A proposição
fundamental da Filosofia cristã
Prof. Dr. Jorge Pinheiro
A Filosofia cristã estabelece uma proposição
fundamental: um princípio atemporal e não espacial, onipresente, eterno, sem
limites e imutável, sobre o qual qualquer especulação é impossível, uma vez que
transcende o poder da concepção humana e seria diminuído por qualquer expressão
humana ou similitude. Está além do âmbito e alcance do pensamento e da razão, é
impensável e impronunciável.
Para tornar essas idéias mais claras, pode-se
partir do postulado de que há uma realidade absoluta que antecede todo ser manifestado.
Esta causa infinita e eterna – na psicologia moderna formulada como inconsciente
- é a raiz sem raiz de tudo que foi e é. Despido de atributos não tem, essencialmente,
nenhuma relação com o ser finito, condicionado. É “o que é” e está além de todo
pensamento ou especulação.
Este "o que é" é simbolizado, na
Filosofia cristã, sob dois aspectos: por um lado, é o anti-espaço absoluto que
representa a subjetividade, aquilo que nenhuma mente humana pode excluir de
nenhuma concepção ou conceber por si mesma. Por outro lado, é movimento eterno absoluto,
que na psicologia seria a consciência incondicionada. Mas a consciência é
inconcebível se a separamos da mudança, e o movimento é o que melhor simboliza
a mudança, sendo esta a sua característica essencial. Este último aspecto da realidade
una, na linguagem hegeliana, também é simbolizado pela expressão "o primeiro
sopro", um símbolo gráfico. Este primeiro axioma fundamental da Filosofia
cristã – “o que é” –, metafísico, remete àquilo que a inteligência finita
simboliza com a Trindade teológica.
A natureza da primeira causa, derivada da causa
sem causa, do eterno e do incognoscível, aflora dento do finito como consciência,
realidade impessoal que permeia a natureza, enquanto noumeno. Esta realidade una,
o absoluto, é o campo da consciência absoluta, essência que transcende toda
relação com a existência condicionada e da qual a existência consciente é um
símbolo condicionado. Mas, ao atravessar pela negação a dualidade, sobrevém o espírito/consciência e a matéria/sujeito e objeto.
O espírito/consciência e a matéria/sujeito
e objeto devem, portanto, ser considerados, não como realidades independentes,
mas como correlações do absoluto, que constituem a base do ser condicionado
subjetivo/objetivo. Considerada esta tríade da metafísica cristã como a raiz
da qual procedem toda manifestação, o sopro assume o caráter de ideação
pré-natureza. Ele é a fons et origo da força de toda consciência
individual e fornece à inteligência guia no vasto esquema da natureza. Tal raiz
pré-natureza é aquele aspecto do absoluto que é a base de todos os planos
objetivos do cosmos. Tal ideação
pré-natureza é também a raiz da consciência individual, já que a substância pré-natureza
é o substrato da matéria nos vários graus de sua diferenciação.
A correlação desses dois aspectos do absoluto é essencial para a
existência do universo manifestado. A ideação da natureza, separada de sua substância,
não pode ainda se manifestar como consciência individual, uma vez que é somente
através de um veículo, a alienação da ideação, que a consciência aflora como
"eu sou eu", como alienado que necessitou de base física para focar-se
enquanto estágio da complexidade. Da mesma forma, a substância da natureza,
separada da ideação da natureza, permaneceria como uma abstração vazia da qual
a consciência não poderia emergir. O universo manifestado, portanto, é permeado
pela correlação que é, por assim dizer, a própria essência de sua existência
como manifestação.
Mas, assim como as correlações sujeito/objeto, espírito/matéria são símbolos da realidade una, também no universo
manifestado se dão as correlações que possibilitam espírito e matéria, sujeito e
objeto. Essa correlação é a
alienação existencial, é a ponte através da qual as idéias são impressas enquanto
substância da natureza na forma de leis da natureza. A alienação, portanto, é dinâmica
da ideação da natureza, é meio inteligente que guia a manifestação. Assim, do espírito
ou ideação da natureza procede a consciência, e os meios que possibilitam à
consciência individualizar-se procedem da substância da natureza, chegando à
consciência reflexiva. A alienação em suas várias manifestações é o elo entre a
mente e matéria, o princípio que possibilita a vida.
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