajudam a expandir os estudos sobre o Brasil. A crescente importância dos latinos na vida política dos Estados Unidos também é transferida para as universidades e, hoje, ao falar de América Latina, é impensável não se referir ao Brasil, segundo o professor. "Estão diminuindo os cursos sobre a Europa e aumentado os cursos sobre nações emergentes", conta.

A chamada segunda geração do brasilianismo (1960 e 1970), considerada a mais influente que surgiu, também vê fortes indícios de que há uma tendência crescente por estudos brasileiros. O historiador Thomas Skidmore, talvez o brasilianista mais reconhecido até hoje, diz que os temas de estudos sobre o México já estão esgotados e isso abre espaço para o Brasil. "O México está saturado, não há mais originalidade nos assuntos. O Brasil tem ocupado esse espaço", analisa. "Fora isso, o Brasil é hospitaleiro, recebe muito bem as pessoas e é uma nação emergente. Você consegue imaginar a Argentina como um lugar assim?", brinca.

Skidmore reconhece que a sua geração teve um papel de destaque no Brasil. Isso, de acordo com ele, por causa das conseqüências políticas da época. A Revolução Cubana fez soar o alarme dentro do governo americano, que, para evitar novas revoluções na América Latina, adotou uma série iniciativas para fomentar os estudos sobre a região. A mais famosa delas, chamada de Aliança para o Progresso, tinha como foco o investimento em projetos sociais no continente. De alguma forma, segundo Almeida, a revolução de Fidel Castro foi essencial para popularizar os estudos sobre a América Latina nos Estados Unidos. "Muitos 'latin americanists' já propuseram, não sem ironia, erigir uma estátua a Fidel Castro, na medida em que suas iniciativas, logo identificadas com a causa do socialismo mundial, motivaram a administração americana a financiar diversos programas voltados para a 'prevenção e cura' dos males latino-americanos", escreve Almeida.

A figura do brasilianista ganhou destaque no contexto da Guerra Fria, principalmente depois do golpe militar de 1964. "Os brasilianistas assumiram o lugar dos intelectuais brasileiros, que por causa da repressão não podiam mais se expressar livremente. Isso acabou criando um vínculo com a imprensa que se seguiu até os anos pós-ditadura", explica Meihy.

Almeida ainda destaca que o surgimento dos brasilianistas naquela época trouxe importantes características para o amadurecimento da academia brasileira. "Os historiadores americanos introduziram a ausência das paixões políticas, que fundamentou a história política brasileira", aponta.

O rigor da pesquisa científica é outro ativo que a geração de brasilianistas deixou como marca. "Eles chegaram em um momento de crise da sociedade brasileira e também das ciências sociais. Os brasilianistas introduzem o rigor metodológico da pesquisa", diz Almeida. O foco dos estudos durante os anos 1960 e 1970 foi a história política e, desde os anos 1980, é a história social.

Com o fim da repressão no Brasil e na América Latina e o fim da Guerra Fria a história política cedeu espaço para os estudos na área da história social. Algo considerado inevitável por Skidmore. "O Exército não está mais no poder. O ambiente intelectual nos Estados Unidos mudou muito do início dos anos 1980 para cá. Essa nova geração de brasilianistas descobriu um novo mundo repleto de novas oportunidades para o estudo de novas áreas", afirma.

Os novos brasilianistas podem ter menos espaço na imprensa nacional por se dedicar a temas mais pontuais, o que para o historiador da Universidade de São Paulo José Carlos Sebe Bom Meihy é um mau sinal, já que se "perde a visão geral histórica do Brasil e os trabalhos desenvolvidos passam a ser, apenas, estudos a mais".

Almeida avalia que a diversificação da pesquisa é um caminho inevitável, ainda que não veja nenhuma grande novidade no campo de pesquisa nos últimos anos: "Não consigo identificar nenhuma novidade no campo do brasilianismo, mas reconheço nos historiadores americanos a pesquisa séria, independentemente da área de estudo."

Contudo, ainda há uma barreira importante: a língua. O crescente influxo de latinos nos Estados Unidos populariza o espanhol e deixa o português em segundo plano. Popularizar a língua portuguesa é um dos desafios da Brasa. A idéia da associação é facilitar o contato entre os interessados em estudar o Brasil nos Estados Unidos. Para isso, eles estão em fase final de desenvolvimento de um site voltado para o Brasil no exterior. "Vamos inaugurar em breve o maior portal sobre o Brasil nos Estados Unidos. Isso é uma forma de unir aqueles que já estudam o país aos estudantes que têm a curiosidade de conhecê-lo", conta Marshal Eakin, brasilianista e diretor da Brasa. O portal, que será chamado de Jeito.com, deve estar em plena operação até o fim deste ano.

