mardi 14 janvier 2020

A teologia é radical

Teologia do Novo Testamento
Reflexões para hoje

Jorge Pinheiro
A teologia é radical

As teologias no século XX, quer a neo/escolástica, quer a existencial, por traduzir as expressões de pensamento da modernidade, erraram exatamente naquilo que deseja vai superar: o sectarismo e o dogmatismo. Na verdade, hoje, a teologia se diz pluralista, mas nega o relativismo do pensamento pós-moderno que possibilitaria a tolerância e o diálogo com o que se apresenta diferente.

Por outro lado, ao fazer uma crítica superficial da pós-modernidade, quando pergunta, como aceitar um pensar que renunciou à busca da verdade e se crê incapaz de qualquer totalidade, cai no dogmatismo, já que diz conhecer a verdade e por isso pode buscá-la. Ou seja, a teologia do século XX, tanto a europeia como a norte-americana, em sua quase totalidade, no século XX, se postulou enquanto pensamento hegemônico e totalizante.

Esse pensar teológico tem, então, uma tendência ao absolutismo, traduzindo uma pregação partidária e sectária.

Apesar da atualidade e procedência da crítica que muitos teólogos levantaram, não podemos esquecer que toda teologia surge em determinado momento como fruto de uma reflexão sobre problemas objetivos. Daí que a América Latina, por viver realidades de miséria e opressão, forneceram e ainda fornecem elementos para um pensar na contra-corrente da teologia dominante na Europa e Estados Unidos. Mas tais fenômenos, documentados em todos os países latino-americanos, não são suficientes para explicar o surgimento de teologias que cresceram a partir da vitória da revolução socialista em Cuba, em 1959. A existência da miséria não basta, é necessário que o teólogo, também pessoa oprimida, perceba a necessidade de levantar a crítica da situação real e propor transformações estruturais para a sociedade. Deve tomar consciência do estado de opressão e entender que tal situação pode ser vencida.

Assim, no final dos anos 70, quanto a teoria do desenvolvimento começou a entrar em declínio, a estratégia da revolução conquistou corações e mentes latino-americanos. Intelectuais e partidos políticos abandonam a proposta do desenvolvimento, bandeira levantada entre outros pela Comissão Econômica para América Latina -- CEPAL, ligada à ONU, e promovida pelo governo de John Kennedy através da Aliança para o Progresso, e seguiram os passos de Che Guevara e Fidel Castro. Dessa maneira, a guerrilha surge na Colômbia, Guatemala e Bolívia, e vai se espalhando pelo resto da América Latina. Seguindo o sentido revolucionário que começa a incendiar o continente, teólogos protestantes e católicos optam pela estratégia da revolução.

Essa é a origem primeira e o contexto da reflexão teológica que se desenvolveu a partir de uma práxis concreta, num contexto cultural, político e social determinado. Nasceu, assim, a teologia da práxis libertadora.

As causas diretas

Embora tenhamos elaborações como o da Conferência do Nordeste -- Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro, de 1962, e Towards a Theology of Liberation de Rubem Alves, entre outras, foi no encontro da Conferência do Episcopado Latino-americano, realizado em Medellín, em 1968, que a teologia da práxis libertadora adquiriu direito de cidadania. Não nasceu naquela ocasião, mas é a partir dela que se intensifica a reflexão teológica a partir da práxis da libertação.

Partindo das propostas do Concílio Vaticano II, a conferência de Medellín fez três afirmações que nortearão o pensamento dessa teologia: os países pobres estão submetidos ao poder imperial; a igreja latino-americana vive num meio social em processo de transformação política e social; a igreja latino-americana deve buscar sua transformação, diante da injustiça e miséria.

A teologia cristológica dos documentos de Medellín tiveram, dessa maneira, um viés libertador. “É o próprio Deus que, na plenitude dos tempos, envia seu Filho para que, feito carne, libere todos os homens de todas as escravidões a que o pecado os mantêm subjugados: a ignorância, a fome, a miséria e a opressão, numa palavra a injustiça e o ódio que têm origem no egoísmo humano”.

Assim, a Conferência do Episcopado Latino-americano não viu a libertação reduzida à esfera espiritual, mas como ação transformadora que se estende ao ser humano enquanto totalidade, cobrindo as esferas das relações familiares, sociais e políticas.

Se as opressões do homem latino-americano direcionam a teologia da práxis libertadora, por outro lado, sofreu influência direta de teólogos europeus que rompiam com a tradição moderna e procuravam interpretar a mensagem de Cristo e a história da salvação em base política. Esses teólogos, entre os quais podemos citar J. B. Metz, H. Cox e J. Moltmann, negavam a interpretação escolástica e as abordagens existenciais. Procuraram na práxis política uma interpretação da mensagem cristã. Ou como diz Metz:

A salvação a que se refere a esperança da fé cristã não é uma salvação privada. A proclamação desta salvação empurrou Jesus para um conflito mortal com os poderes políticos de seu tempo. (...) Ela está ‘fora’, como formula a teologia da Carta aos Hebreus. O véu do templo foi definitivamente rasgado. O escândalo e a promessa desta salvação são públicos”.

A crise da teologia

Júlio de Santa Ana, teólogo uruguaio que trabalhou por mais de dez anos no Brasil, e depois passou a ensinar em Genebra, Suíça, esteve em São Paulo, em 1999, para ministrar curso a militantes cristãos. Aproveitando a oportunidade, a Editora Vozes e o Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da PUC de São Paulo organizaram uma noite de conferência, onde Júlio de Santa Ana falou sobre A crise do cristianismo na passagem do milênio.

A partir dessa conferência, o editor da revista Cultura Vozes pediu ao teólogo Jung Mo Sung que escrevesse um artigo sobre o tema. Aqui utilizaremos trechos desse artigo publicado pela Editora Vozes.

Segundo Júlio de Santa Ana, afirma Mo Sung, o cristianismo é hoje uma religião  estagnada; sua presença na crise histórica atual está muito aquém de sua magnitude numérica, e não está conseguindo contribuir para a formulação de estratégias de alternativas à sociedade de mercado.

Para setores do cristianismo uma das principais preocupações é o crescimento do número de fiéis das suas igrejas. Na América Latina tem-se falado sobre o crescimento das igrejas pentecostais, neopentecostais e dos movimentos carismáticos no interior da Igreja Católica. Contudo, não devemos esquecer que boa parte do crescimento dessas igrejas e movimentos se faz às custas de outras igrejas e movimentos no interior do cristianismo. A euforia de igrejas e líderes religiosos com o crescimento numérico se refere ao crescimento das suas igrejas, denominações ou correntes no interior de uma grande igreja, como a Católica, mas não ao crescimento do cristianismo como um todo. O cristianismo não tem crescido significativamente nos últimos anos. Entre as grandes religiões, é o islamismo que tem crescido mais.

Esta preocupação pelo aumento dos fiéis, que aparece tanto entre bispos católicos, quanto entre pastores evangélicos, mostra que o sucesso quantitativo se tornou o objetivo principal. Em termos teológicos, a igreja foi identificada com o Reino de Deus; isto é, o crescimento numérico da uma igreja é vista como realização da missão de anunciar o Reino de Deus.

No Brasil, não podemos falar deste tema sem referirmos ao fenômeno carismático. E aqui Mo Sung recorre às reflexões de José Comblin, quando diz que algo está surgindo: uma nova religião popular urbana. No mundo rural, explica Comblin, os seres humanos faziam a experiência de Deus na natureza, de modo objetivo, enquanto que na cidade a natureza se transformou em bem de consumo. Mesmo que as agências de turismo utilizem-se de imagens religiosas, especialmente o paraíso, para vender os seus produtos, o turista não encontra a Deus na natureza: encontra-se a si próprio. 

Com a dessacralização da natureza, a pessoa urbana passou a fazer a experiência de Deus no seu coração, nos seus sentimentos, nas suas emoções e no show. “A própria missa integra-se no show e as pessoas vêm pelo show, assistem a missa como suplemento sem saber exatamente o que é, porque o show oferece um sentido completo”. É a sociedade do espetáculo. E os shows não questionam, não propõem nenhuma mudança real na Igreja, nem na sociedade. 

E o evangelho em tudo isso? E a evangelização? O evangelho é outra coisa. Porém, parece que já não é mais a prioridade. A prioridade é (....) a renovação do sentimento religioso, a redescoberta do prestígio sobrenatural do padre e do prestígio social da Igreja”. 

Por que desta diferenciação entre o evangelho e a renovação do sentimento religioso? Não é a tarefa das igrejas alimentar e fazer crescer esse sentimento religioso que existe nas pessoas? Sim e não.

Sim, porque o evangelho não nega a religiosidade das pessoas e sociedades. Mas também não, porque não se reduz a eles. Nenhuma religião concreta se identifica completamente com um sentimento religioso vago. Existem diferenças específicas e características particulares. É por isso que existem diferenças entre religiões e igrejas.

Em muitos aspectos o evangelho entra em conflito com a religiosidade das pessoas. Esta contradição pode ser detectada no interior das igrejas cristãs porque cristianismo é uma religião que assume a Bíblia como portadora da revelação de Deus. É mais difícil de ser manipulada pelos seus líderes. É uma religião em que é possível criticar a liderança ou o rumo assumido pelas igrejas em nome dos ensinamentos contidas na Bíblia. Razão pela qual se desenvolveu nos dois últimos séculos estudos científicos e acadêmicos sobre os textos bíblicos.

O desejo das lideranças religiosas é ver sua igreja crescer; até como comprovação das bênçãos divinas. Esse objetivo pode levar a adaptação da mensagem religiosa à demanda do mercado. A anunciar não a mensagem revelada, mas sim o que a maioria das pessoas quer ouvir, mensagens que não entram em conflito com os valores da cultura vigente.

