lundi 31 octobre 2011

O catolicismo, análise e perspectivas – parte I

Por Jorge Pinheiro *

ViaPolítica -- São Paulo, 06.01.2007 

Introdução 

O cardeal Joseph Ratzinger já esteve no Brasil duas vezes, em 1985, após ter punido o teólogo Leonardo Boff e, em 1990, para ministrar um curso na diocese do Rio de Janeiro. Mas a visita de maio, em 2007, foi a primeira como papa Bento XVI. Oficialmente, ele veio para canonizar Frei Galvão e para abrir a 5ª Conferência Episcopal Latino-Americana, Celam, em Aparecida (SP). 

Mas, ao contrário do que as aparências sugerem, há duas razões que balizaram a visita: uma de caráter interno, que Leonardo Boff chama de "a guerra na igreja", e outra de caráter externo, que é a guerra externa, ou seja, a perda significativa de fiéis nos últimos dez anos. 

Aliás, sobre a guerra externa, segundo o Datafolha Pesquisa de Opinião (05/05/2007), a partir de dados consolidados de oito pesquisas nacionais, realizadas em 2006 e em 2007, em um total de 44.642 entrevistas, os católicos são 64%, os evangélicos pentecostais, 17%, e os não pentecostais, 5%. Os espíritas kardecistas ou espiritualistas são 3% e, umbandistas, 1%. Os adeptos do candomblé e de outras religiões afrobrasileiras não chegam a 1%, e outras religiões atingem 3%. Aqueles que dizem não ter religião ou ser ateus, 7%. É importante notar que quando o Datafolha fez essa pergunta aos brasileiros pela primeira vez, em agosto de 1994, 75% dos brasileiros se diziam católicos, 10% evangélicos pentecostais e 4% evangélicos não pentecostais. Sem dúvida, a questão da perda de fiéis no Brasil é visível e preocupante para a Igreja Católica. 

Porém, a guerra interna é talvez mais importante ainda, porque a partir das posições em choque podem surgir diretrizes e, quem sabe, soluções para o catolicismo brasileiro. 

Assim, o que está em jogo é se a Igreja Católica na América Latina continuará lutando para se apoiar nos postulados do Concílio Vaticano II, reformista e progressista, ou se, conforme deseja Bento XVI e a hierarquia vaticana, retornará aos valores tridentinos. 

Essas duas guerras nós queremos analisar aqui, mas para isso vamos fazer uma rápida viagem histórica para entender as matrizes teológicas e populares do catolicismo romano. 

I. Um passado presente 

As primeiras fortes pressões do pensamento divergente surgiram a partir do século dois depois de Cristo. Quase todas envolviam questões doutrinárias e geraram grandes discussões na jovem Igreja Cristã, entre os anos de 313 e 451. Dividiram-se em três blocos de questões: 

1. Teológicas, referentes à relação entre Cristo e o Pai, colocando ênfase na unidade divina. Geraram leituras teológicas como ebionismo, gnosticismo (docetismo) e arianismo. 

2. Cristológicas, referentes às naturezas de Cristo, dando origem ao nestorismo (afirmava que Jesus era um homem portador de Deus) e ao monofisismo (duas naturezas fundidas). 

3. E, antropológica, referente à natureza humana, onde Pelágio, seguindo a tradição oriental, afirmava que o ser humano nasce sem pecado, está sob a graça natural, e tem possibilidade de escolher entre o bem e o mal. 

É interessante notar que essas teologias divergentes estavam presentes no Oriente, nas igrejas de Alexandria, Constantinopla, Antioquia, Éfeso e do norte da África. Foram debatidas por teólogos como Atanásio, Eusébio de Cesaréia e Agostinho de Hipona, e combatidas por imperadores como Constantino e sucessores, assim como pela violência do poder do Estado. A vitória sobre cada uma dessas teologias divergentes significou a harmonização forçada às doutrinas defendidas pela nascente Igreja ocidental. E a violência utilizada pelo poder estatal ajudou a solidificar os laços entre a Igreja cristã e o Estado romano. Como resultado, a Igreja cristã herdou declarações formais sobre a fé, distanciando as questões doutrinárias da realidade e da prática do dia-a-dia. 

Na Igreja cristã, os bispos eram considerados iguais em termos de função, posição e autoridade. Mas uma série de acontecimentos históricos, assim como razões políticas, foram modificando essa realidade. A partir dos meados do século IV, a Igreja oriental mostrava-se exaurida pelas lutas teológicas que duraram quase cem anos. Um grande número de bispos tinha sido perseguido, preso e expulso da instituição. Além do mais, em 330, Constantino transferiu a capital do Império para Constantinopla. Depois de 500 anos como centro do poder político do Império, Roma agora passava a ter apenas uma autoridade, o seu bispo. Homens jovens, audaciosos, que sabiam rodear-se de pensadores como Jerônimo, Cipriano, Tertuliano e Agostinho, esses bispos não enfrentaram oposições teológicas de monta e souberam convocar sínodos em que conseguiam manter uma posição que era apresentada ao conjunto da Igreja como a correta. 

Dois fatos devem ser lembrados, pois marcam historicamente o surgimento da predominância política da Igreja de Roma. No ano de 452, Átila e os hunos ameaçaram incendiar Roma. Leão I (400-461), que ocupou o trono episcopal entre 440 e 461, negociou com Átila e conseguiu que ele abandonasse tal idéia. E Átila recuou. Em 455, Genserico e os vândalos fizeram a mesma ameaça. Desta vez, Leão I teve que entrar em acordo. Os vândalos saqueariam a cidade durante duas semanas, mas não a incendiariam. Genserico cumpriu sua parte no acordo. Hábil político, bom administrador e teólogo, Leão I foi o primeiro bispo a dar-se o título “papas” 1. Em édito imperial de Valentiniano, em 445, é reconhecida a supremacia espiritual de Leão I em todo o Ocidente, tornando-se “lei para todos” 2. 

Tecnicamente, porém, os historiadores protestantes apresentam como primeiro papa Gregório I (540-604), bispo de Roma. Com ele termina a história da antiga Igreja cristã e tem início de forma clara e definitiva o Catolicismo Romano. 

Mas, voltemos ao século IV. O imperador Constantino tinha conquistado a unidade militar, política e administrativa do Império. Mas, sabia, e os cem anos anteriores a ele mostravam, que uma força emergente, o cristianismo, poderia abalar esta unidade. O cristianismo era forte no Oriente. Exatamente por isso, apóia-se nele e sob proteção imperial possibilita um crescimento vertiginoso daquela religião que até o momento estivera à margem da lei. 

Assim, em 319, dá isenção de encargos públicos aos bispados, ao mesmo tempo em que proíbe os sacrifícios pagãos nas casas particulares. Em 321, dá aos bispados o direito de receber legados, doações e subvenções. 

O próprio Constantino, assim como sua mãe Helena, ordena a construção de grandes e imponentes igrejas, praticamente uma novidade na história semiclandestina do cristianismo ocidental até aquele momento. E os pastores daquele rebanho, antes perseguidos, são aceitos nos palácios, tornam-se autoridades e recebem subvenções do poder imperial. 

Sob pressão do Império, os funcionários públicos e militares aproximam-se da nova fé. Na verdade, esta é uma aproximação formal, política, e acontece como movimento de massas. Milhares de pessoas declaram-se cristãs e são batizadas. Mas não foram apenas os funcionários e militares, que por segurança política e pessoal aderiram ao cristianismo. Temos ainda os povos europeus, que, ao se aproximarem do Império, procuravam assemelhar-se a ele. Assim, nesse século IV, costumes não-cristãos entram na Igreja e começam a ser aceitos e defendidos. Não foi através de discussões doutrinárias que tais costumes foram se aninhando, mas no dia-a-dia da vida cristã cada vez mais a Igreja aceitou a paganização proposta por Roma Imperial. 

Essas tradições ocuparam definitivamente o coração da igreja. São elas: 

1. Veneração dos mártires 

A veneração dos mártires teve início no segundo século. Era costume realizar a Ceia do Senhor nos cemitérios e catacumbas onde estavam enterrados os mártires. Já nessa época os cristãos oravam por suas almas. Constantino incrementou o costume, pois os pagãos cultuavam seus heróis. Dessa maneira, os mártires passaram a ocupar o lugar dos antigos heróis e dos deuses. 

2. Inclusão dos santos no panteão dos mártires 

O conceito de santo era bem diferente daquele que surgirá na Idade Média. Eram considerados santas aquelas pessoas que se destacavam no serviço ao próximo, mesmo quando esta atividade não era religiosa. Assim, os santos eram escolhidos por senso comum entre os guardiões das cidades, os patronos de profissões e os curadores de doenças. Eram venerados com velas, que deviam ficar sempre acesas. 

