Pneumatologia
O PESO DO AMOR
Uma leitura de Agostinho de Tagasta
Prof. Dr. Jorge Pinheiro
"O mundo está transtornado, como se estivesse numa prensa. Coragem, cristãos, sementes da eternidade, peregrinos neste mundo, a caminho da cidade do céu! As provações que se multiplicam são o destino dos tempos cristãos, mas não constituem um escândalo para o cristão. Se amas este mundo, blasfemarás contra Cristo. E é isso o que te sopra o teu amigo, o teu conselheiro. Mas não deves escutá-lo. Se este mundo está sendo destruído, diz a ele que Cristo o previu". (Sermão de Agostinho em outubro, sobre a queda de Roma, invadida pelos godos alguns meses antes, em 24 de agosto de 410).
Em l986, o mundo cristão comemorou o décimo-sexto aniversário da conversão de um homem apaixonado pela vida: Aurélio Agostinho. Aqui não faremos uma biografia deste pastor da Igreja, mas analisaremos, ainda que a galope, um dos momentos mais lindos de sua teologia, aquela que fala sobre o Espírito Santo e o amor.
A África, berço de Agostinho, produziu três gênios do cristianismo: Tertuliano, Cipriano e o próprio Agostinho. O futuro bispo de Hipona nasceu no dia 13 de novembro de 354, na cidade de Tagasta, antiga Numíbia, hoje Anabá, na Argélia. Seu temperamento combinava paixão, sensualidade, e amor pelo conhecimento e pela verdade. Aos 17 anos uniu-se afetivamente a uma jovem, que lhe deu um ano depois, seu único filho, Adeodato. Durante 14 anos foi fiel a sua companheira.
Intelectual brilhante, tornou-se maniqueísta na juventude. O maniqueismo foi fundado por Mâni, na Pérsia, no século III. Era um sincretismo que combinava elementos dos zoroastrianismo, budismo, judaísmo e cristianismo. Segundo Mâni, a luz e as trevas, o bem e o mal estão eternamente em guerra. Alguns conceitos do maniqueismo, como a concepção de espírito e matéria, aproximavam-se muito do pensamento gnóstico. Para os maniqueus, o homem era a prisão material do reino do mal.
Em 384, Agostinho tornou-se professor de retórica em Milão, capital ocidental do império. Separou-se de sua primeira companheira, unindo-se a uma segunda. Nessa época, aproximou-se do neoplatonismo, uma interpretação mística e panteísta do pensamento de Platão. Essa filosofia quebrou a dureza de seu coração materialista e criou as condições para que mais tarde aceitasse o cristianismo. Mas nesse meio tempo, Agostinho tinha chegado ao fundo do poço. Seus ideais neoplatônicos e sua vida dissoluta estavam em choque. Certo dia, estava em seu jardim em Milão, refletindo sobre a força moral do cristianismo, que vira nos monges egípcios, homens simples, mas coerentes em sua fé, quando... e Agostinho conta nas Confissões:
"E eis que ouço algo como uma voz, vinda de uma casa vizinha. Ela dizia, cantante, repetindo frequentemente: Toma! Lê! Toma! Lê! No mesmo instante, minha fisionomia mudou, fiz recuar as lágrimas que me assaltavam e pus-me a ler o que se encontrava no primeiro capítulo em que abri. Imediatamente, fez-se como que uma luz de segurança derramando-se em meu coração e todas as trevas da hesitação se dissiparam".(Agostinho, Santo, Confissões, 1a. parte, livro VIII, cap. 12, p. 166, Ed. Abril/SP, 1973).
E o texto de sua conversão foi Romanos 13: 13-14. "Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada disponhais para a carne, no tocante as suas concupiscências".
Converteu-se. Isso aconteceu no verão de 386. Na Páscoa de 387, Agostinho foi batizado por Ambrósio, juntamente com o filho Adeodato e com o amigo de juventude, Alípio.
Uma teologia do Espírito Santo / O peso do amor
A semelhança de Tertuliano, Agostinho concebe a geração do Filho como ato do pensamento do Pai. E o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, é o amor mútuo entre ambos. Esse amor é uma Pessoa. Toda atividade de Deus ad extra decorre de sua natureza e é, por isso, comum às três Pessoas.
Agostinho concebe imagens da Trindade no espírito humano, por causa de suas faculdades peculiares tais como o lembrar-se, o conhecer e o querer (memória, intelligentia, voluntas).
"É no Vosso dom (Espírito Santo) que repousamos. Nele gozaremos de Vós. É o nosso descanso, é o nosso lugar. É para lá que o Amor nos arrebata e que o Espírito Santo levanta o nosso abatimento desde as portas da morte. Na Vossa boa vontade temos a paz.
"O corpo, devido ao peso, tende para o lugar que lhe é próprio, porque o peso não tende só para baixo, mas também para o lugar que lhe é próprio. Assim, o fogo encaminha-se para cima e a pedra para baixo. Movem-se segundo o seu peso. Dirigem-se para o lugar que lhes compete. O azeite derramado sobre a água aflora a superfície. A água vertida sobre o azeite submerge debaixo deste. Movem-se segundo o seu peso e dirigem-se para o lugar que lhes compete. As coisas que não estão em seu lugar próprio, agitam-se, mas quando o encontram, ordenam-se e repousam". (Agostinho, pp. 291-292.)
Este texto não é somente belo. Mil e trezentos anos antes de sir Isaac Newton, Agostinho intuia que há coisas tão leves, que sobem, ao invés de cair. E que todas as coisas só encontram o repouso quando estão no lugar que deveriam estar. E escreve um dos mais belos textos sobre o amor:
"O meu amor é o meu peso. Para qualquer parte que eu vá, é ele quem me leva. O Vosso dom inflama-nos e arrebata-nos para o alto. Andamos e partimos. Fazemos ascensões no coração e cantamos o cântico dos degraus.
"É o Vosso fogo, o Vosso fogo benfazejo que nos consome, enquanto vamos e subimos para a paz da Jerusalém celeste. Regozijei-me com aquilo que me disseram: iremos para a casa do Senhor. Lá nos colocará a boa vontade, para que nada mais desejemos senão permanecer ali eternamente". (Agostinho, p. 292).
Para Agostinho, todo conhecimento é uma forma de amor. Só se ama aquilo que se conhece. E, a busca do conhecimento pressupõe sempre um conhecimento prévio. Para entender o pensamento de Agostinho sobre o amor é bom lembrar que ele vê Deus como unidade plena, viva e guardando dentro de si a multiplicidade. Em Deus há três pessoas consusbstanciais: Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai é a essência divina em sua profundidade insondável. O Filho é o logos, o verbo, a razão e a verdade, através da qual Deus se manifesta. O Espírito Santo é o amor, mediante o qual Deus dá nascimento a todos os seres.
É por isso que Agostinho diz: "As três coisas que digo são: existir, conhecer e querer. Existo, conheço e quero. Existo sabendo e querendo; sei que existo e quero; e quero existir e saber.
"Repare, quem puder, como a vida é inseparável nestes três conceitos: uma só vida, uma só inteligência, uma só essência, sem que seja possível operar uma distinção que, apesar de tudo existe". (Agostinho, p. 293).
Assim, para Agostinho, o amor encontra o seu objeto no mesmo lugar que a razão o descobrira: no mais íntimo da alma, onde a memória se abre para Deus e onde mora a verdade. Na doutrina de Agostinho, a metafísica é inseparável da ética.
A influência platônica
O pensamento de Agostinho sobre o amor tem uma base ética, que vem de Platão. Para o sábio grego, o conhecimento consiste numa vitória da inteligência sobre os sentidos. O filósofo será tanto maior quanto mais se distancia do passageiro, para se apegar as realidades inteligíveis.
