dimanche 27 septembre 2015
samedi 26 septembre 2015
O espectro do vermelho
O
ESPECTRO DO VERMELHO, Uma leitura teológica do socialismo no Partido dos
Trabalhadores, a partir de Paul Tillich e Enrique Dussel é uma tese sobre os componentes teológicos
encontrados no pensamento socialista no Partido dos Trabalhadores.
Defesa
de tese apresentada – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade
Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 22 de dezembro de 2011.
Professor
Dr. Jorge Pinheiro
HIPÓTESES
Nossa
hipótese central a ser demonstrada é que a religião e mais precisamente o
cristianismo foram componentes fundamentais na formação do pensamento
socialista do Partido dos Trabalhadores. Essa hipótese tem dois desdobramentos
necessários: em primeiro lugar, qual é o sentido teológico de um partido
socialista que se forma desta maneira? E, na seqüência, somos obrigados a nos
perguntar: é possível, teologicamente, demonstrar a importância disso?
A
partir da hipótese central, e de seus dois desdobramentos teológicos,
trabalhamos com duas outras hipóteses, de caráter mais factual e histórico, de
que um tipo de socialismo religioso predominou no conjunto do pensamento
petista, fazendo com que as propostas marxistas e leninistas de organização
partidária e de transformação radical da sociedade, fundamentadas na teoria da
luta de classes e da tomada violenta do poder, fossem deslocadas no correr dos
primeiros vinte anos de construção do PT.
Assim,
tal socialismo deixou de defender o partido único, o centralismo democrático, a
ditadura do proletariado e a tomada violenta do poder. E passou a levantar a
bandeira da expansão da democracia e da solução de problemas brasileiros
historicamente pendentes, como a questão da terra, do trabalho e da liberdade
cidadã, porque a visão cristã de justiça social foi a que prevaleceu no ideário
socialista do pensamento petista.
Acreditamos
explicitar tais hipóteses ao responder o que o socialismo do Partido dos
Trabalhadores tem a ver com a religião. Ou seja, em que medida o desenvolvimento
do pensamento socialista dentro do Partido dos Trabalhadores pode ter uma
releitura teológica?
As
hipóteses apresentadas aqui partem da constatação já amplamente estudada, de
que a Teologia, enquanto hermenêutica dos universos simbólicos, permite uma
abordagem do problema do poder. Duas perspectivas são fundamentais nessa
leitura teológica: a antropológica política, que percebe o simbólico como
fundante da vida social, e a ética que, ao dar ênfase às instituições, pensa a
relação entre instituições e estruturas políticas.
Acreditamos
que os estudos desenvolvidos por Paul Tillich, assim como por Enrique Dussel,
nos dão instrumentos para uma compreensão teológica da realidade política, quer
a partir de uma leitura das raízes antropológicas, no caso de Paul Tillich,
quer ética, no caso de Enrique Dussel.
Definido
o campo motivacional dos autores, temos razões, instrumental e referências em
que nos basear para desenvolver o trabalho ora proposto. E mais do que isso,
levando em conta a riqueza do momento histórico vivido por nosso país, tanto em
relação à consolidação da democracia, quanto em relação às perspectivas de
construção de futuro, acreditamos ser este um momento especial e favorável para
o desenvolvimento da tese proposta.
Dessa
maneira, a análise teológica proposta parte do universo simbólico cristão e
socialista como fundante do pensamento político e da vida militante dentro do
Partido dos Trabalhadores como abordagens do problema do poder em suas relações
com estes universos simbólicos.
REFERENCIAL
TEÓRICO
Este
trabalho toma como ponto de partida para o balizamento da tese dois pensadores:
o teólogo e filósofo da cultura Paul Tillich e o teólogo e filósofo da
libertação Enrique Dussel. O primeiro desenvolveu uma extensa produção sobre
socialismo e religião nos anos que antecederam a II Guerra Mundial.
A
teologia para Paul Tillich relaciona pólos, a mensagem cristã e a interpretação
dessa mensagem, que deve levar em conta a situação daqueles a quem ela
se destina. Situação, aqui, são “as formas científicas e artísticas,
econômicas, políticas e éticas, nas quais [os indivíduos e grupos]
exprimem as suas interpretações da existência”.[1]
Nesse
sentido, a teologia deve dar respostas às perguntas implícitas na situação, não
enquanto soluções definitivas, mas no sentido de procurar sínteses. Para isso,
utiliza o método da correlação, ou seja, a análise da situação humana, de forma
que venham à tona perguntas; e a individuação das respostas nos fatos
reveladores, possibilitando respostas correlatas às perguntas colocadas pela
própria existência.
