lundi 27 novembre 2023
Un réformateur marginal
samedi 25 novembre 2023
Kaddish (2)
vendredi 24 novembre 2023
Kaddish (1)
Kaddish
Vie, mort et royaume
Jorge Pinheiro
Le Kaddish, la sanctification, est l'une des idées clés de la liturgie juive. Elle doit être pratiquée comme un acte de glorification et de sanctification de HaShem, du Nom divin, basé sur l'une des visions eschatologiques du prophète Ézéchiel. Dans la liturgie, il présente plusieurs versions, la plus connue étant celle du déploré, bien que le Kaddish ne comporte aucune référence aux morts ou à leur résurrection. Le Kaddish a influencé plusieurs prières chrétiennes et le rabbin de Nazareth a enseigné à ses disciples un Kaddish qui est devenu connu sous le nom de prière du Seigneur.
Il n’y a aucun enseignement explicite dans les textes scripturaires hébreux qui nous donne une recette pour prier le Kaddish. Cependant, les rabbins comprennent Lévitique 22 :32 comme un enseignement qui doit être respecté... « afin que je sois sanctifié parmi les enfants d'Israël ».
Dans le Talmud, le Kaddish est mentionné à plusieurs reprises. Cela a été enseigné par Rabbi Yossi : Un jour, je marchais sur la route et je suis entré dans les ruines de Jérusalem, une ruine, pour prier. Vint Eliyahu, le prophète, qui était à la porte, m'a attendu jusqu'à ce que j'aie fini ma prière. Alors il me dit : La paix soit avec toi, rabbin, et je dis : « La paix soit avec toi aussi mon rabbin et mon seigneur. Il dit alors : Mon fils, pourquoi es-tu entré dans cette ruine ? Je lui ai dit : prier Puis il ajouta : Mon fils, quelle voix as-tu entendu dans cette ruine ? et je lui dis : J'ai entendu un écho, comme le cri d'une colombe, disant : Malheur aux enfants pour les péchés qui ont détruit ma maison, et J'ai brûlé mon autel, et je les ai jetés au milieu des nations. Il a ensuite ajouté : Dans votre vie, ce n'est pas à ce moment-là que vous devez élever la voix, mais chaque jour, trois fois par jour. Non seulement cela, mais à le moment où Israël entre dans les synagogues et les maisons d'études".
Mais Rabbi Shimon ben Gamaliel a également exhorté les hommes et la congrégation à prier le Kaddish.
Lors de la deuxième aggadah, après la destruction du Temple, le Kaddish était prié en araméen et considéré comme important pour la survie spirituelle du monde. Le Kaddish n'était pas prié comme une lamentation, mais par les rabbins après leurs expositions de la Torah le samedi après-midi. Et plus tard, lorsqu’ils avaient fini d’étudier une section du midrash ou de l’aggadah. Cette pratique s’est développée à Babylone, où la plupart des gens parlaient l’araméen.
Personnellement, je considère le Kaddish non seulement comme une pièce liturgique, mais aussi comme une théologie qui, dans le culte à HaShem, englobe la vie, la mort et le royaume. C’est pourquoi nous pouvons sans aucun doute apprendre beaucoup des traditions juives de cette théologie du Kaddish.
Dans ces réflexions sur le culte, l'histoire, la théologie mais aussi la politique, nous suivons les traces de Shaul de Tarse, fils de rabbin, et utilisons trois penseurs comme références théoriques : un théologien, Paul Tillich ; l'un des pères de la sociologie, Karl Marx ; et un philosophe néo marxiste, Slavoj Zizek. Alors, Shaul, Tillich, Marx et Zizek, je vous invite simplement à faire la même chose que Jésus : briser les préjugés.
samedi 18 novembre 2023
jeudi 9 novembre 2023
A missão no contexto europeu
A missão no contexto europeu
Jorge Pinheiro
Montpellier, 10/12/2020
"Deus é o Criador e o Juiz de todos os
homens. Devemos, portanto, compartilhar sua preocupação pela justiça e
reconciliação em toda a sociedade humana e pela libertação dos homens de todo
tipo de opressão ... expressamos penitência tanto por nossa negligência quanto
por ter às vezes considerado o evangelismo e a preocupação social como
mutuamente excludentes". John Stott
Duas ou três coisas
Quando me perguntam por que fazer missão na
França, eu parto do que, realmente, está acontecendo hoje na Europa, e que os
jornais e revistas nos relatam sobre isso.
