lundi 29 mars 2021
Y a-t-il un chemin humain?
Vamos celebrar a Páscoa !
jeudi 25 mars 2021
Homenagem ao Prof. Dr. Jorge Pinheiro
Relembrando. Obrigado a todos e todas!
https://m.youtube.com/watch?v=G4rZ8Eo8PNQ
Depois de 23 anos como professor de Teologia, recebi uma homenagem por parte da Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Este vídeo fez parte das homenagens. Gostaria de tê-lo nos arquivos de Memórias de Perdões, já que meu coração repousa nesta cidade querida.
Jorge Pinheiro Dos Santos
A Halakha - O caminho da espiritualidade e da liberdade
mercredi 24 mars 2021
A lei do Espírito da vida
A LEI DO ESPÍRITO DA VIDA
JORGE PINHEIRO
SÃO PAULO, NOVEMBRO DE 1995
“ Portanto, não existe mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus. A Lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te libertou da lei do pecado e da morte. De fato - coisa impossível à Lei, porque enfraquecida pela carne - Deus, enviando o seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado e em vista do pecado, condenou o pecado na carne, a fim de que o preceito da Lei se cumprisse em nós que não vivemos segundo a carne, mas segundo o espírito. Com efeito, os que vivem segundo a carne desejam as coisas da carne, e os que vivem segundo o espírito, as coisas que são do espírito” .
Romanos 8:1-5
Ουδεν αρα νυν κατακριμα τοις εν Χριστω Ιησου. ο γαρ νομος του πνευματος της ζωης εν Χριστω Ιησου ηλευθερωσεν σε απο του νομου της αμαρτιας και του θανατου. το γαρ αδυνατον του νομου εν ω ησθενει δια της σαρκος, ο θεος τον εαυτου υιον πεμψας εν ομοιωματι σαρκος αμαρτιας και περι αμαρτιας κατεκρινεν την αμαρτιαν εν τη σαρκι, ινα το δικαιωμα του νομον πληρωθη εν ημιν τοις μη κατα σαρκα περιπατουσιν αλλα κατα πνευμα. οι γαρ κατα σαρκα οντες τα της σαρκος φρονουσιν, οι δε κατα πνευμα τα του πνευματος.
ΠΡΟΣ ΠΟΜΑΙΟΥΣ 8:1−5
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
ÍNDICE ANALÍTICO
A Liberdade Cristã
Não Há Nenhuma Condenação
Paulo, Servo de Jesus
O Coração das Escrituras
Pela Graça, Dom de Deus
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CAPÍTULO 1
A LIBERDADE CRISTÃ
(O princípio do contexto)
Tecnicamente, temos aqui dois blocos de textos: um maior, que é o capítulo 8 inteiro, cuja temática é a da vida cristã sob a lei do Espírito; e um bloco menor, que vai do versículo 1 ao 11, e que trata especificamente da vida emancipada por esta lei do Espírito.
O texto em análise está dentro desses dois blocos, que nos dão a linha de pensamento do autor: uma sequência de análises sobre a vida emancipada (vs.1-11); a vida exaltada (12-17); a vida esperançosa (18-30); e a vida exultante (31-39). Dessa maneira, "neste capítulo, o apóstolo traça o curso da vida cristã, na qual a graça triunfa sobre a lei,
1 e os crentes experimentam livramento do pecado".
A epístola de Paulo, como um todo, enfoca três blocos temáticos: do capítulo 1 ao 8, fala da justificação pela fé; do capítulo 9 ao 11, discute a exclusão temporal dos judeus e a inclusão dos gentios ao povo de Deus; e do capítulo 12 ao 16, exortações práticas.
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Davidson, F., "O Novo Comentário da Bíblia", Edições Vida
Nova, São Paulo, 1994, pág. 1167. "iv
Ao analisar a justificação, mostra que a salvação do homem repousa fundamentalmente sobre a fé, proveniente da graça de Cristo e não na lei de Moisés. Essa misericórdia de Deus não depende da lei, porque o homem, em sua natureza pecaminosa, não tem como responder efetivamente às exigências da lei, que expressa a santidade de Deus. Assim, a graça provem de Cristo, que no seu amor e sacrifício, perdoa os pecados dos homens. A liberdade da vida cristã, liberdade diante da lei, não depende do próprio homem, nem do que ele possa fazer, mas daquilo que Cristo já fez por ele.
