mardi 2 décembre 2014

Traduzir -- trair ou recriar?

A existência a partir da tradução...
Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Dedico ao meu amigo Vanderlei Gianastácio

... Ou, “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”. (Betty Fuks, Freud e a Judeidade, a vocação do exílio, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000).

Να τι θέλω να πω, αδερφοί μου: Άνθρωποι από σάρκα και αίμα δεν μπορούν να πάρουν μέρος στη βασιλεία του Θεού, ούτε αυτό που είναι φθαρτό μπορεί να κληρονομήσει την αφθαρσία.

σε μια στιγμή, όσο θέλει το μάτι για ν’ ανοιγοκλείσει, όταν ηχήσει η σάλπιγγα των έσχατων καιρών. Θ’ ακουστεί ο ήχος της σάλπιγγας, κι αμέσως οι νεκροί θα επιστρέψουν στη ζωή άφθαρτοι, κι εμείς οι ζωντανοί θ’ αλλάξουμε το παλιό με ένα νέο σώμα. Πρέπει αυτό που είναι φθαρτό να μεταμορφωθεί σε άφθαρτο, κι αυτό που είναι θνητό να γίνει αθάνατο. Όταν αυτό το φθαρτό μεταμορφωθεί σε άφθαρτο και το θνητό μεταμορφωθεί σε αθάνατο, τότε θα πραγματοποιηθεί ο λόγος της Γραφής: Ο θάνατος αφανίστηκε· η νίκη είναι πλήρης! Θάνατε, πού είναι το κεντρί της δύναμής σου; Άδη, πού είναι η νίκη σου; Τη δύναμη να πληγώνει θανάσιμα την παίρνει ο θάνατος από την αμαρτία, κι η αμαρτία παίρνει τη δύναμή της από το νόμο. Ας ευχαριστήσουμε όμως το Θεό που μας χάρισε τη νίκη δια του Κυρίου μας Ιησού Χριστού. Λοιπόν, αγαπητοί μου αδερφοί, να γίνεστε όλο και πιο σταθεροί και αμετακίνητοι στην πίστη, και να έχετε πάντοτε όλο και περισσότερο ζήλο για την εκπλήρωση του έργου του Κυρίου, αφού ξέρετε ότι ο κόπος που καταβάλλετε για χάρη του Κυρίου δεν είναι μάταιος. (ΠΡΟΣ ΚΟΡΙΝΘΙΟΥΣ Α΄ 15:50, 52-58 TGV).

O fazer da existência vale a pena. A eternidade aprecia esse bem-fazer humano, que tem seu próprio tempo, que integra a existência de cada ser na história dos fazeres humanos. É por isso que Bereshit, o primeiro texto na Torá, apresenta um ponto zero. O tempo zero vai do entardecer à meia-noite. É quando o sol desilumina o nosso espaço de forma gradual. O tempo do não-ser não é uma fratura do tempo, é tempo da história. Qoh não contempla a passagem do tempo, mas a vinda do tempo. O tempo significa nada ou pouco para o eterno, mas há um sentido de tempo para o humano. A conclusão de Qoh é que temos de ser no tempo para dar valor à eternidade que brota do nada do não-ser. E a partir de Qoh vamos a Paulo de Tarso.

Pede-se ser levantado

“Você está falando de bens materiais, de coisa frágil. Se você tem certeza de que esses bens ficarão sempre com você, fique com eles sem partilhar com ninguém. Mas se você não é o senhor absoluto deles, se tudo que você tem depende mais da sorte do que de você mesmo, por que este apego a eles?”. 

Betty Fuks conta que Freud, um dia depois do sepultamento do pai, sonhou com um cartaz onde estava escrito: “Pede-se fechar os olhos”. Mais tarde, em carta a Fliess, o pai da psicanálise falou dos sentidos subjetivos da frase: “era parte da minha auto-análise, minha reação diante da morte de meu pai, vale dizer, diante da perda mais terrível na vida de um homem”. 

Não vou entrar nos detalhes das leituras que o próprio Freud fez da frase que apareceu em seu sonho. Diria ao leitor que vale a pena ler Freud e a Judeidade. Pretendo aqui levantar uma proposta de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”. É a partir dessa hermenêutica, que vamos ler trechos do final da primeira carta de Paulo aos Coríntios. 

“... Foi sepultado e foi despertado do sono no terceiro dia, de acordo com o escrito”. 

A frase acima, e a continuação do texto, é uma das mais importantes sobre a egeiro e anástasis, duas expressões gregas não substancialmente diferentes, que sintetizam a teologia da anástase dos cristãos do primeiro século. As traduções posteriores, e creio que dificilmente poderiam ser diferentes, criaram um padrão de imagem que dificultam a experiência do ir além. Por isso, fomos obrigados antes da tradução transversa fazer a desconstrução histórico-filosófica da anástase.
 
As leituras da anástasis e egeiró remontam a Homero e ao grego antigo e com seus sentidos correlatos axanástasis, anhistémi e anazaó, que podem ser traduzidas por “ficar de pé”, “ser levantado” e “voltar à vida”, foram fundamentais para a construção do conceito anástase, amplamente utilizado pelas ciências do espírito. Mas é com Platão, na literatura filosófica, que vamos encontrar um debate fundamental para a teologia da anástase, quando apresenta a alma enquanto semelhança do divino e o corpo enquanto semelhança do que é físico e temporário. 

Platão, em Fédon, num diálogo entre Sócrates e seus amigos defendeu a idéia da imortalidade da alma. Sócrates foi condenado à morte por envenenamento, mas não teve medo, por crer ser a alma imortal. Para Platão, as almas possuem semelhanças com as formas, que são realidades eternas por trás do mundo físico, natural. Nesse sentido, para Platão, o corpo morre, mas a alma não. Ele parte do padrão cíclico da natureza, frio/ quente/ frio, noite/ dia/ noite. Assim, os mortos despertam numa nova vida depois da morte: caso contrário, a vida desapareceria. 

E dirá através de Sócrates em Fédon: “(...) perguntemos a nós mesmos se acreditamos que a morte seja alguma coisa? (...) Que não será senão a separação entre a alma e o corpo? Morrer, então, consistirá em apartar-se da alma o corpo, ficando este reduzido a si mesmo e, por outro lado, em libertar-se do corpo a alma e isolar-se em si mesma? Ou será a morte outra coisa? (...) Considera agora, meu caro, se pensas como eu. Estou certo de que desse modo ficaremos conhecendo melhor o que nos propomos investigar. És de opinião que seja próprio do filósofo esforçar-se para a aquisição dos pretensos prazeres, tal como comer e beber?” 