Ao som de bateria e teclado, quatro back
vocais dão o tom do culto na igreja, enquanto são acompanhados por fiéis que,
com os braços erguidos, louvam e repetem as letras projetadas no telão. Logo
acima, pode-se ler Dieu est amour. A cena, comum nas igrejas brasileiras, é
novidade na França, que viu a fé protestante renascer nos últimos anos.
A presença dos muçulmanos traduziu a primeira
abertura para a naturalização da expressão religiosa em lugares públicos na
França. Mas isso criou um problema: tanto a condição de migrantes quanto a
identidade associada a uma religião com grande visibilidade fez da população
muçulmana um alvo de discriminações e intolerâncias.
Mas voltemos aos jornais e revistas francesas.
Longe do anonimato das ruas, nas manhãs de domingo na entrada da Église
Réformée de Belleville a recepção é calorosa e personalizada.
“É a proximidade entre nós, os pastores, e
nossos fiéis que faz a força do movimento protestante", afirma Amos Ngoua
Mouri, pastor da Communauté Évangélique la Bonne Nouvelle, no norte de Paris.
Segundo Frédéric Rognon, professor de
Filosofia das religiões na Faculdade de Teologia Protestante de Estrasburgo, na
França, "os protestantes expressam a fé de forma contemporânea, enquanto
os cristãos tradicionais utilizam ainda modelos antigos que não respondem à
realidade da vida atual.
“O lado da expressão pública da fé
protestante, quase publicitário, choca numa cultura francesa que relega a
religião ao domínio privado”, afirma Fath, garantindo porém que as coisas estão
mudando no país da laicidade. O pastor Mouri, por exemplo, confirma que o
movimento protestante é cada vez mais reconhecido.
A presença do Islã na França decorreu da
colonização do mundo muçulmano e a questão da presença árabe-muçulmana, ou
seja, da migração, tornou-se uma questão fundamental da política da União
Europeia. Nas próximas décadas se estima que cerca de 70 milhões de pessoas
serão migrantes na Europa. Donde, é inútil negar as razões da crise europeia,
já que a gestão da migração, principalmente, a presença muçulmana, deve
respeitar os direitos à vida. Mas tanto a União Europeia como os
Estados-membros não sabem, nem tem como resolver o desafio.
Para vencer o ódio e construir cidadania, a
missão deve defender uma cidadania, por exemplo, que inclua as crianças
migrantes, nascidas fora da Europa. O que pode ser enquadrado nas regras do
reagrupamento familiar. Ou seja, a cidadania deve ser europeia em primeiro
lugar, e ser válida para migrantes e refugiados. Para os povos em diáspora que
escolhem esta terra europeia como cidade de refúgio.
Ao se falar de crianças, devemos lembrar que,
segundo a UNICEF, o número de crianças refugiadas dobrou entre 2005 e 2015, e
essas crianças desenraizadas devem ser levadas em consideração.
Qualquer que seja seu status, uma criança é
uma criança. Assim, os milhões de crianças refugiadas que tiveram que deixar
seus países devem ser protegidas e ter pleno acesso a todos os seus direitos,
garantidos pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. O grande
número de crianças afetadas nos obriga a agir. Cada uma delas tem esperanças e
sonhos. Conflitos violentos, perturbações causadas pelas mudanças climáticas
não devem impedir que essas crianças tenham um futuro.
Para entender a escala do fenômeno, aqui estão
alguns dados: 11 milhões de crianças são refugiadas ou requerentes de asilo
fora do seu próprio país. Isto é o equivalente à população da Bélgica. 17
milhões de crianças foram deslocadas à força de suas casas. Cerca de 50% das
crianças refugiadas vêm da Síria ou do Afeganistão.
Entre 2005 e 2015, o número de crianças
migrantes aumentou 21%. Quanto ao número de crianças refugiadas, ele dobrou
durante este período. Ou seja, 28 milhões de crianças foram deslocadas à força.
