vendredi 16 janvier 2015

Socialismo religioso e marxismo

Em tempos de eleição todos nos perguntamos: e o que o socialismo tem a ver com o cristianismo? É possível um socialismo religioso? No início do século passado um teólogo alemão também se fez esta pergunta. E para respondê-la voltamos a ele.

Socialismo Religioso e Marxismo
Paul Tillich e suas relações com o pensamento de Karl Marx
Jorge Pinheiro, PhD

As doutrinas de Marx e dos marxistas sempre foram discutidas com profundidade como parte da fundamentação teórica do socialismo religioso. Na maioria dos casos, como resultado disso, muitos religiosos rejeitaram o marxismo, enquanto outros o aceitaram parcialmente ou até mesmo transformaram essencialmente as doutrinas de Marx. Terá mudado esta situação? Teria aumentado a distancia entre o marxismo e o cristianismo? [Paul Tillich, A Era Protestante, São Bernardo do Campo, Ciências da Religião, p. 267].

Para Paul Tillich, é importante que o olhar lançado nas profundezas não seja turvado, que a fé enquanto experiência da incondicionalidade apóie a vontade de dar forma ao mundo e a livre do vazio e do nada de uma simples tecnificação do mundo. Assim, o espírito religioso estaria vivo no movimento socialista, enquanto vibração religiosa que circula através das comunidades. E essa santificação da vida cultural no socialismo, para o teólogo, é uma herança cristã, que lhe transmite coragem e vida.

Ao buscar as raízes antropológicas do socialismo, Tillich achou um aliado nos textos do jovem Marx, especialmente nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, publicados por J. P. Mayer e Siegfried Landshut, dois colaboradores do Neue Blätter für den Sozialismus, jornal socialista religioso co-editado por Tillich [Franklin Sherman, Tillich’s Social Thought: New Perspectives, Christian Century, 25/02/1976, pp. 168-172].

Assim, Tillich descobre o Marx humanista e profeta, que contrasta com o Marx da maturidade, voltado para a leitura econômica da realidade. Tillich, porém, resiste à tendência de lançar um contra o outro, afirmando que o Marx real deve ser visto no contexto de seu próprio desenvolvimento. 

Mas, há uma razão para se fazer a crítica teológica do marxismo, e esta é exatamente a impressionante analogia estrutural existente entre a interpretação profética e a interpretação marxiana da história.

Para Tillich, a resistência ao impacto da catástrofe histórica é tarefa profética, que deve elaborar uma mensagem consciente, de esperança. Nesse contexto, o princípio profético envolve um julgamento e relaciona este julgamento com a situação humana inteira, não deixando de lado nenhum aspecto da existência. Nesse sentido, o espírito da profecia leva, sob o capitalismo, ao princípio protestante. O que fica óbvio, em situações-limite, que ameaçam a vida. A situação do proletariado não é algo opcional, que podemos considerar ou não. Em A Era Protestante [p. 194] diz que devemos nos perguntar, se “o socialismo não representa certo tipo religioso especial, originado no profetismo judaico que transcende o mundo dado e vive na expectativa de uma ‘nova terra’ — simbolizada na sociedade sem classes, numa época de justiça e paz”.

O princípio profético e o marxismo partem de interpretações capazes de ver sentido na história. Para essas duas leituras da realidade, a história vai na direção de um alvo, cuja realização dará sentido a todos os eventos vividos.

E se a história tem um fim, tem também um começo e um centro, onde o sentido da vida se torna visível e possibilita a tarefa de interpretação, tanto do profeta como do militante marxista. Assim, para o profetismo e para o marxismo, o conteúdo básico da história encontra-se na luta entre o bem e o mal.

As forças do mal são identificadas como injustiça, mas podem ser derrotadas.

Esta interpretação cria nos dois casos certa atmosfera escatológica, visível na tensão da expectativa e no direcionamento para o futuro, coisa que falta completamente em todos os tipos de religião sacramental e mística. O profetismo e o marxismo atacam a ordem vigente da sociedade e a piedade pessoal como expressões do mal universal num período específico [A Era Protestante, p. 268].

