mercredi 26 août 2015

O mais belo dos cânticos

Amar e ser amado,
Diferentes interpretações de um mesmo tema
Jorge Pinheiro, PhD

Ai flores, ai, flores do verde pio,
se sabedes novas do meu amigo?
ai, Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
ai, Deus, e u é?
[Julião Bolseiro, Cantiga de amigo, do cancioneiro de Dom Diniz].


O Cântico dos Cânticos é o único livro das escrituras judaicas que tem o amor como seu tema exclusivo. Seu título poderia ser traduzido como A mais bela das canções, o que faz juz a esta que é uma das mais bem escritas estórias de amor de toda a literatura universal. Ao traduzir a rica imaginação oriental, o texto fala de amada e amante, interligando os quadros com coros e falas de grupos de personagens, como as filhas de Jerusalém e os guardas.

O texto tem forte conteúdo erótico, parte da realidade vivida por uma jovem camponesa, mostrando que estamos diante de um exemplar da dramaturgia do período áureo da literatura poética hebraica. Várias interpretações têm sido apresentadas para O Cântico dos Cânticos.

Aqui, faremos a leitura do Cântico dos Cânticos partindo de um conselho do intelectual inglês Daniel de Morley em suas memórias de viagens, no século 12, conforme citado por Jacques Le Goff (Os intelectuais na idade média, Lisboa, Editorial Estúdios Cor, 1973, pp. 25-26).

Morley conta que seguiu “as Artes, que esclarecem as Escrituras, em vez de as saudar à passagem ou de as evitar, fazendo resumos. Então, como nos dias de hoje é em Toledo que o ensino dos Árabes, que consiste, quase exclusivamente nas artes do quadrivium, é dispensado às multidões, apressei-me a partir, para aí ouvir as lições dos mais sábios filósofos do mundo. Tendo alguns amigos pedido para eu voltar e tendo sido convidado a deixar a Espanha, vim para Inglaterra com uma preciosa quantidade de livros”.

Que ninguém se indigne se, tratando da criação do mundo, eu invoco o testemunho não dos Padres da Igreja, mas de filósofos pagãos, porque, ainda que estes não figurem entre os fiéis, algumas das suas palavras, desde que sejam cheias de fé, devem ser incorporadas no nosso ensino. Nós que também fomos misticamente libertados do Egito, o Senhor ordenou-nos que despojássemos os Egípcios dos seus tesouros, enriquecendo com eles os Hebreus. Despojemos, pois, conforme o desejo do Senhor, e com a sua ajuda, os filósofos da sua sabedoria e da sua eloqüência, despojemos esses infiéis de modo a enriquecermo-nos com os seus despojos na fidelidade”.

As cantigas de amigo


Assim, queremos aprender com as cantigas de amigo, do medieval ibérico, por terem semelhanças que podem nos ajudar a entender a poesia de Cantares. As cantigas de amigo eram de autoria masculina, assim como Cantares e, também, apresentavam um eu lírico feminino.

Para entender esta questão do eu lírico feminino, é bom ler Magadelene Luise Frettloeh, O amor é forte como a morte: uma leitura de Cânticos dos Cânticos com olhos de mulher (in: Fragmentos de Cultura, Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás, IFITEG, Goiânia, 2002, vol.12, no. 4, pp .633-642).

Ela explica que é necessário ler Cântico dos Cânticos em perspectiva de gênero, pois neste livro canta-se o amor espontâneo entre uma mulher e um homem, um amor que é forte como a morte. E que nos poemas do início e do final do livro há um protagonismo feminino: “no decorrer da história da interpretação tentou-se soterrar essa herança; hoje importa redescobri-la".

Assim, encontramos tanto no Cântico dos Cânticos como nas Cantigas de Amigo a questão do amante ausente: a amada estava a espera dele ou tinha sido abandonada. Ambas poéticas traduzem a força do Eros humano. Outra característica marcada das cantigas de amigo era o fato de estar dirigida às amigas, a mãe ou irmãs, ou as forças da natureza e, em alguns casos, a Deus. A ambientação, rural ou urbana, estava sempre distante do castelo do senhor feudal.

Um dos maiores cancioneiros do medieval ibérico foi Julião Bolseiro e um de seus poemas, que intercala este artigo, expressa esse eu lírico feminino, que se lamenta porque o amante desapareceu e ela não sabe onde se encontra.

O amor entre os dois, diferentemente do amor cortês, vigiado, expressa a força do natural e espontâneo no amor humano, pois a cantiga parece insinuar que houve um relacionamento físico entre os amantes.

Nesta cantiga de amigo, a ambientação é rural, e não somente distante do castelo do senhor feudal, mas com presença marcante da natureza.

Se sabedes novas do meu amado
aquel que mentiu do que mi á jurado?
ai, Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss' amigo?
E eu ben vos digo que é são e vivo:
ai, Deus, e u é?

Salomão, o herói


Uma interpretação, quase unânime entre antigos rabinos e os pais da Igreja, considera o rei Salomão o herói da estória. Dentro desta perspectiva, o roteiro seria mais ou menos assim: o rei possuía um vinhedo na região de Efraim, 80 quilômetros ao norte de Jerusalém (8:11). Essas terras estavam arrendadas (8:11) a uma viúva e seus quatro filhos (dois rapazes e duas moças, cf. 6:13, 1:5 e 6). A Sulamita, a mais bonita das filhas, era responsável pela casa e também cuidava dos rebanhos (1:8).

Certo dia, o rei, disfarçado para não ser reconhecido, visitou o vinhedo e ficou impressionado com a beleza da moça. Ela tomou Salomão por um pastor de ovelhas e este lhe dirigiu palavras de amor, prometendo voltar no futuro e lhe trazer presentes (1:8-11). À noite, a moça sonhava com a volta do amado, chegando mesmo, em determinado momento a pensar que ele estava chegando (3:1). Mais tarde, ele volta. Mas, agora, não como camponês e sim como rei de Israel (3:6 e 7). Segue-se, então, o casamento e seus desdobramentos.

Partindo desse roteiro temos cinco poemas

Título e prólogo - Cap. 1:1-4
1. O desejo e a satisfação da jovem camponesa - Caps. 1:5-2:7
2. A visita do amado e o sonho da moça - Caps. 2:8-3:5
3. A festa de casamento e as canções do rei - Caps. 3:6-5:1
4. A tardia recepção da amada e sua busca prolongada - Caps. 5:2-6:3
5. Sulamita e seu amado conversam - Caps. 6:4-8:4.
Epílogo e últimas adições - Cap. 8:5-8:14.