3. O maior de todos os santos, a Virgem Maria 

Os mártires eram venerados, os santos eram venerados, logicamente Maria surgiu desde o segundo século como uma pessoa muito especial. Textos apócrifos como o “Evangelho de Tiago” a exaltavam. Irineu, no século IV, deu-lhe o título de “segunda Eva”. E nos concílios de Éfeso e Calcedônia, no debate com Nestório, foi chamada “theotokos”, mãe de Deus. Clemente, Jerônimo e Tertuliano creditaram a ela virgindade eterna. Agostinho disse que jamais cometera pecado. Aos poucos foi ocupando um lugar ao lado de Jesus Cristo, como co-intercessora dos cristãos. Mas só em 1854 o Catolicismo Romano define a sua imaculada conceição e, em 1950, a sua miraculosa assunção aos céus. 

4. Culto dos anjos 

Também tem início ainda na era apostólica, com a ênfase que lhe davam alguns sistemas gnósticos. No século IV, a mística cristã neoplatônica leva esta crença para dentro da igreja. E no século V, com Dionísio, o Areopagita, o culto é institucionalizado. O arcanjo Miguel passa a ser o mais venerado dos anjos. 

5. Relíquias e imagens 

Também começou muito cedo. Mas, no século IV, restos mortais de mártires e santos, como roupas, objetos pessoais e ossos eram venerados. Principalmente quando esses objetos eram atribuídos ou relacionados com Cristo, os apóstolos e os heróis da igreja. 

Já a veneração de imagens surge no século III. Mas é no correr do século seguinte que aparece a crença de que o ícone participava daquilo que ele retratava. Basílio Magno chega a afirmar que “a honra prestada à imagem transfere-se ao protótipo”. No Sétimo Concílio Geral, em 787, o Catolicismo Romano aprova o culto de imagens. 

Esse cristianismo defeituoso afetou profundamente a vida da Igreja, facilitando o ingresso de milhares de pagãos não convertidos à fé imperial. Foi defendido pelos monges e oficializado pelos grandes líderes da Igreja a partir da metade do século V. Surgia, assim, com o aval da hierarquia, o primeiro grande sincretismo cristão. Mas o problema não pára aí. 

Roma Imperial não somente mudou a hierarquia e favoreceu a paganização, como também provocou a secularização da igreja. Com a entrada maciça de pessoas não evangelizadas e não discipuladas, teve início o fim do culto democrático, onde o conjunto dos irmãos participava da adoração, quer através da música, das orações e da exposição da Palavra. Intimidada com o estado monárquico, a Igreja optou por uma liturgia aristocrática, definindo uma clara separação entre clero e leigos. O culto deixou de ser um ato de adoração da comunidade, um relacionamento entre Deus e o homem, através da presença santificadora do Espírito Santo, para transformar-se num espetáculo colorido, pomposo, cantado e falado num idioma que caminhava para a morte. 

O domingo tornou-se o dia principal do calendário eclesiástico, depois que Constantino estabeleceu que seria dia de culto cívico e religioso. A festa do Natal passou a prática regular no século IV, e dezembro, usado pelos adoradores de Mitra, foi adotado como mês do nascimento de Jesus. Acréscimos do ano judaico, narrativas do Evangelho e a vida dos mártires foram institucionalizados no calendário eclesiástico. Da mesma maneira, várias cerimônias transformaram-se em sacramentos, como o casamento, a penitência, a crisma e a extrema-unção. Razões políticas, ligadas à doutrina do pecado original, levaram ao batismo de crianças. E, por fim, a Ceia do Senhor passou a ser sacrifício e sacramento. Cipriano, por exemplo, declara que o sacerdote agia no lugar de Cristo na Ceia e que oferecia “sacrifício verdadeiro e pleno a Deus, o Pai” 3. 

Dessa maneira, o Catolicismo ocidental chegou ao Concílio de Trento (1545-1563) com uma teologia popular que nasceu do sincretismo com costumes e religiosidades dos povos europeus ocidentais, e com uma dogmática construída pela força nos séculos IV e V, e sedimentada na leitura radical de Agostinho, de que fora da igreja não há salvação. 

II. O toque brasileiro 

Mil anos depois dos acontecimentos que acabamos de descrever, mais precisamente entre 1545 e 1648, o Catolicismo Romano enfrentou a Reforma Protestante com um movimento que ficou conhecido como a Contra Reforma. Este movimento teve dois objetivos. Era uma reação externa ao protestantismo, mas representava também uma renovação interna no próprio Catolicismo Romano. 

Para nosso estudo, interessa em especial o papel exercido pela Ordem da Companhia de Jesus, considerada a arma mais positiva do catolicismo na luta contra o protestantismo. Seus objetivos eram a educação, o combate à heresia (entenda-se protestantismo) e missões estrangeiras. Reconquistaram grande parte da Alemanha, o sul da Holanda e a Polônia para o catolicismo, trabalharam no Extremo Oriente e na América Latina, em especial no Brasil. 

O Brasil colonial conheceu o trabalho desses reformadores católicos. Mas, em 1759, eles foram expulsos do país, gerando uma crise de identidade no catolicismo até então existente. Cresceu então a tendência ao sincretismo. E o catolicismo brasileiro começou a viver um longo período de semelhança com a história que descrevemos nas páginas anteriores. Na verdade, o pior da apostasia católica misturou-se às crenças pagãs indígenas e africanas, gerando um catolicismo popular que predomina até hoje entre as grandes massas brasileiras. 

As tradições passaram, então, a ter uma cara brasileira. São elas:

1. Tendência ao maravilhoso 

Com a expulsão dos jesuítas, a liturgia racional, tomista, intelectual, foi rapidamente sobrepujada pelo milagreiro e pela exaltação das emoções. A Igreja tornou-se popular, cheia de crendices, devoções, orações fortes, benzeções. A Virgem Maria tomou o lugar de Cristo e surgiram duas virgens tipicamente brasileiras, a da Penha, instalada como o nome diz em morros e outeiros, e a de Aparecida, que surge nos mais diferentes lugares, do Rio Grande do Sul ao norte do país. Jesus, transformado em “Bom Jesus”, aparece nos vários cenários da Paixão: da Cana Verde, da Lapa, do Bonfim etc. 

Mas uma das formas mais expressivas do maravilhoso é o espetáculo. O culto virou festa. E a festa recebeu o nome de folia, loucura, traduzindo a estrutura das antigas religiões pagãs da Roma Imperial. Lá, os pagãos se embriagavam e dançavam junto ao “fanum”, o templo dos deuses. Aqui o espetáculo é parecido: fogos de artifício, fogueiras, bandas, fanfarras e muita luz. Faziam parte da folia os almoços fartos, as procissões com santos ricamente vestidos e estandartes coloridos. 

E cada folia passa a ter seu ciclo. É o ciclo do Natal, com a representação do presépio com imagens ou ao vivo. A Quaresma e a Semana Santa, com a penitência e procissões, com almas benditas e penadas, com o medo e familiaridade com os mortos, com a procissão das almas, e as cruzes nos caminhos. E a folia do Divino, ligada às tradições medievais dos cruzados, que deveria acontecer no Pentecostes, mas nem sempre acontece. Como era necessário levantar dinheiro, cada folia tinha um imperador ou rei, festeiros, juízes e homenageados. 

O maravilhoso transformou a igreja, o templo, em local de reunião e longas conversas. E os sacerdotes passaram a ser chamados para abençoar tudo: o engenho, o corte da cana, a inauguração de um prédio público. Surgem as devoções e ritos mágicos para o bom parto, para impedir infidelidade conjugal, mordedura de cobra etc. 

As promessas aos santos tornaram-se comum para conseguir favores: construção de capela, esmolas especiais, romarias, dar nome de santo às crianças, jejuns. Surgiu uma grande procura por rosários, de coquinhos e piaçaba torneada, que garantiam subsistência aos índios que viviam nos arredores das cidades. Os rosários eram usados no pescoço, como patuás. E medalhas, escapulário, e fitas de santo. 

2. Tendência ao profetismo messiânico 

Sessenta anos depois da expulsão dos jesuítas, gestados nesse catolicismo popular, surgem os movimentos proféticos messiânicos. Eles têm como origem a crença de que dom Sebastião de Portugal, o Rei Encoberto, retornaria de forma messiânica, para fazer justiça, distribuir riqueza e acabar com a miséria. Dois desses movimentos, porque fartamente documentados, devem ser citados. 

O primeiro é o do profeta José dos Santos, que surgiu em 1817, no Monte Rodeador, em Alagoas. O movimento do profeta José dos Santos tinha uma organizada estrutura militar, trabalhava a agricultura, uma rígida moral, grande religiosidade e uma hierarquia laicizada. O segundo movimento, o Reino Encantado do rei João Ferreira, surgiu na Pedra Bonita, em Pernambuco. O rei João Ferreira instalou a promiscuidade sexual com fins cultuais e seus cultos culminaram com sacrifícios humanos. 

