Omar de
Barros Filho, editor da Via Política,
entrevista
Jorge Pinheiro, em 2008

Quem, como eu,
teve a oportunidade de conhecer Jorge Pinheiro durante sua ativa militância
socialista na década de 70, depois do exílio na Argentina, Chile e Europa, foi
surpreendido com os rumos de sua trajetória posterior, após a derrota da
ditadura militar e a consolidação democrática brasileira, ainda em
processo. O corriqueiro seria que o jornalista talentoso ocupasse um cargo de
importância nos veículos de comunicação tradicionais, ou fosse para alguma
assessoria de comunicação na área de governo ou privada. Entretanto, Jorge
Pinheiro, um sobrevivente da ação repressiva da polícia política do Brasil e do
paredón de fuzilamento durante o golpe contra Allende, no Chile, optou
por um caminho distinto: converteu-se à fé do cristianismo e adotou a
construção da Igreja Batista como seu novo objetivo. Doutorou-se em teologia,
escreveu obras de cunho religioso, tornou-se professor e pastor. Agora, ao
concluir o primeiro volume de uma trilogia em preparação – Novela de
memórias: um pedaço de mim –,lançado pela Eleva, o cientista da religião
Jorge Pinheiro abre uma nova etapa em sua caminhada. Uma inflexão que o levou a
descrever e refletir sobre a marcha de um militante marxista e seus camaradas
em um continente sem rumo, oprimido por regimes discricionários, uma América
Latina injusta e violenta que, mesmo assim, sobreviveu sob as sombras das asas
do condor.
VP - Você
ainda é jovem. Políticos, jornalistas e escritores, em geral, escrevem suas
memórias já tarde, quando o ocaso se aproxima. Por que você está lançando seu
livro agora?
Jorge
Pinheiro - Obrigado pelo jovem. Tenho 63 anos, saudáveis até agora, mas 63
anos nos levam a pensar no trânsito em direção à eternidade. Donde, começou a
contagem regressiva. As idéias do livro partem de dois fatores, o papel da
utopia socialista na minha vida e os demônios que infernizaram a minha juventude.
Na verdade, como
novela de memórias o livro tem dois personagens: eu mesmo e a utopia
socialista. Quando falo utopia não estou menosprezando o sonho do socialismo,
mas colocando-o num patamar de realização permanente, histórica e
trans-histórica. Ou seja, vejo o caminhar permanente da utopia, sinto o seu
cheiro agradável, mas não necessariamente vou vivê-la como desejaria.
E os demônios,
seguindo Nietzsche, são os pecados da juventude que se tornam virtude na
velhice. São os pesadelos que andam sempre ao lado dos sonhos. Nesse sentido,
como qualquer texto biográfico, o meu livro tem função de exorcismo. Exorcizar
fantasmas e demônios e ficar com a utopia geradora de novos sonhos.
O livro é a
primeira parte de uma trilogia esperada. É a minha história e a história da
minha utopia, onde tudo o mais é cenário. É biografia, mas também ficção, pois
sonhos e demônios são personificados, interferindo na vida do autor e de seu
sonho maior.
VP - Qual o
período de sua história pessoal que é abrangido pela obra que em breve
será lançada?
Jorge
Pinheiro - A história cobre os anos de 1969 a 1973. Ou seja, minha
militância no Movimento Nacionalista Revolucionário/MNR, o primeiro exílio, a
militância no Chile de Allende, a prisão depois do golpe de Pinochet e a condenação
por fuzilamento.
Se levarmos em
conta que fui para o paredón para ser fuzilado e hoje posso contar a
história para vocês, é fácil entender os demônios da minha história
pessoal.
VP
- Você sente algum tipo de nostalgia em relação ao período marcado
pela ação política de 68, passados 40 anos do ocorrido?
Jorge
Pinheiro - Vocês publicaram a coisa de semanas um ótimo artigo sobre Daniel
Cohn-Bendit http://www.viapolitica.com.br/artigo_view.php?id_artigo=58,
onde ele pede às novas gerações que esqueçam o Maio francês. Eu e minha mulher,
Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos, temos trabalhado bastante sobre
esta questão. E, ao contrário de Cohn-Bendit, não negamos a contemporaneidade
de 1968. Ao contrário, agradecemos a Deus por aquele kairós, enquanto
esforço de ruptura com uma sociedade arcaica e sem sintonia com o novo que se
avizinhava, e de construção de um socialismo democrático e revolucionário.