Ora, há um desafio ético, apaixonado, como afirma Tillich, das formas concretas de injustiça, que levanta um protesto, o punho ameaçador, contra aqueles que são responsáveis por este estado de coisas. Assim, o espírito profético e o marxismo colocam os grupos governantes sob o julgamento da história e proclamam a destruição desses grupos.

Tanto o profetismo como o marxismo acreditam que a transição do atual estágio da história em direção a uma época de plena realização se dará através de uma série de eventos catastróficos, que culminará com o estabelecimento de um reino de paz e justiça.

Dessa maneira, o espírito profético e o marxismo são portadores do destino histórico da humanidade e agem como instrumento desse destino por meio de atos livres, já que a liberdade não contradiz o destino histórico. 

A analogia estrutural entre o espírito profético e o marxismo não se limita à interpretação histórica, mas se estendem à própria doutrina do homem. É uma semelhança, inclusive, que vai além de uma cosmovisão profética do homem, que se apresenta como doutrina cristã do homem.

O homem, para o marxismo, não é o que deveria ser, sua existência real contradiz seu ser essencial.

Marx nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 escreve: "quanto mais produz o operário com seu trabalho, mais o mundo objetivo, estranho que ele cria em torno de si, torna-se poderoso, mais ele empobrece, mais pobre torna-se seu mundo interior e menos ele possui de seu". Ao partir de sua preocupação central, o estudo da economia política de seu tempo, Marx diz que "a miséria do operário está em razão inversa do poder e da grandeza de sua produção". Mais produz, maior é a sua miséria.

Assim, a produção não faz apenas do homem mercadoria, a mercadoria humana, o homem sob forma de mercadoria, mas o faz também ser espiritual e fisicamente desumanizado... Se o desenvolvimento das forças produtivas ao mesmo tempo em que desenvolve as possibilidades humanas cria a reprodução da desumanidade, evidenciam-se os limites antropológicos e existenciais de tal desenvolvimento, já que toda relação social não se dará apenas através de uma elevação espiritual, mas de movimentos de deixam em aberto as possibilidades para a própria destruição do humano.

A idéia da queda está presente no marxismo. Já que se o homem não caiu de um estado de bondade original, caiu de um estado de inocência primária. Alienou-se de si mesmo, de sua humanidade. Transformou-se em objeto, instrumento de lucro e quantidade de força de trabalho.

Para o cristianismo, como sabemos, o ser humano alienou-se de seu destino divino, perdeu a dignidade de seu ser, separou-se de seus semelhantes, por causa do orgulho, da desesperança, do poder.

O cristianismo e o marxismo concordam que é inviável determinar a existência humana de cima para baixo, por isso a existência histórica é determinante na construção da antropologia.

Mas a analogia entre cristianismo e marxismo vai mais longe ainda. Vêem o homem como ser social, e que por isso o bem e o mal praticados não estão separados de sua existência social.

O indivíduo não escapa dessa situação. Faz parte do mundo caído, não importando se a queda se expressa em termos religiosos ou sociológicos. Tem a possibilidade de fazer parte do novo mundo, não importando se o concebemos em termos de transformação supra-histórica ou infra-histórica [A Era Protestante, p. 269].

Dessa maneira, a idéia de verdade tanto no cristianismo como no marxismo vai além da separação entre teoria e prática. Ou seja, a verdade para ser conhecida deve ser feita. Vive-se a verdade.

Sem a transformação da realidade não se conhece a realidade. Donde a capacidade de conhecimento depende da situação de conhecimento em que se está. E apoiando-se no apóstolo Paulo, Tillich explica que só o “homem espiritual” consegue julgar todas as coisas, da mesma maneira aquele que participa da luta do “grupo eleito” contra a sociedade de classe consegue entender o verdadeiro caráter do ser.

Assim, com a deformação da existência histórica, praticamente em todas as esferas, torna-se muito difícil a percepção da condição humana e do próprio ser, por isso a presença da igreja e do proletariado na luta é o lugar onde a verdade tem mais condições de ser aceita e vivida.