Ambos os movimentos foram massacrados por tropas armadas. É interessante que o profetismo messiânico apareceu em diversas partes do país e quando surgia era geralmente aceito ou tolerado pelo clero local. 

3. Tendências carismáticas 

O catolicismo brasileiro em sua expressão popular sempre teve uma forte tendência carismática. A partir de meados do século XVIII e correr do século XIX, dezenas de ermitões vagavam pelo interior do país. E a Igreja Católica, na maioria das vezes, procurava manter um bom relacionamento com esses homens, apadrinhando-os sempre que possível, pois eram vistos como santos. Eram homens solitários, cercados de mistérios, que usavam hábito religioso, mesmo sem pertencer a nenhuma ordem eclesiástica, que deixavam crescer a barba e os cabelos. Um dos mais famosos foi o Irmão Lourenço (1758), fundador do Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em Caraça, Minas Gerais. 

Além dos ermitões surgiam as beatas. Estas geralmente eram recolhidas pelos conventos e outras entidades religiosas. Quando isso não acontecia, tinham o mesmo modo de vida dos ermitões. A Irmã Germana (início do século XIX), por exemplo, viveu toda sua vida conhecida no alto da Serra da Piedade, em Minas Gerais. 

Não podemos esquecer que o maior profeta messiânico da história do país, Antonio Conselheiro, foi um ermitão e andarilho antes de arregimentar seus seguidores em Canudos. 

(Artigo a continuar na próxima edição de ViaPolítica) 

Notas do autor 
1. Earle E. Cairns, O Cristianismo através dos séculos, São Paulo, Editora Vida Nova,1992, p.128. 
2. Idem, op. cit., p. 128. 
3. Cipriano, Epístolas, 63, 14, in Earle E. Cairns, O Cristianismo através dos séculos, EVN, 1992, p.130. 

* Jorge Pinheiro é Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Doutor e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo e professor de Teologia na Faculdade Teológica Batista de São Paulo. 

mercredi 26 octobre 2011

Bolsas de Pós-Doutorado

EDITAL DE SELEÇÃO PARA BOLSISTAS DE 
PÓS-DOUTORAMENTO DA FAPESP NO CENTRO DE ESTUDOS DA METRÓPOLE

O Centro de Estudos da Metrópole anuncia, através deste edital, a abertura do processo seletivo de recém-doutores a serem incorporados através de bolsas Fapesp, CNPq e CAPES de pós-doutoramento.
A seleção será feita em duas etapas. Na primeira, far-se-á a análise do curriculum vitae do candidato e do seu projeto de pesquisa.

Nesta seleção, serão tomados em conta o perfil e trajetória do candidato, tanto quanto a qualidade científica da proposta apresentada, sempre tendo em vista sua articulação às linhas de pesquisa do Centro, que podem ser encontradas no site www.centrodametropole.org.br. Os candidatos pré-classificados nesta primeira etapa serão convocados para uma entrevista com a Comissão de Seleção.

O número final de selecionados, até o máximo de 3 (três) bolsas de pós-doutoramento, dependerá da avaliação do mérito das propostas e do desempenho dos candidatos nas entrevistas.

O prazo para envio de propostas expirar-se-á no dia 16 de dezembro de 2011 (data de postagem ou remessa internet). O resultado da primeira fase será divulgado até o dia 20 de dezembro de 2011, quando serão indicados os candidatos selecionados para entrevista, a qual terá lugar na sede do CEM (ou via Skype), em data a ser indicada no momento da divulgação dos resultados da primeira etapa. O início do auxílio dependerá da finalização do processamento do processo de concessão da bolsa pelo órgão financiador.

As propostas podem ser enviadas via internet, para o endereço eletrônico do CEM posdoc.2011@cmetropole.org.br ou por meio de correio aéreo para o endereço postal; R. Morgado de Mateus 615, Vila Mariana, São Paulo, CEP 04015-902. Solicita-se que, neste caso, as propostas sejam enviadas aos cuidados de Mariza Nunes, Secretaria do CEM. No caso de dúvidas, ligue para (11) 5574-0399.

O CEM é um centro interinstitucional de pesquisas, sediado no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) do qual participam a FFLCH/USP, a Fundação Seade, o Inpe, o Sesc e a TV Cultura. Conta com financiamentos da FAPESP, através do seu Programa CEPID - Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão, e do CNPq, através do Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia.

Acesse
www.centrodametropole.org.br

mardi 25 octobre 2011

Antigo Testamento
Diáspora, Helenismo & Guerra
Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Entretanto, no tempo de teu bom prazer, tu escolherás novamente para ti um povo, porque lembraste teu pacto. E farás com que eles sejam separados para ti como um coisa santa, diferente de todos os povos. E tu renovarás teu pacto com eles como uma mostra de glória e com palavras do teu Santo Espírito, com obras da tua mão e com um escrito da tua mão direita, revelando a eles ambas as raízes básicas da glória e as alturas da eternidade. E lhes darás um novo Moisés, um que irá (...), o humilde”. Guerra dos Filhos da Luz Contra os Filhos das Trevas 1.16-17.

É comum encontrarmos pessoas que consideram o período intertestamentário como anos de silêncio. Segundo essas pessoas, os quatro séculos que separam os textos de Esdras, Neemias e Malaquias, no Antigo Testamento, e as primeiras epístolas paulinas e o livro de Marcos, no Novo Testamento, têm uma característica: neles, Deus optou pela mudez.

A história do povo judeu, no entanto, mostra que esses anos de silêncio não existiram [1]. Ao contrário, a época do helenismo, que vai do ano 333 a 63 antes de Cristo, tem como característica uma agitação espiritual inédita na história do judaísmo e uma presença real de Deus no meio do povo.

Na verdade, ao decretar esses anos de silêncio, o que se faz é voltar as costas para as riquezas dos acontecimentos da vida judaica no período, assim como para a expansão e importância do helenismo. É, enfim, decretar que a roda da história não girou durante quatrocentos anos.

Mas, pior que tudo, ao proceder assim fecha-se a porta para a compreensão das condições históricas que prepararam o caminho para o ministério de Jesus e para a expansão do cristianismo. Durante 270 anos, a civilização helênica lutou pela hegemonia nas terras do Oriente Médio e da Palestina. No centro desse conflito entre o paganismo e a fé judaica temos três anos de crise intensa: a insurreição de Judas Macaréu contra a repressão desencadeada por Antíoco IV Epifanes, de 167 a 164 a.C.. Por ser um momento chave na história do judaísmo, conhecer as causas históricas, sociais e religiosas desse conflito, e seus desdobramentos, levarão à compreensão do mundo judaico em que viverão Jesus de Nazaré e os primeiros cristãos.

A guerra dos macabeus, que nasceu do choque do judaísmo reformado do pós-exílio e os valores da cultura helênica, marcou o fim do projeto político-religioso aberto com Esdras. A época de Antíoco IV assinalou uma ruptura radical e irreversível, a partir da qual surgiu uma espiritualidade pluralista no mundo judaico. O esquema fechado -- lei, templo, sacerdócio -- foi golpeado em suas bases. Um conjunto aberto, cujas orientações apontaram para diferentes soluções, substituiu o ideal anterior.

Se você estiver interessado no tema, leia História e Religião de Israel, Origens e crise do pensamento judaico, São Paulo, Editora VIDA, 2007. Você pode comprar numa boa livraria on-line.

Um forte abraço do autor, Jorge Pinheiro.


(1) Raymond E. Brown, Joseph A. Fitzmayer, Roland E. Murphy, in Comentário Bíblico San Jerônimo, Ediciones Cristiandad, Madri, 1972, vol. 5, p 99. A produção literária mostra o ineditismo e a agitação espiritual do período intertestamentário. Podemos citar: Septuaginta, 2Esdras, 3Esdras, 1Macabeus, 2Macabeus, 3Macabeus, 4Macabeus, Tobias, Judite, Oração de Manassés, Daniel, acréscimos a Daniel (Prospecto, Cântico de Azarias e dos Três Varões, Susana, Bel e o Dragão), acréscimo a Ester, Baruch, Epístola de Jeremias, Eclesiástico, Sabedoria de Salomão, Carta de Aristéias, Livro dos Jubileus, Martírio e Ascensão de Isaías, Salmo de Salomão, Oráculos Sibilinos, Enoque (etiópico), Assunção de Moisés, Apocalipse de Baruch (siríaco), Apocalipse de Baruch (grego), Testamento dos Doze Patriarcas, Vida de Adão e Eva, Apocalipse de Abraão e Testamento de Abraão.

lundi 24 octobre 2011

Qual é a finalidade da vida?


Rabi Menachem Mendel Schneerson, em resposta a uma carta.