Outro desafio para tornar os estudos sobre o Brasil mais conhecidos é dar vida própria às cátedras de estudos brasileiros. Hoje, de acordo com James Green, há aproximadamente 30 universidades com algum tipo de programa voltado exclusivamente para a realidade brasileira. No entanto, quase todos estão dentro dos chamados centros de estudos latino-americanos. Isso significa que os programas brasileiros são pequenos e muitas vezes carecem de estrutura para financiar projetos inovadores.

A Universidade de Georgetown, por exemplo, reconhece que há uma demanda crescente por informações sobre o Brasil. Além disso, reconhece também que não há como manter um centro de estudos da América Latina sem um programa consistente e forte de estudos brasileiros. Em breve, diretores de Georgetown desembarcarão em São Paulo para promover um fundo e estruturar melhor o programa de estudos brasileiros da universidade.

Ao deixar os assuntos macro, o brasilianismo abre uma janela imensa de oportunidades para os profissionais das ciências sociais americanas. Hoje, como destaca Meihy, que estuda o fenômeno do brasilianismo, o intercâmbio entre os acadêmicos brasileiros e americanos é muito mais intenso. Isso, na visão de Almeida, é positivo, "já que há uma perda de qualidade na academia brasileira em função dos problemas materiais e, ainda, um menor rigor metodológico" em comparação com a academia americana.

Os números provam que os brasilianistas são cada vez mais numerosos. No entanto, há uma percepção de que eles têm perdido influência no debate público brasileiro. "Essa nova geração é muito boa, mas o estreitamento dos estudos faz que eles deixem de lado a visão geral histórica, despolitizem a discussão e dissolvam o Brasil na visão geral da América Latina", analisa Mehy.

jeudi 26 juin 2008

Programa de Teologia Sistemática

Teologia Sistemática -- programa dos quatro semestres

SISTEMÁTICA I

Introdução à Teologia
A natureza da Teologia
Conceito e cosmovisão da Teologia
A metodologia Teológica
A doutrina da revelação
Revelação geral
Revelação na natureza, na história, na lei moral
Revelação especial
Profecia
Doutrina da Escritura
Inspiração – teorias
Inerrância
Epistemologia

SISTEMÁTICA II

Anjos: agentes especiais de Deus
Ser humano
A imagem de Deus no ser humano
A natureza constitucional do ser humano
Pecado: natureza e fonte
A perspectiva bíblica da natureza do pecado
Conseqüências do pecado
Teorias sobre o pecado original
Cristologia
Encarnação
Controvérsias
A natureza, a pessoa e a obra de Cristo

SISTEMÁTICA III

Pneumatologia
O Espírito Santo no Antigo Testamento e no Novo Testamento
Relação do Espírito Santo na Trindade
Dons do Espírito
Movimento Pentecostal
Soteriologia: Concepção da Salvação
Predestinação
Diferentes interpretações da predestinação
Aspectos subjetivos e objetivos da salvação
A questão escatológica
Estado intermediário
Morte, Céu, Inferno
Teorias milenistas
Tribulação – Estado final

SISTEMÁTICA IV

Natureza da igreja I – Origem, tipos e reino de Deus
Natureza da igreja II – Figuras bíblicas; organização e organismo; Autonomia e cooperatividade.
Natureza da Igreja III – Conclusão
Missão da igreja I – Para que existe a igreja?
Missão da igreja II – A missão da igreja e seu funcionamento (Oficiais, Dons Espirituais).
Missão da igreja III -- Conclusão
Governo da igreja I
Governo da igreja II
Governo da igreja III
Ordenanças da igreja I – Ceia do Senhor
Ordenanças da igreja II – Batismo
A Disciplina na igreja
O papel da igreja no mundo
O crescimento da igreja
A igreja e os desafios contemporâneos I
A igreja e os desafios contemporâneos II

mardi 24 juin 2008

Introduzione alla filosofia africana


Michele Bono
Il primo di una serie di articoli dedicati alla filosofia africana non può che partire dalla domanda che cos’è la filosofia africana? Per rispondere è necessario inserire la questione in un contesto storico preciso -quello dell’Africa colonizzata del XX secolo- ed orientarla concettualmente sullo sfondo del dibattito filosofico africano odierno.

Nonostante la complessità delle posizioni filosofico-politiche che contraddistinguono le diverse correnti interne alla filosofia africana, si possono individuare due fondamentali approcci ermeneutici al tentativo di rispondere alla domanda posta. Il primo identifica la filosofia africana con l’etnofilosofia, mentre il secondo -sulla scorta del filosofo ivoriano P.J. Hountondji- tende a concepirla come la produzione filosofica propria dei filosofi di origine africana.