Há casos extremos de manipulação da Bíblia que são facilmente identificáveis. Os  teólogos da prosperidade dizem, por exemplo, que o jumento que Jesus usou ao entrar em Jerusalém equivalia a um carro de luxo nos dias de hoje. Logo, os cristãos têm o direito de exigir de Deus carros de luxo. O resultado dessa teologia é a sacralização do modo de vida da cultura vigente. 

O problema consiste que a solução da crise numérica semeia outra crise: a da identidade espiritual. Hoje, os indivíduos não são mais obrigados a viver conforme as regras da religião hegemônica, as pessoas procuram uma religião por sua mensagem original, que vai além da reprodução dos valores sociais vigentes. O vigor de uma religião está em não ser reprodução dos valores culturais vigentes, mas em ser protesto ao mundo e às religiões que o sacralizam.

Juan Luis Segundo, teólogo católico, padre jesuíta, parte do conceito de Paul Tillich, sobre o princípio protestante, o protesto divino e humano contra toda absolutização histórica, “é uma dimensão essencial do cristianismo, embora, de outro lado, totalmente oposta a esta tentativa pastoral de elevar ao universal a tarefa de procurar adeptos. Efetivamente, se o princípio protestante é um princípio essencial ao cristianismo, os capazes de protestar não constituem precisamente a universalidade da massa”.

Daí a contradição entre desejo de apenas aumentar o número de fiéis e o desejo de ser fiel ao anúncio do evangelho. Esta contradição é um nó do drama cristão, já que muitos cristãos acreditam que toda a Igreja, católica e protestante, pode se tornar a Igreja dos excluídos. Acreditam que o princípio protestante pode ser clamor da maioria e não de minoria profética.

A contradição entre os dois desejos -- ver a igreja ser reconhecida pelos poderes do mundo versus permanecer fiel à boa-nova da salvação e suportar o preço da fidelidade -- é solucionada com a opção por um dos desejos. É esta opção que vai dividir o cristianismo. A divisão no cristianismo não se dá entre católicos e protestantes, entre católicos romanos, ortodoxos, luteranos, batistas, etc. Esta é a divisão que interessa aos historiadores e sociólogos, mas em termos de identidade do cristianismo a divisão fundamental é entre esses dois desejos.

Os que buscam aumentar poder através do crescimento numérico de fiéis, não trabalham juntos, concorrem uns com outros, porque compartilham o mesmo desejo, a mesma lógica. E neste compartilhar se desencontram, mas estão sob a mesma visão.

Os cristãos dialogam e trabalham juntos quando se põem de acordo no desejo de permanecer fiel à boa-nova, e estão conscientes de que não podem separar evangelização e defesa da vida de pobres e excluídos.

Este segundo grupo é minoritário dentro do cristianismo. Mas, se o cristianismo quer superar o desafio, apontado por Júlio de Santa Ana, da presença aquém das possibilidades na crise atual e da não contribuição na formulação de estratégias alternativas à globalização selvagem, isso de dará será através da contribuição deste grupo.

Mas será que o cristianismo conseguirá superar o desafio e voltar a ter uma relevância histórica na luta por uma sociedade mais justa e humana? Será que toda efervescência do cristianismo dos anos 70 e 80 na América Latina não terá sido uma exceção histórica? 

É interessante notar que os analistas sociais estão tomando o fator religioso como um dos componentes fundamentais da reorganização social. Samuel Huntington diz que “o choque intracivilizacional de ideias políticas está sendo substituído por um choque intracivilizacional de cultura e religião”. 

Manuel Castells diz que “para os atores sociais excluídos ou que tenham oferecido resistência à individualização da identidade relacionada à vida nas redes globais de riqueza e poder, as comunas culturais de cunho religioso, nacional ou territorial parecem ser a principal alternativa para a construção de significados em nossa sociedade”. 

A contribuição do cristianismo na superação da crise do próprio cristianismo, da crise social e da crise espiritual não pode ser pensada fora da sua relação com outras religiões. Essas crises têm como referência o mundo. Os conflitos com fundo religioso, além de ferir populações e os mais pobres, impedem o diálogo e a busca comum por soluções a problemas que afligem à humanidade. Crises sociais e políticas causadas pela globalização selvagem não podem ser resolvidas em âmbitos regionais.

Na busca de contribuições do cristianismo, temos o desafio de definir os problemas e os caminhos para o diálogo e a cooperação entre religiões e grupos não religiosos, assim como o papel do cristianismo nesse diálogo. 

Mesmo sem saber se o cristianismo tem a capacidade de contribuir na solução destas crises, deve-se reconhecer que tem a obrigação de tentar. Pessoas e grupos interessados na superação das crises, que têm aspectos espirituais e éticos, mesmo que não compartilhem de nenhuma crença religiosa, têm muito a ganhar estando abertos às contribuições que podem vir das teologias e das experiências religiosas.

A este respeito, tratando dos desafios do tempo presente, Ervin Laszlo, um dos expoentes da filosofia dos sistemas, escreveu: “Os seres humanos têm algo mais que razão científica e sensibilidade estética. Existe também uma dimensão espiritual que nem a ciência e nem a arte podem satisfazer plenamente. A religião está para responder a esta necessidade”. 

Um dado chocante do capitalismo é a concentração de riqueza. Segundo os Informes de Desenvolvimento Humano da ONU, a riqueza cresceu no século XX, mas os pobres ficaram mais pobres ainda. Em 1900, o consumo mundial era de 1,5 trilhão de dólares, em 1975 passou para 12 trilhões de dólares e em 1997 chegou a 24 trilhões. Apesar desse crescimento, os vinte por cento mais pobres da população mundial consomem hoje menos do que consumiam em 1900. Para se ter uma noção da concentração de renda, basta citar o fato de que as 225 pessoas mais ricas do mundo possuem uma riqueza equivalente à soma da renda anual de 47% da população mundial mais pobre.

O que agrava o problema é a insensibilidade social. A exclusão da maioria da população mundial não é vista como problema social, mas como objeto de caridade. O desmonte dos estados de bem estar social e o corte nos programas sociais dos países do Terceiro Mundo revelam insensibilidade em termos de sociedade global. 

Essa questão deve ser um catalisador de diálogos entre as denominações cristãs, entre as religiões e entre os que não professam religião. A crise do cristianismo pode ser superada na medida em que assuma os problemas da humanidade como objeto de diálogo e de cooperação. 

A insensibilidade social não pode ser explicada apenas pela decadência moral ou religiosa das pessoas. Pois, esta insensibilidade não é exclusividade das pessoas consideradas anti-sociais. Mesmo pessoas sensíveis compartilham a atmosfera da insensibilidade em relação aos problemas estruturais. 

Para uma primeira aproximação a este problema, seguindo a proposta de Mo Sung vamos tratar a ideologia da meritocracia, da cultura do contentamento e da cultura do consumo.

A meritocracia, segundo o teólogo, surgiu como ideologia emancipatória lutando contra privilégios hereditários e corporativos do feudalismo e da nobreza, e propôs que as pessoas fossem avaliadas por seus méritos pessoais. E a partir da Revolução Francesa tornou-se o critério em nome do qual se lutou contra a discriminação social. Mas como as ideologias, a meritocracia não escapou dos paradoxos sociais. Como se baseia na seleção e premiação dos melhores por meio dos desempenhos individuais, esta desigualdade funcional acabou se convertendo em desigualdade social, e em critério de discriminação nas sociedades modernas. A meritocracia antes instrumento na luta contra a discriminação tornou-se elemento de discriminação na sociedade moderna.

Esta tendência, aumentada pela globalização, que propõe o desempenho como o único legítimo de ordenação social das sociedades, imputa ao indivíduo toda a responsabilidade pelos resultados de suas vidas, não levando em consideração outras variáveis. “Por essa lógica, o progresso e o fracasso das pessoas são vistos como diretamente proporcionais aos talentos, às habilidades e ao esforço de cada um, independentemente do contexto”. 

Este problema já abordado por John K. Galbraith, sob o conceito de cultura de contentamento, divide as pessoas em integrados no mercado e excluídos dele. Os integrados, aqueles que estão satisfeitos com o sistema acreditam que “não estão fazendo mais do que auferir o seu justo merecimento. (...) se a boa fortuna é merecida ou se é uma recompensa do mérito pessoal, não há justificativa plausível para qualquer ação que possa vir a prejudicá-la ou inibi-la -- que venha a reduzir aquilo que é ou poderá ser usufruído”. Os excluídos, portanto, estariam recebendo nada mais do que o merecido.

Assim, não há razão para a preocupação com pobres e excluídos, e muito menos com justiça social ou solidariedade. A ideologia de meritocracia e de cultura do contentamento dos neoliberais são expressões da teologia da retribuição, presente nas grandes religiões da humanidade. Segundo esta teologia, Deus retribui a cada segundo o seu merecimento. Os bons são recompensados com uma boa vida e os maus com sofrimento. Como não pode haver justiça mais justa do que a divina, os que sofrem devem encarar seu sofrimento como pagamento de uma dívida imperdoável. 

Na versão neoliberal da teologia da retribuição, o juiz onisciente é o mercado. É ele quem distribui de modo justo as rendas de cada pessoa conforme sua capacidade e merecimento. E esta distribuição não pode ser questionada, limitada ou modificada pelas intervenções do Estado ou dos movimentos sociais.

Mas, quando o sucesso econômico se torna o critério da dignidade humana, a busca pelo dinheiro torna-se finalidade última da vida humana. Assim, Soros, o mega-investidor, ao escrever sobre a existência de um princípio unificador no sistema capitalista global, diz: “Esse princípio é o dinheiro”. Segundo ele, quando se enfatiza o sucesso em termos monetários, o dinheiro transforma-se num fim em si mesmo. “Os que conquistam o sucesso talvez não saibam o que fazer com o dinheiro, mas pelo menos têm a certeza de que as outras pessoas invejam o seu êxito. É possível que seja o suficiente para impulsioná-los para frente indefinidamente, apesar da falta de qualquer outra motivação”. 