Paulo conhecia a discussão filosófica grega acerca da anástase, já que isso se evidencia em seus escritos, principalmente no trecho que estamos analisando, mas é certo que construiu seu conceito também levando em conta a tradição judaica, acrescentando novidades ao debate teológico. Existem referências ao ser trazido de volta à vida nas escrituras hebraico-judaicas. Mas a preocupação judaica era existencial, como vimos em Qohélet. Mais do que remeter a um futuro distante, embora tais leituras estejam presentes na teologia de alguns profetas, as histórias de anástase relacionadas aos profetas Elias e Eliseu falam do aqui e agora. Aliás, este último, mesmo de depois de morto, trouxe à vida um defunto que foi jogado sobre sua ossada. Ao tocar os ossos de Eliseu, o morto ficou vivo de novo e se levantou. Esse caminho será a novidade da compreensão cristã/ helênica da anástase.

“Somos arautos de que o ungido foi levantado do meio dos mortos: como alguns podem dizer que não há o ser erguido dos mortos? E, se não há o despertar do sono da morte, também o ungido não foi levantado. E se o ungido não foi levantado, é inútil o que falamos e também inútil a nossa crença. Somos então testemunhas falsas, porque anunciamos que Deus ergueu o ungido. Mas se ele não foi levantado, os mortos também não são erguidos. E se os mortos não são erguidos, o ungido também não o foi. E, se o ungido não foi erguido, a nossa crença é inútil e vocês continuam a vagar sem destino. E os que foram colocados para dormir no ungido estão destruídos”. 

Outras fontes de Paulo foram o profeta Daniel e outras literaturas intertestamentárias, que trabalharam com a idéia de “despertar subitamente do sono”. Chifflot e De Vaux situam o livro de Daniel no período helênico por entender que é uma edição de antigos fragmentos do período babilônico, compilados, organizados e contextualizados ao momento histórico descrito no capítulo onze. Nesse capítulo, as guerras entre lágidas e selêucidas, assim como as investidas de Antíoco IV Epífanes contra Jerusalém e o templo são narradas com riquezas de detalhes. Ao contrário do que acontece nos livros proféticos anteriores, aqui o autor cita fatos aparentemente insignificantes, querendo demonstrar que é uma testemunha ocular da história. Dessa maneira, a edição que conhecemos do livro de Daniel deve ser situada no período da grande perseguição de Antíoco IV Epífanes, possivelmente entre os anos de 167 e 164 a.C., segundo Chifflot e De Vaux, já citados. A partir desse enquadramento, os capítulos 7 a 12 de Daniel, enquanto edição são chamados de “vaticinia ex eventu”, dado que o texto é contemporâneo aos acontecimentos descritos. Esses capítulos expressam a reação contra a helenização da Judéia e das perseguições em curso, mas, paradoxalmente, uma forma de pensamento afetado pela civilização helênica.

A partir da segunda metade do livro, o autor trabalha sobre dois temas registrados na primeira metade: que o judeu deve ser fiel a Deus em meio à tentação e à provação; e que Deus defende o servo leal que prefere morrer a violar os mandamentos. Nos seis capítulos finais, o sábio (ou grupo de sábios, cujos escritos foram compilados por um redator) retoma o conteúdo das visões que teve em relação à profanação do templo, em 167 a.C., e o erguimento da “abominação desoladora”. 

Durante o período helênico idéias novas afloraram em meio à vida judaica, entre elas a esperança da recompensa escatolõgica apresentada pelas profecias apocalípticas, como em 2Macabeus 7, Daniel 12:2-3 e o Escrito de Damasco 4:4, que se traduzem concretamente na anástase.

Assim, os elementos novos da compreensão paulina da anástase já aparecem delineados no profeta Daniel: “Muitos dos que dormem no pó da terra despertarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno. Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre e eternamente”. Paulo, porém, somará um componente existencial à compreensão de Daniel, dirá que a morte, o maior de todos os odiados pela espécie humana, será privada de força.

“Caso o ungido só sirva para esta vida, somos as pessoas mais dignas de lástima. Mas o ungido foi levantado dentre os mortos e foi o primeiro fruto dos que foram colocados para dormir. Porque se a morte chegou pela humanidade, também o ungido dará à luz nova vida. Como morre a espécie, no ungido ela recebe vida. E isso acontece numa ordem: o ungido é o primeiro fruto, depois os que pertencem ao ungido, quando ele aparecer. E veremos o limite, quando o ungido entregar o reino a Deus e Pai, e tornar inoperante o império, os poderes e os exércitos. Convém que seja rei até derrubar os odiados por terra. O último odiado a ser privado de força é a morte, porque o resto já foi colocado debaixo de seus pés”. 

É interessante que Paulo em seu texto sobre a anástase cita o dramaturgo, filósofo e poeta grego Menandro (342-291 a.C.), que num verso disse: “as más companhias corrompem os bons costumes”. E voltando ao Misantropo: “insisto que, enquanto você é dono deles, você deve usá-los como um homem de bem, ajudando os outros, fazendo felizes tantas pessoas quantas você puder! Isto é que não morre, e se um dia você for golpeado pela má sorte você receberá de volta o mesmo que tiver dado. Um amigo certo é muito melhor que riquezas incertas, que você mantém enterradas”. Tudo indica que Paulo gostava de teatro e de comédias.

Que Paulo recorreu à tradição profética fica claro quando cita o profeta Oséias literalmente: “eu os remirei do poder do inferno e os resgatarei da morte? Onde estão ó morte as tuas pragas? Onde está ó morte a tua destruição?”. Mas há uma correlação entre Platão e a tradição hebraico-judaica, que pode ser lida nesta carta de Paulo. Isto porque, como afirma Fuks, o leitor desconstrói, pois ler não é repetir o texto: é um modo de criação e de transformação. Por isso, digo que ler é um ato de anástase. E Paulo trabalhou de forma brilhante o termo, tanto nas suas leituras e estudos, como na reconstrução do próprio conceito.

“Que farão os que se batizam pelos mortos, se os mortos não são chamados de volta à vida? Por que se batizam então pelos mortos? Por que estamos a cada hora em perigo? Protesto contra a morte de cada dia. Eu me glorio por vocês, no ungido Iesous a quem pertencemos. Combati em Éfeso contra animais ferozes, mas o que significa isso, se os mortos não podem ressurgir? Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos. Mas não vamos nos enganar: as más companhias corrompem os bons costumes”.