L’etnofilosofia è una disciplina che lavora su materiale etnografico, cioè su un inventario di conoscenze primitive, al fine di ricostruire un sistema di pensiero filosofico precostituito, collettivo, inconscio ed immutabile. Etnofilosofia indica la visione del mondo dei popoli dotati di cultura orale: accettata unanimemente e inconsapevolmente, ne esprime le concezioni fondamentali della realtà e dei valori. È un patrimonio di saggezza tradizionale in cui si può riconoscere e ricostruire una struttura logica, ontologica e metafisica implicita. Per questi motivi merita l’appellativo di «filosofia», secondo il significato tipico di conoscenza degli oggetti ultimi del sapere: Dio, il cosmo, l’anima. Fonda la prassi come sistema di valori ed è quindi sapienza etica e tecnica.

Un precursore dell’etnofilosofia, a cui è riconosciuto oggi il ruolo di grande ispiratore, è Placide Tempels, missionario belga operante in Congo, che con il suo scritto Philosophie Bantoue, uscito nel 1945, apre la strada a questo nuovo standard filosofico. Tempels rifiuta il concetto di pre-logismo, coniato da Lévy-Bruhl, ed attribuisce alla popolazione bantu dei Ba-luba, presso cui operava, un pensiero filosofico proprio, a carattere ontologico, in cui rileva la presenza ancora viva di un’antica filosofia dell’umanità, come una originaria rivelazione divina comune a tutti i popoli.

Hountondji smaschera dietro questa operazione interpretativa delle tradizioni, giudicata una vera e propria elemosina intellettuale, l’ideologia mistificante del potere che mira ad impedire agli intellettuali africani, e a maggior ragione ai saggi della cultura orale, cosiddetti filosofi primitivi o semi-primitivi, di affrontare problemi d’interesse cruciale per le proprie popolazioni e di significato universale per i valori che trasmettono. Nel discorso etnofilosofico l’Africa, i popoli, i soggetti, non sono interlocutori, sono solo un argomento; coloro che dovrebbero essere i protagonisti sono esclusi dalla discussione: “Filosofia Bantu” è un mero pretesto per intavolare i soliti discorsi autoreferenziali tra europei.

Il nero continua ad essere un oggetto da definire, a cui è impensabile riconoscere il diritto elementare di affermare liberamente la propria identità. Rimane un argomento, una faccia priva di voce sottoposto a un esame, non il soggetto di un possibile discorso. Impacchettare la cultura africana per un uso esterno significa, secondo Hountondji, seguire la linea dell’etnocentrismo europeo.

Le conseguenze per l’Africa sono disastrose, perché se da un lato una mistificazione ideologica di questa portata è lo strumento del dominio dei regimi neo-colonialisti africani, i cui governatori vengono educati dagli europei ad una cultura ed una politica “filo-occidentali”, cooptati per il mantenimento di un controllo dittatoriale sulle popolazioni africane, dall’ altro è portatore di un’ idea di collettivismo la cui manifestazione diretta è la giustificazione di quel folclorismo mistificatore che alimenta in Occidente fenomeni come il turismo di massa a buon mercato, lo sfruttamento di materie prime e la dipendenza economico-scientifica.

In opposizione a questa non-filosofia, Hountondji apre il suo famoso saggio Sur la «philosophie africaine». Critique de l’ethnophilosophie, uscito in Francia nel 1976, con questa affermazione: “Per filosofia africana intendo un insieme di testi, e specificamente l’ insieme di testi scritti da africani e definiti filosofici dai loro stessi autori.” Le reazioni saranno molteplici e contrarie, ma il risultato unico: da quel momento in poi il filosofo ivoriano diventa un punto di riferimento essenziale del dibattito filosofico africano.

Questa manipolazione dell’identità che Hountondji denuncia ‘nella’ ed ‘attraverso’ l’ etnofilosofia, e che ritrova addirittura esaltata come africanità nel discorso populista dei suoi nuovi critici, nel persistere della complicità con gli oppressori occidentali, dietro l’apparenza rivoluzionaria, è l’ ideologia della dominazione di gruppo o, più precisamente, di una certa idea di gruppo imposta da un manipolo di intellettuali e retori, l’ ideologia che schiaccia gli individui.

Nella critica dell’unanimismo che riduce i soggetti a materiale umano, per controllare meglio l’Africa come deposito di immense ricchezze, è in gioco per i popoli la possibilità di trasformarsi, vincendo -attraverso un movimento autonomo di trascendenza- le debolezze multiple che hanno reso possibile la loro sconfitta nei confronti dell’ Occidente a un certo punto della storia. Questa lotta non oppone, come è stato sostenuto, i filosofi professionisti da una parte e le masse popolari dall’ altra, anche se prende piede per ora soprattutto fra gli intellettuali, ma ne investe proprio la responsabilità, tanto più che la diaspora e l’inculturazione forzata degli individui contrassegna la realtà attuale dell’Africa. Le scommesse politiche di questa lotta per la filosofia riguardano dunque essenzialmente la sua nuova identità, che solo può garantire un futuro alla sua libertà economica, politica, al suo stesso destino nella contemporaneità.

www.utopiaproject.infoMichele Bono,lunedì 23 Ottobre 2006.