O auto-engano e a produção de ideologias surge como inevitáveis em nossas sociedades carentes de sentido, a não ser naqueles pequenos grupos que enfrentam suprema angústia, desespero e falta de sentido. A verdade então aparece e pode ser vivida, porque os véus ideológicos foram rasgados.

Mas, alerta Tillich,

a verdade pode se transformar num instrumento de orgulho religioso ou de vontade de poder político. Em tudo isso o cristianismo e o marxismo estão juntos em oposição ao otimismo pelagiano ou de harmonia em relação à natureza humana [A Era Protestante, p. 269].

As diferenças com o marxismo


Segundo Tillich, não podemos ver o marxismo como se fosse uma coisa do passado, quando aceitamos o espírito profético enquanto socialistas religiosos.

O socialismo religioso, se quiser continuar a ter sentido não pode se transformar numa justificativa ideológica das atuais democracias, nem num idealismo progressivo ou num sistema de harmonia autônoma. O socialismo religioso dentro do espírito do profetismo e com os métodos do marxismo é capaz de entender e transcender o mundo atual [A Era Protestante, p. 274].

Mas até que ponto a metodologia marxista e uma hipotética conquista do poder político poderia dar sentido à vida? Na verdade, por ser marxista, tal metodologia não entende que a corrupção também está localizada nas profundezas do coração humano. Por isso, o alerta de Tillich, sobre as diferenças entre espírito profético e marxismo, cresce em importância e deve ser ressaltado.

“O socialismo religioso sempre entendeu que as forças demoníacas da injustiça, do orgulho e da vontade de poder jamais serão plenamente erradicadas da cena histórica (...).O socialismo religioso acredita que a corrupção da situação humana tem raízes mais profundas do que as meras estruturas históricas e sociológicas. Estão encravadas nas profundezas do coração humano.” [A Era Protestante, op. cit., p. 271].

Como Kierkegaard, Marx fala da situação alienada do homem na estrutura social da sociedade burguesa. Empregava a palavra alienação (entfremdung) não do ponto de vista individual, mas social. Segundo Hegel essa alienação significa a incursão do Espírito absoluto na natureza, distanciando-se de si mesmo. Para Kierkegaard era a queda do homem, a transição, por meio de um salto, da inocência para o conhecimento e para a tragédia. Para Marx era a estrutura da sociedade capitalista”. [Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, São Paulo, ASTE, 1999, p. 193].

Por isso, considera que a regeneração da humanidade não é possível apenas mediante mudanças políticas, mas requer mudanças na atitude das pessoas em favor da vida.

Assim, para o socialismo religioso, proposto por Paul Tillich, o momento decisivo da história não é o surgimento do proletariado, mas o aparecimento do novo sentido da vida na automanifestação divina.

Em artigo publicado no Die Tat, Monatsschrift für die Zukunft deutscher Kultur, em 1922, e republicado em 1948 em inglês com o título de Kairós I em Main Works/ Hauptwerke, IV, Tillich diz: “Sob todos os aspectos, o socialismo religioso quer aprofundar a crítica, trazer à tona as questões últimas e decisivas; ele se faz mais radical e mais revolucionário que o socialismo, porque vê a krisis do ponto de vista do incondicionado.” [Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l´Université Laval, Paris, Genebra, Québec, 1992, p. 159].

Essa diferença tem extrema importância, mas de nenhuma maneira – pensa o teólogo -- impede a inclusão de elementos básicos da doutrina marxiana da história e do homem no cristianismo profético.

Tillich afirmou, em junho de 1949, não duvidar de que as concepções básicas do socialismo religioso fossem válidas, pois apontavam para o modo político e cultural de vida pela qual a Europa poderia ser reconstruída. Mas não estava seguro de que a adoção dos princípios do socialismo religioso fosse de fato uma possibilidade num futuro próximo [Além do Socialismo Religioso, artigo publicado no Christian Century em 15/06/1949].