Chamar o movimento de 68 de rebeldia juvenil é não entender a riqueza criativa
do kairós histórico. É negar as lutas que partiram de estudantes e
trabalhadores da França em direção aos EUA, Itália e Alemanha, e jogar no lixo
as lutas entre o capital e o trabalho, as guerras do Vietnã, Laos, Camboja e as
insurreições populares no Chile, Portugal e Nicarágua.
Não tenho
nostalgia, porque não situo minha ação no passado, mas no presente, enquanto
ativista político-social que sou. O Maio francês abriu um novo momento na
história do planeta e não se limitou à Europa. Espraiou-se pelo mundo. E minha
vida política, quer no Brasil, no Chile, na Argentina e mesmo na Europa, esteve
correlacionada ao Maio francês. Aprendi desde pequeno que não se cospe no prato
em que se come. Creio que cresci em relação à minha ingenuidade militante e
juvenil, mas isso não significa negar os momentos nobres e poderosos da minha
militância nos anos 60 e 70.
Minha conversão
ao cristianismo, que é um ato de fé no sacrifício do Cristo, de forma nenhuma
implicou um abandono de minha consciência política. Nós, batistas, consideramos
inalienável a liberdade de consciência e acreditamos que cada pessoa é livre
perante Deus em todas as questões de consciência.
Nesse sentido,
sou um utópico: acredito que devo me posicionar a partir de uma ética da
responsabilidade social. Isso implica entender o paradoxo da multicultura
relacional brasileira: vivemos num país onde impera a moral autoritária do
senhor, da casa grande e da senzala, e a moral libertária da
contracultura – a moral do “não existe pecado do lado de baixo do Equador/
vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor”.
Por isso,
qualquer atuação no campo social implica compreender esta realidade. Mas,
consciente de que as sociedades devem se organizar através de relações
democráticas, considero que a igreja na América Latina tem como desafio embasar
seu compromisso no imperativo protestante: liberdade, conhecimento e justiça.
Tal processo se
expandirá conforme cresça a consciência de que temos a tarefa de transformar o
Brasil num país onde todos possam acessar condições dignas de vida e justiça
social. E, logicamente, todo o continente.
VP- Como
ocorreu o processo vivido por você - um militante marxista radical considerado
perigoso pela ditadura militar brasileira - de rompimento com
sua política e o posterior encontro com o cristianismo, a Igreja Batista,
a teologia? Como você lida com essa questão hoje?
Jorge
Pinheiro – Jesus proclamou a chegada do Reino de Deus, que é um reino de
justiça, paz e alegria. É bem verdade que, muitas vezes, o cristianismo tem
deixado a proclamação do Reino de Deus de lado e procurado viver sob a tutela
do reino deste mundo. Mas, só para mostrar o envolvimento cristão protestante
na transformação do mundo, vou me remeter à história da militância cristã na
Inglaterra dos séculos 18 e 19.
William
Wilberforce e William Pitt são nomes conhecidos na Inglaterra, mas não entre
nós. Amigos desde a universidade, esses dois homens, no século 18, chegaram ao
Parlamento no início dos seus vinte anos. Pitt elegeu-se primeiro-ministro e
ganhou o apelido de "o jovem", para diferenciá-lo do pai, que também
ocupara o cargo. E resolveu implantar um projeto político audacioso: acabar com
o tráfico de escravos, liderado pela Inglaterra. Projeto difícil, pois a
maioria dos parlamentares estava direta ou indiretamente ligada ao tráfico.
Pitt convocou
Wilberforce para ajudá-lo na tarefa. E foi assim que dois movimentos marcaram a
Inglaterra: a campanha contra a escravidão, que começou em 1789, com um
discurso de William Wilberforce na Câmara dos Comuns, e as campanhas pelas
reformas trabalhistas, que desembocaram no movimento social cristão. Em 23 de
fevereiro de 1807, o tráfico de escravos foi interrompido, graças à intensa
militância cristã e política de Wilberforce.