A
partir daí nos vemos diante da pergunta: que sentido tem a história? Tillich
nega o negativismo fundamentalista que não vê sentido na história, mas também
vai além do progresso intra-histórico, quer iluminista, quer marxiano. Para
ele, o cristianismo propõe um símbolo religioso, o do reino de Deus, que deve
ser interpretado como dimensão histórica e dimensão trans-histórica. Dessa
maneira, o sentido da história está na manifestação do reino de Deus, quer
enquanto reino da salvação em contraposição à história do mundo, quer enquanto
diretrizes e movimento em direção à plenitude da história, que em sua dimensão
transcendente e trans-histórica é a vida eterna[2].
Perguntas
acerca das situações e respostas teológicas estão ligadas à existência. Por
isso, ao analisar a questão do socialismo, Tillich faz uma teologia política
onde seu referencial primeiro é o ser. Nesse sentido, podemos dizer que faz uma
fenomenologia política quando analisa questões como o ser, a origem do
pensamento político enquanto mito, e a partir daí procura trazer à tona os
elementos não reflexivos do pensamento político. E é a partir da análise do
pensamento político que Tillich vai explicar o surgimento da democracia e do
socialismo.
Para
Tillich, a distância que separa o ser e a consciência é necessária para que o
ser se eleve à consciência. A consciência supõe não somente uma ligação ao ser,
mas também um distanciamento que permita reflexão.
Normalmente,
esta tarefa se cumpre com ajuda do conceito de essência. Desde Platão, a
relação entre essência e fenômeno domina no Ocidente a teoria do conhecimento.
Porém a lógica da essência não é suficiente para explicar as realidades
históricas. A essência de um fenômeno histórico é uma abstração vazia, de onde
se expulsou a força viva de história.
Assim,
Tillich vai buscar a essência do socialismo na própria história e nos mitos que
lhe deram origem. Em A Decisão Socialista[3], afirmará que o
socialismo é um movimento de oposição, um movimento de oposição à sociedade
burguesa, mas enquanto mediação, uniu-se à sociedade burguesa na oposição às
formas feudais e patriarcais de sociedade. Entender esta raiz do socialismo
ajudaria a entender as raízes do pensamento político que lhe deram origem.
Tillich parte de uma teologia política onde seu referencial primeiro é o ser.
Mas
para Tillich, não se pode entender o socialismo caso não se experimente a
exigência de sua justiça como uma exigência do incondicionado. Quem não é
confrontado pelo socialismo não pode falar do socialismo, a não ser enquanto
expressão que vem do exterior[4]. Não
pode falar dele em verdade, porque é contrário às tendências políticas que
defende. Aí está o nó da origem.
Um
dos conceitos trabalhados por Tillich é especialmente importante para a
construção de nosso referencial teórico: o de socialismo religioso. O
socialismo religioso, teorizado por Paul Tillich, parte da consideração de que
as forças demoníacas da injustiça, do orgulho e da vontade de poder jamais
serão completamente erradicadas da história. Como conseqüência, o socialismo
religioso acredita que a corrupção da situação humana[5] tem raízes mais
profundas do que as meras estruturas históricas e sociológicas. Estão
encravadas nas profundezas do coração humano.[6]
Para
o socialismo religioso, por isso, o momento decisivo da história não foi o
surgimento do proletariado, mas o aparecimento do novo sentido da vida na
automanifestação de Deus. Essa é uma diferença central com o pensamento de Karl
Marx e do marxismo posterior. Para Tillich, é tarefa do socialismo religioso
fazer a crítica, trazer à tona as questões últimas e decisivas da sociedade.
Assim, o socialismo religioso se faz radical e revolucionário, porque vê a
crise social do ponto de vista do incondicionado e a partir do espírito do
profetismo e com os métodos do marxismo é capaz de entender e transcender o
mundo atual.[7]
Assim,
o caminho percorrido por Tillich nos fornece elementos para a construção de
parte do instrumental teórico proposto neste trabalho.
Mas, por olhar a realidade a partir de um momento
específico da história, que se dá na Europa, entre as duas guerras mundiais,
faltaria nesta abordagem teológica de Paul Tillich o olhar latino-americano
que, mesmo reconhecendo as estruturas comuns à história do pensamento político,
indicassem novos aspectos e movimentos, entre os quais a presença cristã,
institucional e invisível, na sociedade brasileira. Tal desafio nos levou a
Enrique Dussel.
Na
teologia de Enrique Dussel há uma questão de fundo que é a exploração dos povos
periféricos. Exploração e dominação, para Dussel, acontecem quando o mesmo
fecha-se em si, torna-se auto-suficiente, etnocêntrico, e não aceita o outro, a
alteridade. Para o teólogo e filósofo da libertação, o outro não é percebido, já
que na ontologia da totalidade não há espaço para o outro, que significa
não-ser, negatividade.