Esta obsessão pelo dinheiro tem um espelhismo com a obsessão pelo consumo como um fim em si, independente da utilidade ou valor intrínseco da mercadoria. Assim, Z. Bauman afirma: “Se o consumo é a medida de uma vida bem-sucedida, da felicidade e mesmo da decência humana, então foi retirada a tampa dos desejos humanos: nenhuma quantidade de aquisições e sensações emocionantes tem qualquer probabilidade de trazer satisfação da maneira como o ‘manter-se ao nível dos padrões’ outrora prometeu: não há padrões a cujo nível se manter – a linha de chegada avança junto com o corredor, e as metas permanecem continuamente distantes, enquanto se tenta alcançá-las”. 

É uma corrida sem fim, buscando objetos de desejo que mudam rapidamente. Consome-se para sentir-se vivo. O problema é que os objetos de desejos deixam rapidamente de ser portadores de reconhecimento. A busca recomeça quando se consegue adquirir um objeto de desejo. A utilidade dos produtos e o usufruir as suas qualidades não são importantes. O importante é consumir, principalmente mercadorias, bens materiais ou simbólicos, que causem inveja nos outros.

A ideologia da meritocracia e a cultura do contentamento levam as pessoas a não verem pobreza e exclusão como problema social, mas como realização de uma justiça: aquela do mercado transcendentalizado. Deste modo, as vítimas são transformadas em culpadas. A cultura do consumo não deixa as pessoas enxergar que os excluídos existem. Só aparecem, aos olhos dos integrados, os satisfeitos.

Mas a crise não é só do cristianismo, mas também do mundo. E a crise do mundo não é só econômica, social, ecológica. É também uma crise espiritual. Perdemos o sentido humano das nossas vidas.

Pode o cristianismo superar a sua crise espiritual? Pode o cristianismo dar contribuição relevante para a humanização do mundo? Líderes cristãos que buscam poder e crescimento quantitativo de igrejas aprofundam a crise, regional, nacional e em termos mundiais, porque não conseguem ver as vítimas da exclusão. Estão no vazio espiritual, imersos na cultura de consumo e de contentamento.

Teólogos como Hugo Assmann, Franz Hinkelammert e Júlio de Santa Ana chamaram esse pecado de idolatria do mercado. Esta crítica está sendo feita em ambientes acadêmicos e em pequenas comunidades, mas poucos teólogos estão trilhando o caminho da crítica da economia neoliberal globalizada e da relação entre teologia e economia.

A espiritualidade, divisor de águas

Se há crise do mundo, se há crise do cristianismo, de onde partir para superar a crise da teologia? Dois teólogos, nesse início de milênio, tentam pontuar modos de encarar a crise. Para Gustavo Gutiérrez, três questões devem ser ressaltadas no esforço de fazer teologia que enfrente as crises presentes neste início de século:

Em primeiro lugar, levar em conta a complexidade do mundo do excluído. Exclusão, do latim exclusióne, é uma categoria sócio-econômica, cultural, de gênero, de cor, mas aqui estamos trabalhando o conceito conforme exposto por Enrique Dussel, onde excluído é aquele que tem negada sua eticidade à vida. Assim, exclusão é também pobreza, mas antes de qualquer coisa, morrer no começo, fome, doença, mortalidade infantil, marginalidade. Enfim, é a negação do dom da vida. E a complexidade desse mundo não pode ser esquecida por aqueles que desejam fazer teologia e apresentar ao mundo a boa nova da salvação.

É necessário entender, também, que há esforço para silenciar o mundo do excluído. Esse esforça se faz presente através de ideologias como a meritocracia,  a cultura do contentamento e do consumo, em última instância a do mercado transcendentalizado.

Esse engano da globalização selvagem, alarga a brecha entre ricos e excluídos, impõe o pensamento único, e objetiva calar o excluído. A economia é colocada acima da ética, a política é negada enquanto relação e é pregada a morte das ações de transformação social, a fim de calar as vozes dos não incluídos no mercado transcendentalizado.

Mas a espiritualidade não pode ser esquecida. Ela é o terreno da esperança. E para Gutiérrez é fundamental a construção de uma hermenêutica da esperança, pois a razão da opção pelo evangelho social é o amor gratuito de Deus.

Já para José Comblin é preciso resgatar a noção de teologia como reflexão crítica sobre os discursos religiosos. E mais: acredita que se tem perdido de vista o projeto inicial da Teologia da Libertação que era o de formar uma nova sociedade. Será que os teólogos não sucumbiram ao capitalismo, típico em seu individualismo e ausente na construção de projetos de sociedade? 

Assim, afirma Comblin:

“Com a mudança do sentido da palavra teologia, corre-se o perigo de ver desaparecer a reflexão crítica sobre a prática cristã. (...) Ora, o desafio assumido pela teologia da libertação foi o desafio de refletir sobre o movimento de mudança da sociedade. Havia que ajudar o povo cristão a construir uma nova sociedade. Dada a terrível herança da sociedade latino-americana, o desafio era criar uma sociedade onde ainda não havia verdadeira sociedade. Tratava-se de criar laços sociais fundados em compromissos mútuos”.

Por outro lado, observa Comblin, a espiritualidade aparece como se isto fosse a função do projeto teológico. Entretanto, construir a espiritualidade não é a função do teólogo, que tem como dever examinar e julgar, à luz do evangelho, as espiritualidades existentes. 

“As espiritualidades respondem à necessidade de desenvolver o aspecto subjetivo da fé, como experiência vivida e consciente. (...) No entanto precisam levar em conta que é pouco provável que um teólogo ou uma teóloga possa criar uma espiritualidade. Os dons espirituais são diferentes. A sensibilidade, a imaginação, os dons de comunicação, a experiência autêntica de realidades religiosas não são necessariamente características dos teólogos. Inclusive analfabetos podem fundar uma espiritualidade. Há pessoas dotadas de uma intuição religiosa muito forte, mesmo sem nenhum conhecimento teológico, que têm o dom de saber mostrar o caminho a outros”. 

“De um professor de teologia espera-se que ensine teologia e não que ensine uma espiritualidade, ainda que seja recomendável que possa mostrar que ele ou ela também vivem uma espiritualidade recebida de outros. É bom ele ou ela ter uma espiritualidade, mas não é o que se espera dele ou dela porque há outras pessoas que podem fazer isso muito melhor. As faculdades e escolas de teologia não preparam de modo algum para produzir uma espiritualidade. Há outros cristãos que o fazem e o fazem muito bem. Não aprenderam numa escola e sim na vida”. 

Mas a posição de José Comblin acerca da relação teologia e espiritualidade não é unânime entre os teólogos da libertação. Clodovis Boff, por exemplo, vê de maneira diferente. E começa colocando em questão a crise da teologia da práxis libertadora. Para ele, ela não é um processo tão orgânico que possa ser colocado em crise de um momento para outro. Antes de refletir analiticamente como esta teologia enfrenta a crise atual, importa dizer como os teólogos a vivem. Pois, mais que esmiuçar as razões da práxis libertadora, é preciso ver sua razão de fundo.

A práxis libertadora, mais que ser uma teoria, é um modo de teologizar. Antes de ser método específico, é uma sensibilidade. Tornou-se um hábito. É o jeito de se fazer teologia. Como estilo de fazer teologia, aborda problemas duma determinada maneira, pensando em termos de comunidade e transformação social. A práxis libertadora pensa a problemática do excluído, e isso inclui a política.

Esta atitude de fundo, feita mais de espírito que de método, mais de vida que de teoria, é o diferencial da práxis libertadora. Mas, e a falência do socialismo real? E a ascensão do neoliberalismo? E o domínio da pós-modernidade tecnológica? Bem, a realidade continua a gritar alto. É partindo deste espírito que a práxis libertadora procura enfrentar os novos problemas. Não pode ter uma agenda fechada. Pois se define como um modo de ver as coisas e não tanto por essa ou aquela temática. Esta a se reformar a cada momento, ampliando dialeticamente intuições, a dupla referência aos excluídos e ao evangelho, e incorporando novas questões. Eis algumas tarefas que está levando em frente:

No nível metodológico, assume uma mediação sócio-analítica plural. No nível eclesiológico, trabalha em questões como o papel social e religioso das massas, o lugar das novas classes médias e as tendências dos novos movimentos religiosos. No nível político, revaloriza a relação direta e imediata com os excluídos e dá lugar às alianças estratégicas com as esquerdas e correntes não globalizantes. No nível da espiritualidade, redescobriu a fé e a graça como ponto de partida e polo dialético para o misticismo latino-americano.

A práxis libertadora é uma teologia de coisas e não apenas de ideias: ela faz da realidade vivida seu tema de reflexão. Ora, uma vez que se captou qual é o espírito que anima, sustenta e garante a práxis libertadora, pode-se examinar objetivamente como reage à crise que envolve tudo e todos.

Crise nas mediações

Na análise da práxis libertadora e a crise, Clodovis Boff considera que sua posição é a de que se a crise toca essa teologia é no nível das mediações, não no nível das raízes. E pergunta quais são as raízes da práxis libertadora. Em síntese é a experiência de Deus no excluído. Analiticamente, sustenta a inspiração evangélica e o compromisso com o excluído da sociedade. Ora, a crise não abalou estas duas convicções de fundo. E a práxis libertadora nasceu precisamente do encontro fé e opressão.

As questões históricas que levantou não foram de modo algum solucionadas. Longe disso. Antes, se transformaram e se agravaram: a miséria cresceu e tomou a forma de exclusão em massa. E com a exclusão, a dialética do senhor e escravo passou ao segundo plano em favor de outra: a dialética do integrado e excluído. A perspectiva da justiça está novamente distante e sua visibilidade histórica mais problemática. 