Para ele, em vez de um kairós criativo, via um vazio que só poderia ser feito criativo se rejeitasse todos os tipos de soluções prematuras, e não se afundasse na esperança nula do sagrado. Esta visão levou a uma diminuição de sua participação em atividades políticas. Na verdade, sua frustração se deveu à impossibilidade de influenciar no pós-guerra na tentativa de produzir uma abertura entre Leste e Oeste, que possibilitasse a unificação da Alemanha. 

Além disso, o repúdio às liberdades civis e aos direitos humanos nos países comunistas desiludiu quase todos seus companheiros que sonharam com a possibilidade do socialismo religioso.

O movimento marxista não foi capaz de se criticar por causa da estrutura em que caiu, transformando-se no que chamamos agora de stalinismo. Dessa maneira, todas as coisas em favor das quais os grupos originais tanto lutaram acabaram sendo reprimidas e esquecidas. Em nosso século vinte temos tido a ocasião de melhor perceber a trágica realidade da alienação humana no campo social”. [Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, p. 200].

E tal política comunista fez com que Tillich, que não se considerava um utópico, constatasse que o amanhecer de uma nova era criativa se distanciava da humanidade, pressagiando uma era de escuridão [Além do Socialismo Religioso, artigo citado].

Assim, Tillich alertou para o perigo, a partir da experiência stalinista, de o socialismo transformar-se em totalitarismo, já que não aceitava a pluralidade de partidos políticos e as liberdades civis, que os socialistas religiosos defendiam.

Por isso, só podemos falar de socialismo religioso quando entendemos que para Paul Tillich socialismo religioso é aquele em que a religião traduz a defesa do significado profundo das raízes do ser humano.





vendredi 9 janvier 2015

Dois filhos, dois caminhos

Jorge Pinheiro

Foram os chefes dos sacerdotes que atiçaram o povo para pedir a Pilatos que soltasse Bar Abbas no lugar de Yehoshua, conforme conta o evangelista Marcos. Bar Abbas, filho do pai, filho de alguém... de quem não sabemos. Era de Japho, que fica ao sul de Cesaréia. Tinha a profissão de remador de botes e militava no partido zelote, que lutava contra a dominação romana. Seu grupo atuava com ataques curtos às legiões, como meio de fustigar as forças imperiais. Mas Bar Abbas foi preso após o ataque a um grupo de soldados romanos em Cafarnaum, onde um soldado romano foi morto no confronto. Foi então condenado à morte por assassinato.

O caminho de Bar Abbas é aquele onde a violência é a regra, ou como canta o salmo, é o daqueles que usam o orgulho como se fosse um colar e a violência como uma capa. E como diz Bamidbar, ao falar sobre o regime da vingança privada, se o sangue profana a terra, a única maneira de purificar a terra do sangue derramado é derramar o sangue  daquele que o derramou. E isso é feito pelo go’el, que é o protetor da família.

Mas Yehoshua era diferente de Bar Abbas, e isso conta Matitiahu num pequeno relato. Yehoshua estendeu a mão, segurou Petros e disse como é pequena a sua fé! Por que você duvidou? Então os dois subiram no barco, e o vento se acalmou. E os discípulos adoraram a Yehoshua dizendo, de fato, o senhor é o filho de Deus!

O caminho com Yehoshua é aquele que ele disse deixo com vocês a paz. É a minha paz que eu lhes dou. Não lhes dou a paz como o mundo a dá. Não fiquem aflitos, nem tenham medo.


Por isso há dois filhos e dois caminhos. O do Yehoshua é o do entrem pela porta estreita porque a porta larga e o caminho fácil levam para sheol, e há muitas pessoas que andam por esse caminho. A porta estreita e o caminho difícil levam para a vida, e poucas pessoas encontram esse caminho.


jeudi 8 janvier 2015

Nossos princípios batistas...

... ante a loucura deste mundo tenebroso


A Bíblia revela que cada ser humano é criado à imagem de Deus; é único, precioso e insubstituível. Criado ser racional, cada pessoa é moralmente responsável perante Deus e o próximo. O homem, como indivíduo, é distinto de todas as outras pessoas. Como pessoa, ele é unido aos outros no fluxo da vida, pois ninguém vive nem morre por si mesmo.