Bênçãos e saudações:
…O senhor escreve que encontra-se perplexo quanto às respostas à questões como: "Qual a finalidade da vida?" e "Qual o significado de um judeu?" – e que dúvidas e confusões afligem-no dolorosamente.
Como o senhor escreve que frequentou a universidade e estudou ciências, provavelmente está familiarizado com o tipo de equacionamento de um problema complicado. Se queremos comprovar um determinado sistema, quanto às leis e princípios nele prevalescentes, começamos pelas partes que se prestam mais facilmente à análise e à verificação. Quando tivermos comprovado a maior parte do sistema, passo por passo (ou progressivamente em complexidade), poderemos, então, depreender com segurança que, se a maior parte deste sistema se enquadra em certas leis específicas, o restante do mesmo, também é regido pelas mesmas leis.
O próprio bom-senso justifica a admissão de que, se uma determinada lei é válida numa vasta maioria de casos, isso também ocorrerá num caso particular em que não possa ser demonstrada com segurança.
Aplicando este método de enfoque ao Universo como um todo, estamos cada vez mais convencidos, ano após ano, da lei e ordem que regem a Natureza, incluindo a matéria inerte, até o átomo diminuto, e particulas ainda menores.
A Ciência Nuclear descobriu harmonia e ordem, jamais imaginadas antes, em aproximadamente cem elementos conhecidos até hoje. Num Universo de tamanha harmonia e organização, obviamente o homem também deve estar submetido à ordem e finalidade.
Indo um passo à frente, a conclusão inevitável é que, uma vez que existem tais leis e tal ordem no Universo, deve haver uma Autoridade Mais Elevada responsável pelas mesmas. A analogia é bem conhecida: Quando temos em nossas mãos um livro impresso, de centenas de páginas, contendo uma história concatenada ou uma filosofia, não podemos sequer, por qualquer rasgo de imaginação, admitir que uma garrafa de tinta foi derramada acidentalmente e produziu o livro. Da mesma forma, é muito menos admissível – infinitamente menos admissível – que o nosso universo, com o seu número infinito de átomos, moléculas e partículas, todas distribuídas em perfeita ordem e harmonia, existem por acidente.
Obviamente há um Criador e Arquiteto, o qual dispõe e relaciona todas as diversas partes do Universo em perfeita união e harmonia, em conformidade com o conjunto de leis que Ele cria e supervisiona. É claro que todo o sistema está além da nossa compreensão, uma vez que a nossa compreensão, bem como a nossa existência como um todo, é apenas uma parte infinitesimal de toda a ordem cósmica, e certamente não é, de forma alguma, comparável ao do próprio Criador. Evidentemente, é absurdo esperar poder compreender o Criador, e mais ilógico ainda, negar Sua existência, devido à nossa incapacidade em compreendê-lo. Pode uma unidade conter um número infinito de unidades? E aqui, pelo menos há alguma relação, pois tanto a unidade (Um), como um número infinito de unidades (Uns) são objetos idênticos – números, ao passo, que não há comunhão entre a criação e o Criador.
Aplicando a analogia da ciência, um passo adiante: na física, na química, etc., quando uma lei é deduzida de uma série de experiências e comprovada por diferentes pessoas, sob condições variáveis de pressão, temperatura, umidade, etc., eliminando desta forma a possibilidade de erro, efeitos colaterais, etc., esta lei é aceita e torna-se válida também para o futuro.
Esta "regra" científica é aplicável, também, a acontecimentos e fenômenos no passado. Quando um determinado acontecimento ou fenômeno é referido, admitido por muitos historiadores e reportado de maneira idêntica, não há "dúvida científica" de que o fato realmente ocorreu naquelas circunstâncias.
Exemplo de acontecimento histórico foi a Revelação no Monte Sinai relatada de maneira idêntica por milhões de homens, mulheres e crianças; pessoas de todos os níveis de vida e antecedentes que presenciaram-na pessoalmente e depois relataram-na fervorosamente a seus filhos, geração após geração, sem interrupção, até os dias de hoje.
Em tempo algum, mesmo durante os piores pogroms e massacres de judeus não houve menos do que milhões de judeus mantendo fervorosamente esta tradição. É bem sabido que jamais na História Judaica houve uma interrupção na cadeia de tradição judaica do Sinai até os dias atuais. Isto faz este acontecimento, o mais autêntico de todos os acontecimentos históricos da História Humana.
Isto significa que a Torá que temos e veneramos é dada por D’us e contém, não apenas a nossa maneira de viver, mas também a chave para a nossa existência em todos os tempos, uma vez que é eterna como o seu Doador. Não é um livro de teoria, filosofia ou especulação, e sim um guia prático para nossa vida diária, válida em todos os lugares e em qualquer época, incluindo a América do século XX. Aqui, na Torá, a Lei Escrita e Verbal, a finalidade da vida humana nesta terra está claramente indicada.

Resumindo-a:
É viver de acordo com a Torá, cumprindo seus preceitos (Mitsvot – Farás) e abstendo-se de suas proibições (Mitsvot – Não farás). A Torá também preveniu-se contra a natureza fraca do homem para as tentações e dilemas que ele, criatura de carne e osso, enfrenta na vida. É difícil, quase impossível para o homem, jamais falhar; e a Torá indicou que, caso isso aconteça, não há necessidade de se desesperar. Há sempre a possibilidade da Teshuvá – o retorno a D’us – e ao bom caminho; e o próprio fracasso pode se transformar em um trampolim para um salto à frente, e um avanço cada vez maior.
Pode-se perguntar: se tudo o que foi escrito acima é tão simples e lógico, como explicar o número comparativamente pequeno daqueles que observam a Torá e as mitsvot, enquanto que os transgressores são tão numerosos?
A resposta a esta pergunta também é bastante simples. Eu sinto-a na minha própria carne: quando alguém medita sobre sua própria conduta e suas realizações, particularmente em sua vida cotidiana [não em períodos de elevação espiritual especial, como nos dias de Yom Tov, etc.], não é difícil ver que um número muito grande dessas ações são motivadas por desejos e inclinações, e não pelo intelecto. Isto é particularmente verdadeiro quando o conflito não impõe a ameaça imediata de "represárias". Quanto mais remoto o perigo das sanções, mais fraca se torna a motivação intelectual e a conduta torna-se mais fortemente influenciada por desejo e emoção; e mais ainda, quando as sanções são de natureza "abstrata". Pois o medo das sanções físicas (multas, confinamentos, etc.) é mais eficaz do que a advertência por argumentação em nome da moral, justiça, humanismo, etc.
Há também um fator adicional da natureza humana. Quando o homem sucumbe à tentação e comete um "pecado", ele pode experimentar uma de duas espécies de reação: Se ele é honesto e corajoso ele reconhecerá seu ato pelo que representa, – um fracasso –, bem como uma quebra de sua própria vontade sincera e consciência. Reconhecendo o seu fracasso como um sinal de fraqueza, ele procurará suplantá-lo e agirá melhor na próxima vez; D’us terá compaixão e o perdoará se admitir seu erro e resolver corrigi-lo.
Aquele, porém, que teme enfrentar a verdade e suas consequências no caso de uma falha, começa a encontrar desculpas para si próprio e para justificar sua ação negativa. Mais ainda: como "uma transgressão acarreta outra em sequência", o complexo de culpa, a necessidade de auto-justificativa, tornar-se-ão cada vez mais persistentes e prementes, não só para acalmar sua própria consciência atormentada, como para se defender aos olhos dos outros.
O amor mascara todas as ofensas, principalmente o amor próprio, e o suborno cega os olhos, mesmo dos sábios. Ele se tornará, assim, parcial em seu próprio favor e em seu pensamento confuso. "Criará" uma filosofia pessoal, ou mesmo uma "weltanschauung" para adaptar-se à sua conduta, que não somente a justificará, como ainda transformará o vício em virtude.
 Desnecessário dizer que é difícil alongar-se nesses assuntos numa carta. Acredito, porém, que os pontos mencionados servirão como pontos de partida para que o senhor medite e compreenda que o mundo não é confusão, e que tudo e todos têm o seu lugar e a sua finalidade.
Se o senhor puder se considerar objetivamente liberto de preconceitos, influências ambientais, bem como outras coisas, o senhor descobrirá o seu próprio lugar, e a finalidade da vida, à luz do que foi dito acima…

Com bênção,
(assinatura do Rebe).


Fonte
Beit Chabad, a sua referência judaica na internet
http://www.chabad.org.br/


jeudi 20 octobre 2011

A comunhão na natureza

Uma catástrofe natural
a antevisão do Dia do Senhor

“Mensagem que o Eterno confiou a Joel, filho de Petuel. Devastação do país. Ouçam o que digo, ó responsáveis do povo, prestem atenção, habitantes deste país! Porventura aconteceu algo semelhante durante a vida de vocês ou durante a vida dos seus antepassados? Contem-no aos seus filhos, para que eles contem também aos filhos deles e à geração seguinte. O que as lagartas deixaram foi comido pelos gafanhotos; o que os gafanhotos deixaram foi comido pelos saltões, e o que os saltões deixaram foi comido pelos outros insetos Despertem, chorem e lamentem-se, ó gente bêbeda e viciada do vinho, porque vão ficar sem uvas para fazer mais vinho”. Joel 1:1-5.