"Eles, os filósofos genuínos, desde os anos juvenis, não sabem o caminho da ágora, nem onde fica o dicastério, ou a sala do senado, ou o lugar onde se tratam dos negócios da cidade. Não escutam, nem lêem os decretos e as leis proclamadas ou escritas. Nem sequer em sonhos participam das facções e nas hetairias, que porfiam na eleição dos magistrados, nas assembléias, nas ceisas ou nos festins (...) nem prestam as suas lascivas seduções". (Nery, Pe. J. de Castro, Evolução do Pensamento Antigo, Ed. Livraria do Globo, Porto Alegre, 1944, p. 88).
Mas como procurar, quando se desconhece o que se procura? Sócrates já havia observado: "Não buscarias, se já não tivesses achado". Assim, saber é, na maioria das vezes, recordar.
Trabalhando com conceitos órficos e pitagóricos e com a mística do panteão grego, Platão propõe que o corpo é um túmulo e que se torna necessário um trabalho de purificação interna para expiar a sua queda do Olimpo. Em "Górgias", descreve o tempo de Cronos, quando os homens ainda eram julgados por um processo muito primitivo, em carne e osso. Plutão reclamava que os homens vinham cheios de beleza, muitos títulos, muitas jóias. Com isso, passavam até os assassinoa, ladrões e tiranos. Então, Zeus ordenou que deveriam ser julgados sem corpo.
É verdade que foi breve a passagem de Platão pela mitologia grega, mas sem dúvida alguns conceitos permaneceram e estão ligados a sua formulação sobre moral. Assim, a terra onde moram temporariamente os mortais, é apenas uma sombra comparada a outra. Os bem-aventurados estão lá em cima, nos céus, um lugar puro e ternamente agradável. Dessa forma, Platão defende a tese da imortalidade da alma, usando para isso argumentos da psicologia especulativa. Para ele, as reminiscências pressupõem que as almas estivessem existido antes. Daí, chega à conclusão de que se a alma é imortal, ela está ligada às realidade inteligíveis, pois estas são imateriais, imutáveis e incorruptíveis. Logo, a alma, por sua origem divina, também é imortal. E o corpo, pobre corpo, é um túmulo.
Mas, o que impele a alma em direção ao bem? O amor. Não o sexo, que se funda na beleza
dos corpos, mas se nutre da formosura da alma. No "Banquete", Platão parte do desejo sexual para chegar a forma divina de amor, que gera virtudes e pensamentos imortais.
Na "Dialética", declara que são verdadeiras apenas as coisas imutáveis, necessárias e eternas. Essas verdades são as idéias, que estão acima do tempo e do espaço, e que só podem ser conhecidas pelo discurso, cujo tipo está nas provas matemáticas, e também pela intuição, que atinge os puros inteligíveis sem usar imagens.
Todas as idéias são dependentes da Idéia Suprema, que é o Bem. Para Platão, a moralidade humana consiste em imitar a Idéia Suprema, fonte da felicidade.
A virtude, que é a harmonia das faculdades humanas, é o meio para se chegar ao Bem. O homem, para Platão, é formado por uma alma trina: racional, que mora na cabeça; irascível, que mora no peito; e concupiscível, que mora no ventre. A virtude também se divide em três: a sabedoria, que domina a alma racional; a fortaleza, que robustece a alma irascível; e a temperança, que domina a alma concupiscível.
No entanto, só a alma racional é espiritual e imortal. É espiritual porque move o corpo, mas é diferente dele. E é imortal porque participa das idéias eternas.
A influência de Paulo e da tradição cristã
As epístolas de Paulo, assim como a tradição cristã fizeram parte da vida de Agostinho. Não podemos esquecer que ele se converteu ao ler Romanos 13. É interessante notar que, em seu livro XIII das Confissões, Agostinho cita Paulo - que chama de Apóstolo com maiúscula - 54 vezes, diretamente. Enquanto, em ordem decrescente, os livros seguintes mais citados são Salmos (31 vezes), Isaías (6 vezes) e Mateus (6 vezes). As demais citações bíblicas estão abaixo desses números.
Em textos que lembram I Cor l3 e também a primeira epístola de João, Agostinho diz que "o amor é a própria essência do homem, e por isso ele não encontra repouso enquanto não encontrar o seu lugar". (Boehner, Philotheus/ Gilson, Etienne, S. Agostinho, Mestre do Ocidente in História da Filosofia Cristã, Vozes, Petrópolis, 1988, pp. 164-168).
Assim, para ele o amor é a alegria ontológica mais profunda, e seria uma insensatez querer separar o homem de seu amor. O problema consiste, então, não em relação ao amor como tal, mas unicamente ao objeto do amor. "Porventura, se vos diz que não deveis amar coisa alguma? De modo algum! Imóveis, mortos, abomináveis e miseráveis: eis o que seríamos se não amássemos. Amas, pois, mas atende ao que é digno do teu amor". (Boehner & Gilson, pp. 164-168.
O problema central da moralidade é, portanto, para Agostinho - e aqui ele traduz toda a tradição cristã -, o da reta escolha das coisas a serem amadas. O amor consiste, principalmente, num peso interior, que atrai o homem para Deus. Amar sinceramente o outro significa amá-lo como a nós próprios, o que só é possível num plano de igualdade: quer elevando-o ao nosso nível, quer elevando-nos ao plano da pessoa amada.
Entre o amor a Deus e o amor ao homem há um elemento comum: o amor ao bem. Portanto, o amor sempre terá por objeto o ser e o bem. É justo que amemos o próximo como a nós próprios, pois, enquanto bem ele se encontra no nosso nível.
Amar a Deus, porém, é amar o bem como tal. Já não pode haver igualdade entre o amante e o amado. Para amar a Deus, convenientemente, devemos amá-lo de modo absoluto, com desigualdade. Ou seja, amá-lo mais que a nós próprios. De modo absoluto: sem esperar retribuição e sem comparação. A tradição cristã das testemunhas martirizadas estavam perto demais da vida de Agostinho, de forma que falar desse amor por Deus não era apenas exercício teológico.
De todas as maneiras, para o bispo de Hipona esse processo não significava aniquilamento do eu, pois, no amor a Deus, esquecer-se equivale a encontrar-se e perder-se a ganhar-se.
Assim, segundo a tradição apostólica e cristã, tomada por Agostinho, para entrar na plena posse do bem perfeito é necessário que o homem abdique de si próprio. Essa entrega plena a Deus, que assegura a posse de seu objeto, é o amor.
O amor não é apenas o coração da moralidade, é a própria vida moral. O começo do amor é o começo da justiça, o progresso no amor é o progresso da justiça, a perfeição do amor é a perfeição da justiça. Dominado pelo amor, o homem cumpre cabalmente a lei divina. Amar e fazer o bem tornam-se sinônimos.
Conclusão
Esse amor pregado por Agostinho chegará à plena realidade com seu trabalho A Cidade de Deus. O império está sendo ameaçado, Roma sitiada acusa os cristãos por esta decadência política. E a discussão teológica dos anos anteriores, sobre a relação dialética entre o poder do Espírito e a majestade do amor, cria carne e vira praxis. Agora, como profeta preocupado com o destino da igreja no século presente, o bispo de Hipona clama:
"Dois amores construíram duas cidades: o amor de si próprio em detrimento de Deus e o amor de Deus em detrimento de si próprio. Uma delas glorifica-se em si mesma e mendiga sua glória junto aos homens, a outra glorifica-se no Senhor. Deus, testemunha de sua consciência, é a maior glória da outra cidade".(Hamman, A., Santo Agostinho e Seu Tempo, Ed. Paulinas, São Paulo, 1989, p. 307).
Dessa maneira, o que era pessoal nas Confissões toma uma dimensão universal na Cidade de Deus. O amor de Deus abarca toda a humanidade. Aliás, quando as pessoas, vivendo a decadência daqueles momentos, diziam que os tempos eram maus, Agostinho replicava: "Os tempos são aquilo que nós somos. Não há bons tempos, há somente boas pessoas". (Hammam, p. 308.)
Essa relação entre amor e cidade de Deus, para Agostinho está ligada ao caráter errante da vida cotidiana.