Na sequência da tradição hebraico-judaica, ou como diz Fuks, “os antigos hebreus não estavam trabalhados, como nós, pela necessidade de abstração, de síntese e de precisão na análise conceitual do real, herança dos gregos”, Paulo está preocupado com o corpo, com a vida.

“Mas alguém pode perguntar: como os mortos são trazidos à vida? E com que corpo? Estúpido! O que se semeia não tem vida, está morto. E, quando se semeia, não é semeado o corpo que há de nascer, mas o grão, como de trigo ou qualquer outra semente. Deus dá o corpo como quiser, e a cada semente o corpo que deve ter. Nem toda a carne é uma mesma carne, há carne humana, de animais terrestres, de peixes, de aves. E há corpos celestes e corpos terrestres, uma é a dignidade dos celestes e outra a dos terrestres. Diferente é o esplendor do sol do esplendor da lua e das estrelas. Porque uma estrela difere em brilho de outra estrela. Assim também o ser levantado dentre os mortos. Semeia-se o corpo perecível; levantará sem corrupção. Semeia-se na desgraça, será levantado em excelência. Semeia-se em debilidade, será erguido vigoroso. Semeia-se corpo controlado pela psiquê, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo controlado pela psiquê , também há corpo espiritual”. 

Para Paulo, anástase leva à uma teologia da vida que nasce do corpo. Mas, não é simplesmente ter de volta a vida do corpo material, tanto que em certo momento Paulus diz que “deveremos ser a imagem do homem do céu”.

“Assim também está escrito: o primeiro ser humano, terrestre, foi feito ser-que-deseja, o futuro humano será um espírito-cheio-de-vida. Mas o que não é espiritual vem primeiro, é o natural, depois vem o espiritual. O primeiro ser humano, da terra, é terreno; o segundo humano, a quem pertencemos, é celestial. Como é o da terra, assim são os terrestres. E como é o celeste, assim são os celestiais. E, como somos a imagem do terreno, assim seremos também a imagem do celestial”. 

O pensamento grego, platônico, está presente na anástase paulina, já que a eternidade não é construída em cima da carne e do sangue. Vemos aqui a dualidade entre a realidade física e o mundo das formas. O dualismo metafísico de Paulo admite aqui duas substâncias que regem o ser humano, no mundo natural, a psiquê, e no mundo pós-anástase, o pneuma. E dois princípios, nesse sentido bem próximo a Platão, o bem e o mal. 

“E agora digo que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a eternidade. Digo um mistério: nem todos vamos adormecer, mas seremos transformados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta, porque a trombeta soará, os mortos serão levantados incorruptíveis, e seremos transformados. Convém que o corrompido seja tornado eterno, e o que é mortal seja tornado imortal. E, quando o que é corruptível se vestir de eternidade, e o que é mortal for transformado em imortal, então será cumprida a palavra que está escrita: a morte foi conquistada definitivamente. Onde está, ó morte, a tua picada? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora, a picada da morte é o desviar-se do caminho da honra e da justiça, e a força do erro é a lei. Mas a alegria que Deus dá é a vitória por Iesous, o ungido, a quem pertencemos. Sejam firmes e persistentes, abundantes no serviço daquele a quem pertencemos, conscientes de que o trabalho árduo e duro não é desprezado por aquele a quem pertencemos”. [Ver texto na Vulgata].

Caso voltemos à análise do conceito anástase no capítulo 15 da primeira carta aos Coríntios, tomando como ponto de partida o desafio de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”, vemos que Paulo traduziu para as novas gerações o desejo judaico-helênico, humano, da anástase: “Pede-se ser levantado”.

Vulgata -- 1Coríntios 15

[50] Hoc autem dico, fratres: quia caro et sanguis regnum Dei possidere non possunt: neque corruptio incorruptelam possidebit.

[51] Ecce mysterium vobis dico: omnes quidem resurgemus, sed non omnes immutabimur. [52] In momento, in ictu oculi, in novissima tuba: canet enim tuba, et mortui resurgent incorrupti: et nos immutabimur. [53] Oportet enim corruptibile hoc induere incorruptionem: et mortale hoc induere immortalitatem. [54] Cum autem mortale hoc induerit immortalitatem, tunc fiet sermo, qui scriptus est: Absorpta est mors in victoria. [55] Ubi est mors victoria tua? ubi est mors stimulus tuus?

[56] Stimulus autem mortis peccatum est: virtus vero peccati lex. [57] Deo autem gratias, qui dedit nobis victoriam per Dominum nostrum Jesum Christum. [58] Itaque fratres mei dilecti, stabiles estote, et immobiles: abundantes in opere Domini semper, scientes quod labor vester non est inanis in Domino.


Bibliografia recomendada

Andrés Torres Queiruga, Repensar a ressurreição, São Paulo, Paulinas 2010.
Jonas Machado, Morte e ressurreição de Jesus, São Paulo, Paulinas, 2009.
Marko Ivan Rupnik, Ainda que Tenha Morrido, Viverá/ Ensaio Sobre a Ressurreição dos Corpos, São Paulo, Paulinas, 2010. 

jeudi 27 novembre 2014

Vamos nos preparar para receber Jesus

Igreja Batista em Perdizes

(Cantata de Natal em 2013)

Adoração na manhã de domingo, a partir das 10h45
Adoração na noite de domingo, a partir das 18h45

Venha participar destes momentos de adoração. Em comunidade elevemos nossa voz aos céus. Venha ao culto de domingo de manhã, convide os amigos e adoremos juntos!

E à noite teremos batismos. Este é sempre um momento especial de evangelização, traga seus amigos para ver e ouvir a Palavra de Deus.
E adoremos juntos.

Do pastor e amigo, Jorge Pinheiro.

Leia , participe, divulgue!

mardi 25 novembre 2014

Islamismo e teologia

O Islã e suas teologias
Prof. Dr. Jorge Pinheiro 

No dia 12 de setembro deste ano, o Papa Bento XVI deu uma aula magna sobre “Fé, Razão e a Universidade” na Universidade de Regensburg. Aparentemente tratava-se de uma discussão sobre a fé e o relativismo cultural, mas ao citar argumentos do imperador e intelectual bizantino Manuel II Paleólogo, de 1391, sobre o islamismo, trouxe à baila uma velha discussão apologética: a violência e seu papel na expansão da fé muçulmana. Aqui não pretendo retornar ao apologeta Manuel II Paleólogo, mas a partir do pensamento islâmico moderno analisar nossas diferenças.