A partir desse
momento, as campanhas abolicionistas foram lideradas por outro ativista, Thomas
Fowell Buxton. Ambos, Wilberforce e Buxton, pertenciam a um pequeno grupo
protestante surgido na paróquia de Clapham, vilarejo distante oito quilômetros
de Londres. Assim, a comunidade de Clapham, aliada a grupos não-conformistas, e
através da publicação de literatura, realização de palestras e mobilizações de
rua, foi responsável por algumas das manifestações sociais mais importantes da Inglaterra.
Em 25 de julho de 1833, o Ato de Emancipação libertou os escravos em todo o
império britânico.
O significado
dessa ação repercutiu em todo o mundo, inclusive no Império brasileiro,
estrategicamente ligado à Inglaterra, através de três intelectuais: Joaquim
Nabuco, Rui Barbosa e Luiz Gama. Nabuco, que era diplomata, se inspirou no
cristianismo militante de Wilberforce para organizar o movimento que levou a
monarquia brasileira a aprovar a Lei do Ventre Livre. Somada à pressão
britânica, a militância de Nabuco contribuiu para determinar a abolição da
escravatura, em 1888.
Junto com as
campanhas abolicionistas, as reformas trabalhistas mobilizaram outros
intelectuais protestantes vindos do anglicanismo, como John Malcolm Ludlow
(1821-1891), Charles Kingsley (1819-1875) e Thomas Hughes (1822-1896), que
lutaram pelo fim da escravidão, contra o trabalho infantil nas fábricas e pela
jornada de dez horas. Essas mobilizações levaram a uma ampla reforma social e
ao surgimento do movimento social cristão inglês.
Assim, os
protestantes deram início ao movimento social inglês. Homens como Ludlow,
Kingsley, Maurice e Hughes criaram o socialismo cristão na Inglaterra. Com
plena consciência do que estava fazendo, Maurice afirmou “a necessidade de
uma reforma teológica inglesa, como meio de evitar uma revolução política e de
trazer o que de bom existe nas revoluções estrangeiras, tem estado cada vez
mais impresso no meu pensamento”.
O movimento
inglês repercutiu com força nos Estados Unidos. E, apesar da visão escravista
de muitos protestantes estadunidenses, como Richard Furman, líder batista da
Carolina do Sul, que, de certa forma, traduzia o sentimento generalizado entre
os grandes fazendeiros sulistas, no norte surgiu um forte movimento protestante
contra a escravidão. Seu primeiro grande ativista foi Charles G. Finney,
seguido por abolicionistas como Theodore Weld e Lymann Beecher.
Um romance
marcará a campanha abolicionista e entrará para a história da literatura
mundial: “A cabana do pai Tomás”, de Harriet Stowe. Numa leitura escatológica
milenarista, Harriet Stowe considerava que a escravidão não era apenas um
pecado do Sul, mas que a culpa era nacional e, por isso, o juízo seria
nacional.
No livro,
atacava a consciência nacional escravista na esperança de que uma purificação
da alma dos Estados Unidos livrasse o corpo político da vingança divina. É
interessante que o argumento de Wilberforce, exposto em suas campanhas, sobre a
inviolabilidade do conceito de que todos os homens são iguais, foi usado pelo
presidente estadunidense Abraham Lincoln no ato de 1863, que aboliu a
escravidão nos Estados Unidos. Lincoln, cujo mandato se desenrolou em meio à
Guerra de Secessão, compartilhava a visão de Wilberforce de que era uma
imoralidade possuir um outro ser humano e citava o inglês em seus discursos.
Com a guerra,
veio a vitória do norte e a abolição da escravatura. Finda a escravidão, a
discussão sobre a industrialização do país, os danos humanos, misérias e
exclusão que produzia entraram na ordem do dia. Surgiram assim os “protestantes
públicos” que, ao contrário dos “privatistas”, falavam de cristianismo social,
evangelho social, serviço social. Expoentes desse pensamento foram Washington
Gladden, ministro congregacional de Ohio, o escritor Charles Sheldon, que
produziu uma obra até hoje famosa, “Em Seus Passos Que Faria Jesus?”, e o
pastor batista Walter Rauschenbusch.