Uma catástrofe religiosa
falta conhecimento ao povo

Ouçam a mensagem do Eterno, habitantes de Israel. O Eterno chama a tribunal os habitantes do país: "Não há lealdade, nem bondade, nem conhecimento do Eterno nesta terra. Amaldiçoa-se, atraiçoa-se, assassina-se e rouba-se; os adultérios multiplicam-se e os homicídios sucedem-se uns aos outros. Por isso a seca vai causar estragos no país: os seus habitantes vão morrer, juntamente com os animais do campo e as aves do céu; e até os peixes vão desaparecer." "Que ninguém acuse, nem repreenda, eu é que te vou acusar, ó sacerdote! Tu hás-de tropeçar, durante o dia, e o teu aliado, o profeta, há-de tropeçar de noite; a tua própria pátria ficará destruída. O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta conhecimento. E o culpado és tu, que os impediste de me conhecerem. Também eu afastarei você de mim, e não serás mais meu sacerdote. Oseias 4:1-6.

A comunhão na natureza
Rascunhos para um sermão

Para início de conversa

As Escrituras judaico-cristãs descrevem a construção do céu e da terra, obra do Eterno, através da indicação “e o Espírito do Eterno se movia por cima da água” (Gn 1.2). Isto quer dizer que o Espírito é Pessoa e presença do Eterno, sendo a natureza uma realidade formatada por Ele. E é o Espírito que clama pela liberdade redentora da natureza escravizada.

“Um dia o próprio Universo ficará livre do poder destruidor que o mantém escravo e tomará partena gloriosa liberdade dos filhos do Eterno. Pois sabemos que até agora o Universo todo geme e sofre como uma mulher que está em trabalho de parto” (Rm 8.21-22).

Primeira parte
A natureza é ação do Eterno

O Espírito é poder atuante do Eterno e força de vida das criaturas. O Espírito é a fonte da vida. O que existe e vive manifesta a presença dele.Ele transforma a comunhão com Pai e Filho na comunhão da natureza, na qual todas as criaturas, cada qual a seu modo, se comunicam com o Eterno. A existência, a vida e os relacionamentos estão firmados no Espírito, “pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17.28).

A partir do relacionamento trinitário, o ser humano faz parte da natureza e é dependente dela. Vive dentro de um contexto de interdependência. Desde o iníciopresente e futuro estão ligados à terra, à água e ao ar. “Ó Senhor, tu tens feito tantas coisas e foi com sabedoria que as fizeste. A terra está cheia das tuas criaturas” (Sl 104.24). O Eterno nos coloca junto e com a natureza para trabalhar e gozar essa natureza (Gn 2.15). Não haverá falta (2.8-9) se soubermos administrar. Dependemos do solo e dele recebemos o sustento. Pertencemos a este mundo construído e é ele que fornecea base para a existência. A vida começa e se orienta sob o cuidado do Eterno.

“Todos esses animais dependem de ti, esperando que lhes dês alimento no tempo certo. Tu dása comida, e eles comem e ficam satisfeitos. Quando escondes o rosto, ficam com medo; se cortas a respiração que lhes dás, eles morrem e voltam ao pó de onde saíram. Porém, quando lhes dás o sopro de vida, eles nascem; e assim dás vida nova à terra” (Sl 104.27-30).

Só para lembrar -- Entre 2000 e 2005, o Brasil foi o país que mais perdeu áreas de florestas, conforme estudo da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos/ PNAS. Nesses anos foram desmatados 165 mil km² de florestas, o equivalente a 3,6% das perdas de florestas no mundo todo. O segundo país que mais perdeu florestas foi o Canadá, com o desmate de 160 mil km². A ação humana e desastres naturais são as principais causas da perda de florestas. No mundo todo, a cobertura vegetal diminuiu 3,1% entre 2000 e 2005. Foram 1,01 milhão de km² desmatados, o que sugere crescimento de 0,6% ao ano. O estudo se baseou em observações por satélite de pesquisadores das Universidades de Dakota do Sul e do Estado de Nova York. 

Pensamos que o Brasil é apenas objeto para exploração, em vez de construção para a glorificação do Eterno. Ignoramos as necessidades das outras formas de vida. Essa atitude utilitarista de ver e agir é alienação, é uma falta de respeito para com o Espírito do Eterno.

Segunda parte
O desafio do cuidado amoroso

O Eterno é quem dá e quem sustenta a vida de todo o universo. Sua preocupação por atender às nossas necessidades (beber, comer e vestir) não se restringe ao ser humano, mas se estende a toda a natureza, refletida nos pássaros e nas flores do campo.

“É o Eterno quem veste a erva do campo, que hoje dá flor e amanhã desaparece, queimada no forno. Então é claro que ele vestirá também vocês, que têm uma fé tão pequena!” (Mt 6.30).

O universo inteiro depende do cuidado amoroso do Eterno, que não descuida de nenhuma criatura. Os lírios, por exemplo, caracterizados por sua fragilidade e vida curta, são vestidos de tal modo que nem Salomão usava roupas tão bonitas como essas flores. (Mt 6,29).

Criação significa que tudo é completamente obra do Eterno. Ele é o autor de tudo, pessoal e salvífico, que se revelou como puro amor. Toda a realidade brota da pura iniciativa deste amor divino, puro dom gratuito.
Mas, o ser humano faz parte da natureza, depende dela e é seu cuidador. O ser humano, como o restante da natureza, foi criado “de acordo com a sua espécie” (Gn 1.24 e 25), só que à imagem e semelhança do Eterno (Gn 1.26-27). A imagem do Eterno é elaborada em termos do domínio administrativo que o ser humano teria sobre o resto da natureza. O ser humano foi criado à imagem do Eterno, não somente por sua liberdade e direito à escolha, mas também pela postura que assume diante da natureza, uma postura de soberania em amor e comunhão, que deve refletir a soberania do Eterno (Gn 1.26-28). O ser humano não foi criado apenas para realizar uma administração espiritual, mas foi criado para orientar a natureza.

“No entanto, fizeste o ser humano inferior somente a ti mesmo e lhe deste a glória e a honra de um rei. Tu lhe deste poder sobre tudo o que criaste; tu puseste todas as coisas debaixo do domínio dele: as ovelhas e o gado e os animais selvagens também; os pássaros e os peixes e todos os seres que vivem no mar” (Sl 8.5-6).

Só para lembrar -- O Brasil é um país privilegiado em matéria de água. Detém 12% da água doce de superfície do mundo, o rio de maior volume e um dos principais aqüíferos subterrâneos, além de ótimos índices de chuva. Mesmo assim, falta água no semi-árido e nas grandes capitais, porque a distribuição desse recurso é desigual. Cerca de 70% da reserva brasileira de água está no Norte, onde vivem menos de 10% da população. Em São Paulo, a maior metrópole do país, a ocupação irregular das margens de rios e represas, como a de Guarapiranga, que abastece 3,7 milhões de paulistanos, deveria ser preocupação permanente. Ao seu redor vivem 700 mil habitantes. Com o desmatamento das margens, sedimentos são arrastados para a represa, que perde capacidade de armazenamento e recebe esgoto de residências. O problema é semelhante na represa Billings, também responsável pelo abastecimento de São Paulo. Esse manancial tem sido o destino das águas poluídas que são bombeadas dos rios Tietê e Pinheiros.

A administração humana sobre a natureza nós chamamos de mandato cultural. Ser criado à imagem do Eterno é ser responsável pelo planeta e por todas as formas de vida!

A liberdade humana implica responsabilidade para preservar a ordem que o Eterno criou e promovera existência de todos os seus elementos. Tal soberania não implica em liberdade para roubar, matar e destruir. Os seres humanos são mordomos do Eterno, responsáveis diante dele e cuja primeira tarefa é assegurar a permanência e equilíbrio da natureza.

Terceira parte
Somos todos responsáveis

A preocupação divina com a salvação espiritual não é alheia da sua preocupação pelo bem-estar da sua criação material. A natureza é o primeiro dos atos salvadores do Eterno.

Só para lembrar -- O modelo agrícola brasileiro revela uma contradição -- bate recordes de produtividade, com cerca de 30% das exportações brasileiras, mas 40% da população brasileira sofre com a insegurança alimentar, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/ IBGE. É um país desiguail, com uma das maiores concentrações de terras do mundo, e ocupa o posto de maior consumidor de agrotóxicos do planeta, superando os Estados Unidos, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária/ Anvisa. O avanço da tecnologia não reduziu o consumo de agrotóxicos, pelo contrário, a tecnologia dos transgênicos estimulou o consumo desses produtos, especialmente na soja, que teve uma variação negativa em sua área plantada (-2,55%) e uma variação positiva de 31,27% no consumo de agrotóxicos, entre os anos de 2004 a 2008.