"Todo homem vaga e procura. O que procura ele? Busca descanso, procura felicidade. Não há ninguém que não procure ser feliz. Pergunta a um homem qualquer o que ele deseja, e te responderá que procura a felicidade. Mas os homens não conhecem a estrada que leva à felicidade, nem o lugar onde a encontrar. Por isso é que eles vagam. Cristo recolocou-nos na boa estrada, no caminho que leva à pátria. Como caminhar? Ama, e correrás. Quanto mais fortemente amares, mais depressa correrás em direção à pátria". (Hammam, p. 309.)
Assim, o amor em Agostinho toma uma conotação universal, dentro da mais pura tradição paulina. Por isso, finalizamos este trabalho com um pensamento chave do pastor de Hipona:
"Se quiseres saber qual é a cidade e a que chefe obedeces, escruta teu coração e examina teu amor. É o amor que identifica os homens e constrói as cidades. É pelo amor que seremos julgados".(Hammam, p. 307).
dimanche 23 septembre 2007
O ESPÍRITO SANTO À LUZ DE UMA TEOLOGIA LUTERANA REFORMADA
Pneumatologia
O ESPÍRITO SANTO À LUZ
DE UMA TEOLOGIA LUTERANA REFORMADA
por Sergio Moreira dos Santos
Prolegômenos
Robert W. Jenson é professor de teologia sistemática na Luther Northwestern Theological de St. Paul – Minnessota – EUA.
O presente artigo tem como pretensão analisar o “Locus 8 – O Espírito Santo”, escrito por Jenson em colaboração para o livro “Dogmática Cristã”, onde, além de autor, é co-editor com Carl E Bratten, da edição original de 1984 com título Christian Dogmatics – Philadelphia – EUA. A edição em português é de 1995, co-editado pela editora Sinodal e IEPG (Instituto Ecumênico de Pós-Graduação) da Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.
Jenson trabalha sobre o assunto, ou como o próprio autor define “o fenômeno” Espírito em cinco blocos: introdução; no primeiro bloco trata sobre O Espírito que falou pelos profetas (onde define o Espírito da sua atuação no Antigo Testamento, no Novo Testamento e através dos credos); no segundo bloco ele propõe sua soteriologia pneumatológica (tratando da graça, justificação e predestinação); no terceiro bloco o autor fala do discurso (palavra) sobre o Espírito como auto-interpretação da igreja (propõe uma cristologia eclesial e trabalha o tema Espírito e seu relacionamento com Deus, com a letra, com a palavra e com a historia), e no ultimo bloco trata do Espírito Cósmico (a sua universalidade onde trabalha a lógica da pneumatologia cósmica, a liberdade da historia, a espontaneidade do processo natural culminando na beleza de todas as coisas).
INTRODUÇÃO
Jenson define o Espírito como fenômeno universal na experiência humana e universalmente observado, ou seja, na palavra de Jenson o espírito é autotranscendência ; a vivacidade de toda vida é justamente sua origem e seu fim de além de si própria. Com isso o Espírito é um ser pessoal, criativo, participativo, presente para o outro e no outro e o deixa como é. O Espírito interfere na vida, a humanidade é Espírito.
Dessa forma nenhum modo de vida humana está tão preso à tradição ou entorpecido que não seja um vento soprado a nós por nós, para escapar da própria apreensão e que não experimentamos isso em nós mesmos.
De forma, Jenson afirma Deus se for o Deus dos vivos e não dos mortos, deve ser espírito tão certamente que todos os demais espíritos são, diante dEle, não-espírito, “carne” (Is 31.3). O fato de que nós também somos espíritos torna possível que Deus esteja presente conosco como espírito. É fundamental salientar que na Escritura Deus seria Deus mesmo que não houvesse outros espíritos e que a realidade deste Deus como espírito constitui justamente essa independência.
Jenson diz que, ao falar a uma congregação sobre Deus, enfrentaremos mais cedo ou mais tarde a pergunta em relação a importância ao ‘Espírito’, e, ao aprofundarmos nisso, descobriremos que o que se quer de fato é uma análise da experiência religiosa, um empreendimento que, em si, é perfeitamente legítimo e necessário.
Cabe salientar que quando o Novo Testamento chama de “Espírito” é o “espírito de Javé”, distinto e independente, o Espírito particular de Jesus e seu Pai, distinto de nós como nós somos um do outro. E o modo da presença deste Espírito Santo junto a outros espíritos é sempre o do Criador em relação às criaturas.
I - O ESPÍRITO QUE FALOU PELOS PROFETAS
Para entender a experiência cristã do Espírito e o ensinamento cristão a respeito dele, o ponto de partida sucinto é o relato neotestamentário de Pentecoste, não a história do vento, das chamas e de um milagre lingüístico, mas a interpretação bíblica que se segue e por causa da qual Lucas narra história (At 2.16-33). Na igreja primitiva, os fenômenos religiosos ocorridos nas reuniões dos discípulos do Senhor recém-ressuscitado foram interpretados como o cumprimento de um tema fundamental da vida de Israel: A Vinda do Espírito de Javé para constituir profetas.
Através de toda a escritura hebraica, “ruah Javé” mantém seu impacto original. O Espírito é experienciado como uma força transcendente que põe em movimento, para criar ou derrubar, quer na natureza, quer na sociedade, isto é verdade em especial nos documentos que expressam diretamente a vida religiosa. Na tradição narrativa de Israel, o Espírito é sobretudo o poder de Deus que atua sobre e através da liderança carismática de Israel.
Segundo Jenson decisivo para nós é o fato de que a Vinda do Espírito para evocar a ação política é regularmente justaposta à sua vinda para evocar a profecia. Só compreendemos a importância da correlação entre o Espírito e a palavra se nos lembrarmos de uma característica decisiva da própria palavra profética; não se trata meramente de uma palavra sobre o futuro, mas de uma palavra que cria futuro. Sl 33.6, a palavra do Senhor é terminus technicus, designando a palavra profética. Assim os reis temiam os profetas arcaicos porque seus oráculos não apenas prediziam a vitória ou derrota mas também faziam com que elas ocorressem. O Espírito é liberdade para a palavra que abre o futuro e o poder desta palavra.
A vinda e a presença do Espírito, características dos anunciadores da promessa se tornaram também conteúdo da promessa. Isto não requer nenhuma outra explicação inicial além da idéia básica de Espírito. Visto que o Espírito é poder de Deus como vida de Israel, uma promessa de vida nova para Israel precisa ser uma promessa de uma nova Vinda do Espírito. Mas tal promessa não será anunciada até que for a nova vida que precisa ser prometida, até que a esperança de Israel tiver se tornado não meramente esperança de ter boa sorte em termos históricos, mas esperança de ser liberto da morte, até que sua esperança tenha tido que se tornar escatológica.
Na profecia pós-exílica afirmam-se, em princípio, as conexões. Deve haver uma esperança escatológica exatamente porque Deus é o doador do Espírito e por isto o Deus da Vida, e não da morte (Is 57.16). E a presença do Espírito é a união das promessas feitas pelos atos passados de Deus com seu triunfo final (Ag. 2.4-8). O Espírito é a realidade presente, em ambos os sentidos, do poder escatológico de Deus. O Espírito é ao mesmo tempo a garantia e o objeto da esperança final. Disto resulta duas sínteses: a messiânica – que, no final, haverá vida triunfante porque o povo de Deus será reunido por e em redor de um último profeta, um portador final do Espírito. A outra síntese é comunitária – no final a morte será vencida porque todos os integrantes do povo de Deus serão profetas, portadores da vida. A esperança da vinda de uma nação de profetas surge tarde na história de Israel e é rara, mas, quando aparece, é com força total.