Há uma outra epístola de Paulo, que também trata dessa relacão lei versus graça, que é a carta escrita aos Gálatas, onde o capítulo correlato a Romanos 8 é Gálatas 5. Ali, o apóstolo escreve sobre a justificação pela fé, falando da liberdade cristã.
Sem dúvida, a análise de Paulo parte de elementos vetero-testamentários, que descreve no capítulo 4 de Romanos, ao explicar que a promessa feita a Abraão teve por base a fé, já que ainda era incircunciso e não tinha a lei, enquanto formalização apresentada a Moisés.
A passagem analisada encaixa-se perfeitamente não somente na linha geral de pensamento do autor, mas dentro do ensinamento bíblico como um todo.
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CAPÍTULO 2
NÃO HÁ NENHUMA CONDENAÇÃO
(O princípio gramático-literário)
O texto que estamos analisando está inserido numa epístola, forma literária específica, amplamente utilizada pelos apóstolos e pela igreja primitiva. No capítulo que segue, analisaremos com mais detalhes esta forma literária, inserindo-a no contexto histórico de gregos e romanos durante o primeiro século da era cristã.
A epístola aos Romanos é uma carta de difícil compreensão. Isto porque Paulo tinha o costume de escrever intercalando um pensamento central com várias digressões, tornando complexa a conexão das idéias expostas. Outra dificuldade é o próprio tema, já que o apóstolo estava tratando de um assunto eletrizante para a época, mas hoje aceito pela totalidade cristã: os gentios podem ou não tornarem-se cristãos sem serem prosélitos dos judeus?
Em Romanos 8:1-5, encontramos cinco verbos fundamentais para a compreensão do que o autor está expondo. São eles: (1) ηλευθερωσεν (ελευθεροω, ωσω, ηλευθωρωσα): o oposto ao estado de escravidão, receber alforria, não estar sujeito a uma obrigação, livrar, libertar. "Te libertou", variantes: "me libertou", "nos libertou". É um aoristo passado, isto
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significa que a ação foi plenamente realizada, mas segue
vigente no presente. (2) κατεκρινεν (κατακρινω, −κρινω, −εκρινα,
κεκριμαι, −εκριθην): penalidade imposta por condenação judicial,
servidão penal, condenar. Também é um aoristo passado. (3)
πληρωθη (πληροω, −ωσω, −σα, κα, μαι, θην): encho, aterro, encho a 1
ponto de transbordar, dou plenitude, cumpro. (4) περιπατουσιν (περιπατεω, −ησω, περιπατησα, −πεπαρτηκα): ando, vivo, dirijo minha
vida. (5) φρονουσιν (φρονεω, −ησω): penso, ter a mente controlada por, ter como hábito de pensamento, inclinar-se.
Desses verbos, dois são antônimos (receber alforria
versus condenado judicialmente) e levam à oposição que o
autor quer mostrar entre a lei do Espírito da vida e a lei
do pecado e da morte. Assim, ao regime do pecado, Paulo
opõe o novo regime do Espírito (cf. 3:27+), e diz que em
nós transborda o espírito da lei. Esse preceito da lei
(δικαιωμα του νομου, que pode ser traduzido como "o que é
justo / o que é bom na lei"), cujo cumprimento só é
possível pela união com Cristo através da fé, tem sua
tradução no mandamento do amor (cf. 13:10, Gl 5:14 e Mt
22:40). Isto porque, não vivemos segundo a carne (μη κατα
σαρκα περιπατουσιν), mas andamos no Espírito, ou seja, temos a
mente controlada pelo Espírito (αλλα κατα πνευμα).