Há mais de dez anos, no dia 24 de abril de 2004, participei de um diálogo com um homem sábio, sheik que na época era vice-presidente da Assembleia Mundial da Juventude Islâmica. Na ocasião, falei de minha compreensão da dívida ocidental com a cultura e teologia cristã árabe e também expus meus estudos sobre a teologia da morte no islamismo sunita. Foi uma discussão acadêmica enriquecedora e agora, agradecido por ter podido debater com um mestre da cultura islâmica, publico a exposição que realizei.


Introdução

É comum no Ocidente pensarmos que só os cristãos produzem teologia e que o islamismo não produziu nenhuma reflexão teológica nesses quase quatorze séculos de história. E quase nunca relacionamos o pensamento teológico islâmico com a expansão dos movimentos revolucionários islâmicos em nossos dias. 

Na verdade, o Islã produz e sempre produziu teologia, fruto da reflexão sobre seu livro sagrado, o Alcorão e a tradição islâmica posterior. Mas, no século 20, três pensadores religiosos revolucionaram a teologia islâmica. Foram eles Hassan al-Banna, Abu al-A'la al-Maududi e Sayyd Qutb.

Assim, para entendermos um pouco o que acontece hoje no mundo muçulmano vamos analisar nesses três artigos as ideias e propostas desses intelectuais religiosos muçulmanos. Mas antes vejamos um pouco de nossa dívida intelectual e histórica com a cultura árabe.

Nossa herança árabe

O Oriente Médio é uma das regiões que viram a civilização nascer. Povos diferentes ocuparam seus desertos e vales férteis. Levas de invasores e povos dominados se alternaram ao longo da história a tal ponto que se tornou difícil separar laços culturais construídos nos últimos milênios.

A partir do sétimo século de nossa era, os árabes ocuparam os espaços da cultura cristã helênica nas regiões da Síria, Palestina, Mesopotâmia, Pérsia, Egito e norte da África. Absorveram essas culturas e o helenismo e desenvolveram áreas da ciência e da filosofia. Assim, foram grandes as contribuições dos árabes nos campos da matemática, química, medicina, agronomia e filosofia para a cultura ocidental.

Traduziram do grego para o siríaco e para o árabe as obras de Platão e Aristóteles. Mas cultura árabe e islamismo não são sinônimos. 

Em 711, sob a liderança de Tárik, invadiram a península ibérica, derrotando os visigodos. Criaram o Emirado de Córdoba em 756, que mais tarde passou a Califado, tornando-se independente de Bagdá, e dando origem ao reino árabe da Espanha, El Andaluz.

É importante notar que Bagdá, na Mesopotâmia, capital do império árabe era, no século IX, a cidade mais desenvolvida da época, sem rival no mundo ocidental. E Córdoba, por sua vez, era a cidade mais importante da Europa.

Na Espanha, os árabes desenvolveram uma cultura helenística de leitura árabe, que criou as bases teóricas e metodológicas para o desenvolvimento da escolástica no século XIII. 

Para vislumbrar essa riqueza civilizatória, vale a pena citar três expoentes do pensamento medieval, que exemplificam esse florescimento do pensamento árabe:

Hunayn ibn Ishaq, árabe cristão, que viveu em Bagdá e que no século IX traduziu e comentou as obras de Aristóteles. 

Averroes (1126-1198), que viveu em Córdoba e se tornou o maior comentador de Aristóteles no Ocidente. Aliás, foi através dele que Aristóteles ficou conhecido no mundo cristão latino. 

O terceiro é Moisés Maimônides (1135-1204), nascido em Córdoba, o maior pensador judeu da Idade Média. Maimônides, contemporâneo de Averroes e profundo conhecedor de Aristóteles e da cultura muçulmana, escreveu inclusive sua principal obra, Guia dos Perplexos, em árabe.

Dentro desse contexto, era de se esperar que os árabes cristãos desenvolvessem uma exegese e uma teologia bíblica, principalmente do Novo Testamento, peculiar e profunda. Ibn al-Salibi, Ibn al-Tayyib e Ibn al-Assãl foram eruditos cristãos de primeira grandeza. 

Ibn al-Salibi, por exemplo, em 1050, escreveu uma belíssima obra de exegese, o Livro das Pérolas Inusitadas de Interpretação do Novo Testamento. Ele, em seu Comentário sobre Lucas 13.1-5 fala de Jesus com respeito e adoração. Diz Ibn al-Salibi: O Glorificado respondeu às suas insinuações com uma conclamação ao arrependimento e comparou esse terrível acontecimento à queda de uma torre em Siloé.

Outro teólogo árabe cristão de primeira grandeza foi Ibn al-Tayyib, que escreveu um extenso comentário dos quatro evangelhos, publicado no Cairo, em 1908.

Os dois esforços

O termo árabe Jihad significa esforço. Jihad é um conceito teológico do islamismo clássico e o verdadeiro esforço é aquele voltado para a causa religiosa. Mas uma das modalidades desse esforço pode ser a guerra. Como aparece no Alcorão, o termo autoriza duas leituras, uma interior e espiritual, e outra exterior e militar.

A guerra tem como objetivo a conquista da paz para que o mundo não seja tomado pelo caos. Mas existem limites estabelecidos para a guerra. Por exemplo: ela não pode envolver civis, não pode envolver crianças, mulheres e velhos. Esse seria o Jihad mais conhecido no mundo ocidental. 

Há o esforço no sentido espiritual. Essa é a batalha espiritual do sufismo, a dimensão mística do Islã. Para o Islã tradicional, a guerra exterior é secundária, exatamente o contrário do que pensa o Islã fundamentalista. A guerra interior é mais importante, é a verdadeira guerra.

Há uma história de Mohamed que mostra um pouco da perspectiva islâmica em relação à guerra. Mohamed, o profeta, voltou de uma batalha e chegou à Meca. Aclamado pelo povo por sua vitória, alguém lhe disse: “Você voltou vencedor do Jihad”. E Mohamed respondeu: “Voltei do pequeno Jihad contra os inimigos do Islã. Mas o essencial é jihad al-akbar, aquela que todo homem deve travar dentro da sua própria alma, a batalha contra as paixões”. 

A morte no Islamismo clássico só é justificada se for para defender a própria vida. O muçulmano não pode partir para o ataque fora dessas premissas. É proibido na guerra o envolvimento de crianças, mulheres e velhos. Por isso, do ponto de vista místico, as guerras são lutas interiores. 