Contra
a lógica que não aceita a exterioridade, Dussel propõe a organização do
discurso a partir da liberdade do outro.[8] Por isso, para
ele, o discurso deve partir da analética: aqui o outro se apresenta como
alteridade, pois irrompe como estranho, diferente, excluído, que está fora do
sistema e grita por justiça.
Para Dussel, analético é o fato real pelo qual o
ser humano, grupo ou povo se situa sempre além do horizonte da totalidade. O
momento analético é o ponto de apoio de novos desdobramentos. Entretanto, o
ponto de partida de seu discurso metódico é a exterioridade do outro. Como uma
alternativa à dialética que trabalha com a contradição, a identidade e a
diferença, o seu princípio não é o de identidade, mas da separação, distinção.
O momento analético do método dialético metafísico
segue uma seqüência: a totalidade é posta em questão pela interpelação
provocativa do outro. Escutar sua palavra é ter consciência ética, é aceitar a
palavra interpelante por respeito à pessoa que fala; por não poder
interpretá-la adequadamente. É lançar-se à práxis do excluído.[9]
Assim,
a analética tem origem não na ordem estabelecida da totalidade, mas no outro.
Para
Dussel, a ontologia, a partir do Iluminismo, não se baseou na relação
pessoa-pessoa, mas na relação sujeito-objeto. Essa ontologia de uma só pessoa
levou ao discurso solipsista. O olhar europeu colocou-se como superioridade em
relação ao outro, externo, primitivo e subalterno, o que conduziu à colonização
das vidas nas Américas.
A
América Latina, afirma Dussel, foi e é marcada pela exploração. Desde a
colonização seus habitantes, nativos ou não, foram desrespeitados como povos e
culturas. Tal situação tem justificação teórica: o outro é revestido da
impessoalidade do inimigo, do estranho, do inferior. Donde, não há problema se
for exterminado, já que este outro está fora da totalidade. Nada acrescenta ou
diminuiu à totalidade.
Este
mal é transmitido de geração em geração. A prática histórica ganha
característica de lei. Por isso, apesar de injusta, a exploração se torna
legal. Para Dussel, a legalidade não pode ser o fundamento da moralidade[10]. Toda prática justa deve ir além do
pré-estabelecido, da ontologia da totalidade, além da ordem legal vigente. A
origem de uma moralidade justa não está no mesmo, mas no outro. A prática
originada no mesmo é uma prática alienante, opressora e dominadora.
Dussel
afirma em América Latina Dependência e Libertação que na passagem
diacrônica, desde o ouvir a palavra do outro até a adequada interpretação,
pode-se ver que o momento ético é essencial ao método. Somente pelo compromisso
existencial, pela práxis libertadora no risco, por um fazer próprio, o mundo do
outro, pode-se ter acesso à interpretação, conceituação e verificação de sua
revelação.[11]
Dessa
maneira, só aparentemente o pensamento europeu antepôs a teoria à práxis, pois
o eu colonizo, o eu conquisto precedem o ego cogito, afirma Dussel. A
exploração e a opressão criaram as condições históricas das quais nasceu uma
filosofia da justificação e do ocultamento, uma falsa consciência da realidade.
A práxis da dominação formou a subjetividade do conquistador: o eu moderno é
livre, violento e imperial.
O
pensamento eurocêntrico e sua extensão estadunidense ocultam o conceito
emancipador de modernidade como saída do estado de menoridade. O que traduz a
justificação da práxis de violência por parte de culturas que se
autocompreendem como desenvolvidas. Esta superioridade impôs o desenvolvimento
monolinear, proposto pela modernidade e agora pela globalização, aos povos “primitivos
e grosseiros”. [12]
Podemos
dizer que em Tillich, enquanto herdeiro de Hegel e do jovem Marx, a práxis é a
mediação entre a ontologia e a efetivação do real. Esta correlação, que em
Tillich vai virar método, é a procura da superação das dialéticas anteriores,
que tratavam do conhecimento do ser e de suas manifestações fora da práxis
histórica. Dussel também faz este trânsito, quando constrói uma dialética que
não será hegeliana, nem marxista no sentido clássico, mas procurará
correlacionar lógica, ontologia e metodologia na dinâmica da práxis.
Assim,
Dussel busca uma ontologia que será refundada no sentido da metodologia e da
lógica. Essa correlação com a exterioridade vai caracterizar a mobilidade da
filosofia dusseliana da libertação, que por isso será uma filosofia da práxis.