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"Cumprir, isto é, fazer que a vontade de Deus (revelada na
Lei) seja obedecida como deve ser, e as promessas de Deus (dadas pelos profetas) recebam seu cumprimento". Taylor, W.C., Dicionário do Novo Testamento Grego, JUERP, São Paulo, 1991, pág. 177, verbete πληροω, in citação de Thayer.
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É interessante notar que a palavra lei (νομος, ου) aparece 70 vezes no texto de Romanos e sempre tem uma das três conotações: (a) revelação de Deus e de sua santidade, (b) foi dada para esclarecer o que é pecado, e (c) existe para orientar a vida daquele que crê.
Da mesma maneira, a palavra carne (σαρξ, σαρκος) é sempre utilizada em Romanos com um dos quatro sentidos: (a) natureza humana fraca (6:19), (b) natureza velha do cristão (7:18), (c) natureza humana de Cristo (8:3), (d) e natureza humana não regenerada (8:8).
O capítulo 8 de Romanos nos apresenta a operação do Espírito Santo, entendida nos versículos 4, 5, 6 e 10, como aquele que comunica a vida. No versículo 2, como aquele que dá liberdade. E no versículo 26, como aquele que intercede pelos crentes junto ao Pai.
É interessante notar que o texto original de Romanos 8, em grego, começa com dois advérbios intercalados por uma partícula ilativa (Ουδεν αρα νυν), que poderíamos traduzir assim: "Atualmente, por isso, nada em absoluto..." pode condenar aqueles que estão em Cristo Jesus.
Essa partícula ilativa (αρα), que é um conectivo, nos leva ao capítulo 7, onde o Paulo mostra que lei e pecado não são sinônimos. E que há uma grande diferença entre a natureza da lei e a natureza humana. Entre o que é Espírito e o que é carnal. O corpo, com os membros que o compõem
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(7:24) interessa a Paulo enquanto instrumento da vida moral. Submetido à tirania da carne (7:5), ao pecado e à morte (6:12+; 7:23), Paulo clama: quem me livrará? E dá "graças a Deus, por Jesus Cristo, nosso Senhor" (7:25). É a partir desse clímax, que o apóstolo dá sequência ao texto, informando que "por isso", "hoje", "nada em absoluto" pode condenar os que estão em Jesus Cristo.
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CAPÍTULO 3 PAULO, SERVO DE JESUS
(O princípio histórico)
No mundo de gregos e romanos, as cartas particulares tinham em média, cerca de noventa palavras. Já os textos literários, como os de Sêneca, por exemplo, tinham em média
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duzentas palavras . As epístolas de Paulo, no entanto, eram
bem maiores. A menor delas, dirigida a Filemon, tem 335 palavras, e a maior, enviada a igreja de Roma, 7.101 palavras. Assim, podemos dizer que o apóstolo Paulo criou um novo gênero literário, a epístola, maior que as cartas e os textos literários comuns à época, de conteúdo teológico explícito, e dirigida a comunidade específica.
Quase sempre, as cartas eram ditadas a um escriba profissional, chamado amanuense, que usava uma espécie de taquigrafia durante o ditado rápido. Depois, o amanuense burilava o texto, e o autor, finalmente, editava a carta.
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"A usual folha de papiro media cerca de 34 cm x 28 cm
(...), podendo acomodar entre 150 e 250 palavras (...), e a maioria das cartas antigas não ocupava mais que uma página de papiro". Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, pág. 287. Ed. Vida Nova - São Paulo.
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Na carta de Paulo aos Romanos seu amanuense foi Tércio (Rm. 16:22).
Quando escreveu sua epístola aos Romanos, Paulo era um cristão maduro. Tinha mais de cinquenta anos e 25 anos de conversão. Estava ansioso para ministrar nessa igreja, que já era conhecida no mundo cristão (1:8), e por isso escreveu a carta que deveria preparar sua futura visita (15:14-17). Foi escrita em Corinto, possivelmente no ano 58 d.C., quando Paulo estava levantando um coleta para os irmãos da Palestina. Partiu, então, para Jerusalém para entregar o dinheiro. Lá é preso, e acabará sendo levado à Roma, mas como prisioneiro.