Essa compreensão tem como ponto de partida o entendimento islâmico sobre o problema do mal, que é visto não como ser ou realidade objetiva, mas como questão metafísica. O mal para o islamismo é a sombra do bem. Não possui existência autônoma, própria. A imagem utilizada para ilustrar o mal é: a luz quando incide sobre uma pessoa ou objeto sempre produz sombra.


Os povos têm características próprias e às vezes são muito diferentes uns de outros. Os povos do Mediterrâneo, por exemplo, como os italianos e espanhóis são calorosos e abertos. De maneira idêntica, o árabe é um povo apaixonado e extrovertido. Aparentemente predisposto à entrega total de si. Com o advento do Islã isso se potencializou. E no século 20 o conceito de Jihad deu origem no islamismo sunita a uma teologia da morte.


2ª parte
Radicalizações do mundo muçulmano

Na segunda semana de maio de 2004, o escritor português e Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago, fez em Roma uma declaração forte: a tortura e os abusos cometidos no Iraque superam "o limite da decência até em uma coisa tão indecente como a guerra". Concordo com ele. Mas considero também que nós ocidentais devemos conhecer o Islã e suas teologias. Por isso, na sequência deste texto vamos analisar a teologia do sunismo radical.


Se por um lado é conhecido o apoio que o fundamentalismo evangélico do sul dos Estados Unidos deu ao presidente George Bush Jr. e ao projeto de invasão e guerra no Iraque, nós ocidentais conhecemos pouco a teologia da morte no islamismo sunita. Assim, condenando a irracionalidade da guerra e o papel terrível de correia de transmissão do fundamentalismo evangélico norte-americano ao defender os interesses bélicos da maior potência do mundo, nos sentimos livres para continuar nossa análise do fundamentalismo islâmico.


Um século de radicalização

No século 20, ideias e conceitos se radicalizaram no mundo muçulmano. Em 1928, com apenas 22 anos, professor graduado pela Universidade de Al-Azhar, no Egito, Hassan Al-Banna deu início à Irmandade Muçulmana. Ele era muçulmano egípcio, de fé sunita, que é um dos dois maiores grupos em que se divide o islamismo, o outro é o xiismo.

Hassan Al-Banna disse que “o Islã é fé e devoção, é um país e é cidadania, é uma religião e um Estado, é espiritualidade e trabalho duro, é o Alcorão e a espada”.

Assim Al-Banna não separa Estado e religião, como nas democracias ocidentais, mas propõe nações teocráticas muçulmanas onde a Sharia seja a constituição de todos: muçulmanos ou não. Nesse sentido, descarta as liberdades democráticas e cidadãs. Em seu livro mais conhecido, Carta a um estudante muçulmano, de 1935, sobre como o muçulmano deve se comportar no Exterior, afirmou:

Todos os prazeres trazidos pela civilização contemporânea não resultarão em nada, a não ser em dor. Uma dor que vai superar seus atrativos e remover a sua doçura. Portanto, evite os aspectos mundanos desse povo: não deixe que eles tenham poder sobre você e o enganem”.

Mas a grande contribuição de Al-Banna para a teologia islâmica foi a definição do conceito de Jihad, que antes dele era visto como guerra interna do crente muçulmano em busca do caminho reto e guerra defensiva em caso de ataque dos infiéis. A partir de Al-Banna, o Jihad é uma obrigação para reconverter o mundo muçulmano ao islamismo puro.

Em seu livro A mensagem dos ensinamentos, Al-Banna diz:

Por sacrifício eu entendo dar-se totalmente, sua riqueza, seu tempo, sua energia e tudo o mais pela causa do Islã. Não há Jihad sem sacrifício, e não há sacrifício sem uma recompensa generosa por parte de Deus. Quem evita o sacrifício é pecador. Por isso, queridos irmãos, vocês entendem o nosso lema: a morte na luta por deus é a nossa grande esperança”. 

E no mesmo livro Al-Banna definiu os objetivos da Irmandade Muçulmana:

1. Deus é nosso objetivo
2. O Mensageiro é o nosso exemplo
3. O Alcorão é nossa constituição
4. O Jihad é o nosso método
5. O martírio é o nosso desejo

Aos 43 anos Al-Banna foi assassinado, mas seus ensinamentos só têm crescido entre a jovem intelectualidade sunita. No seu livro A indústria da morte há uma frase que será definitiva da vida do crente revolucionário sunita:

Para uma nação que aperfeiçoa a indústria da morte e sabe morrer de forma nobre, Deus dá uma vida de orgulho nesse mundo e terna graça no mundo que está por vir”.

Hoje a Irmandade Muçulmana está presente no Egito, Síria, Arábia Saudita, Jordânia e Líbano. E na Arábia Saudita têm até universidade em Medina. E o lema de Al-Banna, cunhado em 1928, seduz corações e mentes muçulmanas:

Preparem-se para o Jihad e sejam amantes da morte”. (1928)

À maneira de Al-Banna, Maududi ampliou a teologia do Jihad e aprofundou a ruptura com o pensamento tradicional dos religiosos islâmicos, propondo uma teologia que deu fundamento aos grupos políticos revolucionários. 

Como Al-Banna, Maududi acusava os Estados islâmicos de terem abandonado os princípios do Alcorão, tornando-se correia de transmissão do pecado ocidental.

Uma jihad planetária

Na década de 50, um outro teórico vai marcar e aprofundar os conceitos definidos por Al-Banna e Maududi. Será Sayyd Qutb, que publicou mais de 30 volumes, que ficaram conhecidos como A sombra do Alcorão.

Para ele:

A rebelião contra Deus transferiu ao homem o maior atributo de deus, a soberania sobre todas as coisas. E fez alguns homens senhores de outros. Somente num sistema islâmico de vida, todos os homens se tornam livres da servidão de alguns homens a outros homens e se devotam à submissão do deus único, recebendo Dele orientação e se curvando diante dele”.

Em seu livro Sinalizações da estrada, Qutb afirma:

Essa religião é realmente uma declaração universal para libertar o homem da servidão a outros homens e da servidão a seus próprios desejos. É uma declaração de que a soberania pertence apenas a Deus e que Ele é o senhor dos mundos. É um desafio a todos os tipos e formas de sistemas baseados na soberania do homem. (...) Em resumo, é preciso proclamar a autoridade e a soberania de Deus para eliminar toda forma humana de governo e anunciar o mando Daquele que sustenta o Universo sobre a Terra inteira”. 