Nos sinóticos, o Espírito Santo significa apenas o Espírito da profecia. O Espírito inspira pronunciamentos e produz arrebatamento. Mas também a realidade criadora de vida do Espírito aparece no uso dos evangelhos – notavelmente, porém, só em contextos ligados de modo estreito à obra profética do Espírito. Essa linguagem tradicional se concentra quase totalmente em referencias à pessoa de Jesus. Há três grandes centros de linguagem a respeito do Espírito na narrativa dos evangelhos: O Batismo de Jesus (que todos evangelhos descrevem como uma descida do Espírito); O Nascimento de Jesus (Deus cria esta criança de modo direto como algo completamente novo); e, As Obras de Jesus (curas de vida, no Espírito de Deus). Em Lucas essas percepções da comunidade primitiva são elaboradas teologicamente.
Duas características são constantes e decisivas deste Espírito profético: o Spiritus Creator, ou seja, o sopro da vida que ressuscita os mortos e pode até dar a vida a uma estátua. O Espírito é o oposto ontológico da morte, tanto Cristo quanto nós morremos “pela carne” mas ressuscitamos “pelo Espírito”. A inspiração por este Espírito é invariavelmente entendida de modo cristológico. A segunda é o batismo. A convicção de que todos os batizados possuem o Espírito precisa significar ou que todos os membros da congregação são explicitamente profetas ou que a experiência e a compreensão da possessão do Espírito incluem fenômenos diferentes da profecia manifesta.
Paulo, segundo Jenson, dá dois passos em relação ao Espírito. Primeiro ele separa de fato, aquilo que constitui a atividade profética em “dons” distintos, de maneira que haja pelo menos um dom para cada crente, até para o menos extático. Segundo, ele identifica o traço comum que qualifica todos estes como dons do Espírito afirmando que se trata de contribuições para o “bem comum”, de “edificação” da comunidade e sua unidade. O Espírito é o poder da ressurreição tanto agora quanto eternamente.
Além disso, temos a pneumatologia patrística, que se localiza nas mesmas áreas como no Novo Testamento: profecia e batismo. O Espírito inspira a palavra, cria a igreja, é dado por ocasião do batismo, vence a morte e é uma antecipação da vida final.
II - SOTERIOLOGIA PNEUMATOLÓGICA
Jenson declara que a salvação, a justificação, a graça sacramental, a fé, a predestinação etc. foram os temas que fascinaram os pensadores ocidentais, e não tanto a trindade divina ou a união hipostática. Isto é, o trabalho teológico do Ocidente tem se voltado principalmente para o terceiro artigo.
Em contrapartida, a igreja latina tinha preocupações mais práticas , Tertuliano por exemplo, declara: “todo homem deve prestar satisfação a Deus na mesma questão em que o ofendeu”. O cristianismo latino se traduziu numa justiça pelas obras. Agostinho juntou as preocupações práticas da Igreja latina com a doutrina de Deus e de suas obras transformadoras desenvolvidas no Oriente que foi criado o cristianismo ocidental como o conhecemos, em que a preocupação é justamente o efeito prático da realidade viva de Deus em nossa vida. Antes da reforma, no entanto, este empreendimento teológico foi encetado não como doutrina do Espírito, mas como uma doutrina da graça.
A doutrina da trindade elaborada pelos pais gregos conceptualizou a relação criativa de Deus com seu povo fiel de uma maneira especificamente bíblica. Para Agostinho, as três pessoas, em relação a nós, são indistinguíveis quanto à sua função. Assim, Agostinho não tinha mais condições de conceptualizar a relação salvífica entre Deus e as criaturas dizendo que o Pai e o Filho estão presentes de forma transformadora no Espírito, como o fizeram os gregos que deram origem ao trinitarismo. Tendo obstruído assim a compreensão especificamente cristã da relação de Deus com os fiéis, Agostinho acabou se posicionando como é de costume na religião cultural do Ocidente: de um lado está Deus, concebido como uma entidade sobrenatural que age sobre nós de maneira causal; de outro lado estão, entre nós, os resultados desta causalidade. Na tradição latina subseqüente, tanto Deus quanto os objetos desta causalidade são, por conseguinte, interpretados de acordo com esse esquema: eles são “substâncias”, entidades fundamentalmente auto-sustentadoras e auto-suficientes, que “atuam” uma em relação à outra, sendo que o resultado dessa ação é, em nós, um habitus, uma disposição adquirida para portar-nos e reagir em obediência à vontade de Deus.
Tomás de Aquino declara que a graça pode ser entendida em dupla acepção: como auxilio divino que nos move a querer e agir retamente, e como um dom habitual (habituale donum) que Deus infunde. Segundo Jenson isto cria ou leva ao problema da cooperação entre o Deus gracioso e a criatura agraciada. O problema tem sido crucial em toda teologia ocidental. Aquino continua dizendo que a graça como uma qualidade divina é uma qualidade dos fiéis tomadas em conjunto, é dividida por uma distinção que o divide em operante e cooperante. Pois a operação que produz o efeito pelo qual a nossa alma é movida e não motora, pois só Deus é quem move; e tal é a graça operante. Porém não só Deus, mas também à alma é atribuída a operação causadora do efeito pelo qual a nossa alma é motora e movida; e tal é a graça cooperante. Deus é o único agente da salvação, mas não existe nenhuma maneira em que uma vontade possa ser “movida” autenticamente a não ser que ela própria também queira.
Além disso, quando se compreende a relação salvífica entre Deus e os crentes como a causalidade de uma substância em relação à outra, a salvação é necessariamente entendida como um processo. Isto é a graça é compreendida como a causa primária de uma seqüência de evento, dos quais cada um precisa acontecer para que o próximo se torne possível. A tradicional doutrina da graça é uma estrutura de justificação pelas obras alojada no centro da preocupação e realização teológica principal da Igreja Ocidental.
De acordo com Jenson foi exatamente essa perversão que tornou a reforma necessária. A reforma foi um protesto contra toda maneira de pensar e proclamar a fé, e contra as estruturas correspondentes das liturgias ocidentais medievais da penitência e da Ceia. Assim, uma conseqüência imediata da descoberta de Lutero foi a recuperação do discurso bíblico é pré-agostiniano sobre o Espírito, uma capacidade quase extraordinária de simplesmente falar e escrever a linguagem bíblica e patrística sobre o Espírito.
A mera substituição do termo ‘graça’ por ‘obra do Espírito Santo’, como os teólogos que seguiram Lutero passaram a fazer regularmente, não é , no entanto, uma garantia de que a antiga perversão tenha sido superada. O pietismo luterano ortodoxo transformou-se numa fixação tradicional de uma seqüência normal na experiência cristã. Começando com a proposição, ortodoxa em termos de descrição, de que a ‘imputação da justiça de Cristo’ é prometida apenas ao “arrependimento não-fingido”. A calamidade se completa então com alguém como August Hermann Francke, que, apesar de toda a sua apropriada insistência luterana em afirmar que o evangelho sempre é decisivo, determinou de maneira categórica que o evangelho simplesmente não pode ser ouvido até que a ‘batalha do arrependimento’ tenha terminado, fazendo a terminação da batalha depender da sinceridade e persistência do penitente.
O que se faz necessário em face de toda a doutrina tradicional da graça é um deslocamento total no discurso pneumatológico, passando desse ponto de observação da terceira pessoa, de uma tentativa de descrever um processo entre Deus e a criatura, para um local dentro da execução da proclamação e do ensino na primeira e segunda pessoas.
A pneumatologia deve tornar-se uma reflexão hermenêutica, reflexão sobre o discurso cristão feita durante seu decorrer, como parte do que esse discurso realiza, reflexão sobre como falar o evangelho feita internamente a esse falar – o que nos leva ao segundo modo teológico da Reforma: o dogma proposto da ‘justificação somente pela fé’. A doutrina da justificação da Reforma não é uma nova tentativa de descrever um processo da graça. A doutrina é, antes, uma instrução hermenêutica para pregadores, mestres e confessores: falem de Cristo e da vida de sua comunidade de tal maneira que a justificação para aquela vida aberta por suas palavras seja do tipo que é apreendido pela fé e não do tipo constituído em obras.