Para o teólogo chileno Samuel Fernández Eysaguirre. A manifestis, ad occulta, Las realidades visibles como único camino hacia las invisibles en el comentario al Cantar de los Cantares de Orígenes (in: Anales de la Facultad de Teología. Universidad Católica, Campus Oriente, Santiago, 2000, vol. 51, no. 2, pp.135-159) a leitura literalista levou os teólogos da Igreja antiga a um beco sem saída:

"Una lectura meramente literal del Cantar de los Cantares presentaba graves dificultades a la sensibilidad religiosa de la antigüedad. El libro exalta, al menos en su sentido inmediato, el amor humano y abunda, como pocos textos bíblicos, en descripciones de los miembros del cuerpo. Y por otra parte, el Cantar no menciona explícitamente a Dios. El sentido literal del texto no parecía edificar moralmente a sus lectores. Era posible preguntarse ¿qué hace en las Escrituras un libro que no habla de Dios? Las serias dificultades que presentaba su lectura literal, sumadas al carácter poético del Cantar, favorecían fuertemente una interpretación de tipo simbólica, interpretación que se impuso tanto en el ámbito judío como cristiano. Las dificultades recién descritas llevaron a algunos rabinos a dudar de la canonicidad del Cantar...".

Vós me preguntades polo voss' amado?
E eu ben vos digo que é viv' e são:
ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é são e vivo
e seerá vosc' ant' o prazo saido:
ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é viv' e são
e s[e]erá vosc' ant' o prazo passado:
ai, Deus, e u é?

Salomão, o vilão


Outra interpretação, formulada pelo teólogo Heinrich Ewald, no século XIX, vê no amante um pastor de quem a jovem estava noiva, antes de ser capturada e levada para o harém de Salomão, por um de seus servos. Depois de ter resistido com sucesso a todas as tentativas do rei para conquistar sua afeição, ela é libertada e se reúne a seu amado, com quem aparece na cena final.

A jovem relembra o amado (1:2-3). Pede que ele a leve de volta logo, pois o rei a introduziu nas seduções da corte (1:4). Suas recordações do amado a perturbam (1:7). O rei tenta seduzi-la com jóias (1:11) e perfumes (1:12), mas ela prefere o cheiro do campo que lembra o corpo do amado (1:13-14). A moça se recorda de uma visita feita por ele e de um sonho que se seguiu (2:8-3:5). Depois disso, ela é novamente visitada e louvada por Salomão (3:6-4:7). Diante da persistente ofensiva do rei, antecipa seu casamento com o jovem camponês (4:8-5:1). Sua vida e seus sonhos estão impregnados com as lembranças do amado (5:2-6:3). Salomão mais uma vez tenta conquistar Sulamita (6:4-7:9). Ela, no entanto, mantém sua fidelidade ao pastor e resiste às tentativas do rei (7:10-8:3). Diante disso, Salomão a liberta, verificando que é impossível conquistar a moça.

Dentro desta perspectiva, é interessante ler Cântico dos Cânticos, O fogo e a ternura de Ney Brasil Pereira e Pablo Andiñach, (Col. Comentário Bíblico, Petrópolis/São Leopoldo, Editora Vozes/Editora Sinodal, 1998, 128p., in: Estudos Bíblicos. Editora Vozes, Petrópolis/RJ, Brasil, 2000. no. 65, p9.81-84).

Para os dois teólogos, os poemas do Cântico foram redigidos, em sua redação final, por uma mulher. Seria, portanto, o único livro das escrituras judaicas de uma autora. Isso dá ao comentário um cunho especial, uma vez que se assume que ela, a autora, tenha deixado nos poemas sua marca feminina e seu modo peculiar de viver a sexualidade e a vida. Ao mesmo tempo, a autora teria feito uma crítica sutil, mas firme, ao modelo salomônico de sexualidade, marcado pela frivolidade e a poligamia.

A partir dessa interpretação temos outro roteiro

1. No palácio, a moça relembra o amado e é assediada por Salomão - Caps. 1:1-2:7
2. Lembra-se de uma visita do jovem e de um sonho - Caps. 2:8-3:5
3. Sulamita mais uma vez é visitada e elogiada por Salomão - Caps. 3:6-4:7
4. Resiste às investidas do rei e antecipa seu casamento - Caps. 4:8-5:1
5. A moça relata outro sonho e descreve seu amado - Caps. 5:2-6:3
6. Salomão mais uma vez tenta conquistar Sulamita - Caps. 6:4-7:9
7. Saudosa e fiel, a moça anseia a companhia do amado - Caps. 7:10-8:3
8. Enfim, recebe alforria, e retorna para casa com seu esposo - Cap. 8:4-8:14.

O amor é mais forte


Em meio às várias interpretações, é bom relembrar, como diz Isidoro Mazzarolo, Cântico dos Cânticos, Uma leitura política do amor (1a. ed., Mazzarolo Editor, Rio de Janeiro, 2002. 249 p.), que "o livro dos Cânticos está entre as grandes obras da sabedoria bíblica ao propor uma visão do ser humano, homem e mulher, como duas criaturas colocadas no universo e dotadas de liberdade e dignidade".

Assim, a mensagem de amor permanece. E talvez possamos dizer, como nos lembram as Cantigas de Amigo, que esta é a grande mensagem do livro.


Filosofia cristã

A proposição fundamental da Filosofia cristã
Prof. Dr. Jorge Pinheiro

A Filosofia cristã estabelece uma proposição fundamental: um princípio atemporal e não espacial, onipresente, eterno, sem limites e imutável, sobre o qual qualquer especulação é impossível, uma vez que transcende o poder da concepção humana e seria diminuído por qualquer expressão humana ou similitude. Está além do âmbito e alcance do pensamento e da razão, é impensável e impronunciável.

Para tornar essas idéias mais claras, pode-se partir do postulado de que há uma realidade absoluta que antecede todo ser manifestado. Esta causa infinita e eterna – na psicologia moderna formulada como inconsciente - é a raiz sem raiz de tudo que foi e é. Despido de atributos não tem, essencialmente, nenhuma relação com o ser finito, condicionado. É “o que é” e está além de todo pensamento ou especulação.


Este "o que é" é simbolizado, na Filosofia cristã, sob dois aspectos: por um lado, é o anti-espaço absoluto que representa a subjetividade, aquilo que nenhuma mente humana pode excluir de nenhuma concepção ou conceber por si mesma. Por outro lado, é movimento eterno absoluto, que na psicologia seria a consciência incondicionada. Mas a consciência é inconcebível se a separamos da mudança, e o movimento é o que melhor simboliza a mudança, sendo esta a sua característica essencial. Este último aspecto da realidade una, na linguagem hegeliana, também é simbolizado pela expressão "o primeiro sopro", um símbolo gráfico. Este primeiro axioma fundamental da Filosofia cristã – “o que é” –, metafísico, remete àquilo que a inteligência finita simboliza com a Trindade teológica.