Desenvolve,
pois, o estudo da correlação entre exterioridade e ontologia face à dinâmica da
práxis, tratando das formulações de método que acompanham a superação dos
horizontes ontológicos. Dessa maneira, coloca a afirmação da exterioridade como
fonte anterior às exigências da ontologia, fazendo o caminho inverso ao de
Tillich, mas chegando a um cruzamento comum: a ética.
Por
isso consideramos oportuno utilizar os dois pensadores, não apenas como
complementares, mas enquanto referenciais que nos permitem analisar a
articulação das categorias que possibilitam compreender os diversos momentos de
elaboração do pensamento socialista no Partido dos Trabalhadores.
RESUMO
DOS CAPÍTULOS
O
primeiro capítulo da tese começa com a redemocratização do Brasil em 1945, o
surgimento de novos partidos e a legalização do Partido Comunista Brasileiro,
PCB. Analisa a polarização do campo socialista, com o PCB por um lado e o
Partido Socialista Brasileiro, PSB, por outro, já que os dois partidos
traduziam visões diferentes de socialismo.
Mostra como esses vinte anos da história do Brasil,
conhecidos como a era dos partidos, desembocaram no golpe militar de 1964,
abrindo uma outra era em que as liberdades democráticas e cidadãs passaram a
estar sob a tutela de uma doutrina de segurança nacional fruto da divisão do
mundo em dois blocos e da guerra fria.
Os capítulos dois e três nos fornecem as bases teóricas para
analisar o pensamento político e a relação socialismo e cristianismo no Partido
dos Trabalhadores. Nesse sentido, nosso primeiro referencial teórico é Paul
Tillich, que nos apresenta elementos para analisar as raízes do pensamento
político, do socialismo e de suas relações com o cristianismo.
Da
mesma forma, no terceiro capítulo, trabalhamos com Enrique Dussel, cuja
teologia parte da
exploração da América Latina, considerada continente de terceira classe pelo
primeiro mundo, nos dá elementos para uma análise da luta dos excluídos e do
socialismo a partir do conceito de Outro. Essa leitura teológica do Mesmo --
aquele que se fecha em si, torna-se auto-suficiente, etnocêntrico e não aceita
o Outro, a alteridade --, contextualiza e traz para o momento presente a
antropologia política de Paul Tillich, elaborada entre duas grandes guerras do
século XX na Europa. Assim, ao fazer a crítica da ontologia da totalidade, onde
não há espaço para o Outro, pois é não-ser e negatividade, Dussel propõe uma ética
da vida que nos remete a Tillich.
Os capítulos quatro e cinco analisam o longo período
militar e a atuação dos vários segmentos cristãos à época, mostrando que se por
um lado a esquerda clandestina procurava desestabilizar o governo militar, por
outro setores expressivos da Igreja católica apoiavam e aderiam cada vez mais
abertamente à luta contra o regime.
Essa resistência levará, no final dos anos 70, às
mobilizações sociais e políticas que possibilitaram a que setores da sociedade
– entre os quais sindicalistas, cristãos e militantes da esquerda clandestina –
viabilizassem a fundação de um Partido dos Trabalhadores. Tal novidade, que
traduzia um velho sonho de trabalhadores e socialistas, polarizou a discussão
acadêmica: que partido é esse, afinal? Que socialismo é esse do PT? Que relação
existe entre socialismo e cristianismo no PT?
Parte das duas primeiras questões foram respondidas, a
terceira continua em aberto. Por isso, uma das preocupações da tese está
centrada na terceira questão.
No capítulo seis, discute-se, então, o papel da
democracia no projeto socialista do PT, constatando como a contribuição da teologia
para a compreensão da crise social e política de uma época, no caso de Tillich
em relação à crise alemã e à ascensão do nazismo, nos permite analisar as
origens do pensamento político no PT.
E da mesma maneira, como a teologia de Dussel, que
procurou responder ao desafio de definir os problemas e os caminhos para o
diálogo entre as populações excluídas na América Latina, agora nos fornece
elementos para compreender o papel e a importância do cristianismo na
construção do pensamento socialista no Partido dos Trabalhadores.
JUSTIFICATIVAS
Nos
últimos anos, a academia brasileira produziu excelentes estudos sobre o Partido
dos Trabalhadores e suas relações com a esquerda brasileira e o socialismo,
entre os quais devemos citar os de Clóvis Bueno de Azevedo, Márcia Regina
Berbel e Marco Antonio Mondaini de Souza[13]. Estes
trabalhos efetuaram análise qualitativa do papel desempenhado pelos diferentes
agrupamentos políticos da esquerda na formação do Partido dos Trabalhadores,
abrindo caminho para a compreensão do socialismo e da formação do PT para a
história das idéias socialistas no Brasil.