Rauschenbusch
(1861-1918) era de origem alemã. Levantou a questão do evangelho social, a
partir de uma leitura que combinava a doutrina bíblica da responsabilidade
social e os socialistas utópicos. Defendeu uma democracia econômica e política
e propôs uma atuação através dos sindicatos.
“Nossa
economia política tem sido por muito tempo o oráculo de um deus falso.
Ensinaram-nos a ver as questões econômicas do ponto da vista dos bens e não do
homem. Disseram-nos como a riqueza é produzida e dividida e consumida pelo
homem, e não como a vida e o desenvolvimento do homem podem melhorar e serem
promovidos pela riqueza material. É significativo que a discussão do consumo da
riqueza esteja negligenciada na economia política, contudo a questão humana é a
mais importante de todas. A teologia deve ser cristocêntrica, mas a economia
política deve tornar-se antropocêntrica. O homem é cristianizado quando põe
Deus acima de si próprio, a economia política será cristianizada quando colocar
o homem acima da riqueza. É isso que uma economia política socialista faz”,
afirmou em “Christianity and the
social crisis”.
No mesmo livro,
dizia que “nada dará a classe trabalhadora uma compreensão real de seu
status de classe e de seu objetivo final do que a luta permanente para
conquistar suas reivindicações mínimas e para eliminar as pressões reacionárias
contra seus sindicatos. Nós partimos do princípio de que uma organização
fraternal da sociedade não terá força se for apoiada apenas por idealistas. Ela
(a organização fraternal da sociedade) necessita da sustentação firme da classe
trabalhadora, cujo futuro econômico depende do sucesso desse ideal. A classe
trabalhadora industrial é, consciente ou inconscientemente, a força para a
realização desse princípio. Assim, aqueles que desejam a vitória, desde um
ponto de vista religioso, terão que fazer uma aliança com a classe
trabalhadora. Mas o princípio protestante da liberdade religiosa e o princípio
democrático da liberdade política levam à vitória através da aliança da classe
média, que também deseja a conquista do poder, com a classe trabalhadora; dessa
maneira, o novo princípio cristão, que busca uma organização fraternal da
sociedade, deve aliar-se para a conquista que ambos querem”.
Acho que estou
em boa companhia, principalmente quando me lembro do companheiro Martin Luther
King Jr., pastor batista, e um dos maiores militantes da causa social em todos
os tempos.
VP - Como
essa crise e a superação dela aparecem no livro? A revolução e Cristo ainda
caminham juntos na América Latina? Por quê?
Jorge
Pinheiro – Hoje, na América Latina, muitos intelectuais, pastores e
teólogos protestantes estão organizados ao redor de projetos político-sociais.
Mas, logicamente, a preocupação primeira das igrejas protestantes é com a vida
espiritual das pessoas e sua renovação em Cristo. Hoje, não poucos evangélicos
atuam inspirados na fé cristã em movimentos populares, sindicatos, partidos
políticos e ministérios de ação social de suas igrejas. E, em relação ao nosso
país, atuar politicamente já faz parte da vida dos protestantes brasileiros.
Em termos de organização, vou falar de dois movimentos que, embora novos, têm
fermentado positivamente o solo militante evangélico. O primeiro é o movimento
da Missão Integral, que procura envolver as igrejas locais com o compromisso
social. Na visão da Missão Integral, da qual faço parte e sou um dentre muitos
teóricos, a proclamação do Evangelho tem conseqüências sociais quando olha o
ser humano como totalidade.
Assim, a
teologia da Missão Integral busca a justiça social porque entende a fé como
intervenção política, material e espiritual, e acredita que a transformação das
pessoas e as mudanças estruturais estão correlacionadas.
E porque
acreditamos que o ser humano é a imagem de Deus, a Missão Integral é uma
teologia para aqueles que carecem de bens e possibilidades, mas que, como os
demais, são imagem de Deus. Os despossuídos de bens e possibilidades têm
conhecimento, habilidades e recursos. Tratá-los com respeito significa
propiciar condições para que sejam arquitetos de mudança em suas comunidades,
ao invés de impor soluções. Trabalhar com os despossuídos e expropriados
envolve a construção de relações que conduzem a uma mudança mútua.
