Uma breve introdução à formação do inventário do AT
A partir de uma apostila do prof. Dr. L. Byron
Harbin, PhD
Edição de Jorge Pinheiro
O cânone bíblico
designa o inventário, lista de escritos, ou livros considerados pela Igreja cristã,
de conjunto, como tendo evidências de inspiração divina. Cânone, em hebraico qenéh e no grego kanóni, tem o significado de "régua" ou "cana [de
medir]", no sentido de um catálogo. A formação do cânone bíblico se deu
gradualmente. Foi formado num período aproximado de 1500 anos.
Os livros do Antigo Testamento que compõe o cânone
foram editados em dois períodos da história de Israel, durante a Monarquia e
durante o Exílio babilônico. Segundo a tradição judaica,
Esdras, enquanto escriba e sacerdote, presidiu um conselho formado por 120
membros – a grande sinagoga -- que selecionou e preservou os rolos sagrados.
Naquela época o inventário das escrituras do antigo testamento teve sua
primeira definição. Veja Esdras 7:10,14. Esta compreensão atualmente não é bem
aceita pela moderna crítica textual, já que saduceus e samaritanos só aceitavam
como canônicos os primeiros cinco livros. Por isso, alguns especialistas
consideram que Esdras reuniu apenas o Pentateuco. Mas há praticamente
unanimidade de que foi a grande sinagoga que organizou a nova vida religiosa
nacional, o que mais tarde deu origem ao supremo concílio judaico, o sinédrio.
Sobre a iluminação e inspiração dos textos do
Antigo Testamento, veja João 7:17 e I Coríntios 2:12-13. Portanto, “se
reconhece o papel da providência do Eterno à origem, seleção e coleção destes
escritos. É por esta razão que os livros do Antigo Testamento existem em número
de trinta e nove, conforme o e judaico. Esta tem sido a convicção dos
protestantes de modo geral, embora haja dúvidas levantadas a respeito de alguns
livros, como, por exemplo, Cantares de Salomão e Eclesiastes. A providência do
Eterno operante na vida da igreja, entretanto, tem feito com que todos os
trinta e nove fossem aceitos [1].
a) O texto hebraico, -- a Bíblia Hebraica, ou seja, o
Texto Massorético -- não contém os chamados livros apócrifos. É basicamente o
mesmo cânone reconhecido pelos rabinos em Jamnia, em 90 d. C.
b) O mais antigo manuscrito completo da Septuaginta
(LXX) é de proveniência cristã no quarto século depois de Cristo e contém textos
considerados não-canônicos pelos judeus, são os apócrifos presentes na Bíblia
Católica Romana.
c) As listas cristãs do cânone, que são mais
anteriores, seguem o cânone judaico da Palestina, por exemplo, a lista de
Melito de Sardo, de cerca de 160 d.C. A LXX teve origem em Alexandria, no
Egito, cerca de 275 a 100 anos antes de Cristo. Os cristãos usavam a LXX,
embora não haja evidências de que nem os cristãos, nem os judeus da Palestina
consideravam seriamente a inclusão no cânone de quaisquer dos livros que hoje
chamamos de apócrifos e pseudo-epígrafos, que são outra coleção de livros
judaicos relacionados ao Antigo Testamento, e assim denominados porque os seus
autores empregaram nomes de homens notáveis do Antigo Testamento como sendo os
autores, dependendo do livro em questão, a fim de evitar perseguições, por
exemplo, dos selêucidas.
d) Embora a LXX contenha os apócrifos, não se pode
provar que a mesma autoridade fosse atribuída a todos os livros. O fato da sua
inclusão, entretanto, parece uma tendência da parte dos judeus de traduzir,
preservar e circular os livros incluídos sem valorizar todos do mesmo modo.
e) A lista da LXX conseguiu aprovação da maioria nos
sínodos de 393 d.C e seguintes embora contra o voto de certos líderes como
Jerônimo. Agostinho estava a favor, mas seus escritos mostram uma ambigüidade a
respeito.
f) Os reformadores do século dezesseis voltaram ao cânone
judaico. Calvino, por exemplo, aponta o fato de não existir tradição unânime a
respeito dos apócrifos como livros que devem ser considerados como inspirados.
g) O Concílio de Trento, em 1546 d.C., aceitou como
canônicos treze apócrifos: Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico,
Baruque, I e II Macabeus, as adições dos livros de Ester, Baruque (anexo a
carta de Jeremias) e acréscimos a Daniel (o cântico dos três mancebos, a
história de Susana, Bel e o Dragão, e a Oração de Azarias). A Vulgata, edição
publicada em 1592 d.C., autorizada pelo Concílio de Trento em 1546 d. C.,
incluiu também I e II Esdras e A Oração de Manassés.