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CAPÍTULO 4
O CORAÇÃO DAS ESCRITURAS
(O princípio teológico)
Para muitos teólogos, que vão de Orígenes a Barth, a
carta do apóstolo Paulo aos Romanos é o ponto alto das
Escrituras. Ela sedimentou a fé de Agostinho e a Reforma de
Lutero. Calvino, por exemplo, considerava que quem
entendesse Romanos estaria com a porta aberta para a
compreensão de toda a Bíblia. E Tyndale também diz algo
parecido, ao afirmar que Romanos é "a parte principal e
mais excelente do Novo Testamento, e o mais puro
Evangelion, isto é, as boas novas a que chamamos Evangelho,
e também uma luz e um caminho para penetrar em toda a 2
Escritura" .
Em termos de doutrina, Paulo em Romanos mostra que a
Lei de Moisés, em si boa e santa (7:12), fez o homem conhecer a vontade de Deus, mas não lhe transmitiu a força para cumpri-la. Deu-lhe consciência de seu pecado e da necessidade que tem de socorro (3:20, 7:7-13). Esse socorro, inteiramente gratuito, chegou através de Jesus. E a humanidade, morta no pecado, é recriada em Cristo (5:12-21), podendo agora viver em liberdade e justiça, segundo a vontade de Deus (8:1-4).
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Packer, James I. in O Conhecimento de Deus, pág. 235.
Editora Mundo Cristão, São Paulo.
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Romanos tem como tema central a revelação da justiça de Deus e a universalidade da obra de Cristo. E, se Romanos é o centro nevrálgico das Escrituras, o capítulo 8 é o coração de Romanos.
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CAPÍTULO 5
PELA GRAÇA, DOM DE DEUS
(Aplicando os princípios)
O capítulo 8 de Romanos mostra que a lei foi, através do sacrifício de Cristo, dominada pela graça. Como vimos neste estudo, a epístola de Romanos é fundamental no processo vivenciado pela Reforma. A igreja que rompe com o catolicismo romano, quer a reformada de Lutero, Calvino e Zwinglio, quer a revolucionária de anabatistas e inspiracionistas, entende que o apóstolo Paulo traça na epístola aos Romanos o curso da vida cristã, mostrando que através da graça há vitória plena sobre o pecado.
Paulo queria deixar claro que as propostas judaizantes não tinham razão de ser, pois a obediência à lei nunca logrou êxito. Através de Cristo, unido a Cristo pelo Espírito, aquele que crê está absolvido de seus pecados e pode iniciar uma vida de liberdade, dentro de uma nova lei, a lei do Espírito da vida em Jesus Cristo.
O que os cristãos do século XVI entendiam, contextualizando os ensinamentos de Paulo, é de não havia mais necessidades de obras e penitências para se alcançar a salvação. O que a Igreja Católica Romana proclamava, tanto
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no que concerne às indulgências, como às obrigações de caridade, estava fora da doutrina cristã pregada por Paulo nas epístolas aos Romanos e Gálatas, assim como no restante das Escrituras.
Ainda hoje Romanos apresenta ensinamentos fundamentais para a igreja de Cristo: a pecaminosidade do homem (1:18-3:30); sua desesperada luta interior (7:14-25), a gratuidade da salvação (3:21-24), a eficácia da morte e ressureição de Cristo (4:23-25, 5:6-11, 6:3-11), a justificação pela fé (5:1-2) e nossa adoção como filhos (8:14-17).
É a partir desta hermenêutica, delineada nos vários passos apresentados neste trabalho, que o trecho de Romanos 8:1-5 deve ser interpretado. Teremos, então, uma melhor compreensão daquilo que o apóstolo Paulo chama de "a lei do Espírito da vida em Jesus Cristo" e de sua importância no caminhar do cristão.
Jorge Pinheiro
São Paulo, 30 de novembro de 1995.
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BIBLIOGRAFIA
Davidson, A. M.,O Novo Comentário da Bíblia, Edições Vida Nova, São Paulo, 1994.