A natureza da primeira causa, derivada da causa sem causa, do eterno e do incognoscível, aflora dento do finito como consciência, realidade impessoal que permeia a natureza, enquanto noumeno. Esta realidade una, o absoluto, é o campo da consciência absoluta, essência que transcende toda relação com a existência condicionada e da qual a existência consciente é um símbolo condicionado. Mas, ao atravessar pela negação a dualidade, sobrevém o espírito/consciência e a matéria/sujeito e objeto.

O espírito/consciência e a matéria/sujeito e objeto devem, portanto, ser considerados, não como realidades independentes, mas como correlações do absoluto, que constituem a base do ser condicionado subjetivo/objetivo. Considerada esta tríade da metafísica cristã como a raiz da qual procedem toda manifestação, o sopro assume o caráter de ideação pré-natureza. Ele é a fons et origo da força de toda consciência individual e fornece à inteligência guia no vasto esquema da natureza. Tal raiz pré-natureza é aquele aspecto do absoluto que é a base de todos os planos objetivos do cosmos. Tal ideação pré-natureza é também a raiz da consciência individual, já que a substância pré-natureza é o substrato da matéria nos vários graus de sua diferenciação.

A correlação desses dois aspectos do absoluto é essencial para a existência do universo manifestado. A ideação da natureza, separada de sua substância, não pode ainda se manifestar como consciência individual, uma vez que é somente através de um veículo, a alienação da ideação, que a consciência aflora como "eu sou eu", como alienado que necessitou de base física para focar-se enquanto estágio da complexidade. Da mesma forma, a substância da natureza, separada da ideação da natureza, permaneceria como uma abstração vazia da qual a consciência não poderia emergir. O universo manifestado, portanto, é permeado pela correlação que é, por assim dizer, a própria essência de sua existência como manifestação.

Mas, assim como as correlações sujeito/objeto, espírito/matéria são símbolos da realidade una, também no universo manifestado se dão as correlações que possibilitam espírito e matéria, sujeito e objeto. Essa correlação é a alienação existencial, é a ponte através da qual as idéias são impressas enquanto substância da natureza na forma de leis da natureza. A alienação, portanto, é dinâmica da ideação da natureza, é meio inteligente que guia a manifestação. Assim, do espírito ou ideação da natureza procede a consciência, e os meios que possibilitam à consciência individualizar-se procedem da substância da natureza, chegando à consciência reflexiva. A alienação em suas várias manifestações é o elo entre a mente e matéria, o princípio que possibilita a vida.



mardi 25 août 2015

Cosmovisão, o que é?

Como vemos o mundo

O que é cosmovisão? Como a realidade e as estruturas conceituais se apresentam nas cosmovisões? Quais os papéis da consciência crítica e da omissão? A definição de Deus nos dá elementos para compreender uma cosmovisão? Toda cosmologia leva a princípios e valores de vida?


O conceito cosmovisão vem da palavra alemã weltanschauung e expressa a orientação cognitiva fundamental de uma pessoa ou de uma sociedade. Essa orientação abrange sua filosofia natural e os seus valores fundamentais, existenciais e normativos. E também seus postulados, emoções e sua ética. Outro sentido do termo é o da imagem do mundo imposta a uma nação ou comunidade, ou seja, uma ideologia. O termo em português é uma tradução literal da palavra alemã que significa visão de mundo. Hoje, academicamente, a palavra alemã é adotada para expressar os significados descritos. Suas origens etimológicas remetem ao século XVIII. Ela é um conceito fundamental na filosofia e epistemologia alemã e se refere à uma percepção de mundo ampla. Adicionalmente, se refere ao quadro de ideias e crenças pelas quais uma pessoa interpreta o mundo e interage com ele.

Visão de mundo e linguística

A cosmovisão descreve em grau variável o sentido de existência e fornece um quadro para gerar e manter conhecimentos. Apresenta sempre uma estrutura semântica e sintática  através da qual fornece uma linguagem para a cosmovisão. Como uma categorização linguística emerge de uma representação da visão de mundo, ela modifica a percepção social e conduz a uma contínua interação entre linguagem e percepção.

Cosmovisão e filosofia cognitiva

Um dos mais importantes conceitos em filosofia cognitiva e nas ciências cognitivas é a idéia de visão de mundo de um povo, família ou pessoa. A cosmovisão de um povo se origina de uma experiência de mundo única, que ele experimentou por séculos. A linguagem de um povo reflete a cosmovisão daquele povo na forma de suas estruturas sintáticas e suas conotações e denotações que nem sempre podem ser traduzidas a contento.

Assim, a visão de mundo são pressuposições cognitivas, afetivas e dos valores fundamentais que um grupo de pessoas faz sobre as coisas da natureza, e que elas usam para organizar suas vidas.

Se desenhássemos um mapa do mundo com base na cosmovisão, ele provavelmente ultrapassaria as fronteiras políticas – a cosmovisão é mais que o produto das fronteiras políticas, traduz experiências comuns de um povo de uma região geográfica, condições ambientais e climáticas, recursos econômicos disponíveis, sistemas sócio-culturais e  lingüísticos. O mapa da cosmovisão do mundo estaria assim mais próximo do mapa linguístico do mundo.


Construção de visões de mundo

A construção de visões de mundo integradas começa a partir de fragmentos de visões de mundo oferecidas por diferentes disciplinas científicas e os vários sistemas de conhecimento. Ela sofre contribuições de diferentes perspectivas que existem nas diferentes culturas mundiais.

Quem constrói uma cosmovisão? Pessoas, de forma consciente, ou são produtos de um outro nível e/ou de forma inconsciente. Por exemplo, se a visão de mundo de alguém é fixada pela linguagem, teria de aprender ou inventar uma nova linguagem para construir uma nova visão de mundo. Dessa maneira, uma visão de mundo é uma ontologia, ou um modelo descritivo do mundo.

Ela compreende seis elementos:

1. É uma explicação do mundo
2. É uma escatologia: responde a questão "para onde vamos?"
3. São valores, respostas para questões éticas: "o que devemos fazer?"
4. É uma teoria para a ação: "como devemos atingir os nossos objetivos?"
5. É uma epistemologia, ou teoria do conhecimento. "O que é verdadeiro e falso?"
6. É uma etiologia -- o estudo das causas -- uma visão de mundo que explica seus próprios blocos de construção, suas origens e construção.

Impacto das visões de mundo

O termo denota um conjunto abrangente de opiniões, vistas como uma unidade orgânica, sobre o mundo como o meio e exercício da existência humana. A cosmovisão serve como um quadro para gerar várias dimensões da percepção e experiência humana como conhecimento, política, economia, religião, cultura, ciência, e ética. Por exemplo, visão de mundo da causalidade como unidirecional, cíclica, ou espiral gera um quadro do mundo que reflete esses sistemas de causalidade.