Mas
no conjunto dos estudos acadêmicos pesquisados não encontramos dissertações ou
teses que trabalhem a análise do Partido dos trabalhadores a partir da
teologia. Tal ausência na pesquisa acadêmica chama a atenção, pois é fato
notório de que a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base
estiveram presentes na formação do PT, quer fornecendo reflexão teórica, quer
participando com militantes e ativistas. É de se perguntar, então, porque tal
silêncio. E por extensão se é possível compreender o pensamento e a história do
PT sem correlacionar suas propostas sociais com a religião e o cristianismo.
Assim,
a partir das fontes primárias de pesquisa, que são a documentação dos encontros
e congressos do Partido dos Trabalhadores, e das fontes secundárias de
pesquisa, que são a documentação jornalística, o trabalho vai procurar
preencher a lacuna existente atualmente na pesquisa acadêmica referente à
construção do pensamento democrático e socialista no Partido dos Trabalhadores.
Ao
nosso ver, a justificativa da pesquisa fica mais clara quando falamos das Resoluções
de Encontros e Congressos de 1979-1998, uma documentação que inclui as
resoluções de onze encontros nacionais, dois encontros nacionais
extraordinários, assim como as de seu congresso nacional. Como declararam Jorge
Almeida, secretário-nacional de Formação Política do PT, e Luiz Soares Dulci,
presidente da Fundação Perseu Abramo, em agosto de 1998, “são documentos
fundamentais para a história do PT e para qualquer balanço político do Partido,
bem como para estudos acadêmicos sobre o PT e a vida partidária brasileira nas
décadas recentes”.[14]
Assim,
olhando para a documentação oficial do PT, em especial, Resoluções de
Encontros e Congressos, e para a revista trimestral Teoria e Debate, que
cobrem vinte anos da história do partido, temos um farto material para a
compreensão da história do ideário do PT como um todo e do pensamento
socialista em particular. Toda uma geração de militantes leu e tomou as
revistas Teoria e Debate como fonte de inspiração.
Isto
porque aqueles que se colocaram na brecha das lutas sociais, que se
posicionaram ao lado dos excluídos e do movimento dos trabalhadores que
começava a se organizar, viam essas revistas teóricas do PT não como leitura de
lazer, mas como instrumento para suas ações. Essa literatura faz parte da
história do socialismo e da imprensa brasileira. O desvelamento teológico do
ideário do Partido dos Trabalhadores através da releitura dessa literatura pode
permitir uma nova visão acerca do passado, calçando compromissos e
envolvimentos num presente melhor compreendido.
Mas
além da justificativa científica, não podemos esquecer a crescente importância
do Partido dos Trabalhadores para a sociedade brasileira, assim como para a
política nacional. Em termos sociais, o PT surgiu enquanto organização ligada
às classes trabalhadoras da cidade e do campo, polarizando, inevitavelmente, a
política nacional. A importância social da tese mostra sua relevância, ao
analisar o papel da religião no próprio crescimento eleitoral do PT. Um exemplo
disso, que na tese será analisado mais detidamente, é o fato de que o PT atua
sobre o conjunto da sociedade brasileira modificando padrões sociais
anteriormente estabelecidos. Assim, sua inserção nos grotões, através da
presença cristã, modificou o perfil do voto conservador e de direita dessas
áreas.
Ora,
essa importância social nos leva à questão política. Sem mistificar os limites
da presença do PT no cenário nacional, podemos dizer que construiu lideranças e
desenvolveu uma maneira de fazer política – de diálogo com os setores excluídos
e marginalizados da sociedade – senão inédita, ao menos resgatada, já que
estava esquecida desde os governos de Vargas e João Goulart.
Dessa
maneira, a proposta da tese O ESPECTRO DO VERMELHO, Uma leitura teológica do
socialismo no Partido dos Trabalhadores, a partir de Paul Tillich e Enrique
Dussel cobra importância política ao analisar a relação do cristianismo com
a política brasileira: não mais de maneira periférica, mas através dos
conteúdos simbólicos que falam ao conjunto da brasilidade.
[1] Paul Tillich, Systematic
Theology I (1951), pp. 3-4.
[2]
Esse processo, que parte do eterno e desemboca no eterno, Tillich vai chamar de
pan-enteísmo escatológico. In Systematic
Theology I (1951), p. 421.
[3] Paul Tillich, A Decisão
Socialista, Introdução: As duas raízes do pensamento político,
Potsdam 1933, Gesammelte Werke, II, pp. 219-365.
[4] Paul Tillich, La décision
socialiste, Potsdam 1933, Gesammelte Werke, II, p.31.