Entre os 164 mil refugiados e migrantes que entraram na Europa em 2017, 29 mil
são crianças. Mais de 90% das crianças que chegam à Itália estão sozinhas ou
foram separadas de suas famílias. Cada uma delas enfrenta perigos consideráveis
em sua jornada em busca de segurança. A rota do Mediterrâneo central, que está
entre as mais perigosas, também é a mais utilizada. No final do percurso, essas
crianças são frequentemente confrontadas com condições de acolhimento
deploráveis: detidas, vítimas de discriminação, acumulam traumas que prejudicam
o seu desenvolvimento. Muitas delas não têm acesso à educação ou aos serviços
básicos de saúde. E outras optam pelo suicídio.
Vamos pensar a partir da teologia. Quando
pensamos em missiologia na Europa e logicamente na França, devemos ouvir e ver
o grito dos migrantes, muçulmanos e refugiados a partir do conceito de outro. E
se não fizermos assim, vamos ver o próximo como se fosse uma projeção, e
deixamos de entender a alteridade.
O renascer do protestantismo
Na França, a cada dez dias uma nova igreja
evangélica abre as portas, de acordo com dados do CNEF -- Conselho Nacional dos
Evangélicos da França.
“A primeira razão é simplesmente a necessidade
de esperança”, explica o sociólogo batista Sébastien Fath, especializado na
história do protestantismo francês e autor dos livros Do gueto à rede, o
protestantismo evangélico na França; e A nova França protestante,
desenvolvimento e crescimento no século XXI.
"O contexto de crise, que atinge a
sociedade francesa, tem por consequência um certo número de patologias sociais,
como a solidão. O Estado não pode fazer tudo, as prestações sociais e
capacidades de intervenção são em geral fragilizadas, pois há menos dinheiro
público. A igreja evangélica responde às necessidade que o Estado não se
encarrega mais”, avalia Fath, que enfatiza o caráter otimista do discurso
evangélico, em um país onde o pessimismo é a regra.
Fath explica que embora a fé cristã esteja
chegando a todos as classes sociais, inclusive às mais favorecidas, ela vem
atraindo jovens e imigrantes, principalmente aqueles originários das antigas
colônias francesas.
"Muitos franceses estão desencorajados
diante da crise e da globalização. Há uma certa depressão e uma necessidade de
perspectiva”, diz Fath. Já para Étienne L’Hermenault, pastor batista e
ex-presidente do CNEF, o crescimento das igrejas evangélicas é fruto da sede
espiritual. "A crise não é simplesmente financeira, mas também moral. Há
um cansaço de uma sociedade que perdeu muitas referências e que busca valores”,
argumenta.
Fath crê que o retorno ao protestantismo está
ligado também à crise do discurso político. “Os franceses estão decepcionados
com a política. O país que, durante muito tempo exportou pensamento político,
se desencantou com as soluções políticas, há 15 ou 20 anos atrás”, avalia.
Evitar a realidade que nos circunda e fugir de
uma leitura humana e presencial do Cristo nos remete à frase proposta por
Tertuliano de Cartago, escritor cristão do século III, "credo quia
absurdum!". Creio porque é um absurdo.
Esse absurdo paradoxal atinge o concreto e nos
chama a mergulhar na imensidão do divino humano. Fechemos os olhos e digamos
como aquele judeu que se chamou Paulo, o Pequeno: "Os judeus pedem um
sinal, e os gregos sabedoria, mas nós pregamos o Cristo crucificado, que é um
escândalo para os judeus e uma loucura para os gregos”.
Absurdo, escândalo, paradoxo... assim como o
fundamento da fé, a mesma fé que justifica Abraão no meio da loucura de um pai
que deve sacrificar o "filho da promessa". Portanto, a fé deixa de
ser a emuná hebraica, que define uma posição militar, e se torna um paradoxo.
Nenhuma ilusão ou devaneio, mas a loucura da confiança no divino, que não
podemos compreender.
Como disse Paul Tillich, herdeiro de Hegel e
do jovem Marx, a práxis é a mediação entre a ontologia e a realização da
realidade. Essa correlação, que para Tillich se tornará um método, é a busca de
superação da dialética anterior, que tratava do conhecimento do ser e de suas
manifestações fora da práxis histórica. Devemos, nesta reflexão sobre missão na
alta-modernidade europeia fazer essa passagem construindo uma lógica que não
será hegeliana nem marxista no sentido clássico, mas buscará correlacionar ontologia,
lógica e metodologia na dinâmica da práxis missiológica.