Uma visão unicista da origem do universo está presente nas visões de mundo monoteísticas com um começo e um fim e um Deus único como criador e mantenedor do universo: Judaismo, Cristianismo e Islamismo. Mas outras cosmovisões se contrapõem a estas, como o ateísmo/materialismo, e o panteísmo, entre outras. 

Quais as bases do ateísmo e do agnosticismo radical? Duas afirmações são padrões: Deus não existe ou é impossível saber. 

Como um filósofo ou cientista ateu ou agnóstico radical responderia a estas três perguntas: (1) por que o universo existe? (2) por que o ser humano existe? (3) qual é o papel do indivíduo no universo? As opiniões de Friedrich Nietzsche e Jean Paul Sartre nos ajudam a responder essas questões.

Comunismo, existencialismo e humanismo: respostas que deixam a desejar. Deus não existe? Que certeza é essa? Um novo panteão: utopias e angústias.

Bibliografia
Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, págs. 39-43.

O que é panteísmo? Como relaciona infinitude e impessoalidade, universo e aparência. Nada existe além do que se vê e toca (aparência). Só o presente existe. Qual é a posição panteísta em relação ao universo, à vida espiritual e à morte? Qual as características do panteísmo hindu? A fala de Bhahman no Bhagavad Gita.

Bibliografia: Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, SP, EVN, págs. 45-58.

Teísmo
Quais os conceitos que norteiam o teísmo? Por que não somos judeus, nem muçulmanos? Limites do unitarianismo e do determinismo. 

Em que sentido o cristianismo trinitariano é superior ao teísmo judaico e muçulmano; ao deísmo filosófico e ao misticismo? Ex 33:18-23, 34:5-7; Is 6:1-5; Ez 1:26-28; Jr 9:23-24; Jo 1:18, 14:8-10; Ap 1:12-17; I Pe 1:8.

Bibliografia

Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1985, parte um: Indagações sobre Deus, o homem e o universo... Págs. 9 - 67.
Green, Michael, Mundo em Fuga, São Paulo, Vida Nova
Little, Paulo, Você Pode Explicar sua Fé?, SP, Mundo Cristão, 1972
Pinnock, Clark, Viva Agora, Amigo, Atibaia, Fiel
Sproul, R. C., Razão para Crer, São Paulo, Mundo Cristão, 1991, capítulo 7, “Não Há Deus”, pág. 75; capítulo 6, “Não Preciso de Religião”, pág. 63; capítulo 4, “O Cristianismo É Uma Muleta Para os Fracos”, pág. 43. 
Stott, John R. W., Cristianismo Básico, São Paulo, Vida Nova
 
Essas visões de mundo não apenas subjazem as tradições religiosas mas também outros aspectos da pensamento como o objetivo da história, teorias políticas e econômicas, e sistemas como a democracia, autoritarismo, anarquismo, capitalismo, socialismo, e comunismo.

A visão de mundo de uma causalidade linear e não-linear gera várias disciplinas e abordagens relacionadas/conflitantes no pensamento científico. A cosmovisão de uma contiguidade temporal de ato e evento leva a diversificações divergentes como determinismo versus livre-arbítrio.

Algumas formas de naturalismo filosófico e materialismo rejeitam a rivalidade de entidades inacessíveis à ciência natural. Elas veem o método científico como o modelo mais confiável para construção e compreensão do mundo.

Um exemplo

Na linguagem do Terceiro Reich, por exemplo, a cosmovisão passou a designar a compreensão intuitiva de complexos problemas geopolíticos pelos nazistas, o que os permitiu agir em nome de um ideal maior e em conformidade com a sua visão de mundo. Esses atos observados de fora daquela cosmovisão específica são agora comumente entendidos como atos de agressão, tais como abertamente começar invasões, distorcer fatos, e violar direitos humanos.

Visões de mundo na religião

Vários autores sugerem que sistemas de crença religiosa ou filosófica devem ser vistos como visões de mundo em vez de um conjunto de hipóteses ou teorias particulares. Dessa maneira, podemos falar de visão de mundo religiosa e a concepção do cristianismo como uma visão de mundo é uma das mais significantes desenvolvimentos na história recente da igreja.

Uma cosmovisão é um compromisso, uma orientação do coração, que pode ser expressa como uma história ou um conjunto de pressupostos que formatam a construção da realidade, e que providencia a fundação na qual se vive e se move. Sugere que somos desafiados a entender as cosmovisões dos outros, para que possamos nos comunicar numa sociedade globalizada.

Existe uma cosmovisão cristã? Qual é a sua base? 

Deus trino, infinito (Sl.25:14; Is. 43:10; Sl. 90:2), pessoal (Ex.3:14-15; Is. 55:8-9; Sl.135:5-6), criador (Gn.1:1; Sl.148:3-5, 33:6-9; João 1:1-3; Rm.11:36; Cl.1:16-17, Hb. 1:2, 11:3), sustentador do universo (Sl.14:20, 147:8-9; Ne. 9:6), amor (Lm.3:22-23; Jo.3:16; Rm 5:8) e santo (Hc.1:13; Sl. 5:4; Jr. 9:23-24). Único (Dt. 6:4-5; Is. 45:5-6) e plural (Mt.11:27; Jo.17:5; 15:26; At.1:8, 2:1-4).

Bibliografia
Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, págs. 15-23.
Horrell, J. Scott, Uma Cosmovisão Trinitariana, Vox Scripturae, volume IV, No 1, pág. 55-77.
Pieratt, Alan, Pensando no Céu, in Imortalidade, Shedd, R e Pieratt, A., SP, EVN, 1992, pp.223-245.
Tertuliano (Adversus Praxean), Zwinglio (Bromiley, G.W., Zwingli and Bullinger, Londres, SCM Press, 1953, p.249). 



jeudi 30 juillet 2015

Morena me llaman - Sefardic, Ladino, Judeo-Español לדינו

מוזיקה אנדלוסית יהודית يهود الأندلس Andalusian Jewish music

Israeli song - 'Human Tissue' (israeli music israeli songs hebrew idf je...

ברכת כהנים

A bênção sacerdotal -- em hebraico birkat kohanim, ברכת כהנים --, também conhecida como Nesiat Kapayim, "estender as mãos", ou bênção aarônica, é uma oração  judaica recitada durante certos serviços litírgicos.