A Bíblia revela que Cristo morreu por todos os homens. O fato de ser o homem criado à imagem de Deus, e de Jesus Cristo morrer para salvá-lo, é a fonte da dignidade e do valor humano. Ele tem direitos, outorgados por Deus, de ser reconhecido e aceito como indivíduo sem distinção de raça, cor, credo, ou cultura; de ser parte digna e respeitada da comunidade; de ter a plena oportunidade de alcançar o seu potencial.

Cada indivíduo foi criado à imagem de Deus e, portanto, merece respeito e consideração como uma pessoa de valor e dignidade infinita.

O indivíduo, porque criado à imagem de Deus, torna-se responsável por suas decisões morais e religiosas. Ele é competente, sob a orientação do Espírito Santo, para formular a própria resposta à chamada divina ao evangelho de Cristo, para a comunhão com Deus, para crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor. Estreitamente ligada a essa competência está a responsabilidade de procurar a verdade e, encontrando-a, agir conforme essa descoberta, e partilhar a verdade com outros. Embora não se admita coação no terreno religioso, o cristão não tem a liberdade de ser neutro em questões de consciência e convicção.

Cada pessoa é competente e responsável perante Deus, nas próprias decisões e questões morais e religiosas.

Os batistas consideram como inalienável a liberdade de consciência, a plena liberdade de religião de todas as pessoas. O homem é livre para aceitar ou rejeitar a religião; escolher ou mudar sua crença; propagar e ensinar a verdade como a entenda, sempre respeitando direitos e convicções alheios; cultuar a Deus tanto a sós quanto publicamente; convidar outras pessoas a participarem nos cultos e outras atividades de sua religião; possuir propriedade e quaisquer outros bens necessários à propagação de sua fé. Tal liberdade não é privilégio para ser concedido, rejeitado ou meramente tolerado – nem pelo Estado, nem por qualquer outro grupo religioso – é um direito outorgado por Deus.

Cada pessoa é livre perante Deus em todas as questões de consciência e tem o direito de abraçar ou rejeitar a religião, bem como de testemunhar sua fé religiosa, respeitando os direitos dos outros.

Tanto a igreja como o estado são ordenados por Deus e responsáveis perante ele. Cada um é distinto; cada um tem um propósito divino; nenhum deve transgredir os direitos do outro. Devem permanecer separados, mas igualmente manter a devida relação entre si e para com Deus. Cabe ao estado o exercício da autoridade civil, a manutenção da ordem e a promoção do bem-estar público.

O cristão é cidadão de dois mundos – o reino de Deus e o estado político – e deve obedecer à lei de sua pátria terrena, tanto quanto à lei suprema. No caso de ser necessária uma escolha, o cristão deve obedecer a Deus antes que ao homem. Deve mostrar respeito para com aqueles que interpretam a lei e a põem em vigor, e participar ativamente na vida social, econômica e política com o espírito e princípios cristãos. A mordomia cristã da vida inclui tais responsabilidades como o voto, o pagamento de impostos e o apoio à legislação digna. O cristão deve orar pelas autoridades e incentivar outros cristãos a aceitarem a responsabilidade cívica, como um serviço a Deus e à humanidade.

A igreja é uma comunhão voluntária de cristãos, unidos sob o domínio de Cristo para o culto e serviço em seu nome. O estado não pode ignorar a soberania de Deus nem rejeitar suas leis como a base da ordem moral e da justiça social. Os cristãos devem aceitar suas responsabilidades de sustentar o estado e obedecer ao poder civil, de acordo com os princípios cristãos.

O estado deve à igreja a proteção da lei e a liberdade plena, no exercício do seu ministério espiritual. A igreja deve ao estado o reforço moral e espiritual para a lei e a ordem, bem como a proclamação clara das verdades que fundamentam a justiça e a paz. A igreja tem a responsabilidade tanto de orar pelo estado quanto de declarar o juízo divino em relação ao governo, às responsabilidades de uma soberania autêntica e consciente, e aos direitos de todas as pessoas. A igreja deve praticar coerentemente os princípios que sustenta e que devem governar a relação entre ela e o estado.