Essa correlação com a exterioridade
caracteriza a mobilidade da missiologia integral que é uma missiologia da
práxis. Desenvolve, assim, o caminho da correlação entre exterioridade e
ontologia face à dinâmica da práxis, tratando de formulações de métodos que
acompanham a superposição de horizontes ontológicos. Desse modo, tal
missiologia coloca a afirmação da exterioridade como fonte anterior às demandas
da ontologia, o que leva a uma intersecção comum: a ética.
Por isso, a missão na alta-modernidade deve
ser construída a partir de duas leituras: o próximo como revelação de um
mistério que nasce da liberdade, e da igreja como comunidade que denuncia os
poderes que negam a milhões de pessoas a possibilidade a bens e direitos. A fé
nasce do ato da inteligência -- essa é uma forma de ver. Mas quem, realmente,
vai além do que vemos? Em primeiro lugar, a esperança de que o outro se revele.
Ou seja, a possibilidade de produção e reprodução da vida que está além da visão
do rosto. Assim, missiologia para a Europa na alta-modernidade significa pensar
o outro, mas um outro que se revela na história, que é o mistério da nossa
liberdade. Acreditar na revelação deste próximo é entender o significado da
história.
Para que a missão seja integral devemos
descobrir o significado do presente histórico, quer venha da África ou de
regiões desfavorecidas do planeta. E o significado do presente histórico é
profecia, é a palavra. Mas falar para quem? Na modernidade, falar ao outro nos
levou à leitura formal do ir. Atravessar os mares e ir até os confins da terra.
Devemos ir, sim. É claro que a profecia deve falar do significado dos
acontecimentos presentes para nossa vida cristã. E isso é igreja. Mas, nesta
alta-modernidade de caos e crise, o desafio não é apenas ir, mas receber.
Vivemos na localidade global, não somos chamados somente a ir, mas a receber,
porque muçulmanos, migrantes e refugiados estão entre nós, conosco. Assim,
missão na alta-modernidade é receber e viver no chão da vida a realidade da fé.
A missão reconhece a vida do ponto de vista
integral: onde o outro se apresenta como próximo, irmão, e não como como
estranho, diferente, excluído. E esse é o conceito cristão de outro, sempre
próximo, mesmo fisicamente distante, que no encontro nos pede novas atitudes e
comportamentos.
A atividade missiológica é uma atividade de
confronto que diz respeito a pessoas que sabem que muitas vezes devem
discordar, pois não somos espectadores passivos.
A integralidade é uma contribuição para a
questão metodológica, pois parte daquilo que está fora da igreja e mesmo do
nosso círculo de amizades, que reconhece a existência da liberdade humana como
graça de Deus. A lógica da missiologia moderna era dialética, não chegava ao
horizonte do mundo, não incluía o outro porque anulava em sua alteridade. Mas,
a missão integral nos apresenta um momento antropológico, uma maneira diferente
de viver a missiologia, já que é uma missão holística, que abrange tanto o evangelismo
e a presença junto às igrejas, quanto a responsabilidade social.
Desde 1974, a missão integral influencia o
mundo latino-americano, mas hoje se faz necessário que seja presença em todo o
mundo, em especial na Europa. Ela nos mostra que o ser humano e a comunidade
estão localizados além do horizonte da totalidade. Ser integrado, porque o
outro é um ser inteiro, é o fulcro para novos desenvolvimentos. No entanto, o
ponto de partida do discurso metódico é a externalidade do outro. Como
alternativa à dialética que trabalha com a contradição, a identidade e a
diferença, o princípio não é o da identidade, mas o da distinção. O estar e ser
integral segue uma sequência, a totalidade é posta em causa pelo questionamento
provocador do outro. Ouvir a palavra é ter consciência ética, é aceitar a
palavra questionadora de quem fala. É ouvir e ver a necessidade real daqueles
que estão na Europa, mas que tiveram sua ancestralidade longe dela.
Não podemos esquecer que 2,4 milhões de
pessoas de países não pertencentes à Comunidade Europeia imigraram para a
Europa em 2018. E que das 446 milhões de pessoas que viviam na Europa em 2019,
21 milhões eram de países que não pertenciam à Comunidade Europeia. Nas
próximas décadas, segundo projeções da própria União Europeia, 70 milhões de
africanos, principalmente jovens, migrarão para a Europa. O que isso diz a nós
missionários?