Ela é baseada nos versículos de Bamidbar 6.23-27:

Fala a Arão e a seus filhos, dizendo: Assim abençoareis os filhos de Israel e dir-lhes-eis:

O Eterno te abençoe e te guarde
יְבָרֶכְךָ יְהוָה, וְיִשְׁמְרֶךָ
yevarechecha Adonai veyishmerecha

O Eterno faça resplandecer o rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti
יָאֵר יְהוָה פָּנָיו אֵלֶיךָ, וִיחֻנֶּךָּ
ya'er Adonai panav eleicha vichunecha

O Eterno sobre ti levante o rosto e te dê a paz
יִשָּׂא יְהוָה פָּנָיו אֵלֶיךָ, וְיָשֵׂם לְךָ שָׁלוֹם
yissa Adonai panav eleicha veyasem lecha shalom


Assim, porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei”.



ליאור נרקיס ברכת הכוהנים קליפ רשמי

samedi 18 juillet 2015

Murá e Chardin

Luis Murá, de óculos, e seus parceiros geniais

O EVOLUCIONISMO CRISTÃO

Em Teilhard De Chardin encontramos os seguintes conceitos: evolucionismo, estrutura orgânica do universo e tendência do ser a alcançar um estado cada vez mais orgânico, de unificação. O fim supremo da existência é a convergência das diversas consciências individuais na consciência única e total do centro Ômega, último momento e fim da evolução: Deus.
O universo está impregnado de pensamento, que se torna cada vez mais patente com a evolução da vida, através da crescente complexidade estrutural que a matéria alcança. Teilhard intuiu laivos de consciência incipiente mesmo nos graus ínfimos da existência, no plano físico do universo. A evolução levou esta consciência a revelar-se mais avançada e potente no homem. Ora, dado que a organicidade do todo implica uma lógica, seria absurdo determo-nos neste ponto do caminho sem continuá-lo.
Teríamos um fenômeno partido ao meio, que de repente pára, sem completar toda a sua trajetória e alcançar a necessária conclusão, ambas implícitas na lógica do desenvolvimento do próprio fenômeno. Então Cristo pode ser proposto à ciência como superbiotipo do futuro, como modelo que a raça humana poderá atingir com a evolução, e o Evangelho como a lei social da unidade coletiva representada pela super-humanidade do futuro. Fica assim esclarecido o sentido do processo da evolução, numa síntese lógica na qual concordam as verdades provadas pela ciência com os princípios finalísticos da concepção religiosa. O homem, no seu nível, faz parte deste processo.
[Teilhard trata assim de chegar a uma Nova Teologia em que tudo se santifica por meio da universal presença do pensamento de Deus imanente. É a tentativa de consagrar o evolucionismo no altar de Deus. Podemos ver assim que caminha no terreno de um cristianismo evolucionista. A substância da existência, a estrutura mais íntima do ser é de natureza psíquica, donde, conclui o teólogo: a vida é pensamento coberto de morfologia, e a espiritualidade, base das religiões, deve ocupar o ápice da evolução].
Cristo então é um superego hoje transcendente, mas amanhã ponto de chegada para a raça humana, ponto no qual o egoísmo separatista, vigente na luta pela sobrevivência, será substituído pela solidariedade coletiva unitária do amor universal. Assim Teilhard apresenta-nos uma espiritualização do universo, colocada sobre bases evolucionistas. O Evangelho representa uma transformação de leis biológicas, e significa a revolução operada pela passagem da vida de um nível de evolução a outro superior.
[A investigação do cientista deve ser livre, mas o ambiente dentro do qual o pensamento deve mover-se, para investigar e concluir, está limitado por barreiras. Por isso, seu método partiu do universal para o particular, em vez do particular para o universal. No primeiro caso a investigação está orientada em duas direções: teoria em direção aos fatos, e fatos em direção à teoria. Foi através desse segundo método, que chamamos intuição, que Teilhard de Chardin pode chegar a uma visão universal do todo, já que a ciência, com o seu método, não pode chegar ao terreno das visões teológicas. A ciência pode admitir, no máximo, que o produto da revelação deve ser tomado em consideração como hipótese de trabalho, para aceitar a parte que os fatos demonstrarem corresponder à realidade. A teoria da evolução em sua época era profundamente combatida pelo catolicismo.].
A evolução não é fenômeno que possa ser limitado à vida, porque numa visão universal, tudo deve estar incluído nela, todas as formas de existência, se não quisermos ficar fechados num só setor do fenômeno da evolução, limitados a um só trecho do seu desenvolvimento.
O universo astronômico, com a matéria, oferece a base física, constituindo a geosfera, coberta nos planetas de revestimento vivente, que representa a biosfera, cuja função, através da vida, consiste na revelação da consciência, que constitui a nooesfera, novo revestimento de pensamento e consciência. Este conceito de um crescente psiquismo e progressiva cerebralização do ser, reproduz em palavras científicas, segundo Chardin, o conceito da progressiva espiritualização cristã, de ascese da alma em direção a Deus. No terreno das nossas conquistas espirituais, à fé das religiões, sucede agora a certeza científica.
[Isto se explica pelo fato de que, sendo ele sobretudo geólogo e paleontólogo, não valorizou na economia do universo a importância da física nuclear, coisas que então acabavam de aparecer. Ao desconhecer a física moderna, Teilhard passou da matéria à vida sem o termo intermediário, a energia, sem a qual a ciência não explica a origem da vida. Ele não explica a passagem da química inorgânica à química orgânica, que representam formas exteriores e não a substância do fenômeno. Escapou-lhe a continuidade do processo].
Existem, pois, tristes lacunas em Teilhard. Em L’activation de l’energie define o mal como um efeito secundário, subproduto inevitável, do caminho do universo em evolução. O significado do pensamento de Teilhard está, sobretudo, nesta tentativa do catolicismo tardio de aproximar-se da ciência e assimilar suas conclusões. Estranho modo de avançar.
Desta maneira para o teólogo, o crescimento geológico e biológico desemboca na noogênese, isto é, termina na vitória final do espírito puro.
Para além e para cima do universo físico, Teilhard viu, movido mais pela razão do que pela fé, o universo psíquico, isto é, o universo numa nova dimensão, a do espírito, que é o terreno supersensível das religiões. Que fazer? Este é o grau de evolução da humanidade atual, e explicar não serve para nada. O indivíduo, então, perante ao grupo, pode escolher dois caminhos, segundo a sua própria natureza: o da liberdade ou da obediência, no primeiro caso pode conseguir o seu ideal segundo a sua consciência, entregar-se na busca da verdade, pensar e falar livremente, cumprir a sua missão. No segundo caso não haverá esta necessidade e gozará da vantagem de uma proteção que garante a vida e a tranqüilidade para trabalhar. Deve-se por isso pensar e trabalhar no interesse do grupo que, por fornecer o pão, tem o direito de exigir obediência espiritual e física. O reformador, desejando implantar uma ordem nova, sacode as bases do castelo no qual o grupo se aninha, leva desordem às sua filas, fato do qual os inimigos estão prontos a se aproveitar. O problema que o caso de Teilhard nos faz recordar, é o do choque entre a ciência de sua época e teologia católica antes do Concílio Vaticano II.