A igreja e o estado são constituídos por Deus e perante Ele responsáveis. Devem permanecer distintos, mas têm a obrigação do reconhecimento e reforço mútuos, no propósito de cumprir-se a função divina.


lundi 5 janvier 2015

Politica e protestantismo

... hoje, no Brasil
Jorge Pinheiro

Diante da vergonha de evangélicos corruptos, de votos mercadejados no púlpito, da Palavra deturpada e enlameada por lobos travestidos de cordeiros, faço uma pergunta -- afinal, que relação existe entre o presente e o espírito crítico e transformador do protestantismo?

E exorto homens e mulheres de boa vontade a uma reflexão sobre o que significa o presente enquanto desafio político para os protestantes brasileiros.

Bem, falar do presente, em primeiro lugar, significa dizer que vamos de uma contingência a algo diferente, que pode ser inferior ou superior, mas nunca igual.

O presente é sempre parte de uma situação mais geral e está enquadrado no caminhar de um processo. E para fazer a leitura do presente pode-se recorrer à análise histórica, à avaliação crítica ou à construção filosófica. Algumas vezes, porém, algum desses elementos falha. Por isso, não basta observar o presente. Estamos excessivamente ligados a ele, o que pode nos levar a escorregar num julgamento do aqui e agora e esquecer que devemos estar voltados para o futuro.

O momento é importante, mas transformar o exame do presente em apreciação subjetiva é realizar uma redução, é ver a situação como totalidade e permanência. Olhando assim colocamos a situação num patamar muito elevado e a perspectiva que temos se torna global, apesar de seu caráter individual e limitado.

Tal análise do presente pode levar a uma ampla aprovação e tocar emocionalmente setores expressivos de comunidades inteiras. Esta é uma maneira de ver, mas é irresponsável, mesmo quando apresenta análises de conjuntura e perspectivas para o futuro. E por que irresponsável? Por não aceitar suas responsabilidades. Por não reconhecer os limites daquele que observa, assim como de seu próprio horizonte.

Mas se existe um nível mais amplo do que este analisado, somos levados a falar da situação do presente como possibilidade. Mas é possível chegar a tal patamar de observação? Caso exista um ponto de vista mais amplo, a partir do qual se posicione um observador do presente, ele precisa estar livre das amarras do historicismo.

Busque a justiça
Voltem para Deus todos os humildes deste país, todos os que obedecem às leis de Deus. Façam o que é direito e sejam humildes. Talvez assim vocês escapem do castigo no Dia da ira do SENHOR. (Sofonias 2.3). 

Pode-se dizer que pessoas, militantes e revolucionários, souberam interpretar uma época dada. Eis aqui o ponto de intersecção entre o presente e o espírito crítico e transformador do protestantismo. Seguindo a trilha aberta, é possível afirmar que o protestantismo radical traduz inquietude e descontentamento em relação aos acontecimentos sociais concretos.

Há uma busca ética de respostas entre o protestantismo radical e a ação consciente do intelectual orgânico. Ambos representam determinada comunidade, têm função superestrutural e, apesar de sua organicidade, precisam exercer autonomia em relação às pressões sociais que sofrem. É dessa postura que nasce a força crítica e a compreensão de que diante da realidade há alternativas diferentes daquelas expressas pelo poder.

O protestantismo radical diante do presente não pode ser apreendido a partir da leitura do apresentado no passado, porque procura uma compreensão que não possa ser abalada. E essa interpretação não pode estar pousada sobre experiência própria e nem mesmo sobre a história da Igreja.

Pratique a justiça
O SENHOR já nos mostrou o que é bom, ele já disse o que exige de nós. O que ele quer é que façamos o que é direito,  amemos uns aos outros com dedicação e vivamos em humilde obediência ao nosso Deus. (Miquéias 6.8). 

Mas um terceiro elemento deve ser levado em conta: a tendência dialética do protestantismo radical, que se expressa de forma paradoxal, ao fazer a crítica de pontos de vista estabelecidos.