Chamamos a doutrina reformatória da justificação de ‘proposta dogmática’. Se descrevêssemos a asserção central da Confissão de Ausburgo, a justificação somente pela fé, simplesmente como um dogma, excluiríamos da Igreja verdadeira a maior parte do cristianismo ocidental que não aceitou a asserção.
Jenson lembra que a instrução não deve induzir à conversão ou manipular para consegui-la mediante nosso discurso; a conversão dos ouvintes precisa realizar-se como o próprio ato de anúncio do evangelho. A conversão é uma mudança na situação de comunicação dentro da qual toda pessoa vive.
Outro ponto enfatizado por Jenson é a predestinação, onde ele afirma que a predestinação é simplesmente a doutrina da justificação formulada na voz ativa. Se mudamos: “somos justificados somente por Deus” do passivo para o ativo, obtemos: “somente Deus nos justifica”. Nenhum pensamento cristão, nem mesmo um pensamento remotamente cristão, pode evitar uma doutrina da predestinação. Se o Deus da Bíblia existe, não pode haver qualquer coisa parecida com o livre-arbítrio (liberum arbitrium) da discussão tradicional.
Deus não apenas ordena absolutamente minha salvação na palavra cristológica dirigida a mim: como Criador ele ordena absolutamente todos os eventos. O falar do evangelho é o evento da predestinação pelo fato de que o evangelho concede aquilo de que fala, mas esta eficácia escatológica do evangelho é o Espírito. Devemos parodiar Barth: o Espírito Santo é o Deus que elege.
Só Deus ordena todas as coisas’ é um corolário necessário do mesmo.
III - DISCURSO SOBRE O ESPÍRITO COMO AUTO-INTERPRETAÇÃO DA IGREJA
Nesta altura Jenson entra no terceiro bloco que trata do Espírito e a Igreja. Lembra-nos que a pneumatologia funciona como uma cristologia eclesial, toda comunidade tem espírito, portanto, a minha vida também é, ela própria espírito. A igreja, assim como qualquer comunidade, tem um espírito. E como a igreja simplesmente é os discípulos de Jesus, seu espírito e o Espírito de Jesus são idênticos. O ponto crucial é a prometida vinda do Espírito em termos materiais na linguagem do poder e dos sinais de Mateus e Marcos, explicitamente por Lucas.
O fato de sermos comunidade de Jesus define a Igreja. Quando a igreja se defronta com decisões e problemas que fazem refletir sobre o seu próprio propósito e caráter, ela deve refletir cristologicamente e interpretar a si própria à luz do fato e da identidade do Jesus ressurreto; a Igreja desenvolve necessariamente uma espécie de cristologia eclesial.
Cada comunidade possui espírito, de fato um espírito. E cada comunidade tem algum deus. Inversamente, o espírito de uma comunidade é ou o espírito de seu deus, ou um dinamismo ameaçador e misterioso – talvez demoníaco. Assim a comunidade se confronta com a transcendência, e a transcendência aparecerá ou como a defesa da comunidade contra o espírito que assim a desorienta, ou como a própria desorientação. A igreja reivindica ser estabelecida como comunidade pelo cumprimento da esperança final de Israel em relação ao Espírito. Assim a identidade de Deus e Espírito é obrigatória também para a Igreja. Só mais um fator determinante deve ser lembrado: na igreja há um termo médio. O Espírito é o Espírito de Jesus; o Pai é o Pai de Jesus; e assim o Pai e o Espírito são um só Deus. A unidade de Deus e do Espírito é trinitária. Na Igreja, o Pai é o estar dado de Deus e o Espírito é a futuridade de Deus; e estes se opõem apenas pelas maneiras diferentes em que cada um é o único e mesmo Deus.
O Espírito da Igreja deve estar sujeito à letra sobre Cristo e justamente assim ser o Espírito livre de Cristo. Compreender e praticar essa dialética é uma tarefa pneumatológica essencial e permanente da Igreja. A identificação de Deus e Espírito e de Cristo e Espírito por Israel e pela igreja é simultânea com a identificação de palavra e Espírito e dependente dela.
Onde há comunidade, aí há comunicação. E ou a palavra é, ela própria, espírito, ou então é resistência ao espírito; inversamente, ou o espírito é a palavra, ou então subverte a palavra. A palavra é, em todo caso, a realidade de nossa relação uns com os outros e assim com o futuro; é pela linguagem que temos um mundo, de sorte que possivelmente nos encontremos nele. A missão da igreja só pode ser descoberta num ato de linguagem, de interpretação.
Jenson chega a afirmar que não pode haver dúvida quanto à opção da Igreja. Ninguém entra na Igreja ou recebe seu espírito a não ser pelo Batismo, isto é, historicamente, por um evento na vida da pessoa. Mesmo a prática do batismo de infantes não muda isso; ela apenas reconhece que o nascimento num lar que já está sob a disciplina da Igreja pode implicar um direito de iniciação.
O Espírito é a liberdade ilimitada de Jesus, libertada pela ressurreição. O que as pessoas fazem em sua liberdade é história. Assim também no caso de Jesus: o Espírito é a liberdade de Jesus efetuar realidade histórica. O Espírito é exatamente o contrário de uma libertação da história, ou de uma esfera de ser além da história. O Espírito é precisamente a liberdade de Jesus de ser pão e vinho, de viver em nossas congregações historicamente efetivas.
IV - ESPÍRITO CÓSMICO
Neste ponto, Jenson amplia a dimensão do Espírito, ou seja, não só particular de Israel, de Jesus e da Igreja, pois o Deus de Israel é o Criador de todas as coisas. Assim, se o Espírito Santo é Deus, o vento deste Espírito, deve soprar sobre e através de todas as coisas. No Novo Testamento, o Espírito criador é quase exclusivamente proclamado como Criador da vida nova do povo particular de Deus; mas a própria significatividade deste discurso do Novo Testamento depende das escrituras hebraicas, que evocam o Espírito como criatividade universal.
Jenson diz que na tradição parece haver três temas: o Espírito é a liberdade da historia universal; o Espírito é a espontaneidade do processo natural (com este termo Jenson, quer dizer que a realidade não é composta de coisas, mas de eventos, ou , como alguns preferem dizer, de ocasiões efetivas); o Espírito é a beleza da criação (com este termo, o espírito cósmico trata do culto, da liturgia, e o seu caráter comunitário, a beleza de todas as coisas).
Irineu afirma que, pela palavra, Deus concede a mera existência, pelo Espírito, ele transforma o que existe num “cosmo”, num todo ordenado cuja ordem é fundamentalmente uma ordem de adequação e adaptação mútua.
Jenson faz uso de Hegel para argumentar o Espírito cósmico. Segundo Hegel uma percepção central da tradição ocidental é que a realidade, no fundo, é consciente. a consciência universal pela intuição bíblica da consciência como sendo primariamente espírito. O mundo subsiste pelo fato de ser transformado, por um Deus que é – longe de uma mente estática – Espírito Vivo. Hegel formalizou a lógica desse sentido por meio de sua famosa dialética de três passos. A história é feita de tese e antítese. A história faz sentido porque exatamente de tal contradição surge uma nova tese, uma síntese.
A consciência universal evoca o mundo, o mero objeto inconsciente, como seu próprio contrário. Mas exatamente assim a Consciência encontra seu próprio Sentido – e sentido é a própria essência da consciência – nesse objeto, por meio dessa aço transformadora para realizar-se como Espírito e não mera Mente, e para realizar o mundo como história e não mero cosmo. Assim, o Espírito não apenas cria, mas também envolve o mundo; o Espírito é a liberdade da história universal. O Espírito é o ato em que Deus como Consciência supera os empates aparentemente estáticos da história, pela descoberta criativa do sentido das contradições. O Espírito é a liberdade daquilo que meramente é, e justamente assim está envolvido em alguma contradição, para a nova síntese que resultará em conflito.