Davis, John D., Dicionário da Bíblia, Casa Publicadora Batista, Rio de Janeiro, 1978.
Dobson, John H., Aprenda o Grego do Novo Testamento, CPAD, Rio de Janeiro, 1994.
Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, Edições Vida Nova, São Paulo, 1991.
Halley, H. H., Manual Bíblico, Edições Vida Nova, São Paulo, 1993.
Pollock, John, O Apóstolo, Vida, São Paulo, 1994.
Rega, Lourenço Stelio, Noções do Grego Bíblico, Edições Vida Nova, São Paulo, 1993.
Taylor, W.C., Dicionário do Novo Testamento Grego,
JUERP, Rio de Janeiro, 1991.
The Greek New Testament, United Bible Societies, USA, 1994.
Vanoye, Francis, Usos da Linguagem - Problemas e Técnicas na Produção Oral e Escrita, Martins Fontes Editora, São Paulo, 1979.
Virkler, Henry A., Hermenêutica - Princípios e Processos de Interpretação Bíblica, Vida, São Paulo, 1994.
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mardi 16 mars 2021
Agostinho de Tagasta
mercredi 10 mars 2021
Os evangélicos e a realidade
A aliança rebelde e o império do mal
Ou, como os evangélicos constróem a realidade
Jorge Pinheiro, PhD
O pensar evangélico nos constrange. Às vezes nos perguntamos, mas de onde saiu esse sujeito? De alguma caverna? Desceu da Lua e aterrizou aqui por acaso? Mas, se você já pensou em pós-modernidade e virtualização do pensamento e suas consequências éticas, sociais e políticas, está no caminho para entender esta presença que já se aproxima de um quarto da população brasileira.
Há um verso de Nietzsche que pode nos servir de guia para pensar a religiosidade evangélica:
“Agora celebramos, seguros da vitória comum, a festa das festas: O amigo Zaratustra chegou, o hóspede dos hóspedes! Agora o mundo ri, rasgou-se a horrível cortina, É hora do casamento entre a Luz e as Trevas…”
Nietzsche pensava a ausência de horizontes. Em Além do Bem e do Mal, ele pensa contra a modernidade: faz um libelo contra os valores da modernidade, como o sentido histórico, a objetividade científica e, logicamente, a fé numa razão autônoma. Hoje, um filósofo norte-americano percorre, sob outras condições, questionamentos idênticos aos levantados por Nietzsche: Mark C. Taylor.
Ao trabalhar a questão da virtualidade na sociedade pós-moderna, Taylor vai utilizar um conceito que já vinha sendo usado na crítica literária, a idéia de imagologia. Antes, na teoria literária, e agora na filosofia de Taylor, a identidade do sujeito não pode ser encarada como uma forma de ser plena e apriorística, mas como realidade dinâmica ou relacional, onde se cruzam questões de identidade pessoal e social, o que também se dá na virtualidade, que acaba sempre por revelar uma dimensão estrangeira, que é manifestação de um outro. Na medida em que há constante busca identitária, o confronto com este outro supõe sempre uma comparação, explícita ou implícita, e se integra naquilo que, na terminologia filosófica de Taylor, será a imagologia, estudo das representações do outro, que também pode ser entendido como virtualidade.
Essa questão, realidade e imagem, na sociedade imagológica já tinha sido analisada por psicólogos da escola piagetiana. Segundo eles, é difícil ensinar a pensar de modo lógico a um menino que está sob o bombardeio de imagens distantes da lógica, como acontece nos programas infantis. E onde até mesmo as entrevistas ao vivo fazem parte da criação de algum gênio da publicidade. A moda e o show bizz, por exemplo, fazem parte desta realidade, onde o que é apresentado pelo entrevistador não tem nada a ver com a realidade da audiência ou com o próprio artista/produto, já que suas imagens sofrem uma transformação mágica para poder ser popular, ou pelo menos este é o objetivo.