E para que isso se torne uma realidade propõe:

O estabelecimento do domínio de Deus sobre a Terra não pode ser atingido apenas com a pregação. Aqueles que usurparam o poder de Deus sobre a Terra não desistirão de seu poder meramente através da pregação. Se assim fosse, a tarefa de estabelecer a religião de Deus no mundo teria sido fácil para os profetas de Deus. E isso é contrário a toda evidência da história dos profetas e da história das lutas da verdadeira religião em todas as gerações”.

Assim, Qutb propõe que o Islã crie um estado muçulmano exemplar, que sirva de modelo para o mundo muçulmano, e se lance ao Jihad global a fim de eliminar toda forma de governo que tenha por base a soberania humana.

Em 1966, foi condenado à morte pelo governo de Násser, no Egito, e enforcado. Hoje é considerado pelos revolucionários sunitas um mártir da causa islâmica.

A solução proposta por Hassan al-Banna, al-Maududi e Sayyd Qutb é o retorno aos fundamentos criados na antiga Arábia por Maomé e seus primeiros sucessores. Essa teologia deu base religiosa aos movimentos que a partir dos anos 70 transformaram-se na principal força de contestação no Oriente Médio. E diante do desgaste dos nacionalismos árabes, como o nasserismo no Egito, a Frente de Libertação Nacional na Argélia, o kemalismo na Turquia, todos de tradição sunita, a teologia da morte grassou pelo mundo islâmico. 

Não podemos esquecer que para Sayyd Qutb, a principal ação teológica do Islã não é mais a "islamização a partir das bases da população", como propunham al-Banna e al-Maududi, mas a eliminação dos "regimes dos infiéis", através do Jihad global. Assim, a partir de Qutb a teologia da morte se transforma numa teologia da morte e do assassínio, que condena qualquer muçulmano que não se torne um combatente contra os infiéis. Nos Estados islâmicos acontece, então, uma polarização e uma divisão entre os agrupamentos religiosos que assumem essa teologia e os movimentos que ainda acreditam num possível nacionalismo islâmico.

É, porém, com a guerra no Afeganistão que se produziu um salto qualitativo na ação político-militar desses agrupamentos religiosos. Osama Bin Laden, por exemplo, deu início à unificação de movimentos e grupos religiosos que até então estavam separados entre si. A participação dos mulás e dos voluntários do Jihad na guerra contra os soviéticos no Afeganistão e a vitória que conquistaram deu consistência à teologia da morte e do assassínio e deslanchou a luta pela formação da Umma, ou nação islâmica, em oposição à teoria das revoluções nacionais. Al Qaeda, o Movimento Islâmico do Usbequistão, também conhecido como MIL, de Juma Namangani, e o Hizb ut-Tahrir al-Islami, ou Partido da Libertação Islâmica são exemplos trágicos dessa teologia quando levada à prática.

Assim, o Jihad na Palestina, na Chechênia, na Caxemira, nas Filipinas são as diferentes faces de uma mesma teologia, que prega a formação de uma única nação islâmica que declare Jihad global ao Ocidente infiel. 

Dessa maneira, no correr do século 20 o conceito do Jihad transformou-se numa teologia da morte, que neste início do século 21 arrasta milhões de pessoas à guerra, ao terror e à morte.


3ª. parte
A resposta da teologia cristã

Diante da teologia da morte proposta por Al-Banna, al-Maududi e Sayyd Qutb, como os cristãos devem se posicionar teologicamente?

Em primeiro lugar devemos ter claro sobre quem repousa nossa fé e a partir daí entender nossa missão. O apóstolo Paulo, em sua carta aos Colossenses 1.15-20 diz:

(15) [Cristo] é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, (16) "pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por ele e para ele”. (17) Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste. (18) "Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia." (19) Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude, (20) e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão nos céus, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz.

Esta passagem é chave para a construção de uma correta teologia da cruz e consequentemente de uma teologia da vida e da paz. O apóstolo Paulo depois de mostrar que salvação é efetuada por Cristo, descarta qualquer outra mediação salvífica, seja de autoridades e poderes visíveis, do presente século, ou de autoridades invisíveis, do mundo espiritual. 

O Alcorão fala pouco de Jesus. Há duas seções nas suras 3 e 9 que falam do anúncio do nascimento de Jesus e de sua natureza miraculosa. Esses textos estão em Al-i-Imran 3.47 e Maryam 19.19-20. Por isso o milagre do nascimento virginal de Jesus é aceito pelos muçulmanos ortodoxos. 

Outro fato interessante é que na Sura Ma’ida 5.109-110 Jesus é visto como um profeta que realizava milagres. Ora, sabemos que Maomé não operou milagres... Assim, há pontos de convergência entre o cristianismo e o islamismo no que se refere a Jesus, mas também há dois pontos centrais de divergência: sua morte vicária e sua deidade. Por isso utilizaremos este texto para expor como a teologia cristã evangélica vê a relação de Cristo com Deus e com o universo. E é interessante ver que tal exposição também nos remete à teologia do Logos apresentada pelo apóstolo João na introdução de seu Evangelho (Jo 1.1-18).

Paulo diz que o Cristo é a “imagem do Deus invisível” (15). Imagem, eikon, em grego, não significa apenas semelhante, mas o que representa e manifesta. Assim o Pai, a quem nenhum ser humano viu, torna-se manifesto no Filho (cf. Jo 1.18). 

Esse conceito teológico que é reafirmado pelo apóstolo Paulo em II Coríntios 4.6, quando diz que os cristãos têm contemplado “a glória de Deus, na face de Jesus Cristo”, também aparece nos escritos de João. 

Essa “imagem do Deus invisível” é o “primogênito de toda a criação”. Tal expressão “primogênito de toda a criação” é muito importante para nós cristãos, pois devido à influência que sofreu do gnosticismo, uma heresia que infiltrou a igreja cristã antiga durante quase dois séculos, Mohamed nega a crucificação de Jesus, conforme vemos na Sura Nisa 4.157-158. Para o gnosticismo Jesus não morreu na cruz, mas foi levado a Deus sem passar pela morte.

Assim também para o islamismo, um discípulo de Jesus o substituiu na cruz. Ora, esse argumento parte da ideia de que um profeta de Deus não teria uma morte tão vergonhosa, o que, em última instância, nega o sacrifício vicário do Filho de Deus, conforme expõe a Sura Saffat 37.107, que toma como tema a salvação de Isaque, filho de Abraão. 