Se Jesus ressurreto é Senhor, ele não é apenas Senhor da Igreja, mas sua vontade determina a história não apenas dos que crêem, e sim também de todas as nações. O senhorio específico de Cristo fora da igreja ocorre quando e onde o milagre da criatividade “sintética” hegeliana ocorre efetivamente. Vamos postular, sem ambigüidade, o primeiro, identificando a síntese histórica como ação de Jesus, como o que é possível apenas para alguém ressurreto.
Jenson, usando Hegel, chega a nossa tese: O Espírito de Jesus é a espontaneidade do processo natural.
A pneumatologia é a tentativa de explicar toda a obra de Deus como realidade comunitária entre nós. A pneumatologia é a tentativa de fazer da própria insistência de Lutero no “para nós”, como condição de todo discurso significativo sobre Deus, a vantagem desse discurso. Se a tentativa pode ter êxito, devemos julgar juntos – como uma decisão pelo Espírito.
Considerações Finais
Jenson faz um tratado pneumatológico luterano, onde a expressão inicial “a humanidade é espírito”, pode ser entendido fora do contexto luterano como uma idéia panteísta ou panenteísta. Dentro do contexto do pensamento construído por Jenson a frase simplesmente transmite a verdade da criação. Deus e o Espírito são um só.
Sergio Moreira dos Santos é Bacharel em Teologia pela FTBSP/ Faculdade Teológica Batista de São Paulo, professor da FAESP/ Faculdade Evangélica de São Paulo e Seminário Teológico Batista do Sudeste do Brasil, e Mestre em Teologia, na área de Teologia e História, pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo. São Paulo, junho de 2004.
O ESPÍRITO SANTO À LUZ
DE UMA TEOLOGIA LUTERANA REFORMADA
por Sergio Moreira dos Santos
Prolegômenos
Robert W. Jenson é professor de teologia sistemática na Luther Northwestern Theological de St. Paul – Minnessota – EUA.
O presente artigo tem como pretensão analisar o “Locus 8 – O Espírito Santo”, escrito por Jenson em colaboração para o livro “Dogmática Cristã”, onde, além de autor, é co-editor com Carl E Bratten, da edição original de 1984 com título Christian Dogmatics – Philadelphia – EUA. A edição em português é de 1995, co-editado pela editora Sinodal e IEPG (Instituto Ecumênico de Pós-Graduação) da Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.
Jenson trabalha sobre o assunto, ou como o próprio autor define “o fenômeno” Espírito em cinco blocos: introdução; no primeiro bloco trata sobre O Espírito que falou pelos profetas (onde define o Espírito da sua atuação no Antigo Testamento, no Novo Testamento e através dos credos); no segundo bloco ele propõe sua soteriologia pneumatológica (tratando da graça, justificação e predestinação); no terceiro bloco o autor fala do discurso (palavra) sobre o Espírito como auto-interpretação da igreja (propõe uma cristologia eclesial e trabalha o tema Espírito e seu relacionamento com Deus, com a letra, com a palavra e com a historia), e no ultimo bloco trata do Espírito Cósmico (a sua universalidade onde trabalha a lógica da pneumatologia cósmica, a liberdade da historia, a espontaneidade do processo natural culminando na beleza de todas as coisas).
INTRODUÇÃO
Jenson define o Espírito como fenômeno universal na experiência humana e universalmente observado, ou seja, na palavra de Jenson o espírito é autotranscendência ; a vivacidade de toda vida é justamente sua origem e seu fim de além de si própria. Com isso o Espírito é um ser pessoal, criativo, participativo, presente para o outro e no outro e o deixa como é. O Espírito interfere na vida, a humanidade é Espírito.
Dessa forma nenhum modo de vida humana está tão preso à tradição ou entorpecido que não seja um vento soprado a nós por nós, para escapar da própria apreensão e que não experimentamos isso em nós mesmos.
De forma, Jenson afirma Deus se for o Deus dos vivos e não dos mortos, deve ser espírito tão certamente que todos os demais espíritos são, diante dEle, não-espírito, “carne” (Is 31.3). O fato de que nós também somos espíritos torna possível que Deus esteja presente conosco como espírito. É fundamental salientar que na Escritura Deus seria Deus mesmo que não houvesse outros espíritos e que a realidade deste Deus como espírito constitui justamente essa independência.
Jenson diz que, ao falar a uma congregação sobre Deus, enfrentaremos mais cedo ou mais tarde a pergunta em relação a importância ao ‘Espírito’, e, ao aprofundarmos nisso, descobriremos que o que se quer de fato é uma análise da experiência religiosa, um empreendimento que, em si, é perfeitamente legítimo e necessário.
Cabe salientar que quando o Novo Testamento chama de “Espírito” é o “espírito de Javé”, distinto e independente, o Espírito particular de Jesus e seu Pai, distinto de nós como nós somos um do outro. E o modo da presença deste Espírito Santo junto a outros espíritos é sempre o do Criador em relação às criaturas.
I - O ESPÍRITO QUE FALOU PELOS PROFETAS
Para entender a experiência cristã do Espírito e o ensinamento cristão a respeito dele, o ponto de partida sucinto é o relato neotestamentário de Pentecoste, não a história do vento, das chamas e de um milagre lingüístico, mas a interpretação bíblica que se segue e por causa da qual Lucas narra história (At 2.16-33). Na igreja primitiva, os fenômenos religiosos ocorridos nas reuniões dos discípulos do Senhor recém-ressuscitado foram interpretados como o cumprimento de um tema fundamental da vida de Israel: A Vinda do Espírito de Javé para constituir profetas.
Através de toda a escritura hebraica, “ruah Javé” mantém seu impacto original. O Espírito é experienciado como uma força transcendente que põe em movimento, para criar ou derrubar, quer na natureza, quer na sociedade, isto é verdade em especial nos documentos que expressam diretamente a vida religiosa. Na tradição narrativa de Israel, o Espírito é sobretudo o poder de Deus que atua sobre e através da liderança carismática de Israel.
Segundo Jenson decisivo para nós é o fato de que a Vinda do Espírito para evocar a ação política é regularmente justaposta à sua vinda para evocar a profecia. Só compreendemos a importância da correlação entre o Espírito e a palavra se nos lembrarmos de uma característica decisiva da própria palavra profética; não se trata meramente de uma palavra sobre o futuro, mas de uma palavra que cria futuro. Sl 33.6, a palavra do Senhor é terminus technicus, designando a palavra profética. Assim os reis temiam os profetas arcaicos porque seus oráculos não apenas prediziam a vitória ou derrota mas também faziam com que elas ocorressem. O Espírito é liberdade para a palavra que abre o futuro e o poder desta palavra.
A vinda e a presença do Espírito, características dos anunciadores da promessa se tornaram também conteúdo da promessa. Isto não requer nenhuma outra explicação inicial além da idéia básica de Espírito. Visto que o Espírito é poder de Deus como vida de Israel, uma promessa de vida nova para Israel precisa ser uma promessa de uma nova Vinda do Espírito. Mas tal promessa não será anunciada até que for a nova vida que precisa ser prometida, até que a esperança de Israel tiver se tornado não meramente esperança de ter boa sorte em termos históricos, mas esperança de ser liberto da morte, até que sua esperança tenha tido que se tornar escatológica.
Na profecia pós-exílica afirmam-se, em princípio, as conexões. Deve haver uma esperança escatológica exatamente porque Deus é o doador do Espírito e por isto o Deus da Vida, e não da morte (Is 57.16). E a presença do Espírito é a união das promessas feitas pelos atos passados de Deus com seu triunfo final (Ag. 2.4-8). O Espírito é a realidade presente, em ambos os sentidos, do poder escatológico de Deus. O Espírito é ao mesmo tempo a garantia e o objeto da esperança final. Disto resulta duas sínteses: a messiânica – que, no final, haverá vida triunfante porque o povo de Deus será reunido por e em redor de um último profeta, um portador final do Espírito. A outra síntese é comunitária – no final a morte será vencida porque todos os integrantes do povo de Deus serão profetas, portadores da vida. A esperança da vinda de uma nação de profetas surge tarde na história de Israel e é rara, mas, quando aparece, é com força total.