Para Teilhard, a massa, que forma o corpo da humanidade, é constituída por homens que optaram pela obediência em detrimento da liberdade. E eles lutam contra os do primeiro caminho para reduzi-los ao seu nível. É fácil constatar historicamente que a humanidade, antes de santificar, dá-se o gosto de sacrificar: trabalho nada espiritual da parte de quem o executa, mas que indubitavelmente faz parte da técnica da santificação. Em outra época, só por dizer isso, o teólogo já teria sido queimado!
Como darwinista católico, Teilhard de Chardin considerava que a vida se baseia na luta: o grupo tem necessidade de defesa para sobreviver. O direito de julgar e condenar se baseia nos fatos: 1) a posição do grupo perante o indivíduo é a do mais forte. O do reformador é o progresso, o do grupo e da autoridade que o dirige é continuar a viver com a menor fadiga e riscos possíveis. O inovador atenta contra a tranqüilidade e segurança do grupo, que assim se defende. A autoridade atenta contra a liberdade do espírito, quer dentro dele para deter ou torcer o pensamento, paralisando as mais nobres funções do ser. Todavia trata-se de duas funções, ambas necessárias, uma perante os homens por necessidade terrena, outra perante Deus por necessidade do ideal. Baseamo-nos na observação das leis biológicas do grupo, que são verdadeiras para cada grupo, portanto também para o religioso.
Teilhard obedeceu à autoridade, sofrendo em silêncio, mas sem renunciar às suas idéias. Ao povo católico não ofereceu a desobediência como alternativa. Aparentemente, escolheu o caminho do martírio, mas considerava que a ignorância humana assim o exigia. Havia também um outro lado de Teilhard.
Ele comia o pão da ordem religiosa de que fazia parte e à qual estava moralmente comprometido a ficar fiel. Que aconteceu então no espírito do cientista, que optou por respeitar a autoridade? Quais os seus direitos, as suas compensações? Para ele existe o caminho da paciência, do trabalho, do martírio, é o caminho da  santificação. Lemos em “O Jesuíta Proibido”, de G. Vigorelli:
“Não está ainda escrita a história secreta da “redução ao silêncio” de Teilhard de Chardin. Além do silencio foi-lhe imposto o exílio (...) Penetremos agora no seu espírito para compreender “os segredos mais profundos que se debatiam somente na sua própria consciência, um diálogo direto com Deus”.
“Perante Deus: comunhão, exaltação, segurança. Existe assim também o ativo dado pela própria santificação, pela afirmação da inviolabilidade da liberdade do espírito, e sobretudo por sentir-se puro perante Deus e pela satisfação de gozar no íntimo da própria consciência, do Seu consentimento, vizinhança e ajuda. É segundo a sua natureza, e assim a revelando, que o indivíduo escolhe colocar-se do lado do mundo ou do lado de Deus. As leis da vida garantem, pois o triunfo final do ideal, pelo qual o homem espiritual se sacrifica. Está em execução a liquidação da era constantiniana e do espírito sectário da contra-reforma (...) Em baixo está o mundo, na retaguarda da evolução; em direção ao alto se lança o evoluído, para a frente, avançando em direção a Deus distanciando-se do mundo. Ele está não do lado do mundo, mas do lado de Deus, que o espera, o convida, o impulsiona para diante, atraindo-o e ajudando-o. A grande força, a potente indenização do condenado, mesmo que o tenha sido em nome de Deus, é estar ao lado da verdade, do justo, de Deus; é encontrar-se ao lado da Sua Lei que estabelece que no fim o bem vence o mal, a afirmação domina a negação. A força de quem sofre lutando pela verdade está no fato que este indivíduo trabalha para avançar na direção que a evolução determina, sendo portanto arrastado em cheio pela sua corrente. Leva consigo o impulso irresistível da divina vontade da evolução que exige a ascese. As forças em defesa do inovador condenado não devem vir da Terra. Esta representa a parte inferior da existência, a parte negativa, adequada à resistência. Aquele indivíduo pertence, ao contrário, ao céu, que representa a parte superior, mais vizinha de Deus, a parte positiva e dinamizante. O primitivo rebela-se contra a autoridade, atua imediatamente segundo a lei da luta, que é a lei do seu plano, manifestando com isso a sua involução. Querer ficar quieto, abaixando todos ao nível dos mais inertes, pode constituir um delito contra a evolução espiritual, que devia ser a maior finalidade das religiões. Aquele tem necessidade do consenso de seus contemporâneos, de uma ajuda em vida, de uma compreensão imediata do seu próprio tempo, que o mantenha na função de produzir. De fato o cisma atual é o mais perigoso, porque não se apresenta na forma já conhecida, ou seja, com o surgir de uma nova religião inimiga que se pode combater como no passado, mas aparece como morte do espírito e do sistema de todas as religiões, como seu apagar-se no materialismo e na ciência, que simplesmente não as tomam mais em consideração. Assim no meio da indiferença geral, o pensamento dirigente não se interessa mais, e as abandona”. [H. De Lubac, Il pensiero religiodso di Pierre Teilhard de Chardin, Brescia, Morcelliana, 1965].
O objetivo da intuição antes mencionada deveria ser, ao lado do reconhecimento da necessidade de conservar, também o da necessidade de progredir.
A Cristologia de Teilhard
Teilhard expressa uma paixão muito especial por Cristo, racionalmente concebido como ponto de convergência da evolução da vida.
Aparece assim um Cristo universal, super-religioso, num sentido que está por cima do sectarismo separatista na qual tendem a dividir-se as religiões. Um Cristo que, em vez de isolar-se numa delas em oposição às demais, tende a uni-las todas, sendo concebido com a forma mental da imparcialidade científica, em termos vastíssimos em relação com as leis biológicas, como ponto de convergência e última meta divina da evolução da vida.
Trata-se de um Cristo muito maior, eixo espiritual do mundo, alcançável pelas vias do misticismo, como pelas vias da ciência, ponto Ômega desta como o é da fé, significado e conclusão da história, princípio, guia e cume da evolução, só hoje concebível desta maneira devido à atual maturação do pensamento humano. Um Cristo imanente, próximo, que enfrenta os problemas e ajuda a resolvê-los, em vez de desaparecer transcendente nos céus, inalcançável na sua glória. Um Cristo orientador da dinâmica da vida, operando junto no imenso esforço criador da era moderna, potencializando-o com os seus imensos valores espirituais. Um Cristo refúgio da pureza, fora de toda a sujidade humana, mesmo da que está escondida sob as aparências de religião.
Eis algumas palavras de Teilhard de Chardin na sua Messe sur le Monde: “Já que, Senhor, aqui nas estepes da Ásia, eu não tenho nem pão, nem vinho, nem altar, mas elevarei por sobre os símbolos, até à pura Majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, em cima do altar da terra inteira, o trabalho e a dor do mundo (...) A oferta que Vós, Senhor, verdadeiramente esperais, não é outra senão o engrandecimento do mundo agitado pelo transformismo universal”.
Não se pode isolar num templo particular, num grupo humano, porque Ele está no centro da biologia universal do espírito. É um Cristo de dimensões cósmicas, superior a todas as formas e dimensões humanas, situado no centro de uma super-religião de substância, no vértice da evolução da vida no planeta, nos antípodas da baixa existência terrena, sempre presente para sanar com o Seu divino esplendor a cegueira humana, e com a Sua potência e bondade as misérias de mundo. Este é o Cristo de Teilhard.