Quando analisamos o protestantismo a partir desta problemática, vamos constatar que ele não testemunha em benefício do presente, mas profere um não ao presente. Um não amplo, já que não critica cada detalhe do presente, e também por não discordar inteiramente do presente. Ao renunciar a um não de cada detalhe do presente, apresenta um sim às conquistas e vitórias obtidas no processo.

O individualismo e o criticismo se transformaram, quando analisamos o presente, em movimentos reacionários. Mas estão, muitas vezes, sob a proteção de religiosidades cujas essências e mensagens consistem em declarar um não para tudo que está no presente.

O espírito crítico e transformador do protestantismo radical está envolvido no presente concreto, tem a coragem de decidir e colocar-se sob julgamento, ao nível do particular. E é a partir dessa compreensão do que significa o espírito crítico e transformador no tempo, que nos remetemos às três posições que definem diferentes compreensões do presente. Primeiro, vamos analisar duas: a concepção conservadora e a concepção progressista, que se apresentam com variáveis e modulações.

A concepção conservadora admite o surgimento do criativo e da novidade no tempo, mas considera que isso aconteceu no passado. Por essa razão nega toda mudança, presente ou futura. A força dessa concepção repousa no fato de que considera o criativo e a novidade como dados e não como resultados da ação cultural e social do ser humano.

A concepção conservadora também reconhece necessidade e transformação como componentes do presente, mas também os situa no passado. Desconsidera que se aconteceu no passado, necessidade e transformação se revelam em todas as positividades e negatividades do passado, do presente e futuro. Sob tal visão repousam os conservadorismos. Perderam o sentido de necessidade e transformação.

Faça o bem, repreenda o opressor
Aprendam a fazer o que é bom. Tratem os outros com justiça; socorram os que são explorados, defendam os direitos dos órfãos e protejam as viúvas. (Isaías 1.17).

A concepção progressista considera necessidade e transformação alvos a serem projetados no futuro, existentes em cada época, mas que não se apresentam enquanto irrupção no presente. Assim, os tempos tornam-se vazios, sem decisão, sem responsabilidade. Na concepção progressista existe uma tensão diante do que foi. Mas a consciência de que o alvo é inacessível aqui e agora a debilita e produz um compromisso continuado com o passado. A concepção progressista não oferece nenhuma opção ao que está dado. Transforma-se em progresso mitigado, em crítica pontual desprovida de tensão, onde não há nenhuma responsabilidade definitiva. 

Este progressismo mitigado é a atitude característica da sociedade burguesa. É um perigo que ameaça constantemente, é a supressão do não e do sim incondicional às questões concretas. É o adversário do protestantismo radical.

Conservadorismo e progressismo, reação e progresso, estão entrelaçados na consciência do presente que surge enquanto necessidade e transformação. E é esse entrelaçamento que leva a um terceiro caminho.

E o terceiro caminho é a utopia. Sem o espírito utópico não há protesto, nem crítica radical. A utopia quer responder às necessidades e transformar o tempo, mas esquece que criatividade e novidade não abalam todos os tempos e todos seus conteúdos. É por isso que a utopia leva, necessariamente, à decepção. Assim, o resultado da utopia desencantada é o deslumbramento sem compromissos.

Mas a idéia de necessidade e transformação nasce da discussão com a utopia. Necessidade e transformação clamam pela irrupção de criatividade e novidade no tempo, cujo caráter é decisivo no instante histórico enquanto destino. Mas, com a irrupção da criatividade e novidade que respondem às necessidades e transformam o tempo concreto, é preciso ter consciência de que não existe um estado de perfeição no tempo, a consciência de que o ideal e perfeito nunca se fixam num presente eterno.

Assim, toda mudança, toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que vá além do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro, deve entender que há na busca permanente da justiça um choque entre necessidade/ transformação e criatividade/ novidade. Tal desafio não pode ser resolvido por uma pessoa, por mais protestante e radical que seja. O sujeito da transformação será, em última instância, o sujeito social, as massas em mobilização. Mas o protestantismo radical, assim como a intelectualidade orgânica têm aí um importante papel a cumprir, serem voz e ação críticas para que o sonho de Amós aconteça no presente concreto: que o juízo corra como as águas e a justiça como ribeiro perene.