Nos sinóticos, o Espírito Santo significa apenas o Espírito da profecia. O Espírito inspira pronunciamentos e produz arrebatamento. Mas também a realidade criadora de vida do Espírito aparece no uso dos evangelhos – notavelmente, porém, só em contextos ligados de modo estreito à obra profética do Espírito. Essa linguagem tradicional se concentra quase totalmente em referencias à pessoa de Jesus. Há três grandes centros de linguagem a respeito do Espírito na narrativa dos evangelhos: O Batismo de Jesus (que todos evangelhos descrevem como uma descida do Espírito); O Nascimento de Jesus (Deus cria esta criança de modo direto como algo completamente novo); e, As Obras de Jesus (curas de vida, no Espírito de Deus). Em Lucas essas percepções da comunidade primitiva são elaboradas teologicamente.
Duas características são constantes e decisivas deste Espírito profético: o Spiritus Creator, ou seja, o sopro da vida que ressuscita os mortos e pode até dar a vida a uma estátua. O Espírito é o oposto ontológico da morte, tanto Cristo quanto nós morremos “pela carne” mas ressuscitamos “pelo Espírito”. A inspiração por este Espírito é invariavelmente entendida de modo cristológico. A segunda é o batismo. A convicção de que todos os batizados possuem o Espírito precisa significar ou que todos os membros da congregação são explicitamente profetas ou que a experiência e a compreensão da possessão do Espírito incluem fenômenos diferentes da profecia manifesta.
Paulo, segundo Jenson, dá dois passos em relação ao Espírito. Primeiro ele separa de fato, aquilo que constitui a atividade profética em “dons” distintos, de maneira que haja pelo menos um dom para cada crente, até para o menos extático. Segundo, ele identifica o traço comum que qualifica todos estes como dons do Espírito afirmando que se trata de contribuições para o “bem comum”, de “edificação” da comunidade e sua unidade. O Espírito é o poder da ressurreição tanto agora quanto eternamente.
Além disso, temos a pneumatologia patrística, que se localiza nas mesmas áreas como no Novo Testamento: profecia e batismo. O Espírito inspira a palavra, cria a igreja, é dado por ocasião do batismo, vence a morte e é uma antecipação da vida final.
II - SOTERIOLOGIA PNEUMATOLÓGICA
Jenson declara que a salvação, a justificação, a graça sacramental, a fé, a predestinação etc. foram os temas que fascinaram os pensadores ocidentais, e não tanto a trindade divina ou a união hipostática. Isto é, o trabalho teológico do Ocidente tem se voltado principalmente para o terceiro artigo.
Em contrapartida, a igreja latina tinha preocupações mais práticas , Tertuliano por exemplo, declara: “todo homem deve prestar satisfação a Deus na mesma questão em que o ofendeu”. O cristianismo latino se traduziu numa justiça pelas obras. Agostinho juntou as preocupações práticas da Igreja latina com a doutrina de Deus e de suas obras transformadoras desenvolvidas no Oriente que foi criado o cristianismo ocidental como o conhecemos, em que a preocupação é justamente o efeito prático da realidade viva de Deus em nossa vida. Antes da reforma, no entanto, este empreendimento teológico foi encetado não como doutrina do Espírito, mas como uma doutrina da graça.
A doutrina da trindade elaborada pelos pais gregos conceptualizou a relação criativa de Deus com seu povo fiel de uma maneira especificamente bíblica. Para Agostinho, as três pessoas, em relação a nós, são indistinguíveis quanto à sua função. Assim, Agostinho não tinha mais condições de conceptualizar a relação salvífica entre Deus e as criaturas dizendo que o Pai e o Filho estão presentes de forma transformadora no Espírito, como o fizeram os gregos que deram origem ao trinitarismo. Tendo obstruído assim a compreensão especificamente cristã da relação de Deus com os fiéis, Agostinho acabou se posicionando como é de costume na religião cultural do Ocidente: de um lado está Deus, concebido como uma entidade sobrenatural que age sobre nós de maneira causal; de outro lado estão, entre nós, os resultados desta causalidade. Na tradição latina subseqüente, tanto Deus quanto os objetos desta causalidade são, por conseguinte, interpretados de acordo com esse esquema: eles são “substâncias”, entidades fundamentalmente auto-sustentadoras e auto-suficientes, que “atuam” uma em relação à outra, sendo que o resultado dessa ação é, em nós, um habitus, uma disposição adquirida para portar-nos e reagir em obediência à vontade de Deus.
Tomás de Aquino declara que a graça pode ser entendida em dupla acepção: como auxilio divino que nos move a querer e agir retamente, e como um dom habitual (habituale donum) que Deus infunde. Segundo Jenson isto cria ou leva ao problema da cooperação entre o Deus gracioso e a criatura agraciada. O problema tem sido crucial em toda teologia ocidental. Aquino continua dizendo que a graça como uma qualidade divina é uma qualidade dos fiéis tomadas em conjunto, é dividida por uma distinção que o divide em operante e cooperante. Pois a operação que produz o efeito pelo qual a nossa alma é movida e não motora, pois só Deus é quem move; e tal é a graça operante. Porém não só Deus, mas também à alma é atribuída a operação causadora do efeito pelo qual a nossa alma é motora e movida; e tal é a graça cooperante. Deus é o único agente da salvação, mas não existe nenhuma maneira em que uma vontade possa ser “movida” autenticamente a não ser que ela própria também queira.
Além disso, quando se compreende a relação salvífica entre Deus e os crentes como a causalidade de uma substância em relação à outra, a salvação é necessariamente entendida como um processo. Isto é a graça é compreendida como a causa primária de uma seqüência de evento, dos quais cada um precisa acontecer para que o próximo se torne possível. A tradicional doutrina da graça é uma estrutura de justificação pelas obras alojada no centro da preocupação e realização teológica principal da Igreja Ocidental.
De acordo com Jenson foi exatamente essa perversão que tornou a reforma necessária. A reforma foi um protesto contra toda maneira de pensar e proclamar a fé, e contra as estruturas correspondentes das liturgias ocidentais medievais da penitência e da Ceia. Assim, uma conseqüência imediata da descoberta de Lutero foi a recuperação do discurso bíblico é pré-agostiniano sobre o Espírito, uma capacidade quase extraordinária de simplesmente falar e escrever a linguagem bíblica e patrística sobre o Espírito.
A mera substituição do termo ‘graça’ por ‘obra do Espírito Santo’, como os teólogos que seguiram Lutero passaram a fazer regularmente, não é , no entanto, uma garantia de que a antiga perversão tenha sido superada. O pietismo luterano ortodoxo transformou-se numa fixação tradicional de uma seqüência normal na experiência cristã. Começando com a proposição, ortodoxa em termos de descrição, de que a ‘imputação da justiça de Cristo’ é prometida apenas ao “arrependimento não-fingido”. A calamidade se completa então com alguém como August Hermann Francke, que, apesar de toda a sua apropriada insistência luterana em afirmar que o evangelho sempre é decisivo, determinou de maneira categórica que o evangelho simplesmente não pode ser ouvido até que a ‘batalha do arrependimento’ tenha terminado, fazendo a terminação da batalha depender da sinceridade e persistência do penitente.
O que se faz necessário em face de toda a doutrina tradicional da graça é um deslocamento total no discurso pneumatológico, passando desse ponto de observação da terceira pessoa, de uma tentativa de descrever um processo entre Deus e a criatura, para um local dentro da execução da proclamação e do ensino na primeira e segunda pessoas.
A pneumatologia deve tornar-se uma reflexão hermenêutica, reflexão sobre o discurso cristão feita durante seu decorrer, como parte do que esse discurso realiza, reflexão sobre como falar o evangelho feita internamente a esse falar – o que nos leva ao segundo modo teológico da Reforma: o dogma proposto da ‘justificação somente pela fé’. A doutrina da justificação da Reforma não é uma nova tentativa de descrever um processo da graça. A doutrina é, antes, uma instrução hermenêutica para pregadores, mestres e confessores: falem de Cristo e da vida de sua comunidade de tal maneira que a justificação para aquela vida aberta por suas palavras seja do tipo que é apreendido pela fé e não do tipo constituído em obras.