Bibliografia

Teilhard de Chardin, Oeuvres, 13 volumes, Paris, Seuil, 1955-1976

Obras significativas
O fenômeno humano, SP, Herder, 1965
L’ambiente divino, Milão, Il Saggiatore, 1968
Le Coeur de la Matiére, Paris, Seuil, 1976

Sobre o autor
É. Borne, De Pascal à Teilhard de Chardin, Clermont-Ferrand, Ed. G. de Bussac, 1963
P. Schellenbaum, Le Christ dans l’energétique teilhardienne, Paris, Cerf, 1971
R. Gibellini, Teilhard de Chardin: l’ópera e le interpretazioni, Brescia, Queriniana, 1981
     A teologia do século XX, São Paulo, Loyola, 1998, pp. 175-182.
Pietro Ubaldi: Problemas do Futuro, cap. 3. Experiências em Biologia Transcendental.

jeudi 16 juillet 2015

Questões que um político cristão deve levar em conta

A praxe solidária e a teologia da vida
Questões que um político cristão deve levar em conta
Uma leitura a partir de Enrique Dussel

Jorge Pinheiro, PhD

Devemos nos distanciar (1) do marxismo lido a partir do ateísmo e (2) da religião que faz a legitimação da dominação. E a partir desse distanciamento, procurar definir caminhos para a militância política das comunidades cristãs. E aqui, sem dúvida, encontramos uma complementaridade fundamental e necessária à teologia: a atividade militante dos cristãos no interior das comunidades religiosas é motivada por diferentes opções históricas, tanto a favor da legitimação da dominação, que pode ser chamada de religião super/estrutural, como a favor da crítica da dominação, ou seja, da religião infra/estrutural. Entre os dois extremos situa-se um amplo campo religioso, ambíguo, já que a instituição religiosa necessita tanto do organizador como do profeta. E é a partir da análise dessa ambiguidade que devemos traçar as questões centrais que envolvem realidade brasileira e dão forma à praxe do militante cristão.



O momento analético é a afirmação da exterioridade: não é somente a negação da negação do sistema desde a afirmação da totalidade. É a superação da totalidade a partir da exterioridade daquele que nunca esteve dentro. O momento analético é crítico por isso: é a superação do método dialético negativo. Afirmar a exterioridade é realizar o impossível para o sistema, o imprevisível para a totalidade, aquilo que surge a partir da liberdade não condicionada e inovadora. Como consequência, a analética é prática: é uma economia, uma pedagogia e uma política que trabalham para a realização da alteridade humana, alteridade que nunca é solitária, mas tem o seu centro e fundamento na pessoa real.

Discutir a religião como infra/estrutura e super/estrutura é superar a visão de que as lutas de emancipação no Brasil e na América Latina tiveram origem nos movimentos milenaristas, que se adaptaram e organizaram movimentos políticos ou retrocederam convertendo-se em religiões alienadas no sentido mais limitado do termo. A religião é a primeira consciência que o ser humano tem de si mesmo, e as relações morais, do filho com os pais, do marido com a mulher, do irmão com o irmão, do amigo com o amigo, enfim do ser humano com seu próximo, são relações religiosas.

A religião, enquanto conjunto de mediações simbólicas e rituais, como doutrina explicativa do mundo e que se posiciona a partir da referência ao Absoluto, participa do fechamento do sistema sobre si mesmo. Essa totalidade do sistema é um processo de divinização, que cumpre a função de ocultar a dominação. A noção de religião super/estrutural traduz esse processo de divinização do sistema europeu e depois norte-americano: significa des/historificar a totalidade social, dialetizar negativamente um processo que tem origem, crescimento e plenitude. A divinização leva a um outro processo, à fetichização, que apresenta uma compreensão não/histórica da totalidade social vigente. A fetichização consiste, então, na identificação da estrutura atual com a natureza, ou seja, ela está aí, está colocada por vontade divina.

As massas, enquanto excluídas e passivas, vivem a ideologia das classes dominantes, pois o sistema apresenta de forma ambígua ideais utópicos que oferecem respostas às suas necessidades. Ao aceitar a religião super-estrutural da classe dominante enquanto rito simbólico do triunfo dos dominadores e derrota dos dominados, as massas vivem sob a resignação passiva, a paciência derrotista e a humildade aparente.

A miséria religiosa é expressão da miséria real, entretanto, é também uma forma de protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da pessoa excluída, carente de sentido pleno de vida. A necessidade da religião em abandonar as ilusões sobre sua própria situação é a exigência de que abandone uma situação que necessita de ilusões. Por isso, a crítica da religião é a crítica do sofrimento enquanto expressão de santidade. A crítica da religião não descarta as necessidades reais daqueles que carecem de bens e possibilidades. A crítica da religião denuncia o mito da prosperidade mágica, para que o ser humano pense, para que atue e transforme sua realidade como pessoa consciente.

A tarefa do político cristão solidário consiste em verificar a verdade que está aqui. E é tarefa do cristianismo solidário, que se encontra ao serviço da vida, uma vez que está desmascarada a santidade da auto-alienação humana, desmascarar a auto-alienação em suas formas não santas. De tal modo que a crítica do céu se transforme em crítica da terra, e a crítica da religião em crítica da política.

A expressão religião infra-estrutural indica a anterioridade da responsabilidade prática que se tem com o excluído dentro do sistema. Essa anterioridade não diz respeito exclusivamente à super-estrutura de um sistema futuro, mas diz respeito também à sua infra-estrutura. O ser humano religioso transcende o sistema vigente de dominação e vê como sua responsabilidade o serviço ao excluído. A religião nesse caso é a instauração de uma nova praxe. O fato de que a praxe religiosa infra-estrutural possa se tornar super-estrutural não nega o fato de que a crítica profética continua a irromper na história. Essa presença de responsabilidade social com o excluído mostra a vigência do clamor profético e funciona como freio das pressões alienadas e super-estruturais.