Assim, antes, na modernidade, as criações virtuais eram imitações da realidade. Mas hoje, na pós-modernidade, falamos de virtualidade enquanto criação de realidades que não correspondem ao que temos no mundo imediato, quer cultural, social ou político. Por isso, como disse Nietzsche, “rasgou-se a horrível cortina, é hora do casamento entre a luz e as trevas...”.
Vivemos um momento de complexidade sem precedentes, onde as coisas mudam mais rapidamente que nossa habilidade de compreender. Diante disso, será possível distinguir entre realidade e virtualidade na comunidade imagológica evangélica?
As religiosidades evangélicas podem ser chamadas de locais de consumo e apontam para a construção imagológica de uma monarquia teocrática, onde um rei libertador governará apoiado por profetas. Nesse sentido, o capitão Jair Messias Bolsonaro encarna e sintetiza a imagologia evangélica. Mas uma estrutura não é aquilo que alguém busca, pois as religiosidades enfatizam movimento e troca. O conhecimento simbólico nas religiosidades evangélicas emerge de uma interação entre entendimento e as expressões de fé, que são filtros através dos quais são processadas a informação. Se alguém pensa tais categorias como um vigamento historicamente emergente de interpretação, em constante processo de formação, deformação e reforma, estamos diante de um salto como o das tecnologias de produção e reprodução.
O movimento evangélico traduz tal rebelião: é pós-moderno, quando nega a modernidade e sua racionalidade hermenêutica, quando aceita que seu universo seja dominado pelo mercado, e quando celebra o consumo como expressão pessoal. Começamos então a ver os modos em que os evangélicos processam a experiência, onde o conhecimento pertence às pessoas, mas está em fluxo constante. Não é apenas uma questão de como pensam, é uma questão de como vêem, ouvem e temem. E aí entram ethos evangélico e política, e questões como aborto, feminismo e movimentos gays, enfim, direitos civis, passam à centralidade do pensar a política. E neste ver, ouvir e temer, as mídias abrem uma percepção nova e capacidades de apercebimento. O ponto em que se faz a troca é uma questão importante. Essas redes de troca não são apenas religiosas, são culturais, políticas, sociais. Entender as religiosidades evangélicas como constituídas por redes de troca é fundamental.
No Brasil de hoje podemos falar de uma multidimensionalidade do tempo na cultura. Ora, antes, sem dúvida, o tempo deveria ser distintamente diferente para evangélicos e o restante da população, mas agora com a presença dos tempos artificiais produzidos pela tecnologia, em especial a mídia informatizada, os ritmos e tempos se interpenetram.
Assim, ao analisar o pensamento político da religiosidade evangélica no Brasil, a partir dos profetas midiáticos, podemos dizer que se deu uma ofensiva contra os direitos civis, democráticos e seculares. Os profetas dessas denominações midiáticas adotaram o discurso da crise moral e lançaram as bases para a construção de um pensar político. Assim, formataram um projeto de defesa da hierarquia, com suas desigualdades sociais, que seriam inevitáveis e naturais. Tal postura política tem como modelo imagológico a monarquia bíblica, expressa nos reinados de Davi e Salomão. Esta direita, diferente de tudo que até então se conhecia no Brasil, foi favorecida pelas oposições ao trabalhismo reformista, cresceu e virtualizou maciçamente sua presença. Normalmente, de forma apressada, chamamos tal movimento de fundamentalista.
A Reforma protestante desde os seus primeiros momentos buscou fundações. Conhecemos os princípios basilares apresentados por Lutero: a justificação pela fé, a sola scriptura, o livre exame dos textos sagrados e o sacerdócio universal dos crentes. A partir desses conceitos de liberdade surgiu um conjunto de princípios em cima do qual se levantou a teologia reformada. Tal construção foi vista como base que legitimou a expansão de uma das maiores revoluções religiosas da história ocidental. E, assim, surgiu a teologia reformada como fundamento de todos os protestantismos e também dos evangelicalismos, com seus diferentes matizes e leituras.
A utilização da expressão fundamentalista para a religiosidade evangélica brasileira não está errada, mas se torna reducionista ao prender-se aos aspectos negativos do termo -- conservação, integrismo, retroação – e deixa de ver aspectos relacionais positivos que a busca por fundação implica.