A missão é holística
Utilizar o método da integralidade da missão
significa aceitar eticamente o grito daqueles que chegam fugidos da miséria, da
guerra e do extermínio. Essa ação é constitutiva, condição da possibilidade de
compreensão: resulta na adoção da exterioridade, lugar do exercício da
consciência crítica.
A integralidade da missão é a afirmação da
exterioridade: não é apenas a negação de um estado de coisas. É a superação da
totalidade moderna a partir da transcendentalidade daquele que nunca esteve
dentro. O momento é crítico por isso: é a superação do pensamento dialético
negativo, mas não o nega, porque a dialética não nega a ciência, ela
simplesmente a assume e a completa. Afirmar a exterioridade é alcançar o
impossível para o sistema, o imprevisível para o todo, que decorre da
liberdade. É somente por meio de um envolvimento integral que alguém pode se
comprometer com o outro, a ponto de arriscar a vida na luta pela conquista de
cidadania e direitos deste outro. Como resultado, a missão integral é prática:
é uma uma pedagogia que visa a realização da alteridade humana.
A expressão missão integral foi criada na
década de 1970 por membros da Fraternidade Teológica Latino-americana. A
palavra integral, em espanhol e em português é usada para descrever a
integridade do pão, pão integral, pão de trigo integral. Assim, a expressão é
usada para descrever uma compreensão da missão que afirma a importância de
expressar o amor de Deus e o amor ao próximo por todos os meios possíveis. Seus
teóricos, dos quais eu citaria três, René Padilla, Samuel Escobar e John Sttot,
enfatizaram a amplitude do Evangelho e da missão cristã. E usaram o conceito de
missão holística para mostrar que a missão não deve se basear na dicotomia
entre evangelismo e envolvimento social.
Mas o conceito não é novo: está presente no
Novo Testamento e no ministério de Jesus. Missão integral é uma expressão que
nos leva à compreensão de que a missão é holística, não é dualista, nem
dialética.
A missão integral já fez uma jornada de cerca
de cinco décadas. Em 1966, o Congresso da Missão Mundial da Igreja, realizado
em Wheaton, Illinois, reuniu evangélicos de 71 países. A Declaração de Wheaton
declarou que "nós somos culpados de um isolamento antibíblico do mundo que
muitas vezes nos impede de enfrentar e lidar honestamente com suas
preocupações" e a "falha [da igreja] em aplicar os princípios
bíblicos a problemas como racismo, guerra, explosão populacional, pobreza,
desintegração familiar, revolução social e comunismo”.
E naquele mesmo ano, o Congresso Mundial sobre
Evangelização em Berlim reafirmou a concepção tradicional da missão, que
chamamos de moderna. Billy Graham, neste Congresso, disse que se a igreja
voltasse à sua tarefa principal de proclamar o evangelho, ela teria um impacto
muito maior nas necessidades sociais, morais e psicológicas das pessoas do que
poderia alcançar por meio de qualquer outra ação.
Mas logo depois tivemos o Congresso
Internacional sobre Evangelização Mundial em Lausanne, 1974, o mais importante
encontro cristão do século XX, que propôs a missão integral como método para
chegar aos desterrados neste novo momento da pregação do Evangelho.
Depois do Congresso de Lausanne, a missão
integral cresceu. E na Inglaterra, em 1980, se elaborou um documento --
"Um Compromisso Evangélico com Estilo de Vida Simples" --, que
reafirmou nosso compromisso com a justiça dentro da concepção de missão.
E em 1982, a Consulta Internacional sobre a
Relação entre Evangelismo e Responsabilidade Social entendeu que a
responsabilidade social é uma ponte e parceira do evangelismo. Ou seja, os dois
são, na verdade, inseparáveis.
Um ano depois, a Consulta sobre a Igreja,
realizada em Wheaton, Illinois, publicou "Transformação: A resposta da
igreja às necessidades humanas", que foi a mais profunda afirmação cristã
da missão integral. Fez a denúncia da injustiça, e uma crítica àquelas igrejas
que através do silêncio dão seu apoio tácito ao status quo sócio-econômico.