O ateísmo, enquanto negação dessa necessidade de essencialidade, perde sentido, pois, ao negar o Absoluto, afirma mediante a negação a existência do ser humano. Mas o cristianismo solidário não necessita dessa mediação, pois surge enquanto consciência sensível, teórica e prática do ser humano. É autoconsciência positiva do ser humano, não mediada pela superação da religião, do mesmo modo que a vida real é realidade positiva para o ser humano, não mediada pela superação da propriedade privada. O cristianismo solidário surge como negação da negação da emancipação e da recuperação humana, é o princípio dinâmico do porvir, mas não é em si a finalidade do desenvolvimento humano, a forma última e única da sociedade humana.

A militância religiosa faz parte de uma luta mais ampla, onde a religião infra-estrutural cumpre papel de aliado estratégico, levando o militante religioso a assumir tarefas, praxes nos níveis político, econômico e não apenas ideológico. O ateísmo, por isso, oculta, pois fecha as portas ao aliado estratégico, à religião infra-estrutural, que se fará presente enquanto houver seres humanos obstinados pela responsabilidade diante do excluído, sentido incondicional de justiça, esperança de um novo cairos.       

Assim, para o político cristão a história universal é produção humana a partir do trabalho humano, que transforma a natureza e produz o nascimento do ser humano em sociedade. É nesse processo permanente que o ser humano constrói sua essencialidade: do ser humano em direção ao ser humano, como essencialização da natureza, e da natureza para o ser humano, como existência humana. 

O êxito nesse processo depende das condições de possibilidade, ou seja, é impossível separar teoria e praxe. Por isso, uma teologia da vida deve saber integrar os princípios enunciados na escolha de fins, meios, e métodos que devem levar à praxe crítica do sujeito histórico, aqueles que estão excluídos do sistema-mundo. Este sistema-mundo ao impossibilitar a produção e reprodução da vida semeia doenças, fome, terror e morte. As vítimas são os seres humanos, cuja dignidade e vidas são destruídas. 

A globalidade excludente leva a um assassinato em massa e ao suicídio coletivo. Porém, a praxe do solidarismo enfrenta de um lado o anarquismo contrário à instituição e de outro o reformismo pró-integração. Por isso, estratégia e tática devem ser enquadradas dentro de princípios gerais, ético e crítico, a fim de que de forma factual ético-crítica se possa negar as causas da negação do excluído. Essa é uma luta des/construtiva, que exige meios proporcionais àqueles contra os quais a luta é travada. Mas, se a praxes traduz uma ação des/construtiva, promove transformações construtivas: leva à uma nova ordem com base num programa planejado que é realizado progressivamente, mas nunca totalmente.

mardi 14 juillet 2015

Herodes, Herodias e Salomé

Três palavras : Distância, desamor e desatino

Vamos nesta pastoral ler o texto de Marcos 6.14-29. Através da história de três personagens -- Herodes, Herodias e Salomé -- vamos ver que as palavras traduzem força e sentido, e revelam o que pensamos, o que somos e porque fazemos o que fazemos.

Herodes e seus amores

"... porque Herodes tinha medo dele, pois sabia que ele era um homem bom e dedicado a Deus. Por isso Herodes protegia João. E, quando o ouvia falar, ficava sem saber o que fazer, mas mesmo assim gostava de escutá-lo". (Marcos 6:20) Herodes tinha carinho pelo profeta João, aquele que batizava. Mas tinha medo dele também, porque João criticava o seu casamento com Herodias, sua cunhada. Só para lembrar, Herodias era mulher de Filipe, irmão de Herodes, que ainda estava vivo. 

Cheio de orgulho, na festa de seu aniversário, ficou encantado com a performance de sua sobrinha, como bailarina, e "disse à moça: — Peça o que quiser, e eu lhe darei. E jurou: — Prometo que darei o que você pedir, mesmo que seja a metade do meu reino!" Puro orgulho. Ele não podia dar metade de seu reino para Salomé. Ele era rei sim, mas vassalo do Império Romano. Suas palavras eram palavras distantes da realidade. Repousavam na sua vaidade. Ele queria se gabar diante dos convivas. Sobre essas palavras que distanciam pessoas e realidade, o Antigo Testamento nos diz que "os sábios guardam todo o conhecimento que podem, mas o tolo, quando fala, logo traz desgraça". (Provérbios 10:14)

Herodias e seu ódio

"João tinha dito muitas vezes a Herodes: “Pela nossa Lei você é proibido de casar com a esposa do seu irmão!” Herodias estava furiosa com João e queria matá-lo". (Marcos 6:18, 19). Como vimos, durante o banquete a filha de Herodias entrou no salão e dançou. Herodes e os seus convidados gostaram muito da dança. E diante da promessa do rei, de que lhe daria qualquer coisa, Salomé perguntou à mãe o que devia pedir. E a mãe respondeu: — Peça a cabeça de João Batista.

As Escrituras nos dizem que "os maus fazem planos contra os bons e olham com ódio para eles". (Salmos 37:12). Assim, as palavras que distanciam e as palavras de desamor destroem relacionamentos e levam à morte.

Salomé e seu desatino

"No mesmo instante a moça voltou depressa aonde estava o rei e pediu: — Quero a cabeça de João Batista num prato, agora mesmo!" Salomé não pensou, não refletiu sobre o que estava dizendo. Apenas repetiu as palavras da mãe. Foi obediente para a morte. Não pensou na sua responsabilidade. Por isso, ao repetir as palavras de ódio da mãe, as suas se transformaram em palavras de desatino, de loucura.

Lembre-se: as palavras que distanciam, as palavras de desamor, mas também as palavras de desatino são palavras mal ditas. Mas nós somos chamados às palavras bem ditas, fonte de vida. "Como são doces as tuas palavras! São mais doces do que o mel". (Salmos 119:103)

"No começo aquele que é a Palavra já existia. Ele estava com Deus e era Deus. Desde o princípio, a Palavra estava com Deus. Por meio da Palavra, Deus fez todas as coisas, e nada do que existe foi feito sem ela. A Palavra era a fonte da vida, e essa vida trouxe a luz para todas as pessoas". (João 1:1-4)

Queridos irmãos e irmãs, em Cristo somos desafiados a proferir palavras que aproximam, palavras de amor, palavras de sabedoria, que produzam vida. Palavras bem-ditas. Vamos viver assim.

Em Cristo, do amigo, Jorge Pinheiro.

samedi 11 juillet 2015