“Mas tu, ó Eterno, tens sido o nosso Rei desde o princípio e nos salvaste muitas vezes. Com o teu grande poder, dividiste o Mar e esmagaste as cabeças dos monstros marinhos. Esmagaste as cabeças do monstro Leviatã e deste o seu corpo para os animais do deserto comerem. Fizeste com que corressem fontes e riachos e secaste grandes rios. Criaste o dia e a noite, puseste o sol, a lua e as estrelas nos seus lugares. Marcaste os limites da terra e fizeste o verão e o inverno” (Sl 74.12-17).

Por isso, não devemos conceber a participação do ser humano no Brasil como opcional, nem como secundária sua missão na salvação de vidas. Desde o início, a natureza fazia parte do plano salvador do Eterno. A conversão de seres humanos não é o último dos atos salvadores do Eterno, mas o estabelecimento de novos céus e nova terra, ou seja, uma nova natureza (Ap 21.1), a libertação da própria natureza em si (Rm 8.20-22).

Até o fim, a natureza fará parte do plano salvador do Eterno. A graça do Eterno que se manifestou em Cristo, também se manifestou na natureza.

“O Eterno falou muitas vezes e de muitas maneiras aos nossos antepassados, mas nestes últimos tempos ele nos falou por meio do seu Filho. Foi ele quem o Eterno escolheu para possuir todas as coisas e foi por meio dele que o Eterno criou o Universo. O Filho brilha com o brilho da glória do Eterno e é a perfeita semelhança do próprio Eterno. Ele sustenta o Universo com a sua palavra poderosa. E, depois de ter purificado os seres humanos dos seus pecados, sentou-se no céu, do lado direito do Eterno, o Todo-Poderoso” (Hb 1.1-3).

A graça do Eterno manifesta alcançará o seu propósito de submeter a Cristo todas as coisas.

“Por isso o Eterno deu a Jesus a mais alta honra e pôs nele o nome que é o mais importante de todos os nomes, para que, em homenagem ao nome de Jesus, todas as criaturas no céu, na terra e no mundo dos mortos, caiam de joelhos e declarem abertamente que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória do Eterno, o Pai”. (Fp 2.9-11).

Você deve levar em conta

“As Escrituras Sagradas dizem: O Eterno pôs todas as coisas debaixo do domínio dele. É claro que dentro das palavras “todas as coisas” não está o próprio Eterno, que põe tudo debaixo do domínio de Cristo. Mas, quando tudo for dominado por Cristo, então o próprio Cristo, que é o Filho, se colocará debaixo do domínio do Eterno, que pôs todas as coisas debaixo do domínio dele. Então o Eterno reinará completamente sobre tudo” (1Co 15.27-28).

Só para lembrar -- O lixo atômico das usinas de Angra I e II, no Rio de Janeiro, material é guardado em depósitos provisórios. Há 25 anos, toneladas de lixo radioativo nem saem dos prédios. Fica mergulhado em piscinas.

Existe uma teologia bíblica da vida, que envolve o uso responsável e sustentável dos recursos da criação do Eterno e a transformação das dimensões culturais, econômicas, morais, intelectuais e políticas da existência. Isto inclui a recuperação de um sentido bíblico de mordomia, que implica em administração e cuidado responsável. Da mesma maneira, o conceito bíblico de descanso semanal recorda que se deve por limites às atividades de produção e ao consumo. Assim, devemos usar a riqueza e o poder no serviço dos demais. É um compromisso de trabalhar para libertar os ricos da escravidão ao dinheiro e ao poder, e possibilitar aos que têm menos obter acesso à dignidade e às oportunidades de desenvolvimento. A esperança de tesouros no céu nos livra da tirania de Mamon. E fazendo assim estaremos compreendendo o sentido maior do cuidado da natureza e da vida criada pelo Eterno.


mardi 18 octobre 2011

John Smyth para batista nenhum botar defeito


John Smyth (1570--1612) foi um dos primeiros pastores batistas da Inglaterra e um defensor do princípio da liberdade religiosa. Alguns historiadores o consideram como um dos fundadores da denominação batista. Smyth nasceu em Lincolnshire e estudou em Gainsborough.

Smyth foi ordenado sacerdote anglicano em 1594, e durante um certo tempo alinhou-se à tradição anglicana. Mas, com o tempo, seus pontos de vista mudaram. Começou a insistir que a adoração deveria ser do coração e que qualquer de leitura de um Livro de Orações na adoração era invenção humana. Esta rejeição da liturgia, mas tarde foi adotada por ele, nas congregações batistas, e permaneceu entre muitos batistas ainda hoje. Ele considerava que oração, cântico e pregação tinham que ser espontâneos. Foi tão longe que não permitia a leitura da Bíblia durante o culto, alegando que a tradução era obra humana e, portanto, não deveria ser trazida para a adoração a Deus. Tal idéia surgiu dp entendimento de que a adoração deveria ser ordenada pelo Espírito. E assim rompeu com a Igreja da Inglaterra e refugiou-se na Holanda, onde com sua pequena congregação aprofundou-se no estudo da Bíblia, com o auxílio de crentes menonitas. Em 1609, junto com seu grupo, veio a crer no batismo do crente, em oposição ao batismo infantil. Mas, com a aceitação do batismo de crente, uma preocupação surgiu. Tendo sido batizados quando crianças, todos eles perceberam que teriam que ser rebatizados. Como não havia outro pastor para administrar o batismo, Smyth batizou-se a si mesmo, razão pela qual passou a ser chamado "o primeiro batista". Depois, então, batizou seu rebanho.

John Clifford, citado no (General Baptist Magazine", Londres, julho de 1879, vol. 81), faz um relato um pouco diferente. Conta que em 24 de março de 1606, à meia-noite, o reverendo John Morton batizou John Smyth, vigário de Gainsborough, no rio Don. “Estava tão escuro que fomos obrigados a acender tochas. Elder Brewster orou, o senhor Smyth fez uma profunda confissão, caminhou até Epworth em suas roupas de frio, mas não vimos mais nada naquela distância de mais de duas milhas. Todos os nossos amigos, para a glória do Deus, trino estavam presentes"
.
Formaram, assim, a primeira igreja batista historicamente datada. E foi a partir de Smyth que os batistas passaram a acreditar que o batismo é testemunho de obediência (Mt. 28:19-20) e a imersão um símbolo da morte, sepultamento e ressurreição de Jesus.
Ao retornar à Inglaterra, Smyth introduziu na sua congregação a liderança eclesiástica de duas pontas, pastor e diácono, em contraste com a liderança reformada de três dobras, pastor, presbíteros e diáconos.
Antes de sua morte, Smyth se afastou do jovem movimento batista e procurou levar seu rebanho para a igreja menonita. Morreu antes que isso acontecesse, mas a maior parte de sua congregação se uniu aos menonitas depois de sua morte. A reaproximação de Smyth aos menonitas provocara, antes, uma separação entre ele e o grupo liderado por Thomas Helwys. As igrejas oriundas de Smyth e Helwys eram, naquele momento, batistas gerais, de corte arminiano. Entre as formulações teológicas de Smyth, duas marcaram essas primeiras congregações batistas: a rejeição do pecado original e a afirmação de que cada cristão tem o direito de expressar e realizar sua leitura religiosa. Sem dúvida, foi um batista!

Referências bibliográficas
DONIGER, Wendy, ed (1999), Merriam-Webster's Encyclopedia of World Religions. Springfield, MA: Merriam-Webster.
LEE, Jason (2003), The Theology of John Smyth: Puritan, Separatist, Baptist, Mennonite. Macon, GA: Mercer University Press.

vendredi 14 octobre 2011

21 gramas, ou, quanto pesa a sua alma?

Dentro de dois meses, segundo meu editor,
meu novo livro estará nas livrarias do País. E este artigo faz parte dele.
Fique alerta e curta comigo quando ele sair. Abraços, JP
.


"O meu amor é o meu peso. Para qualquer parte que eu vá, é ele quem me leva. O Teu dom inflama-nos e arrebata-nos para o alto. Andamos e partimos. Fazemos ascensões no coração e cantamos o cântico dos degraus”. [1]

Este texto de não é somente belo. Mil e trezentos anos antes de sir Isaac Newton, santo Agostinho intuía que há coisas tão leves, que sobem, ao invés de cair. E que todas as coisas só encontram o repouso quando estão no lugar que deveriam estar.

Para Alejandro González Iñárritu que dirigiu o filme “Vinte e um gramas” a vida é uma história de esperança: você pode ter medo da morte, mas ela virá e, nesse instante, seu corpo se tornará 21 gramas mais leve. E por isso coloca-nos a pergunta: será que é a alma que pesa esses 21 gramas? 