Aqui, é importante ver que os xiitas, partindo do sofrimento e morte de seu líder, Ali, e de seus dois filhos, que também tiveram morte violenta, se aproximaram da ideia da redenção.

Mas outra heresia do cristianismo dos primeiros séculos influenciou Mohamed: o arianismo. Para o arianismo, Jesus era um ser criado por Deus, mas não filho de Deus, coeterno e da mesma essência de Deus. Assim, para a heresia ariana e também o islamismo essa expressão “primogênito de toda a criação” é utilizada como argumento de que o Cristo é um ser criado. Nós discordamos porque a melhor tradução para a expressão grega prototokos, que normalmente é traduzida por primogênito, é único anterior à criação. Além disso, não podemos esquecer que primogênito dentro do direito romano era um conceito jurídico que definia quem herdava. Esta significação fica clara na sequência do texto, onde Cristo é apresentado como o herdeiro de toda a criação.

Em relação ao Universo, Ele é o fundamento. Tudo, visível ou invisível, deve a Ele a existência. Tronos e domínios estão subordinados a Ele, conforme Paulo diz também em Efésios 1.21. 

Mas o Filho é também o objetivo último do Universo. “Todas as coisas foram criadas para Ele”. Ou seja, tudo converge necessariamente para ele, pois veio dele. 

E por último, ainda em relação à natureza e ao Universo, todas as coisas subsistem nele. A expressão grega synesteken, que normalmente traduzimos por subsistir, deve ser entendida como aquilo que se coaduna, que está em equilíbrio, que caminha em direção contrária ao caos. O Universo, então, tem sua origem, sua expansão e seu término em Cristo.

Do verso Maryam 19.33 do Alcorão podemos entender que Jesus ressuscitou. Mas há uma divergência de interpretação entre os próprios muçulmanos. Uns consideram que ele subiu aos céus sem morrer e outros consideram que Deus causou a morte dele e depois o ressuscitou, levando-o para o céu. A Sura 3.55 fala que Jesus retornará no dia da ressurreição, para governar o mundo. E a Sura 43.61 diz que Jesus voltará como sinal, antes do Dia do Julgamento. E Abu Hurairah, um teólogo muçulmano assim fala de Jesus:

O apóstolo de Deus disse: Por ele cuja mão está minha vida! É certo que o filho de Maria irá descer entre vocês como um juiz. E ele vai quebrar a cruz em pedaços, vai matar o porco e tirar o imposto. E a riqueza irá abundar em tal expensão que ninguém a aceitará. E uma prostração em oração será melhor que o mundo todo e tudo o que há nele”. 

Ora, exatamente porque nenhum poder (nem a morte) ou ser criado pode colocar-se em pé de igualdade com Cristo, nada e ninguém pode partilhar com Ele do lugar que deve ocupar na vida daqueles que creem. Cristo é a fonte da criação natural, mas também a cabeça de uma nova criação. Em I Coríntios 12.12-26, o apóstolo Paulo diz que a comunidade dos que creem é o corpo de Cristo. Essas duas figuras, cabeça e corpo nos falam de interdependência, mas também de dependência, já que a cabeça deve dirigir o funcionamento do corpo.

Essa proeminência absoluta de Cristo sobre o Universo e sobre a eclesia é definida na sequência do texto, quando diz que “aprouve a Deus que Nele residisse toda a plenitude”. E esse conceito grego, pleroma, é fundamental porque fala da totalidade dos poderes e atributos divinos.

E esta perícope paulina termina de forma grandiosa, ao dizer que em Cristo, Deus reconciliou consigo o Universo, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz. 

A Cristologia paulina transpõe o momento amargo da paixão e da cruz de Cristo. Como explicou o reformador do século XVI, Martinho Lutero, Cristo veio até nós e sofreu uma morte real “envolto em nossos pecados”. Morreu sentindo em si mesmo e em sua consciência a agonia da separação, e se o Pai se fez oculto no momento de sua morte, é fundamental não esquecer que é esse Pai, Deus que cria ex nihilo, que tem o poder da própria vida, quem resgata Jesus da morte. Essa cruz sem rosas traz algo novo: vence a morte, ressuscita.

Cristo foi levado à morte para que a morte fosse banida de nossas vidas. Se as teologias sunitas revolucionárias definem com pecadora e merecedora de morte a herança iluminista e cristã reformada que caracterizam o mundo Ocidental, nós dizemos que o mundo não necessita de morte, mas de vida. E essa é nossa tarefa, levar vida, levar Cristo, porque se Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo (...) Ele nos confiou o ministério da reconciliação. 

Diante das teologias da morte cabe aos cristãos levantar a teologia da vida, realizando através das boas novas da salvação em Cristo o ministério da reconciliação com Deus, que nos foi entregue.

Bibliografia recomendada

Colley J.K., Una guerra empia, Milano, 2000.
Chiesa, G. – Vauro, Afghanistan anno zero, Milano, 2001. 
Fuller E.G – Lesser I.O., Geopolitica dell’Islam, Roma, 1996.
Hourani A., L’Islam nel pensiero europeo, Roma, 1991.
Kepel G., Jihad ascesa e declino dell’islamismo, Roma, 2001.
Mervin S., L’Islam – fondamenti e dottrine, Milano, 2001.
Rashid, Ahmed, Jihad, São Paulo, Cosac & Naify, 2003.
Schulze R., Il mondo islamico nel XX secolo – politica e società civile, Milano, 1998.


jeudi 20 novembre 2014

O caminho do perdão

Ofensa e culpa

As relações humanas, sociais, entre pessoas de convívio próximo, têm, ao contrário do que se imagina, características próprias e peculiares, que ultrapassam as maneiras próprias de cada um e se manifestam não só nas relações da comunidade, mas nas relações que essas pessoas mantêm entre si. Essas relações humanas resultam de mútuas interações pessoais e coletivas, e geram dinâmicas que podem ser medidas e direcionadas, a partir do relacionamento interpessoal. E duas questões que desequilibram essas relações e que estão relacionadas e fazem são as síndromes geradas por ofensas e culpa. E é esta questão que queremos abordar aqui, nestas duas pastorais, não numa leitura apenas sociológica, mas principalmente bíblica e teológica.