[5]
“Como Kierkegaard, Marx fala da situação alienada do homem na estrutura social
da sociedade burguesa. Empregava a palavra alienação (entfremdung) não do ponto
de vista individual, mas social. Segundo Hegel essa alienação significa a
incursão do Espírito absoluto na natureza, distanciando-se de si mesmo. Para
Kierkegaard era a queda do homem, a transição, por meio de um salto, da
inocência para o conhecimento e para a tragédia. Para Marx era a estrutura da
sociedade capitalista”. Paul Tillich, Perspectivas da Teologia
Protestante nos séculos XIX e XX, São Paulo, ASTE, 1999, p. 193.
[6]
A Era Protestante, op. cit., p. 271.
[7]
Idem, op. cit., p. 274.
[8]
Osvaldo Luís Golfe, O Mesmo, o Outro, o Ethos Latino-Americano na filosofia
de Enrique Dussel in Artigos -- Jung e Pós-Jungianos, www.rubedo.psc.br |
Artigos | © Osvaldo Luís Golfe.
[9]
Enrique Dussel, Da Ciência à Filosofia da Libertação, in Filosofia da
Libertação, São Paulo, Loyola, 1980, pp. 163-164.
[10]
Enrique Dussel, Para uma ética da Libertação Latino-americana, Eticidade
e Moralidade, p. 85.
[11] Enrique Dussel, América
Latina, Dependencia y Liberación, Buenos Aires, Fernando Garcia Cambeiro,
1973, p. 121.
[12]
“A palavra desenvolvimentismo indica uma categoria filosófica fundamental, uma
posição ontológica pela qual se pensa que o desenvolvimento europeu deverá ser
seguido com as mesmas características por qualquer outra cultura. É o movimento
necessário, para Hegel; o seu desenvolvimento inevitável. Eurocentrismo e
falácia desenvolvimentista são dois aspectos do Mesmo”. Enrique Dussel. El encubrimiento del Otro. Hacia el origen del Mito de la Modernidad,
Madri, Ed. Utopia, 1992.
[13]
Clóvis Bueno de Azevedo, Leninismo e social-democracia: uma investigação
sobre o projeto político do Partido dos Trabalhadores, dissertação de
Mestrado, São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, 1991; Márcia Regina Berbel, Partido dos trabalhadores:
tradição e ruptura na esquerda brasileira (1978-1980), dissertação de
Mestrado, São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, 1991; Marco Antonio Mondaini de Souza, Da
esquerda revolucionária pré-64 ao PT: continuidade e ruptura, dissertação
de Mestrado, São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, 1995.
[14]
Resoluções de Encontros e Congressos, 1979-1998, Ed. Fundação Perseu
Abramo, São Paulo, 1999, p. 12.
jeudi 24 septembre 2015
Stálin, cozinheiro...
A sopa de repolho e o cozinheiro de pratos picantes
Jorge Pinheiro
Quando falamos de assassinatos por envenenamento nos lembramos imediatamente de uma jovem chamada Lucrecia, que nasceu em Roma em 1480. E que teve por pai o cardeal Rodrigo Borgia, que mais tarde se tornaria o Papa Alexandre VI, e por mãe Vanozza Cattanei. Embora filha ilegítima, Rodrigo a reconheceu, lhe deu seu sobrenome, e a usou nas mais diferentes intrigas palacianas. Mas, ao contrário do que conta a lenda, seus contemporâneos não viam em Lucrecia Borgia nada mais que uma princesa usada por seu pai e irmão, Cesare Borgia, Il Valentino, em lutas políticas, por ser bela, culta, amante das artes e mulher caridosa.
Por isso, talvez seja melhor falar de filosofia e teologia.
Definir prato picante pode variar, conforme a culinária ou o gosto de cada um. Mas uma coisa permanece nesta idéia : é um prato que chama a atenção por condimentos que excitam o paladar e deixam um gosto marcado na boca. Assim, o escritor Airton Ortiz, por exemplo, tem uma receita de churrasco, onde recomenda que coloquemos «no primeiro espeto um pedaço de lingüiça calabresa, a mais picante que encontrar». Segundo ele, «aprendi a comer pratos picantes na Índia, fiquei contaminado e agora não abro mão da pimenta. Asso-a rapidamente, na labareda mesmo. Ela fica torradinha. Para torrar mais rápido, furo a tripa com um palito, para escorrer a água. Servida no início do churrasco, na hora dos aperitivos, serve especialmente para despertar nos meus convidados o gosto pela cerveja. Mesmo os que não são adeptos do álcool partem imediatamente para um copo estupidamente gelado».[1]
Mas, talvez, um dos pratos picantes mais conhecidos e citados na historiografia da culinária seja o Shchi ou sopa de repolho russa, conforme receita usada e divulgada por Josef Stálin (1929-1953), ex-ditador da União Soviética. O shchi pode ser feito com carne ou sem ela , mas é indispensável o chucrute ou o repolho, ou ambos. Uma recomendação fundamental é que deve sentar e curar no mínimo por um ou dois dias, antes de ser comida. Esta receita que fazia parte do cardápio de Stálin, e era, segundo alguns, seu prato preferido, por causa da presença do chucrute e do repolho, é cheia de sabores e texturas e deve ser comida quente, com pumpernickel ou pão de centeio e manteiga.