Para Agostinho, teólogo da igreja cristã, "o corpo, devido ao peso, tende para o lugar que lhe é próprio, porque o peso não tende só para baixo, mas também para o lugar que lhe é próprio. Assim, o fogo encaminha-se para cima e a pedra para baixo. Movem-se segundo o seu peso. Dirigem-se para o lugar que lhes compete. O azeite derramado sobre a água aflora a superfície. A água vertida sobre o azeite submerge debaixo deste. Movem-se segundo o seu peso e dirigem-se para o lugar que lhes compete. As coisas que não estão em seu lugar próprio agitam-se, mas quando o encontram, ordenam-se e repousam".[2]

Ora, se tudo tem um peso, por que não a alma. E se a alma tem um peso, o que a leva para cima ou para baixo? Segundo Agostinho, repousamos no dom do Espírito, que é o nosso descanso, é o nosso lugar. É para lá que o amor nos arrebata e que o Espírito levanta o nosso abatimento desde as portas da morte.

O filme Vinte e um gramas explora a existência física e emocional de três casais. O professor universitário Paul Rivers e sua mulher Mary vêem o seu casamento oscilar entre a vida e a morte enquanto ele aguarda um transplante de coração. O ex-presidiário Jack Jordan e sua mulher Marianne lutam para criar os dois filhos, enquanto Jack reafirma seu compromisso com a igreja. Cristina perde o marido Michael Peck e suas duas meninas num acidente trágico que entrelaça destinos e os levará às profundezas da vingança, aos limites do amor e à promessa da redenção.

Assim, Paul, Cristina e Jack são colocados ante a realidade da morte. E ela pesa de maneiras diferentes na vida de cada um. Mas, diante da morte, para que a esperança se faça presente, a vida deve renascer.

Vinte e um gramas é o peso de cinco moedas de cinco centavos, de um beija-flor e, talvez, da alma humana.

O filme vale a pena, embora pese mais que 21 gramas. Mas, depois de ver o filme, não esqueça que o seu peso é o amor, que nos puxa para cima. Ou, como diz Agostinho:

"É o Teu fogo, o Teu fogo benfazejo que nos consome, enquanto vamos e subimos para a paz da Jerusalém celeste. Regozijei-me com aquilo que me disseram: iremos para a casa do Senhor. Lá nos colocará a boa vontade, para que nada mais desejemos senão permanecer ali eternamente".[3]

Ficha Técnica:
Titulo Original: 21 Grams
Ano de Lançamento: 2003
Gênero: Drama Duração: 125 minutos.
Direção: Alejandro González Iñárritu
Roteiro: Guillermo Arriaga, Alejandro González Iñárritu
Elenco: Sean Penn, Naomi Watts, Benicio Del Toro, Charlotte Gainsbourg, Melissa Leo, Clea DuVall, Danny Huston, Carly Nahon, Claire Pakis, Nick Nichols, John Rubinstein, Eddie Marsan.

Notas
[1] Agostinho, Santo, Confissões, Livro XIII, cap. 9, Ed. Abril, São Paulo, 1973, p. 292.
[2] Idem, op. cit., pp. 291-292.
[3]Idem, op. cit., p. 292.





















jeudi 13 octobre 2011

SEMANA TEOLÓGICA em homenagem ao pe. José Comblin

 
Caros amigos e amigas,
Leia o convite. Peço que divulguem a SEMANA TEOLÓGICA via e-mail, rádio, folder impresso. Este evento está organizado pelos grupos e entidades: Grupo Igreja dos Pobres | Movimento Internacional "Somos Igreja" |  Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania - UFPB.
Participe de toda a programação. Abraço, Pe. Eliezer Souza.
Objetivos da  Semana Teológica: Homenagem à figura de Pe. R. José Comblin, rememorando seu
legado de profeta, de missionário, de sociólogo de formador e de teólogo.
Confraternizar, celebrando juntos e compartilhando com seus amigos e amigas de caminhada, momentos memoráveis vividos com Pe. José. Refletir sobre nosso compromisso missionário diante dos desafios atuais. 
A Esperança dos Pobres Vive!
SEMANA TEOLÓGICA em homenagem ao pe. José Comblin
(w 22/03/1923 + 27/03/2011)

Memória, legado e vigência. Pe. José Comblin
Data: 26, 27, 28 e 29 de Outubro das19 às 21:30
Local: Auditório da Reitoria da UFPB

José Comblin (1923 -2011) segue sendo uma figura emblemática para uma incontável multidão de cristãos e cidadãos espalhados pelo mundo, em especial na América Latina. Nele reconhecemos um dos teólogo da aurora da Teologia da Libertação - em especial da Teologia da Enxada, com uma produção privilegiada, seja quanto à qualidade, seja quanto ao seu incansável ritmo de produção, donde a publicação, até o final de seu percurso existencial, de centenas de artigos e dezenas de livros. Para bem além de sua qualidade de exímio teólogo, Pe. José Comblin se mostrou um apaixonado incondicional da causa libertária dos pobres, na perspectiva do Seguimento de Jesus. Pe. José é reconhecido, antes de tudo, como o amigo dos pobres, no meio de quem viveu, no Brasil, no Chile e por onde passou. Deixa-nos um amplo e reconhecido legado também como profeta, como missionário, como sociólogo e como formador. Desse legado também se ocupa essa Semana Teológica, com o propósito de assegurar-lhe vigência também para os próximos anos. Um missionário incansável, nas pegadas do Pe. Ibiapina, a semear a esperança entre o Povo dos Pobres da América Latina, do Brasil, do Nordeste. Enquanto missionário, tornou-se conhecido e exemplar também como profeta, sempre a incomodar, sempre a desinstalar, sempre a denunciar as mazelas e armadilhas dos poderosos e das instituições, e, ao mesmo tempo, a anunciar que ‘‘a esperança dos pobres vive’’! Um teólogo com uma produção vastíssima e de reconhecida relevância e atualidade, a quem muito deve a Teologia da Libertação, desde suas primeiras formulações, e cuja contribuição mais fecunda se deu no campo de seus estudos pneumatológicos (da ação do Espírito Santo no mundo). Um intelectual de inteligência privilegiada, dotado de profunda erudição, que sempre soube combinar com uma capacidade ímpar de clareza, simplicidade e força do testemunho.

SEMANA TEOLÓGICA
A Esperança dos Pobres Vive
Pe. José Comblin
Memória, legado e vigência.
PROGRAMAÇÃO
Dia 26/10 (19 horas)
Comblin, traços de sua vida e de sua obra. (Eduardo Hoornaert e Mônica Muggler)
Dia 27/10 (19 horas)
Lançamento do filme ‘ Dom Fragoso’’, amigo do Padre José e da Igreja dos Pobres. Palavras do Cineasta Francis Vale, do prof. João de Lima, da Irm. Agostina V. de Melo e outras.
Dia 28/10 (19 horas)
Contribuição de Comblin aos estudos sobre a missão do Espírito Santo no mundo. (Pastor Luciano Batista de Souza)
Dia 29/10 (8 horas)
Memória e testemunhos sobre o Pe. José.
Organização: Grupo Igreja dos Pobres; Mov. Somos Igreja
Apoio: Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania / Ufpb

Uma fala que não deve ser esquecida
A Igreja abandonou as classes populares
José Comblin, um dos criadores da Teologia da Libertação, afirmou que a eleição de João Paulo II e de Bento XVI foi manejada pelo Opus Dei "praticando a chantagem, intimidando os cardeais", e que na América Latina o Papa "é mais divino do que Deus". Comblin, belga que vive no Brasil e acaba de visitar o Chile, país em que esteve exilado em 1972, durante o governo da Unidade Popular, explicou ainda que os teólogos da libertação têm hoje mais de 80 anos e "não apareceu uma nova geração" que desse continuidade a esse pensamento. A reportagem é do sítio Religión Digital, 05-01-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Fonte: UNISINOS

"A repressão foi muito forte, terrível, e a ditadura do Papa aqui na América Latina é total e global. Aqui, pode-se criticar Deus, mas não o Papa. O Papa é mais divino do que Deus", asseverou o teólogo.

Segundo Comblin, a Igreja Católica "abandonou as classes populares, salvo os velhos e algumas relíquias do passado".

"Hoje, as universidades e os colégios católicos são para a burguesia. O porvir da América Latina é ser um continente evangélico protestante, salvo sua classe alta. Assim, a Opus Dei e os Legionários de Cristo e todas essas associações que existem de ultradireita vão crescendo nesse setor", opinou, em declarações no Chile à revista El Periodista.

"Onde há um ou dois bispos da Opus Dei no episcopado, intimidam a todos os demais. Os outros ficam calados e só um fala. Esse é um problema de psicologia típico de ditaduras", defendeu.

Segundo Comblin, "foi a Opus el que elegeu João Paulo II e o atual, praticando a chantagem, intimidando os cardeais. O próximo Papa será igual porque a Opus tem um poder muito forte".