Depois de "A Questão Judaica", Marx
fez a crítica econômica do cristianismo. Essa crítica foi dirigida às igrejas,
porque para Marx elas eram a expressão da miséria. Mas também criticou a
religião quando analisou o fetichismo da mercadoria, porque para ele a leitura
religiosa do mundo real não desapareceria enquanto as atuais condições de vida
não fossem superadas. Mas, em que consiste essa leitura do mundo real? Ora, o
olhar religioso vê a existência separada das relações construídas pelo ser
humano. E essa existência independente das relações sociais, essa existência
irreal, é um reflexo de outro real. Essa divisão entre aparência que oculta a
existência e oculta a realidade é esta idolatria do fetichismo da mercadoria.
Estranho fetichismo, que consiste nisto: ele oculta o caráter social do
trabalho e se manifesta como se este fosse um caráter material dos próprios
produtos do trabalho. Ou seja, em relação à mercadoria, e infelizmente para o
mundo da religião alienada, a realidade está separada das relações de trabalho,
do essencial concreto e de seu produto. Vê-se, então, uma realidade aparente,
como se o valor da mercadoria pertencesse de direito à sua própria estrutura
independente. É esta visão de mundo alienada, separada da realidade, que a
missão integral se propõe denunciar.
Uma missiologia para a Europa na
alta-modernidade é uma ética da vida. Não é apenas uma razão estratégica que
visa levar a revelação aos alienados de seu destino, mas deve ser capaz de
integrar os princípios de vida que posicionem o outro, o próximo e o diferente
como análogos.
O sistema-mundo nesta alta-modernidade de caos
e crise, ao tornar impossível a produção e reprodução da vida, aprofunda seu
caos e crise semeando a exclusão de bens e direitos. As vítimas são milhões de
pessoas que estão aqui do nosso lado. Fome e miséria são cavalos do Apocalipse.
Cabe, portanto, à missão elevar a ética como recurso diante de uma humanidade
em perigo. Esta missiologia é responsável pela solidariedade que parte do
critério da vida em relação à morte, da caminhada digna no caminho da fronteira,
entre os abismos da irresponsabilidade ética e a paranoia fundamentalista.
Estamos aqui diante do sujeito histórico que
aponta para a esperança escatológica, que se abrirá para ir além da alta-modernidade,
onde o ser humano terá pleno direito de produção e reprodução da vida. E a
missão, exatamente por ser holística, deve compreender que esta ação e esta
postura não negam o análogo de Cristo, mas deve deixar de ser uma hermenêutica
teórica e se desenvolver como uma presença que leva a uma transformação real.
É por isso que a missão apresenta um princípio
universal: a defesa do direito à produção e reprodução da vida de cada ser
humano. Esse princípio é objetivo e subjetivamente negado pelo sistema-mundo e
pela globalização.
A revelação é palavra
Missão integral é revelação. E revelação é
palavra, é linguagem e pessoalidade, é ver o próximo, ouvir a pessoa, caminhar
com ela. Por isso, a missão corre no fio da navalha: por um lado está a negação
da presença e recepção do diferente, daquele que veio de longe e, por outro, o
fundamentalismo pró-integração, que quer fazer dele um igual a nós. Por isso,
abrir-se para receber, e tudo o que isso implica, rompe a discussão moderna
entre o paradoxo e a dialética do Cristo. Não há paradoxo porque Cristo é análogo
e o método é holístico.
E não nos esqueçamos das palavras do profeta
Miquéias (6:8): "O que o Senhor requer de você senão que faça justiça, ame
a bondade e ande humildemente com seu Deus". A nossa missiologia mostra
que Deus criador e mantenedor existe nesta esperança e nesta possibilidade de
produção e reprodução da vida. E Cristo não é uma monstruosidade ou um
paradoxo, mas análogo. Assim, os que vem de longe, verão que Deus existe e
Cristo é pessoa, Deus que se fez carne por amor a nós.
E volto ao Goddard de "Duas ou três
coisas que sei dela", quando ele cita o Tractatus Logico-Philosophicus de
Wittgenstein: "Os limites do meu mundo são os limites da minha
linguagem." Mas, então, vemos Juliette cruzar Paris e dizer: "Mas o
mundo sou eu".
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