Seja como for, a realidade do sofrimento social e da desigualdade assim como o desejo de mudar a sociedade e a vida são fenômenos estruturais. Continuam socialmente presentes e, embora reprimidos, pulsam com toda urgência histórica. A crise atual não os resolveu, mudou-lhes para pior o aspecto. As questões da fé e do excluído são objetivamente atingidas pela crise e necessitam de aprofundamento e de um novo equacionamento. Mas ao nível subjetivo, aquelas duas convicções continuam sendo, aos olhos dos teólogos da libertação, os pilares incontestes de seu discurso.

Pode-se sustentar que, entre todos os grupos atingidos pela crise cultural que estamos vivendo, os militantes de igreja não se encontram em condições mais desvantajosas que os outros. Não se sentem em absoluto desarvorados. Ao contrário, dispõem de recursos que nem a esquerda tem: uma referência religiosa e uma vinculação com os excluídos, sem falar no apoio de uma instituição -- a igreja -- que possui lá sua vitalidade e crédito sociais.

Quanto às mediações concretas da práxis libertadora, às formas específicas que podem assumir a dupla referência acima -- fé evangélica e solidariedade com o oprimido --, aí sim há muito que rever e que mudar.

A crise trouxe para a práxis libertadora a relativização de pontos de vista. Purificou equívocos. Constitui um exercício de despojamento. Assim para Clodovis Boff, ao nível de suas mediações, certezas falsas foram para o chão. Essas certezas se situavam a um tríplice nível: (1) certezas de análise sobre o sistema social capitalista; (2) certezas sobre o projeto histórico de sociedade, o sistema socialista alternativo; (3) certezas sobre as estratégias para se chegar a encarnar a utopia.

A práxis libertadora tornou-se humilde. Percebe a realidade de modo mais complexo. Faz-se sensível à verdade que está nas outras propostas, tidas outrora como alienadas.

A crise não deixou de fortalecer a práxis em suas raízes. Essencializou-a em seus princípios básicos. Operou nela concentração em torno de convicções de fundo: a fé bíblica e a opção pelos excluídos. É firmando-se aí que a práxis libertadora tem condições de enfrentar a crise e propor saídas criativas. Se examinarmos porque esta teologia aparentemente, hoje, adota um perfil baixo, explica Clodovis Boff, podemos identificar três circunstâncias responsáveis, de peso e de valor desiguais: (1) a incorporação da temática da práxis libertadora pela igreja institucional; (2) o domínio da ideologia neoliberal no debate social; (3) o deslocamento da relevância social para a questão do sagrado.

As bandeiras da desta teologia radical não são mais só dela, se tornaram de uso comum. Assim as ideias de pecado social, de missão profética, de transformação das estruturas circulam com naturalidade dentro da área eclesial. Nesse sentido, a Teologia da Libertação enriqueceu a consciência social da igreja.

A teologia se situa no seio da eclesialidade. E aí dentro faz o papel de corrente de opinião, que busca sensibilizar a igreja para a questão da justiça social. Em relação à igreja, fica para a radicalidade teológica uma questão: ser igreja renascida, não apenas como inspiração e realização setorial, mas enquanto estrutura de efetiva comunhão e participação, coisa que alguns chamam de democracia eclesial.

Esta teologia radical tem aí imensos desafios históricos. Desafio esse ligado à sua dupla referência fundante, pois as perguntas que estão por trás são: Que tipo de igreja responde ao projeto de Jesus? E que tipo de igreja serve aos excluídos?

A relevância do sentido espiritual

Como ouvir o clamor dos excluídos nessa gritaria neoliberal que reduziu tudo ao discurso do mercado transcendentalizado? Até poucos anos o discurso de esquerda era o discurso hegemônico, dinâmico e criativo no campo cultural. Era também o discurso temido no mundo político e respeitado na área acadêmica.

No que toca à Teologia da Libertação podia-se dizer que na igreja da América Latina era a teologia hegemônica, que procurou dar a direção moral e intelectual à caminhada pastoral das igrejas. Ela estabelecia a agenda do debate eclesial em Medellín (1968), Puebla (1979) até os meados dos anos 80. Desde então, em virtude da conjugação de fatores sociais e eclesiais começou a perder terreno.

Apesar disso, os teólogos da libertação continuam dando aulas na perspectiva global da transformação social. Pesquisam, abrem frentes de discussão sobre questões como espiritualidade, ecologia, feminismo, inculturação, modernidade a partir das vítimas, etc. Escrevem e publicam. Mas não há dúvida, o gás baixou. 

Sem dúvida há uma crise da Teologia da Libertação não pelo fato de ser de libertação, mas pelo fato de ser teologia. 

A crise não se dá apenas ao nível do compromisso sócio-político, é crise de civilização: crise de valores e de sentido. Para Clodovis Boff, entre as necessidades que doem na alma não se contam apenas as necessidades materiais, mas também as não-materiais: carência de perspectiva e de esperança. Para que serve uma vida sem vitalidade? 

Que significa isso para a teologia? Significa que não é só libertadora, mas fé como tal, fonte de sentido, que deve ser retomada. Aos olhos da fé cristã, que a memória dos excluídos se perca é dramático, mas resta uma esperança, ainda que extrema -- a escatológica. Mas que a memória do divino desapareça é muito pior: é trágico. Quando não se responde à pergunta “para que?", a própria luta por uma sociedade mais justa é posta em xeque e, faltando-lhe a esperança, perde sua força propulsiva.

A teologia tem pela frente não só a questão da miséria material, mas também a da miséria existencial do mundo moderno. Ela não é só chamada a ser profética, mas também kerigmática. As demandas que lhe são dirigidas não são apenas por pão, mas também por sentido. A isso a Jesus chama palavra e diz que disso também vivem os humanos!

Isso significa que a teologia é chamada não só a ser libertadora, mas a afirmar sua específica teologicidade. São suas bases que devem ser renovadas e de novo garantidas.

A primeira teologia da libertação, dos anos 70, aquela dos pais fundadores, possuía mediações que não eram questionadas. Utilizava o marxismo como metodologia definitiva. Mas nos meados de 80, essas mediações evidenciaram perda de plausibilidade. Já nos anos 90, mostravam a necessidade de serem revistos e teologicamente refundados.

Como testemunhas da época, observem-se os jovens dos anos 90, como são e que pensam: neles a tradição da fé já não funciona por vias da tradição cultural. O mundo moderno não lhes aparece apenas injusto, mas também sem-sentido. Em nome de que mudar as estruturas, se a vida mesma não vale a pena? Não suceda que enquanto os teólogos continuam indo para o social, boa parte dos jovens esteja voltando, em busca de outra coisa, de algo mais. O que é finalmente relevante hoje? Não se dá atualmente um deslocamento das relevâncias?

A fé cristã nunca foi totalmente funcional a qualquer cultura ou sociedade. A fé é essencialmente crítica já ao nível antropológico-existencial, justamente porque ela põe em xeque o destino do humano, confrontando-o com o mistério transcendente. Por isso será, em princípio, é disfuncional ao sistema do mundo. Mas na sociedade secularizada e pluralista, a criticidade intrínseca da fé se duplica em criticidade histórica e cultural.

O que há é um deslocamento da problemática histórica. O acento passa da libertação social para a do sentido espiritual da vida, de tal modo que esta se torna uma questão vital e prioritária. E isso não apenas para os indivíduos, mas para amplos setores da sociedade, mesmo se não é propriamente problema social.

Teologia e modernidade

A problemática moderna da busca de sentido, da sede de sagrado, da fome de transcendência ou como se queira chamá-la, afirma Clodovis Boff, está recebendo os mais variados tipos de respostas. 

Partindo de uma perspectiva sociológica, não seria a problemática do sentido uma problemática típica das classes privilegiadas, olhando a partir de Max Weber? Em parte sim, mas é não é exclusiva delas. E isso não só pela influência socializadora da mídia, instrumento privilegiado da mentalidade classe-média, mas por causa da cultura moderna que envolve a todos, ricos e excluídos, e que suscita em todos a busca da outra dimensão.

E nem falemos da dimensão filosófico-antropológica da questão. A menos que se creia que os excluídos não sejam gente. Não é também para serem reconhecidos como gente, mesmo se é pelo viés da solução das necessidades imediatas, que os excluídos freqüentam as igrejas pentecostais? Ou se acredita que os excluídos se fazem crentes apenas por efeito do abandono social, sem ideais mais elevados?

Mas, então, com a espiritualidade fica superada a questão da justiça social? Essa não é uma questão teórica que se possa eludir a bel prazer; é antes um problema prático que se impõe com a objetividade de uma montanha. É a montanha dos 80% do planeta que só dispõe dos 20% da renda mundial. Esta disparidade proíbe qualquer consciência tranqüila e qualquer ordem mundial segura. E não há espiritualidade que consiga esconder esse escândalo que brada aos céus.

Frente ao mudado cenário tanto da fé quanto da política, é dever da Teologia da Libertação repor a relação fé-política em novos termos. Tudo indica que a fé, como sempre política, tenderá a sê-lo em menor medida, por enfatizar com maior vigor sua autonomia específica. Quanto à política tenderá a ser mais vulnerável à penetração da religião, com o perigo de sua colonização sob a forma de integralismo político. Na verdade, hoje o indicador política baixa, enquanto que o da fé sobe.

A opção radical

Em relação aos novos desafios, os teólogos da libertação não pensam que se trate simplesmente de pegar ou largar. O importante é discernir. Para isso, ajuda a distinção prática, tomada de empréstimo aos pós-modernos, entre pensamento forte e pensamento fraco.

Assim, para Clodovis Boff, cumpre manter um pensamento forte frente às convicções de fundo, às intuições originais, ao que se refere à própria identidade. 

E adotar um pensamento fraco no que se refere (...) às mediações teóricas da Teologia da Libertação, análises, (...) e projetos concretos. É especialmente nesse campo que os teólogos da libertação estão prontos a incorporar elementos novos, sejam eles metodológicos, éticos ou espirituais; aprender das outras correntes, para além de todas as cercas de escola, confissão e partido.