O teólogo, de 87 anos, defende que Deus está "em La Victoria e em La Legua (dois bairros populares de Santiago) e na prisão, mas de Roma desapareceu há muito tempo".

"Agora, sempre fica mais claro que o problema é o Papa, ou seja, a função do Papa, uma ditadura implacável com muitas formas de doçura e amabilidade, mas implacável", defendeu.

Comblin defendeu que "o porvir do cristianismo está na China, Coreia, Filipinas, Indonésia. Estima-se que só na China há 130 milhões de cristãos martirizados, porque estão praticamente perseguidos".

O teólogo criticou a eventual canonização de João Paulo II porque seu papado "foi catastrófico". "Todos os que fizeram sua carreira com ele puderam ser cardeais, apesar de sua mediocridade pessoal. Não mereciam nada, mas ele os promoveu. Claro que agora querem canonizá-lo! Uma vez que canonizaram Escrivá, todo mundo sabe que se pode ser santo sem ter virtude alguma", destacou.

Sobre a Opus Dei e os Legionários de Cristo, Comblin afirmou que "têm a confiança da Cúria Romana e depois representam a plena liberdade dada a personalidades que são como os grandes Rockefeller, os conquistadores".

"Como Escrivá de Balaguer, que era um capitalista, o homem que vai triunfar, que vai desfrutar o mundo, que vai ganhar, ser rico, poderoso e que é capaz de criar pessoas totalmente subordinadas, soldados com mentalidade de soldado, esses são todos homens deformados psicologicamente, como são os futuros ditadores", detalhou.

Depois de recordar que do mexicano Marcial Maciel, dos Legionários de Cristo, foi descoberta uma vida paralela e uma fortuna de 50 bilhões de dólares, afirmou que "sua chantagem, sua palavra e sua exigência chegaram aos milionários".

"Hoje, os que trabalharam com ele, seus colaboradores, todos dizem e afirmam que não sabiam nada da vida paralela (de Maciel). Como? Trabalham 40 anos com ele e não sabem de nada, que ele tem uma família, três filhos, que praticou a pedofilia com as crianças, alunos de sua formação, de seus colégios, que tinha um mundo de amantes. Não sabiam de tudo isso? Supõe-se, então, que eles são cúmplices e também têm uma vida paralela", concluiu.

Fonte
Reflexões Teológico-Pastorais

Zizek: o casamento entre democracia e capitalismo acabou

O filósofo e escritor esloveno Slavoj Zizek visitou o acampamento do movimento Ocupar Wall Street, no parque Zuccotti, em Nova York, e falou aos manifestantes. “Estamos testemunhando como o sistema está se autodestruindo. Quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou". Leia a íntegra do pronunciamento de Zizek,
com tradução do meu amigo Luis Leiria para o Esquerda.net


Slavoj Zizek

Durante o crash financeiro de 2008, foi destruída mais propriedade privada, ganha com dificuldades, do que se todos nós aqui estivéssemos a destruí-la dia e noite durante semanas. Dizem que somos sonhadores, mas os verdadeiros sonhadores são aqueles que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente da mesma forma.

Não somos sonhadores. Somos o despertar de um sonho que está se transformando num pesadelo. Não estamos destruindo coisa alguma. Estamos apenas testemunhando como o sistema está se autodestruindo.

Todos conhecemos a cena clássica do desenho animado: o coiote chega à beira do precipício, e continua a andar, ignorando o fato de que não há nada por baixo dele. Somente quando olha para baixo e toma consciência de que não há nada, cai. É isto que estamos fazendo aqui.

Estamos a dizer aos rapazes de Wall Street: “hey, olhem para baixo!”

Em abril de 2011, o governo chinês proibiu, na TV, nos filmes e em romances, todas as histórias que falassem em realidade alternativa ou viagens no tempo. É um bom sinal para a China. Significa que as pessoas ainda sonham com alternativas, e por isso é preciso proibir este sonho. Aqui, não pensamos em proibições. Porque o sistema dominante tem oprimido até a nossa capacidade de sonhar.

Vejam os filmes a que assistimos o tempo todo. É fácil imaginar o fim do mundo, um asteróide destruir toda a vida e assim por diante. Mas não se pode imaginar o fim do capitalismo. O que estamos, então, a fazer aqui?

Deixem-me contar uma piada maravilhosa dos velhos tempos comunistas. Um fulano da Alemanha Oriental foi mandado para trabalhar na Sibéria. Ele sabia que o seu correio seria lido pelos censores, por isso disse aos amigos: “Vamos estabelecer um código. Se receberem uma carta minha escrita em tinta azul, será verdade o que estiver escrito; se estiver escrita em tinta vermelha, será falso”. Passado um mês, os amigos recebem uma primeira carta toda escrita em tinta azul. Dizia: “Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar é tinta vermelha.”

É assim que vivemos – temos todas as liberdades que queremos, mas falta-nos a tinta vermelha, a linguagem para articular a nossa ausência de liberdade. A forma como nos ensinam a falar sobre a guerra, a liberdade, o terrorismo e assim por diante, falsifica a liberdade. E é isso que estamos a fazer aqui: dando tinta vermelha a todos nós.

Existe um perigo. Não nos apaixonemos por nós mesmos. É bom estar aqui, mas lembrem-se, os carnavais são baratos. O que importa é o dia seguinte, quando voltamos à vida normal. Haverá então novas oportunidades? Não quero que se lembrem destes dias assim: “Meu deus, como éramos jovens e foi lindo”.

Lembrem-se que a nossa mensagem principal é: temos de pensar em alternativas. A regra quebrou-se. Não vivemos no melhor mundo possível, mas há um longo caminho pela frente – estamos confrontados com questões realmente difíceis. Sabemos o que não queremos. Mas o que queremos? Que organização social pode substituir o capitalismo? Que tipo de novos líderes queremos?

Lembrem-se, o problema não é a corrupção ou a ganância, o problema é o sistema. Tenham cuidado, não só com os inimigos, mas também com os falsos amigos que já estão trabalhando para diluir este processo, do mesmo modo que quando se toma café sem cafeína, cerveja sem álcool, sorvete sem gordura.

Vão tentar transformar isso num protesto moral sem coração, um processo descafeinado. Mas o motivo de estarmos aqui é que já estamos fartos de um mundo onde se reciclam latas de coca-cola ou se toma um cappuccino italiano no Starbucks, para depois dar 1% às crianças que passam fome e fazer-nos sentir bem com isso. Depois de fazer outsourcing ao trabalho e à tortura, depois de as agências matrimoniais fazerem outsourcing da nossa vida amorosa, permitimos que até o nosso envolvimento político seja alvo de outsourcing. Queremos ele de volta.

Não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que entrou em colapso em 1990. Lembrem-se que hoje os comunistas são os capitalistas mais eficientes e implacáveis. Na China de hoje, temos um capitalismo que é ainda mais dinâmico do que o vosso capitalismo americano. Mas ele não precisa de democracia. O que significa que, quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou.

A mudança é possível. O que é que consideramos possível hoje? Basta seguir os meios de comunicação. Por um lado, na tecnologia e na sexualidade tudo parece ser possível. É possível viajar para a lua, tornar-se imortal através da biogenética. Pode-se ter sexo com animais ou qualquer outra coisa. Mas olhem para os terrenos da sociedade e da economia. Nestes, quase tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco os impostos aos ricos? Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade. Querem mais dinheiro para a saúde? Eles dizem que é impossível, isso significaria um Estado totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos prometem ser imortais, mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados de saúde.

Talvez devêssemos definir as nossas prioridades nesta questão. Não queremos um padrão de vida mais alto – queremos um melhor padrão de vida. O único sentido em que somos comunistas é que nos preocupamos com os bens comuns. Os bens comuns da natureza, os bens comuns do que é privatizado pela propriedade intelectual, os bens comuns da biogenética. Por isto e só por isto devemos lutar.

O comunismo falhou totalmente, mas o problema dos bens comuns permanece. Eles dizem-nos que não somos americanos, mas temos de lembrar uma coisa aos fundamentalistas conservadores, que afirmam que eles é que são realmente americanos. O que é o cristianismo? É o Espírito Santo. O que é o Espírito Santo? É uma comunidade igualitária de crentes que estão ligados pelo amor um pelo outro, e que só têm a sua própria liberdade e responsabilidade para este amor. Neste sentido, o Espírito Santo está aqui, agora, e lá em Wall Street estão os pagãos que adoram ídolos blasfemos.

Por isso, do que precisamos é de paciência. A única coisa que eu temo é que algum dia vamos todos voltar para casa, e vamos voltar a encontrar-nos uma vez por ano, para beber cerveja e recordar nostalgicamente como foi bom o tempo que passámos aqui. Prometam que não vai ser assim. Sabem que muitas vezes as pessoas desejam uma coisa, mas realmente não a querem. Não tenham medo de realmente querer o que desejam. Muito obrigado

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