O arranjo
canônico na Septuaginta
a) Livros da Lei -- o nome Pentateuco é de origem
grega e sabemos do seu uso desde o primeiro século de nossa era. Gênesis,
Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
b) Livros de História -- Josué, Juízes, Rute, I e II
Samuel, I e II Reis, que cobrem os períodos de Samuel e Reis como I, II, III e
IV reinados, I e II Crônicas , I e II Esdras, sendo o primeiro apócrifo e o
segundo o canônico, Neemias, Tobias, Judite e Ester (com as adições).
c) Livros de Poesia e Sabedoria -- Jó, Salmos,
Provérbios, Eclesiastes, Cantares, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, ou
Sabedoria de Siraque.
d) Livros Proféticos -- Profetas Menores, em termos de
tamanho e não de importância: Oséias, Amós, Miquéias, Joel, Obadias, Jonas,
Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. Profetas Maiores: Isaías,
Jeremias, Baruque, Lamentações, A Carta de Jeremias, Ezequiel, e Daniel,
incluindo Susana, Bel e o Dragão e O Cântico dos Três Varões.
e) Livros suplementares de História -- I e II
Macabeus.
f) A tradução do Pentateuco foi completada cerca de
250 a.C., a dos Profetas cerca de 200 a.C. e a dos Escritos cerca de 100 a.C.
O arranjo
da Bíblia Hebraica -- Cânone Judaico ou TM
a) A Torá -- A Lei -- Gênesis, Êxodo, Levítico,
Números, Deuteronômio .
b) Os Profetas -- Anteriores: Josué, Juízes, Samuel, I
e II considerados em conjunto, Reis, I e II em conjunto. Posteriores: Isaías,
Jeremias, Ezequiel, e o rolo dos Doze -- Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas,
Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
c) Os Escritos --
Poesia e Sabedoria: Salmos, Provérbios, Jó. Os Rolos (Megilot) eram
usados cada um na ocasião de uma festa específica: Cantares na Páscoa; Rute no
Pentecostes; Lamentações no dia 9 do mês Abibe; Eclesiastes na Festa dos
Tabernáculos; Ester na Festa de Purim. História: Daniel, Esdras, Neemias,
Crônicas, I e II em conjunto.
Observações: são 24 livros, sendo tomados como um
só livro os seguintes conjuntos: Samuel, Crônicas, Reis, Os Doze, Esdras e
Neemias. Flávio Josefo, por combinar Juízes e Rute, Jeremias e Lamentações,
falou em 22 livros.
O Novo Testamento menciona uma divisão tripla do
Antigo Testamento: “A Lei, os Profetas e os Salmos” (Lucas 24:44). O livro de
Eclesiástico, escrito cerca de 130 antes de Cristo fala de “a lei, os profetas
e os outros escritos”. Veja Mateus 23:35 e Lucas 11:51 que refletem o arranjo
da Bíblia judaica.
O arranjo da Vulgata, versão latina oficial da
Igreja católica romana, foi completada em 450 depois de Cristo, mas aceita
plenamente cerca de 650 depois de Cristo. Em geral, segue a LXX, só que I e II
Esdras são iguais a Esdras e Neemias, e as partes apócrifas, III e IV Esdras,
tanto como a Oração de Manassés, são colocados no fim do Novo Testamento. Os
Profetas Maiores são colocados antes dos Profetas Menores. “Desta lista
percebe-se que a Bíblia protestante segue a mesma ordem tópica do arranjo da
Vulgata, só que omite todas as partes apócrifas. Na ordem, a Bíblia protestante
segue a Vulgata, no conteúdo, segue a Hebraica” [2]. Uma avaliação
do livros apócrifos indica que eles têm valor histórico e religioso. Confira
Judas 14-15 que cita I Enoque 1:9, e Atos 17:28; I Coríntios 15:33 que cita o
drama grego Taís de Alexandre.
Atenção: Sobre a questão da presença da cultura
grega no pensamento judaico e neotestamentário, agrego um texto: Jorge
Pinheiro, Teologia Bíblica e Sistemática,
o últimato da práxis protestante, São Paulo, Fonte Editorial, 2012, pp. 365-372.
Notas de rodapé
[1] HARBIN, Lonnie Byron. “O Cânone do Antigo Testamento”
texto não publicado, p.1.
[2] ARCHER, Gleason, Merece confiança o Antigo
Testamento?, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1974, p.70