A grande tentação da Teologia da Libertação, para o teólogo belga Etienne Higuet, sempre foi a de ser uma teoria da ação social e política. Ela modificou o seu discurso porque percebeu que o modo como o estava propondo, a ação social e política, não funcionou diante da transformação que o mundo viveu nestes últimos 20 anos. 

Nesse sentido concordo mais com José Comblin quando coloca que a espiritualidade não é o papel da teologia, já que pode haver grupos cristãos que elaboram uma espiritualidade e também uma teoria da ação social e política. Mas o teólogo, como tal, tem outro papel. O pensamento teológico é um pensamento crítico, na verdade crítico-hermenêutico

Do ponto de vista da ação social e política, Higuet acha importante ver o resgate da modernidade, enquanto resgate da necessidade e da responsabilidade frente à situação de miséria e exclusão social no mundo. Aí, sem dúvida, faz-se necessário um pensamento forte, no campo da economia e da política, mas sem o dogmatismo marxista. Ou seja, como Habermas coloca, é preciso resgatar esse anseio emancipatório da modernidade. Agora, as formas de realizar tais anseios devem ser repensadas e discutidas, procurando consensos além das fronteiras do Ocidente. 

Mas é necessário, agrega Maraschin, termos uma percepção da qualidade do mundo em que estamos vivendo. Como diz Heidegger, vivemos num mundo obscuro e diante disso temos que nos perguntar o que fazer diante da obscuridade. Lembro-me de Rubem Alves, que diz haver momentos em que a saída está na colocação do Eclesiastes: vai e goza a vida com a mulher que amas, já que nem sempre o que deve ser feito é empunhar o fuzil. Daí porque prego a volta à poesia, porque esta é uma época de desolação em que não temos onde firmar os pés. Não há chão.

Embora concordemos com Maraschin, é importante alertar para o fato de que a pós-modernidade por sua abertura à pluralidade e ao reconhecimento de que não há metanarrativas, possibilita o encontro das teologias modernas com novas reflexões teológicas.

Assim, o pensamento pós-moderno não tem necessidade de lançar fora reflexões e preocupações modernas, como a questão socialista, o problema da exclusão social ou as propostas partidárias de transformação da sociedade. Ou seja, são as características do pensamento pós-moderno que têm empurrado a Teologia da Libertação a construir um diálogo com reflexões antes taxadas como alienadas. É nessa perspectiva que a Teologia da Libertação tem construído um diálogo com outras teologias, como a negra, feminista e indígena, para citar apenas três delas. 

Outro fato que deve ser levado em conta, é que há um crescente movimento de contestação à globalização neoliberal. Esse movimento se dá de forma desigual. Pode até aparecer como os atentados de 11 de setembro, que todos lamentamos, mas se dá também através da organização da sociedade civil, em diferentes partes do mundo, como é o caso do Fórum Mundial Social. Sem exagero, vemos que os movimentos antiglobalização tendem a crescer e que o aparecimento do populismo-nacionalista e de correntes de esquerda na América Latina são expressões desse fenômeno. Tal realidade não pode ser deixada de lado pela Teologia da Libertação.

Sem dúvida, vivemos num mundo de desolação, mas diante disso não é o caso de perguntar qual é a função do teólogo? Os filósofos choram as dores do mundo, como Schopenhauer, mas teólogos são chamados não somente a analisar a realidade, mas também a viver o clamor profético. É vida na teologia cristã, herdeira do profetismo bíblico, nos momentos de desolação levantar a esperança escatológica.

E a esperança não é mero desejo, parte do conhecimento da realidade, da compreensão dos movimentos a favor da vida que, ainda minoritários num determinado momento, se levantam. A esperança coloca-se acima do momento presente e responde com a utopia.

Bibliografia

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WEBER, Max, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 3a. ed., São Paulo: Pioneira, 1983.







samedi 11 janvier 2020

O evangelho da liberdade

Gálatas cinco
O evangelho da liberdade

Pr. Jorge Pinheiro

13 - Porém vocês, irmãos, foram chamados para serem livres. Mas não deixem que essa liberdade se torne uma desculpa para permitir que a natureza humana domine vocês. Pelo contrário, que o amor faça com que vocês sirvam uns aos outros. 14 - Pois a lei inteira se resume em um mandamento só: "Ame os outros como você ama a você mesmo”. 15 - Mas, se vocês agem como animais selvagens, ferindo e prejudicando uns aos outros, então cuidado para não acabarem se matando! 16 - Quero dizer a vocês o seguinte: deixem que o Espírito de Deus dirija a vida de vocês e não obedeçam aos desejos da natureza humana. 17 - Porque o que a nossa natureza humana quer é contra o que o Espírito quer, e o que o Espírito quer é contra o que a natureza humana quer. Os dois são inimigos, e por isso vocês não podem fazer o que vocês querem. 18 - Porém, se é o Espírito de Deus que guia vocês, então vocês não estão debaixo da lei. 19 - As coisas que a natureza humana produz são bem conhecidas. Elas são: a imoralidade sexual, a impureza, as ações indecentes, 20 - a adoração de ídolos, as feitiçarias, as inimizades, as brigas, as ciumeiras, os acessos de raiva, a ambição egoísta, a desunião, as divisões, 21 - as invejas, as bebedeiras, as farras e outras coisas parecidas com essas. Repito o que já disse: os que fazem essas coisas não receberão o Reino de Deus. 22 - Mas o Espírito de Deus produz o amor, a alegria, a paz, a paciência, a delicadeza, a bondade, a fidelidade, 23 - a humildade e o domínio próprio. E contra essas coisas não existe lei. 24 - As pessoas que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a natureza humana delas, junto com todas as paixões e desejos dessa natureza. 25 - Que o Espírito de Deus, que nos deu a vida, controle também a nossa vida! 26 - Nós não devemos ser orgulhosos, nem provocar ninguém, nem ter inveja uns dos outros.

O que é a liberdade cristã?

1. Libertação da escravidão
Gálatas 4.3 - Assim também nós, antes de ficarmos adultos espiritualmente, fomos escravos dos poderes espirituais que dominam o mundo. 4 - Mas, quando chegou o tempo certo, Deus enviou o seu próprio Filho, que veio como filho de mãe humana e viveu debaixo da lei 5 - para libertar os que estavam debaixo da lei, a fim de que nós pudéssemos nos tornar filhos de Deus.

2. Maioridade espiritual
Gálatas 4.1 - Digo mais isto: enquanto é menor de idade, o filho que vai herdar a propriedade do pai é tratado como escravo, mesmo sendo, de fato, o dono de tudo. 2 - Enquanto é menor, há pessoas que tomam conta dele e cuidam dos seus negócios até o tempo marcado pelo pai.

Qual o caminho da liberdade cristã?

A fé potencializada pelo amor

Gálatas 5.5 - Mas nós temos a esperança de que Deus nos aceitará, e é isso o que esperamos pelo poder do Espírito de Deus, que age por meio da nossa fé. 6 - Pois, quando estamos unidos com Cristo Jesus, não faz diferença nenhuma estar ou não estar circuncidado. O que importa é a fé que age por meio do amor.

Essa combinação de fé e amor produz serviço. Nesse sentido, a liberdade cristã é sempre uma liberdade para servir ao outro.  Por isso, a lei maior da liberdade cristã é amor o outro como amamos a nós próprios.

Quais os inimigos da liberdade cristã?

1. A carne, que é o ser dividido, alienado.
2. O pecado, que é a realização do ser dividido.
3. A lei, que é a ordem imposta a partir da exterioridade.

O pecado tem como origem o ser dividido, 
alienado, e é um princípio para a ação. 

Quem vive na dinâmica do ser dividido produz frutos que levam à escravidão: sua e daqueles com quem se relaciona.

Gálatas 5.19 - As coisas que a carne produz são bem conhecidas. Elas são: a imoralidade sexual, a impureza, as ações indecentes, 20 - a adoração de ídolos, as feitiçarias, as inimizades, as brigas, as ciumeiras, os acessos de raiva, a ambição egoísta, a desunião, as divisões, 21 - as invejas, as bebedeiras, as farras e outras coisas parecidas com essas. Repito o que já disse: os que fazem essas coisas não receberão o Reino de Deus.

Já a liberdade cristã tem como origem o Espírito, 
que também é um princípio para a ação. 

Quem vive no Espírito faz o caminho da liberdade e espontaneamente produz o fruto da li9berdade cristã.

Gálatas 5.22 - Mas o Espírito de Deus produz o amor, a alegria, a paz, a paciência, a delicadeza, a bondade, a fidelidade, 23 - a humildade e o domínio próprio. E contra essas coisas não existe lei. 

Conclusão

Assim, todo e qualquer relacionamento cristão deve partir da liberdade cristã, da fé alicerçada na prática do amor. E não no egoísmo, da mera satisfação da minha pessoa. Na liberdade cristã o eu não é o centro, mas ele e ela.

É por isso que o apóstolo Paulo diz:

Gálatas 5.24 - As pessoas que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne, junto com todas as paixões e desejos autocentrados. 25 - Que o Espírito de Deus, que nos deu a vida, controle também a nossa vida!




samedi 21 décembre 2019

Moshe Pinheiro rabbin

Moïse Pinheiro, Juif italien qui vivait à Livourne au XVIIe siècle, était l'un des élèves et des disciples les plus influents de Sabbatai Zevi. Il était tenu en haute estime en raison de ses connaissances religieuses et kabbalistiques;  et, en tant que beau-frère de Joseph Ergas, le célèbre anti-sabbatéen, il a eu une grande influence sur les Juifs de Livourne, les exhortant à croire en Sabbatai.  