O que é ofensa, o que é culpa? Quando é que ofendemos e nos tornamos culpados? A ofensa, a princípio, é sempre vista como afronta, desconsideração, injúria. Seria postergar responsabilidades, violar mandamentos e, por extensão, alienação e transgressão. Assim, e esta é a leitura teológica cristã, ofendemos quando mascaramos a verdade, quando manipulamos pessoas e fugimos às responsabilidades. E, ao contrário do que propõe a ética cristã, estes padrões acabam sempre presentes na vida em comunidade e nas relações humanas, sociais.

Assim, teria culpa a pessoa que opta por uma conduta negligente que causa dano. Seria culpado quem falta voluntariamente a uma obrigação. E essa leitura penetrou na cultura e hoje faz parte de nossa ética social, onde a culpa no Código Penal brasileiro é sinônimo de delito e crime. Já na tradição judaico-cristã, culpa é sinônimo de transgressão da vontade do Deus Eterno, quer em relação direta com Ele próprio, quer em relação ao próximo. Seria, então, e sempre alienação e pecado. 

Poucas vezes, no dia-a-dia, relacionamos ofensas e traição. Mas a traição, tecnicamente, seria uma forma de decepção, um repúdio, enfim, um rompimento sem razões de uma amizade ou de uma aliança. Por isso, tais violações de confiança causam tantos conflitos morais e psicológicos nas comunidades. Mas, vejamos como, biblicamente, podemos vencer ofensas, a começar por sua expressão mais violenta, a traição.

1. A traição e a culpa: o exemplo de Judas Iscariotes (Mateus 27.3-5).

“Quando Judas, o traidor, viu que Jesus havia sido condenado, sentiu remorso e foi devolver as trinta moedas de prata aos chefes dos sacerdotes e aos líderes judeus, dizendo: - Eu pequei, entregando à morte um homem inocente. Eles responderam: - O que é que nós temos com isso? O problema é seu. Então Judas jogou o dinheiro para dentro do Templo e saiu. Depois foi e se enforcou”.

Assim, traição é também o crime de quem, com deslealdade, entrega, denuncia ou vende alguém ou alguma coisa ao inimigo. É covardia e infidelidade. Judas traiu o sangue inocente. Pecou e foi se enforcar. Segundo Atos 1.18, cheio de remorso, quando se enforcou, a corda rompeu-se e Judas caiu no abismo, tendo as entranhas derramadas no solo. Culpa sem arrependimento é remorso, gera descrença e desespero (falta de fé e esperança) e leva à morte.

2. A traição e o arrependimento: temos o exemplo de Pedro, o pescador (João 21.15-17).

“Quando eles acabaram de comer, Jesus perguntou a Simão Pedro: - Simão, filho de João, você me ama mais do que estes outros me amam? - Sim, o senhor sabe que eu o amo, Senhor! - respondeu ele. Então Jesus lhe disse: - Tome conta das minhas ovelhas! E perguntou pela segunda vez: - Simão, filho de João, você me ama? Pedro respondeu: - Sim, o senhor sabe que eu o amo, Senhor! E Jesus lhe disse outra vez: - Tome conta das minhas ovelhas! E perguntou pela terceira vez: - Simão, filho de João, você me ama? Então Pedro ficou triste por Jesus ter perguntado três vezes: "Você me ama?" E respondeu: - O senhor sabe tudo e sabe que eu o amo, Senhor! E Jesus ordenou: - Tome conta das minhas ovelhas”. 

Neste diálogo vemos o arrependimento de Pedro e o perdão de Jesus. Arrependimento é contrição, profunda insatisfação pela nossa conduta moral. Por isso, o arrependimento leva à aceitação do castigo e à disposição de não repetir o erro. E o perdão de Jesus é um perdão para a ação: cuida das minhas ovelhas!

3. O arrependimento e o perdão: o conselho do apóstolo João nos fala da solução do Deus Eterno para as ofensas e culpas.

“Se dizemos que não temos pecados, estamos nos enganando, e não há verdade em nós. Mas, se confessarmos os nossos pecados a Deus, ele cumprirá a sua promessa e fará o que é correto: ele perdoará os nossos pecados e nos limpará de toda maldade”. (1a. João 1.8-9).

Quando há arrependimento e reconhecimento de ofensas e culpas, o Deus Eterno é fiel e justo para perdoar. Ora, se a comunidade constrói modelos de relações pessoais, o amor deve ser o paradigma da comunidade que busca a paz, já que esse amor será transmitido às gerações. E porque na comunidade que busca a paz uma pessoa apoia outra, é necessário pensar a comunidade não somente como organismo, mas como processo que atravessa gerações. Por isso, o reconhecimento de ofensas e culpas e o perdão do Deus Eterno são tão importantes, porque possibilitam a reconstrução dos relacionamentos. E é a partir daí que devemos voltar ao amor solidário e à parceria com irmãos e irmãs.

Do amigo e pastor, Jorge Pinheiro.

lundi 10 novembre 2014

Cultura, política e religião


Conheça e leia Cultura, política e religião. 
Minha revista no Flipboard.


A morte e a construção da espiritualidade

Jorge Pinheiro, PhD
 
Por um ser humano entrou a hamartia / a alienação no mundo, e através da hamartia, da alienação, a consciência da morte. Assim a consciência da morte chegou a todos os seres humanos, porque todos estão alienados. A alienação e a lei sempre estiveram no mundo, mas não há consciência da alienação quando não há lei.

Em sua carta aos Romanos (5.12), o apóstolo Paulo explicita esse processo de construção do humano ao afirmar que a hamartia entrou na vida humana por um primeiro ser humano e com a hamartia, a consciência da morte. Ora, hamartia era uma expressão militar dos gregos que se referia ao ato do arqueiro errar o alvo, quer no treinamento, quer na batalha. Paulo utiliza a expressão no sentido de que vivemos sempre sob a possibilidade de errar os alvos existenciais. Por isso, a compreensão de hamartia é ausência, separação, alienação, já que implica em distanciamento do objetivo existencial.   
 
Errar o alvo, ou seja, ausência, separação, alienação, enquanto estado da existência, leva à compreensão da origem do humano enquanto tal. E Paulo fala, então, da consciência da morte. Para o apóstolo, o estado de ausência, separação e alienação na existência produz uma consciência matricial, a consciência da morte.  
 
A partir da consciência da morte temos a consciência do divino, a consciência da diversidade, já que não somos bichos e, por extensão, não somos apenas natureza, a consciência de que podemos escolher, e a consciência de que coisas e ações podem ser boas ou não. Dessa maneira, hamartia implica em conseqüências: necessidades diante da lei, daquilo que é ou está frente à existência, e possibilidades diante da liberdade, daquilo que não existe, mas pode ser criado.