É importante dizer que não foi Stálin quem inventou o shchi, pois há evidências de que já era conhecido na Rússia desde antes do ano 988, quando o cristianismo foi aceito. Shchi originariamente significava "comida líquida" e só depois ficou conhecida como "sopa de repolho", quando legume passou a ser cultivado na região. Foi a sopa favorita de mongóis, de Ivã, o terrível, Nicholas II, de Lenin, de Stalin, e de Mao Zedong.[2]
E Alexandre Dumas gostou tanto da shchi que a colocou no seu livro de receitas. E Lewis Carroll a achou bebível, mas um pouco azeda, condizente com o paladar russo. Isso é tão verdadeiro que ainda hoje na Rússia se alguém for chamado de “professor de shchi azedo” significa que é uma fraude, ou seja, incapaz de preparar algo que todo mundo sabe fazer.
Por isso, fugindo ao apodo de “professor de shchi azedo” segue aqui uma versão unânime da sopa de repolho russa. Ingredientes: quatro xícaras de repolho, duas ou três xícaras de chucrute não enlatado. Duas colheres de massa de tomate, doze xícaras de carne de boi, ou, se não come carne, de legumes variados, em especial cogumelos. Três colheres de sopa de manteiga, uma cenoura descascada e cortada em Julienne, uma xícara e meia de cebola cortada, um talo de aipo bem cortadinho, um nabo grande descascado e também bem cortadinho. E ainda tomates cortados, sal e pimenta. E, por fim, cravo da Índia picado.
Como preparar: comece saturando os cogumelos, depois de lavados e secados e fatiados, em água. Em uma frigideira grande derreta a manteiga em calor médio, refogue a cenoura, cebolas, aipo, nabos, e cogumelos até ficarem ligeiramente marrom (aproximadamente quinze minutos). Numa caçarola, coloque o repolho e o chucrute e refogue durante 15 minutos, mexendo sempre. Depois coloque os ingredientes da frigideira na caçarola, e os temperos. Mexa tudo, cubra e deixe cozinhar em fogo brando por vinte minutos. Por fim, acrescente o alho e cozinhe por mais cinco minutos.
Deixe então sentar e curar por um ou dois dias. Se for inverno aqueça antes de servir. Se for no verão, como recomenda Limonov, sirva frio. Com guarnição sirva endro fresco cortado e misturado com nata azeda. Por ser um prato azedo e picante combina com vinho branco, mas os russos, logicamente, preferem acompanhar com vodca. Assim, presente tanto na historiografia da culinária[3], como na literatura[4], não seria de estranhar que também se fizesse presença na política russa.
Vladimir Illich Lênin, pai da revolução bolchevique, apelidou Stálin de “o cozinheiro de pratos picantes”. Esse apelido partia do viés culinário de Stálin, mas guardava um outro sentido: a acusação velada de que Stálin envenenava seus desafetos. O apelido foi mais tarde utilizado por Trotsky contra Stálin e acabou se generalizando na Oposição de Esquerda.
Stálin, Lênin e Trostsky
Trotsky acreditava ou ao menos fez questão de publicitar que Stálin tinha envenenado Lênin. Apesar de durante todo o período stalinista, esta acusação tenha ficado marginalizada da historiografia soviética, ela reapareceu com força com o fim da União Soviética. Ela por exemplo está presente em Touro, filme do cineasta russo Alexander Sokourov[5] que evoca os últimos dias de Lenin em 1922, depois que sofreu um primeiro derrame. Prematuramente velho, caminha com dificuldade e tem surtos de depressão e delírios. Só Krupskaya, sua mulher, o trata com carinho. Rodeado por guardas e criados, alguns dos quais informantes da polícia política, aqui o retrato de Lênin é o do Minotauro, monstro e vítima, possuidor de poder, mas cada vez mais solitário e isolado. A cena em que Lênin descobre que o telefone da datcha foi cortado mostra isso. E a visita de Stalin, discutida várias vezes, mas em especial num jantar, onde o prato servido é a shchi, traz à tona o medo de Lênin de ser envenenado pelo novo secretário-geral do Partido. E quando Stálin chega e entra na casa, Sokourov traduz em sombras e meia-luz esta presença maligna do anjo da morte.