Même plus tard, en 1667, lorsque l'apostasie de Shabbethai a été répandue, Pine, en commun avec de nombreux autres adhérents de Zevi, croyait toujours en lui le messie. Pine était "le centre du groupe shabbatéen de Livourne".  Shabbetai Zevi au fil des ans, après son retour de Constantinople à Livourne en 1667. 

Il a passé du temps avec Sabbatai à Constantinople en 1666-67.  Nathan a séjourné chez Pinheiro lors de sa visite en Italie en 1668.Pinho était le professeur d'Abraham Miguel Cardoso, qu'il a initié à la Kabbale et aux mystères du sabbatéanisme.

mardi 17 septembre 2019

L’action de la protestation contre les chaînes



L’action de la protestation contre les chaînes (1)

Jorge Pinheiro 

« Il n’écoute pas, ne parle pas, ne participe pas aux événements politiques. Il ne sait pas que le coût de la vie, le prix de haricots et du poisson, le prix de la farine, le loyer, le prix des souliers et des médicaments dépendent des décisions politiques ». (Bertolt Brecht, du poème Le pire des analphabètes, c’est l’analphabète politique).

Le théologien teuto-américain Paul Tillich, dans Christianisme et Socialisme (1919-1931), Écrits socialistes allemands, fournit des bases pour le formatage de l’action de protestation contre les chaînes. Et l’une de ces bases est le concept de principe protestant, nécessaire pour comprendre les phénomènes de transformation sociale dans une optique théologique, même lorsque ces événements se produisent en marge des structures religieuses.

Pour Tillich, la radicalité de l’action de protestation existe quand on proclame la possibilité du nouvel être. Protestantisme est cela. Il peut être présent dans les religions organisées, mais ne dépend pas d’elles. Peut-être, par conséquent, les gens éprouvent la radicalité d’être protestant plus en dehors que dans les églises. Cette radicalité, présente en Occident, n’implique pas en filiation ecclésiastique ou institutionnelle, mais traduit la situation humaine face aux défis de la transcendance de la vie. Quand dans ces situations on vit le principe protestant, c’est là et non dans les églises que le protestantisme se fait vivant.

En prenant pour base ce concept, nous avons un outil méthodologique sur lequel nous nous fondons pour construire l’action de la protestation contre les chaînes. Lorsque l’on considère le principe protestant comme une critique radicale, il faut tenir compte des aspects historiques, ainsi que des mouvements idéologiques de la modernité.

Parler d’un positionnement de critique radicale, de jugement et de transformation de la réalité, implique de parler de directions : verticale, face à, et horizontale, face à pourquoi. Face à des situations, quand nous devons résister à la catastrophe historique, le message de protestation doit être simple, non pas illusoire, mais conscient et plein d’espérance.

Dans ce contexte, nous voyons que la modernité a déjà donné à l’Occident le principe de l’autonomie, mais a maintenu, de manière contradictoire, l’être humain peu sûr à l’intérieur de cette autonomie. Cela a conduit une partie des organisations politiques des travailleurs à tenter d’émanciper les travailleurs par la soumission aux anciennes lectures de la vie, c’est-à-dire à la hiérarchie et à la tradition. Phénomène que nous appelons bureaucratisation. Mais la liberté a déjà été expérimentée et c’est une expérience qui unit tous ceux qui protestent.

« Il n’écoute pas, ne parle pas, ne participe pas aux événements politiques. Il ne sait pas que le coût de la vie, le prix de haricots et du poisson, le prix de la farine, le loyer, le prix des souliers et des médicaments dépendent des décisions politiques ». (Bertolt Brecht, du poème Le pire des analphabètes, c’est l’analphabète politique).

Tillich a utilisé un concept, celui de situation limite, pour se référer à ces moments où le sens de la vie est menacé. Se lever pour défendre la vie et son sens est la différence du protestantisme. Cette expression est née autour d’un concept de la Réforme protestante, celui de justification par la foi. Cela signifie que la vie en liberté implique de reconnaître le caractère inconditionnel de la justice. Ainsi, la critique et l’action radicale de la protestation partent de la reconnaissance de l’existence de situations limites, qui doivent être jugées et transformées, et non de paroles et d’actions favorables à la hiérarchie et à la tradition.

Une saga de lutte

L’histoire anabaptiste nous enseigne beaucoup à ce sujet. L’histoire anabaptiste est une saga au style du christianisme antique, antérieure à la stabilisation impériale post-Constantine, de sang, de persécutions et de martyrs. Et les événements remarquables et héroïques du mouvement anabaptiste jusqu’à aujourd’hui se répercutent sur l’imaginaire protestant, amenant certains historiens et théologiens à exorciser le mouvement et ses dirigeants. 

Selon Weber, l’ascétisme laïque du mouvement anabaptiste s’est déployé à travers l’Europe occidentale et les États-Unis au cours des seize et dix-sept siècles, donnant naissance, soit directement, soit par adoption, à de nouvelles formes de pensée religieuse, comme ceux des baptistes, des mennonites et des quakers. Au Brésil, les évangélistes ne peuvent ignorer l’histoire des anabaptistes, car les influences ecclésiologiques du mouvement, héritées par les baptistes, ont été transmises aux communautés, des églises et des penseurs évangéliques qui, à un moment donné de leur histoire, communièrent avec la pensée baptiste. 

C’est pourquoi nous ferons une approche des origines de l’anabaptisme, surtout de celui à fort contenu social, à partir de la lecture historique et de la sociologie de la religion, avec l’intention de démontrer que dans sa pratique l’anabaptiste a construit une ecclésiologie qui a formé une théologie et non le contraire. Mais comme nous travaillons ici le rapport entre l’ecclésiologie et la révolution paysanne et plébéienne conduite par les anabaptistes, il convient de comprendre ce que signifie ecclésiologie. Nous la considérons comme l’étude théologique de la réalité des communautés de foi dans leurs aspects structurels : leur façon de se rapporter au monde, leur rôle social et leur forme de gouvernement. Alors, analysons le communautarisme, qui plus tard a été caractérisé par Karl Marx et Friedrich Engels comme socialisme utopique, en tant que construction religieuse et politique marquante et centrale du mouvement anabaptiste.

Les anabaptistes étaient des chrétiens retraités qui se dressèrent contre l’hégémonie de l’Église catholique et des princes allemands. A partir de la phrase de l’Evangile de Marc (16.16), « celui qui croit et est baptisé sera sauvé, mais celui qui ne croit pas sera condamné », ils ont déduit que celui qui ne croit pas n’a rien avancé le baptême qu’il a reçu quand il était petit. Ils ont alors nié la valeur du baptême des enfants, affirmant que ce sacrement catholique et réformé ne devait être reçu que lorsque la personne était pleinement consciente de ce qu’elle faisait. C’est pourquoi ceux qui avaient été baptisés avant d’avoir pris conscience du bien et du mal devraient être baptisés à nouveau. 

Le fait de souligner l’importance du choix personnel dans le choix du cheminement chrétien a conduit les groupes et les communautés anabaptistes à croître rapidement. Mais la croissance des anabaptistes en Allemagne et en Europe centrale est devenue un problème pour les autorités ecclésiastiques, après tout, ils proposaient aux gens de ne pas baptiser leurs enfants. Logiquement, les catholiques et les retraités se sont mis en opposition directe à cette idée. Et comme le pouvoir ecclésiastique était lié aux forces de la féodalité ou aux forces de la bourgeoisie naissante, les deux parties ont opté pour l’extermination des anabaptistes.

L’action de la protestation contre les chaînes (2)
Jorge Pinheiro 

Pour Engels, la décentralisation, l’autonomie locale et régionale, la diversité commerciale et industrielle des provinces allemandes et l’insuffisance des communications ont été les facteurs qui expliquent le regroupement des classes sociales de l’Allemagne au début du siècle seize dans trois domaines : le féodalisme nucléarisé autour du catholicisme; le bourgeois réformiste, auquel se sont ralliés les luthériens; et le plébéien/paysan dirigé par les anabaptistes. 

Il est bon de rappeler qu’en Allemagne médiévale, l’Église catholique avait le monopole de l’éducation, ce qui faisait que tout enseignement avait un caractère religieux. Dans les mains du clergé catholique se trouvaient la politique, la jurisprudence et la connaissance, qui était considérée comme une extension de la théologie. Et les dogmes du catholicisme ainsi que la compréhension catholique des Ecritures avaient force de loi dans tous les tribunaux. De cette façon, des critiques ou des attaques contre le féodalisme se traduisaient par une confrontation avec le catholicisme. 

L’opposition à la féodalité a commencé bien avant le seizième siècle, avec les Cathares/ albigeois et les Vaudois, avec les insurrections dans les cantons suisses et a pris le contrôle de l’Allemagne avec les revendications religieuses, sociales et politiques qui ont pris corps comme pensée divergente. Les plébéiens et les paysans allemands voulaient l’établissement de l’égalité chrétienne, qui devait se traduire par l’égalité civile et sociale. Autrement dit, la noblesse devait se placer au niveau des paysans, et les patriciens et les bourgeois au même niveau que les plébéiens. Autrement dit, ils revendiquaient, pour la première fois dans l’histoire, des droits citoyens universels. En outre, ils exigeaient la fin des lois féodales, telles que l’obligation de services personnels, les impôts, les privilèges et le nivellement des différences scandaleuses en ce qui concerne la propriété. De cette façon, ces revendications démocratiques ont conduit aux revendications pour l’établissement de communautés où la propriété et les biens étaient communautaires, ce qui était considéré comme la réalisation de la promesse du Royaume de Dieu. 