E, para a Missão
Integral, quem pode e deve atuar assim são as igrejas locais. O futuro da
missão integral se define, pois, em termos de capacitar as igrejas locais para
que transformem as comunidades das quais fazem parte. As igrejas, como
comunidades de cuidado e inclusividade, estão no coração do que significa fazer
missão. As pessoas são, em particular, atraídas à comunidade cristã antes de
serem atraídas pela mensagem cristã.
Esse jeito de
produzir inclusão social nasce de baixo, nasce nas igrejas, traduz uma teologia
do Reino de Deus, comunitária, a experiência de caminhar com as comunidades.
Olhando assim, a igreja não é meramente uma instituição, mas comunidade na qual
se concretizam os valores do Reino de Deus.
A participação
dos despossuídos e expropriados na vida da igreja leva a encontrar novas
maneiras de ser igreja no contexto da cultura brasileira. Dessa maneira, a
Missão Integral, que hoje envolve centenas de igrejas evangélicas brasileiras,
é uma teologia social. Tal atividade se amplia para incluir avanços até a
transformação de valores, a valorização das comunidades e a cooperação em
questões de justiça. Em sua presença entre os despossuídos e expropriados, a
igreja está numa posição singular para restaurar a dignidade das pessoas,
apresentando valores que produzem recursos e criam redes de solidariedade.
Mas os problemas
continuam presentes, por isso toda ação de transformação é permanente. Temos
problemas políticos e sociais, como pobreza, violência, corrupção. Má qualidade
dos serviços públicos nas áreas de educação e saúde, agressões contra o meio
ambiente. Por isso, num momento em que a visibilidade e o reconhecimento da
presença protestante reclamam expressões políticas de responsabilidade e
serviço, nós, ou seja, um grupo de evangélicos de igrejas diferentes e de
diferentes partes do Brasil, estamos atuando na construção de um movimento
chamado Evangélicos pela Justiça.
Bem, você deve
estar pensando, mas por que dois movimentos: Missão Integral e Evangélicos pela
Justiça? Considero que a Missão Integral, que hoje já é estudada como matéria
em muitas faculdades de teologia, visa atuar através das igrejas, sugerindo
programas e propostas para estas atuarem nos lugares onde estão implantadas.
Aqui, então, o agente é a igreja local: agente de transformação social.
Já no caso do
movimento dos Evangélicos pela Justiça desejamos ter neste primeiro momento uma
atuação conscientizadora sobre os formadores de opinião do mundo protestante.
Ao mesmo tempo, temos uma preocupação definitivamente política, pois queremos
uma alter sociedade, que supere o capitalismo e suas orientações ideológicas, o
neoliberalismo e as chamadas terceiras vias. Trata-se de meta histórica e
estratégica, que necessita de um programa de transição, e que envolverá
contribuições de dentro e de fora do campo protestante. Mas, acima de tudo, não
é um projeto que envolva a criação de um poder evangélico ou apoiado na
religião.
Por isso, nós,
os Evangélicos pela Justiça, rejeitamos os modelos de fusão entre instituições
religiosas e poder político. Não porque consideramos a política indigna ou
contrária à mensagem do Reino de Deus, mas porque acreditamos que as
instituições políticas de uma sociedade democrática devam ser construções
históricas, pactuadas entre pessoas de qualquer fé ou de nenhuma fé. E que o
papel dos cristãos é testemunhar de sua fé também nas questões sociais e
políticas.
Assim, a luta
contra a globalização excludente e suas formas de legitimação ideológicas,
seculares e religiosas, conservadoras ou progressistas, é um projeto que exige
estratégia histórica, que vai além das confissões religiosas, remetendo à
aspiração de uma humanidade livre e democrática. Mas é um projeto legítimo para
quem vê a fé cristã como chamado ao compromisso com a libertação de todas as
formas de escravidão, opressão e discriminação, que negam nos seres humanos a
imagem de Deus e nos impedem de um encontro com nosso Criador. É isso aí.