Uma das questões que nos perguntamos quando pensamos a crescente força da religiosidade evangélica é se, de fato, esta religiosidade outorga sentido às massas urbanas. Consideramos que o brasileiro é pessoa potencialmente espiritual, e que essa espiritualidade tende a se expressar em diferentes formas de religiosidades. E essas religiosidades nos grandes centros brasileiros ocupam um espaço privilegiado. Ora, se a espiritualidade é a dimensão da profundidade do ethos brasileiro, na urbanidade essa busca, por várias razões, é incrementada e direcionada ao evangelicalismo. Basta ver que no Brasil urbano a comunidade evangélica cresceu 61,45% em dez anos (IBGE, 2012). Assim, se a população brasileira urbana é religiosa, essa religiosidade foi catalisada pelo maciço processo de evangelização dos últimos setenta anos.
A espiritualidade traduzida nas religiosidades das cidades brasileiras está presente em todas as ações do ethos brasileiro, na cultura, na educação, na ética e na política. Por isso, cada vez mais expoentes das comunidades se pronunciam publicamente sobre questões que antes pertenciam estritamente a esfera civil não-religiosa.
Em razão disso podemos dizer que enquanto fenômeno urbano a religiosidade evangélica é, dialeticamente, fator de agregação e desagregação. Podemos, até explicitar essa dualidade com alguns exemplos. Durante a redemocratização brasileira, nos anos pós-ditadura militar, evangélicos e suas comunidades se dividiram enquanto forças reformistas de apoio aos governos trabalhistas e forças reativas que se ligaram aos governos de oposição ao trabalhismo. Assim, as religiosidades evangélicas são desagregadoras quando se mobilizam contra os direitos civis e o estado de direito. Mas agregam quando defendem a vida como direito humano. Com isso, constatamos que as religiosidades evangélicas podem ser uma coisa ou outra ou mesmo, enquanto comunidades, ambas. Essas são marcas da história evangélica recente. Mas, é claro que seria um erro uniformizar a atuação dos evangélicos. O certo é que evangélicos, em nome dos fundamentos e virtualidades das doutrinas de suas comunidades, confrontam a laicidade no Brasil.
Um Brasil ávido de fundamentos
O Brasil desde 1940 vem numa acelerada marcha de urbanização. Em 1940, 30% da população do país viviam em cidades. Hoje, 83% da população moram em cidades, portanto, oito em cada dez brasileiros vivem em núcleos urbanos. Além do aumento da população urbana ocorre no país uma urbanização do território: há crescimento da população urbana, do número de cidades, e os núcleos urbanos passam a se espalhar por todos os estados e regiões do país.
Surge, então, uma rede urbana ampla, interligada e complexa. Expande-se, assim, o modo de vida urbano, apoiando-se nos sistemas de transportes, telecomunicações e informações. Por outro lado, ocorreu uma tendência à desconcentração de atividades. Temos, então, uma situação em que permanece o peso acentuado das metrópoles, ao mesmo tempo em que há a desconcentração ou repartição de atividades entre as metrópoles e outros núcleos.
A religiosidade evangélica montou a cavalo no processo de urbanização. A procura evangélica por fundamentos é uma mostra de que o fenômeno não traduz um movimento espontâneo, mas foi dirigido para a construção de raízes que lhe dessem estabilidade e permanência. As antigas instituções religiosas, primeiramente calcadas no catolicismo rural e depois no protestantismo de migração e de missão, estão presentes nessa procura evangélica por fundamentos. E tal processo não tem definições precisas e sólidas, as religiosidades evangélicas urbanas necessitam de um permanente olhar à frente. E nesse olhar à frente, vêem que as necessidades estruturais da sociedade e o descontentamento nem sempre claro das populações as levam a busca de fundamentos.