Jusqu’en 1525-1526, le mouvement protestant était plus ou moins informel en Allemagne. Mais avec les guerres paysannes, les couvents furent sécularisés, le droit canonique abandonné et, avec le refus des évêques de s’associer au mouvement pour les réformes, les autorités civiles ont été poussées à devenir favorables aux nouvelles orientations et à s’impliquer dans la réorganisation de l’église. Ces actions se sont inspirées des anciennes visites pastorales effectuées auparavant par les évêques. Les princes se rendirent ensuite dans les paroisses, avec des délégations composées de juristes et de théologiens. A partir de 1530, ils ont créé des institutions permanentes avec des surveillants, conduisant les églises à dépendre du prince qui, en fait, a remplacé a remplacé l’évêque. Ainsi est née l’église territoriale réformée. 

En 1555, la Diète d’Augsbourg proclama le principe du “cujus regio, ejus religion” selon lequel le prince ou une autre autorité pouvait déterminer la religion des personnes. La législation et la juridiction, en particulier matrimoniale, sont passées au pouvoir du prince, qui le livrait à une instance juridique, et le prince ou le magistrat des villes sont devenus l’autorité ultime en matière de liturgie, la doctrine ou la nomination des prêtres. Les biens ecclésiastiques sécularisés ont été incorporés aux biens des princes, ou gérés par des administrateurs autonomes, en particulier les écoles. De cette façon, il y a eu un contrôle sur le comportement religieux, sur l’état juridique et financier des paroisses, sur la doctrine et sur la vie morale des pasteurs. 

Thomas Münzer et d’autres dissidents protestants réformés ont cherché à mobiliser leurs pairs et à exiger des autorités politiques la liberté d’expression et d’action religieuses et ont créé des communes autonomes, en interdisant à leurs partisans d’exercer des fonctions politiques dans l’État. Parmi ses actions, Münzer a complètement supprimé l’usage du latin en 1522, avant Luther. À Altstadt, dans les sectes qu’il dirigeait, des gens venaient de partout pour l’entendre. Ses attaques se sont tournées en particulier contre le clergé catholique, appelant les princes et le peuple à l’intervention armée contre l’Église catholique.

Le Christ n’a-t-il pas dit, je suis venu vous apporter non la paix, mais l’épée? Et que devez-vous faire avec elle? Rien d’autre qu’éloigner les méchants qui s’opposent à l’Evangile. Le Christ ordonna avec une grande sévérité (Luc 19:27) : mais quant à mes ennemis, qui ne voulaient pas que je les gouverne, amenez-les ici et tuez-les devant moi... Ne vous servez pas de la vaine excuse que le bras de Dieu doit le faire sans l’aide de votre épée qui pourrait bien rouiller dans le fourreau. Ceux qui s’opposent à la révélation divine qui sont anéantis sans pitié, comme Ezéchiel, Cyrus, Josias, Daniel et Élie, ont détruit les pontifes de Baal, sans quoi l’Église chrétienne ne peut retourner à ses origines. Au moment de la vendange, nous devons arracher l’herbe des vignes du Seigneur. Dieu dit (Deutéronome 7:5) : « tu n’auras pas pitié des idolâtres;... tu abaisseras leurs autels... et tu brûleras au feu leurs images de sculpture... Car tu es un peuple saint et Jéhovah ton Dieu... » 

Münzer, selon Tillich, était le plus créatif des évangélistes radicaux et croyait que l’Esprit pouvait parler à travers les gens. Cependant, pour recevoir l’Esprit, il fallait participer à la croix. 

« Luther, disait-il, prêche un Christ doux, un Christ du pardon. Nous devons aussi prêcher le Christ amer, le Christ qui nous appelle à porter sa croix. » 

Ainsi, les anabaptistes attaquaient la théologie de Luther au sujet des Ecritures, parce qu’ils considéraient que Dieu n’avait pas seulement parlé dans le passé, mais qu’il était devenu muet dans le présent. Mais qui a toujours parlé et parlé dans les cœurs ou dans les profondeurs de tout être humain prêt à l’écouter par l’écouter à travers sa propre croix. L’Esprit habite dans les profondeurs du cœur. La croix, explique Tillich, représentait la situation limite, était extérieure et intérieure. 

« Étonnamment, Münzer exprime cette idée en termes d’existentialistes modernes. Quand nous percevons la finité humaine, nous nous détestons de la totalité du monde. Et nous devenons pauvres en esprit. L’homme est pris par l’anxiété de son existence de créature et découvre que le courage est impossible. En ce moment, Dieu se manifeste et il est transformé. Quand cela arrive, l’homme peut recevoir des révélations spéciales. Il peut avoir des visions personnelles non seulement sur la théologie dans son ensemble, mais sur les sujets de la vie quotidienne ». 

Dans cette conjoncture de choc, à Zurich, en Suisse, au milieu des disciples du réformateur Zwinglio, apparut un groupe de chrétiens qui rejetèrent le pouvoir ecclésiastique, qu’il fût catholique ou réformé, exigeant l’autonomie des communautés chrétiennes. Ainsi, les anabaptistes fondèrent leur première communauté le 21 janvier 1525. Et ils se sont mis à choisir eux-mêmes leurs pasteurs et à construire des communautés séparées de l’Etat. 

Mais, dans le sud de l’Allemagne, c’est sans doute Thomas Münzer qui s’est érigé en défenseur d’une proposition de révolution sociale paysanne. En 1521, il a dirigé un groupe d’anabaptistes qui se sont ajoutés aux paysans insurgés autour de la revendication de terre et de liberté. Ainsi, Münzer a créé pour la première fois dans l’histoire un mouvement de libération paysan anabaptiste. 

Münzer n’était pas seulement un penseur, mais un militant qui pratiquait la foi. Il croyait être un prophète, appelé à implanter le Royaume de Dieu. Il considérait qu’il était de son devoir de dénoncer et d’exécuter les sentences contre les gouvernants qui exploitaient le peuple. Ses prédications étaient imprégnées de contenu social et politique : la fin de l’ancienne Eglise devait marquer le début d’un nouvel ordre social. 

Engels, qui avec Marx était l’un des pères du socialisme moderne, a considéré les guerres paysannes menées par les anabaptistes comme des combats sociaux. Vous avez dit que “si, en général, la bourgeoisie pouvait s’arroger le droit de représenter, dans ses luttes avec la noblesse, au-delà de ses intérêts, ceux des différentes classes laborieuses de l’époque, aux côtés de tout grand mouvement bourgeois qui se désolidarisait, ils éclosent des mouvements indépendants de cette classe qui était le précédent plus ou moins développé du prolétariat moderne. Ce fut à l’époque de la Réforme et des guerres paysannes en Allemagne, la tendance des anabaptistes et de Thomas Münzer.

Il considéra que, bien qu’ayant un visage chrétien réformé, les revendications anabaptistes allaient au-delà de l’expression religieuse qu’elles présentaient. Pour Engels, « la politique de Münzer est née de sa pensée révolutionnaire, qui allait au-delà de la situation sociale et politique de son époque. Son programme proposait l’établissement du Royaume de Dieu, avec le millénaire de justice, de paix et de bonheur, avec la suppression de toutes les institutions qui se trouvaient en contradiction avec le commandement de l’amour.

Pour Münzer, le ciel était ici sur le sol. C’est pourquoi le chrétien devait le construire dans la vie. Ce chrétien anabaptiste avait pour mission d’établir le Royaume de Dieu sur la terre. Ses sermons étaient des clameurs politiques et visaient à instaurer un nouvel ordre social. A partir de Münzer, les anabaptistes firent des sermons prophétiques, élaborés à partir de la réalité sociale dans laquelle ils étaient insérés, manifestes révolutionnaires, dont les propositions effrayaient les autorités, des dirigeants ecclésiastiques et princes de toute l’Europe. 

La crise économique fruit exploitation agricole prédatrice et extensive; la crise démographique, à cause des épidémies et de la faim; la crise sociale engendrée par l’émergence de la bourgeoisie et des salariés; la crise cléricale, due aux contradictions et à l’affaiblissement de l’Église catholique et à la crise spirituelle provoquée par l’apparition de nouvelles lectures du christianisme, ont fait du bas Moyen-Âge une période de grande instabilité et d’angoisse collective. Des milliers de paysans sans terre et de pauvres chômeurs erraient dans les campagnes et les villes. Cette situation a conduit aux propositions de construction de communautés composées de paysans et de plébéiens, où ils pourraient vivre et travailler ensemble, dans un système de vie en commun avec les biens partagés, disponibles selon les besoins des personnes et des familles. Et, en effet, les anabaptistes ont organisé des communautés de cette forme, des organisations fondées sur la propriété sociale autonome par rapport à l’Etat et aux pouvoirs ecclésiastiques et laïques de l’époque, d’abord catholique et ensuite réformé.

Ainsi, la compréhension que les anabaptistes avaient que le christianisme était un outil pour changer la condition sociale des paysans et des déshérités de la terre, sans aucun doute, il est parti de ses propres expériences de vie et de travail et a brisé le paradigme que la foi devait être aliénée de la vie sociale et politique. 

Plus tard, au combat, et l’armée de Münzer a été vaincu et il a été arrêté, torturé et exécuté. Mais la guerre paysanne en Allemagne s’est étendue jusqu’en 1525, quand les anabaptistes révolutionnaires ont été noyés dans le sang. Le conflit, qui a eu lieu dans les régions du sud, du centre et de l’ouest de l’Allemagne, a également touché des régions voisines en Suisse et en Autriche, et a entouré à son apogée, au cours de l’été 1525, environ 300000 paysans. Les estimations de l’époque ont fait état d’environ 100000 morts paysannes et plébéiennes.

Mais le rêve anabaptiste n’est pas mort là-bas, il a subsisté dans le cœur de milliers de chrétiens. Prenons quelques exemples. Sept ans après la mort de Münzer en 1532, une insurrection prit le contrôle de la ville de Müntzer. Elle a été initiée par un ex-processeur de la cathédrale de Müntzer, qui est devenu luthérien, Bernard Rothmann, et a fini par être expulsé de la ville. Deux ans plus tard, en 1534, le pasteur anabaptiste Jan Matthys, avec d’autres dirigeants, dont Jan van Leiden et Gert Tom Kloster, déclara la ville de Müntzer libre de la domination des princes et du pouvoir ecclésiastiques. 