Trotsky décadas antes de Sukourov já havia apresentado sua versão: “Eu imagino que as coisas se passaram quase dessa forma. Lenin pede veneno ao final de fevereiro de 1923. No inverno, o estado de Lenin começou a melhorar lentamente. O uso da voz retornara. Stalin queria o poder. O objetivo estava próximo, mas o perigo emanado de Lenin estava mais próximo ainda. Stalin devia tomar a resoluão que lhe era imperativa, de agir sem demora. Se Stalin enviou o veneno a Lenin depois que os médicos tinham deixado entender por meias palavras que ele não tinha mais esperança ou se recorreu a outros maios mais diretos, eu ignoro”.[6] Essa leitura de Trotsky também é a de historiadores contemporâneos, como Antoni Domènech, que afirma ter sido Lênin assassinado por Stálin.[7]
Certamente é difícil dar uma palavra final sobre a morte de Lênin. Em 1991, documentos foram divulgados, entre eles a autópsia de Lênin, assim como as memórias daqueles que acompanharam sua morte. Um trabalho publicado no "European Journal of Neurology" de junho de 2004 sugere que Lênin, aos 54 anos, morreu de neurossífilis. Os autores, V. Lerner, Y. Finkelstein e E. Witztum, de Israel, com base em cinco anos de pesquisas em arquivos liberados da antiga União Soviética, relatórios de necropsia e livros de memória de antigos médicos, concluíram que Lênin sofreu de sífilis terciária, que no correr dos anos afeta o cérebro. A causa oficial da morte de Lênin foi uma arteriosclerose cerebral, mas apenas oito dos 27 médicos que trataram dele assinaram esse diagnóstico. Os dois médicos pessoais do revolucionário recusaram-se a assinar o atestado de óbito oficial. Segundo os médicos israelenses, a sífilis produziu lesões cerebrais e demência nos dois últimos anos de vida do líder.[8]
É verdade que a sífilis na época era incurável, mas é interessante que sua mulher Krupskaya viveu até 1939 e nunca apresentou nenhum sintoma da doença. Assim, a sífilis de Lênin pode ser mais uma especulação, principalmente quando nos lembramos que ele sofreu uma tentativa de assassinato em 1918 e que a bala nunca foi removida. Daí, uma outra hipótese, o do envenenamento lento causado pela bala não extraída.
Diante dessa comida que mata, dessa bebida que fulmina, talvez o jeito seja cantar o rock punk do k2o3:
Veneno que me rouba a vida/ veneno, uoohhoo! / É o veneno que me está a matar/ mesmo que queria não consigo escapar/ cruel e fria perseguição/ que só acaba com destruição. / Veneno que me rouba a vida/ veneno, uoohhoo![9]
Citações
[1] Airton Ortiz, O churrasco de um gaúcho viajante, Água na boca, www.missd.com.br (21/08/2004).
[2] Faves of the Stars!, www.soupsong.com/bfaves (21/08/2004).
[3] Shchi, Russian cabbage soup, www.soupsong.com/bfaves ( 21/08/2004).
[4] Edouard Limonov, That's me, Edichka
[5] Alexei Jankowski, Lénine en fauteuil roulant Taurus, film russe d’Alexandre Soukourov 1 h 30. Les Archives integrales de l´Humanité, L´Humanité, www.humanite.fr/journal/2001-05-18/2001-05-18-244434 (21/08/2004).
[6] León Trotsky, O cozinheiro de pratos picantes, citado por Ludo Martens, O testamento de Lênin, Centro de Mídia Independente, http://brasil.indymedia.org/pt/blue/2003/08/260173.shtml (21/08/2004).
[7] Antoni Doménech, El eclipse de la fraternidad, Una revisión republicana de la tradición socialista, Barcelona, Ed. Crítica, 2004. Vide: Entrevista político-filosófica de Antoni Domènech, Salvador López Arnal, www.nodo50.org/redrentabasica/descargas/Entrevista_TD_def.pdf (21/08/2004) .
[8] Julio Abramczyk, Estudo especula sobre morte de Lênin, Folha de S. Paulo, 01/08/2004.
[9] «És capaz» da banda de punk rock k2o3, formada em 1994. Seu álbum de estréia foi lançado em 1996, pela El Tatu. O segundo álbum recebeu o título de “Grita!”. O grupo não existe mais.
mercredi 23 septembre 2015
Naira & Jorge -- 35 anos juntos na caminhada
22/09/1980. Tudo começou num baile do Paulistano da Glória.
Ela era atriz, fazia Adm. na FGV.
Sempre amada.

Inscription à :
Articles (Atom)