Ao acrescentarmos a variável urbanização ao evangelicalismo brasileiro, entendemos que a procura por fundamentos é também produto da globalidade e que, embora possa assumir formas antiglobais, sua tendência é partilhar as características da globalidade. Ou seja, surge como desequilíbrio e traz insegurança para as massas, e o movimento evangélico, calcado em fundamentos, apresenta-se como opção de sentido, esperança e vida para essas massas. Os estudos publicados pelo IBGE mostram que em 1970 a população protestante/ evangélica tinha 4,8 milhões de fiéis, e que em 1980 passou a 7,9 milhões. Constatou que na década de 90, a velocidade de crescimento das comunidades protestantes e evangélicas foi quatro vezes maior que a da população brasileira. Assim, em 1991 chegou a 13,7 milhões; em 2000 a 26 milhões. E em 2010, a 42,3 milhões, ou seja 22,2% dos brasileiros. Atualmente, o movimento como um todo caminha para ser um quarto da população.
Como vimos, uma das características da religiosidade evangélica é a procura por fundamentos. Tal tendência pode ser ilustrada não como retorno às tradições históricas da Reforma, mas como leituras imagológicas do Antigo Terstamento. De tal forma, que o movimento evangélico hoje é expressão profunda da virtualidade.
Assim, expressões do fenômeno evangélico são ressignificadas. São produções sintetizadas e sincretizadas de diferentes tradições, mas em especial do imaginário judaico-cristão. São formas particulares de adaptação à urbanização e uma resposta aos efeitos da tribalização multicultural.
E deixamos a conversa
O desafio das religiosidades evangélicas consiste em não demonizar sua presença na política brasileira. Se os evangélicos consideram que a realidade é uma construção da fé e da oração, que remove montanhas, devemos reconhecer que a ética protestante, calvinista, cumpre um papel social importante. Ao proibir o consumo do álcool, de drogas, a prostituição e os jogos de azar, por exemplo, melhoram a situação familiar. Por outro lado, defendem a economia de livre mercado, que não é o inimigo, pois possibilita a escensão social. O inimigo é o império do mal e sua decadência moral.
Podemos, caso utilizemos critérios modernos de análise, falar em tempo da mentalidade conservadora versus tempo da mentalidade progressista. Mas tais critérios de análise, embora sejam aparentemente facilitadores, já não cabem na multidimensionalidade do tempo na cultura. Devemos, então, falar de conflitualidade endêmica da sociedade brasileira e, como consequência, dos dilemas presentes na relação política versus movimento evangélico.
Temos que ver que a realidade se expressa de forma imagológica na política das religiosidades evangélicas. Isto faz com que as propostas evangélicas interseccionadas enquanto governamentais, quer no que se relaciona à pessoa, à família ou às comunidades, se entrelaçam e produzem mutações e novas qualidades no tempo político brasileiro.
Donde, o Apocalipse, tão caro à escatologia evangélica, se apresenta como interseção entre a realidade divergente de tempo privado e tempo público. E aqui me lembro de George Lucas, quando disse que sua inspiração para moldar a aliança rebelde na Guerra nas Estrelas foi a luta dos guerrilheiros vietcongues, ou seja, da Frente de Libertação Nacional do Vietnã. E Lucas disse: "Estamos lutando contra o maior império do mundo e somos apenas um monte de sementes de feno com chapéus de pele de cabra que nada sabem". Hoje, os evangélicos brasileiros se rebelaram contra o império do mal. Ou seja, as religiosidades evangélicas por sua virtualidade colocam desafios culturais – éticos e políticos – à laicidade brasileira. Isto porque o tempo evangélico deixou o corner e traduz para seu público variáveis éticas, políticas e socias, que plasmam tempos de confronto com a sociedade laica e pluralista.
Essa rebelião caminha com a ascensão e presença marcante do movimento evangélico. Nesse sentido, resistem ao império do mal. Mas, não há porque demonizar as religiosidades evangélicas. É necessário sim buscar compreensões culturais e históricas que levem as lideranças da sociedade civil a uma atualização do pensar a política no Brasil, reconhecendo que o país não está diante de nuvem passageira, mas de realidades que interagem profundamente com os desafios do estar brasileiro hoje.