Matthys a commencé une révolution sociale : les propriétaires fonciers ont été expropriés et leurs terres et biens distribués entre les paysans. Poursuivant la révolution, lui et un groupe d’anabaptistes attaquèrent la garnison dirigée par le prince Franz von Waldeck, qui était évêque de Müntzer et aussi chef de l’armée. Dans la confrontation Matthys a été tué. Il a été remplacé par Jan van Leiden. Après un an de résistance, Waldeck a mené une armée bien équipée et a attaqué la ville. Jan van Leiden et ses officiers ont été arrêtés, torturés et exécutés. Les combattants anabaptistes ont été jetés en prison puis déportés dans d’autres régions d’Allemagne et de Suisse. 

À partir de ce moment, les communautés anabaptistes ont vécu les unes isolées des autres, de manière clandestine. Leurs chefs étaient des laïcs qui prêchaient dans des vêtements civils. Ils ont adopté une discipline et une éthique rigides afin de survivre dans la clandestinité. Ces petites communautés se sont réfugiées à l’intérieur de l’Europe et se sont structurées de manière autonome. Chaque communauté de foi survit de l’engagement de service et financier de ses affiliés.

L’action de la protestation contre les chaînes (3)
Jorge Pinheiro 

Il y a une puissance formatrice dans l’acte de protestation. Et nous pouvons dire de lui : la spiritualité prend de la profondeur dans la plongée dans la matérialité ; ce que nous appelons l’Éternel doit s’exprimer par rapport à la situation présente ; le mandat de la vie doit être exprimé avec audace et risque ; et, enfin, le pouvoir formateur du protestantisme doit exprimer son radicalisme.

L’action protestante est une expérience transcendante au niveau de la matérialité humaine, une expérience qui a eu lieu à tous les temps. En ce sens, l’action protestante ne peut être identifiée à un type déterminé d’organisation sociale, mais toujours à la transcendance de la justice.

C’est pourquoi le protestantisme est porteur de pouvoir de transformation et offre un message de vie à la fois pour la personne et pour la communauté. Mais on ne peut pas dire que l’action protestante est un mouvement qui part mécaniquement de l’intériorité vers l’extériorité, en s’appropriant de formes culturelles ou en passant au large. En effet, l’action radicale de protestation donne forme aux expressions culturelles et prend de nouvelles formes à partir d’elles. De cette façon, le protestantisme est lié à des modèles sociaux et économiques, même s’il est plus proche de certaines formes d’organisation sociale.

L’éthique de la vie, par exemple, conduit le protestantisme à adopter une attitude critique face à l’ordre social qui repose sur l’oppression et l’exclusion sociale. Et il proclame la nécessité d’un ordre dans lequel la vie et son sens sont le fondement de l’organisation sociale.

Une telle éthique propose une économie solidaire où la joie n’est pas le fruit du gain, mais du travail lui-même. Et il prêche la soumission des nations, riches et pauvres, à l’idée du droit, et à la construction d’une conscience communautaire soudée sur la paix, qui conduit à une globalité réelle entre peuples et nationalités.

Historiquement, des ruptures religieuses se produisent associées à des ruptures économiques, car le noyau de l’unité culturelle d’une époque ou d’un peuple est la religion, qu’elle soit institutionnellement exprimée ou non. Ainsi, le fractionnement religieux caractéristique de certaines époques traduit le fractionnement économique, la distance et le choc entre les classes. Et en ces temps où nous avons un processus culturel d’unité, nous avons aussi une nouvelle base d’unité et de solidarité sociale et économique.

En ce sens, il y a un processus de développement qui se réalise de manière inégale dans l’histoire, mais qui combine des changements religieux et des transformations économiques et sociales. Face à de telles circonstances, l’action protestante est moralement obligée de faire des choix : participer aux processus de transformation ou se rétracter et entrer en déchéance en s’éloignant de la vie réelle des communautés.

Quelle que soit l’opinion éthique sur les organisations politiques des travailleurs, un fait doit être souligné : le protestantisme doit leur présenter une lecture radicale du caractère inconditionnel de la justice, qui engage la construction des communautés futures.

Au vingtième siècle, la conception matérialiste de l’histoire a nié la possibilité du rapprochement du protestantisme aux organisations politiques des travailleurs, mais si nous comprenons que dans Marx cette conception du fait historique n’est pas matérialiste, mais économique, nous voyons qu’il y a un lien de causalité entre fondement économique et organisation de la culture. Et, au contraire, ce fondement donne aux sciences humaines une possibilité méthodologique féconde, qui va au-delà de l’athéisme.

Ainsi, contrairement à ce qui semblait auparavant, nous ne pouvons pas dire que l’athéisme soit un élément constitutif des organisations politiques des travailleurs. C’est un héritage bourgeois, qui a été adopté par les organisations politiques des travailleurs en croyant qu’il aiderait à extirper l’idée de l’oppression et ouvrirait la voie à la construction d’un monde plus juste.

La critique des organisations politiques des travailleurs a été adressée aux institutions ecclésiastiques, puisque la religion est devenue des affaires. Mais ces organisations ont cherché une inspiration éthique dans les potentialités de l’universalité humaine et, par conséquent, aujourd’hui, elles doivent accepter les principes de la tolérance religieuse et de la séparation entre religion et État. 

Bien qu’il y ait eu des raisons historiques pour critiquer les institutions ecclésiastiques et qu’elles existent encore, les organisations des travailleurs ne peuvent nier la base solidaire et communautaire de l’idéal de l’action radicale protestante. Quant à la révolution, il faut dire qu’il n’y a pas de relation naturelle entre l’idéal des organisations politiques des travailleurs et la tactique révolutionnaire. On ne peut pas toujours dire que les tactiques proposées par les travailleurs sont contraires aux actions protestantes. Il suffit de voir comment Engels a analysé la révolution anabaptiste en Allemagne. 

Elle est chère aux lecteurs et lectrices, j’ai pleinement conscience du caractère permanent et universel de la révolution, car elle est liée à la vie elle-même. Et je crois que les mouvements libertaires de l’histoire humaine traduisent ce désir inhérent à l’âme humaine. Alors, comme l’a dit un ami et intellectuel sophistiqué, Tomás Rosa Bueno, « chaque révolution parle la langue de son époque, radicalisée. Il est naturel que les anabaptistes et tant d’autres dans les siècles pré et péri-Renaissance adoptent celui de la face la plus humaine de la religion. Mais au fond, c’est toujours la même vieille taupe qui creuse ses tunnels sous les palais du pouvoir. Nous allons tous arriver à la lumière un jour. Et nous allons retracer l’histoire, en donnant raison aux anabaptistes, en retirant Spartacus de la croix, en apportant notre royaume sur terre ».

C’est la force du royaume : c’est une utopie humaine qui marque des rêves et des espoirs, à des moments et des lieux différents. Aussi a-t-il ressassé la pensée libertaire des communautés chrétiennes anticléricales qui ont marqué le Moyen Age et qui ont culminé avec le messianisme révolutionnaire anabaptiste de Thomas Müntzer, qui a proposé une révolution sociale, sans laquelle il ne pourrait pas y avoir de révolution chrétienne, car pour lui le royaume de Dieu était présent dans la vie quotidienne. Il a voulu instaurer la dignité des hommes et des femmes, un royaume de Dieu dans ici et maintenant. C’est ce chemin qui me permet de dialoguer fraternellement avec les communautés chrétiennes. En effet, ce socialisme en construction permanente n’établit pas des doctrines et des dogmes, mais replace les réflexions et pratiques chrétiennes et révolutionnaires dans leur contexte. C’est pourquoi nous nageons sur le bord de la Réforme protestante, plongeons dans l’action révolutionnaire des chrétiens anabaptistes et arrivons à Marx à bras nus.

Les personnes qui vivent le principe protestant peuvent, sans crainte, avoir une attitude positive à l’égard des organisations politiques des travailleurs. Une attitude positive doit être comprise comme la réalisation du caractère inconditionnel de la justice et de la défense du sens de la vie, qui comprend la nécessité d’éliminer les conditions qui engendrent l’exclusion et la misère. Cette attitude traduite l’urgence de combattre les fondements de l’égoïsme économique et d’actions pour la construction d’un ordre social, qui tout en étant globalisé, inclut les exclus et les périphériques. Cela parce que la pensée et l’action de la radicalité protestante ne sont pas seulement des tâches d’ouvriers et de travailleurs industriels, mais un idéal éthique qui traduit les aspirations et les espoirs de tous ceux qui se lèvent pour une société plus juste.

« L’analphabète politique est si bête qu’il s’enorgueillit et gonfle la poitrine pour dire qu’il déteste la politique. Il ne sait pas, l’imbécile, que c’est son ignorance politique qui produit la prostituée, l’enfant de la rue, le voleur, le pire de tous les bandits et surtout le politicien malhonnête, menteur et corrompu, qui lèche les pieds des entreprises nationales et multinationales ». (Bertolt Brecht, Le pire des analphabètes, c’est l’analphabète politique).


Mise en scène Stuart SEIDE Avec les quinze élèves-comédiens de la promotion 3 de l'EpsAd, Ecole Professionnelle Supérieure d'Art Dramatique du Nord-Pas-de-Calais, dirigée par Stuart Seide : Arnaud Agnel, Aurélien Ambach-Albertini, Clémence Azincourt, Fanny Bayard, Charlotte Bertoldi, Anthony Diaz, Marie Filippi, Carine Goron, Maxime Guyon, Ariane Heuzé, Lisa Hours, Yann Lesvenan, Adrien Mauduit, David Scattolin, Antoine Suarez-Pazos. Production EpsAd / Théâtre du Nord - 2012 Réalisation, captation et montage : Jean-Christophe Ségard (jcsegard@free.fr)
















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