Chamamos a doutrina reformatória da justificação de ‘proposta dogmática’. Se descrevêssemos a asserção central da Confissão de Ausburgo, a justificação somente pela fé, simplesmente como um dogma, excluiríamos da Igreja verdadeira a maior parte do cristianismo ocidental que não aceitou a asserção.
Jenson lembra que a instrução não deve induzir à conversão ou manipular para consegui-la mediante nosso discurso; a conversão dos ouvintes precisa realizar-se como o próprio ato de anúncio do evangelho. A conversão é uma mudança na situação de comunicação dentro da qual toda pessoa vive.
Outro ponto enfatizado por Jenson é a predestinação, onde ele afirma que a predestinação é simplesmente a doutrina da justificação formulada na voz ativa. Se mudamos: “somos justificados somente por Deus” do passivo para o ativo, obtemos: “somente Deus nos justifica”. Nenhum pensamento cristão, nem mesmo um pensamento remotamente cristão, pode evitar uma doutrina da predestinação. Se o Deus da Bíblia existe, não pode haver qualquer coisa parecida com o livre-arbítrio (liberum arbitrium) da discussão tradicional.
Deus não apenas ordena absolutamente minha salvação na palavra cristológica dirigida a mim: como Criador ele ordena absolutamente todos os eventos. O falar do evangelho é o evento da predestinação pelo fato de que o evangelho concede aquilo de que fala, mas esta eficácia escatológica do evangelho é o Espírito. Devemos parodiar Barth: o Espírito Santo é o Deus que elege.
Só Deus ordena todas as coisas’ é um corolário necessário do mesmo.
III - DISCURSO SOBRE O ESPÍRITO COMO AUTO-INTERPRETAÇÃO DA IGREJA
Nesta altura Jenson entra no terceiro bloco que trata do Espírito e a Igreja. Lembra-nos que a pneumatologia funciona como uma cristologia eclesial, toda comunidade tem espírito, portanto, a minha vida também é, ela própria espírito. A igreja, assim como qualquer comunidade, tem um espírito. E como a igreja simplesmente é os discípulos de Jesus, seu espírito e o Espírito de Jesus são idênticos. O ponto crucial é a prometida vinda do Espírito em termos materiais na linguagem do poder e dos sinais de Mateus e Marcos, explicitamente por Lucas.
O fato de sermos comunidade de Jesus define a Igreja. Quando a igreja se defronta com decisões e problemas que fazem refletir sobre o seu próprio propósito e caráter, ela deve refletir cristologicamente e interpretar a si própria à luz do fato e da identidade do Jesus ressurreto; a Igreja desenvolve necessariamente uma espécie de cristologia eclesial.
Cada comunidade possui espírito, de fato um espírito. E cada comunidade tem algum deus. Inversamente, o espírito de uma comunidade é ou o espírito de seu deus, ou um dinamismo ameaçador e misterioso – talvez demoníaco. Assim a comunidade se confronta com a transcendência, e a transcendência aparecerá ou como a defesa da comunidade contra o espírito que assim a desorienta, ou como a própria desorientação. A igreja reivindica ser estabelecida como comunidade pelo cumprimento da esperança final de Israel em relação ao Espírito. Assim a identidade de Deus e Espírito é obrigatória também para a Igreja. Só mais um fator determinante deve ser lembrado: na igreja há um termo médio. O Espírito é o Espírito de Jesus; o Pai é o Pai de Jesus; e assim o Pai e o Espírito são um só Deus. A unidade de Deus e do Espírito é trinitária. Na Igreja, o Pai é o estar dado de Deus e o Espírito é a futuridade de Deus; e estes se opõem apenas pelas maneiras diferentes em que cada um é o único e mesmo Deus.
O Espírito da Igreja deve estar sujeito à letra sobre Cristo e justamente assim ser o Espírito livre de Cristo. Compreender e praticar essa dialética é uma tarefa pneumatológica essencial e permanente da Igreja. A identificação de Deus e Espírito e de Cristo e Espírito por Israel e pela igreja é simultânea com a identificação de palavra e Espírito e dependente dela.
Onde há comunidade, aí há comunicação. E ou a palavra é, ela própria, espírito, ou então é resistência ao espírito; inversamente, ou o espírito é a palavra, ou então subverte a palavra. A palavra é, em todo caso, a realidade de nossa relação uns com os outros e assim com o futuro; é pela linguagem que temos um mundo, de sorte que possivelmente nos encontremos nele. A missão da igreja só pode ser descoberta num ato de linguagem, de interpretação.
Jenson chega a afirmar que não pode haver dúvida quanto à opção da Igreja. Ninguém entra na Igreja ou recebe seu espírito a não ser pelo Batismo, isto é, historicamente, por um evento na vida da pessoa. Mesmo a prática do batismo de infantes não muda isso; ela apenas reconhece que o nascimento num lar que já está sob a disciplina da Igreja pode implicar um direito de iniciação.
O Espírito é a liberdade ilimitada de Jesus, libertada pela ressurreição. O que as pessoas fazem em sua liberdade é história. Assim também no caso de Jesus: o Espírito é a liberdade de Jesus efetuar realidade histórica. O Espírito é exatamente o contrário de uma libertação da história, ou de uma esfera de ser além da história. O Espírito é precisamente a liberdade de Jesus de ser pão e vinho, de viver em nossas congregações historicamente efetivas.
IV - ESPÍRITO CÓSMICO
Neste ponto, Jenson amplia a dimensão do Espírito, ou seja, não só particular de Israel, de Jesus e da Igreja, pois o Deus de Israel é o Criador de todas as coisas. Assim, se o Espírito Santo é Deus, o vento deste Espírito, deve soprar sobre e através de todas as coisas. No Novo Testamento, o Espírito criador é quase exclusivamente proclamado como Criador da vida nova do povo particular de Deus; mas a própria significatividade deste discurso do Novo Testamento depende das escrituras hebraicas, que evocam o Espírito como criatividade universal.
Jenson diz que na tradição parece haver três temas: o Espírito é a liberdade da historia universal; o Espírito é a espontaneidade do processo natural (com este termo Jenson, quer dizer que a realidade não é composta de coisas, mas de eventos, ou , como alguns preferem dizer, de ocasiões efetivas); o Espírito é a beleza da criação (com este termo, o espírito cósmico trata do culto, da liturgia, e o seu caráter comunitário, a beleza de todas as coisas).
Irineu afirma que, pela palavra, Deus concede a mera existência, pelo Espírito, ele transforma o que existe num “cosmo”, num todo ordenado cuja ordem é fundamentalmente uma ordem de adequação e adaptação mútua.
Jenson faz uso de Hegel para argumentar o Espírito cósmico. Segundo Hegel uma percepção central da tradição ocidental é que a realidade, no fundo, é consciente. a consciência universal pela intuição bíblica da consciência como sendo primariamente espírito. O mundo subsiste pelo fato de ser transformado, por um Deus que é – longe de uma mente estática – Espírito Vivo. Hegel formalizou a lógica desse sentido por meio de sua famosa dialética de três passos. A história é feita de tese e antítese. A história faz sentido porque exatamente de tal contradição surge uma nova tese, uma síntese.
A consciência universal evoca o mundo, o mero objeto inconsciente, como seu próprio contrário. Mas exatamente assim a Consciência encontra seu próprio Sentido – e sentido é a própria essência da consciência – nesse objeto, por meio dessa aço transformadora para realizar-se como Espírito e não mera Mente, e para realizar o mundo como história e não mero cosmo. Assim, o Espírito não apenas cria, mas também envolve o mundo; o Espírito é a liberdade da história universal. O Espírito é o ato em que Deus como Consciência supera os empates aparentemente estáticos da história, pela descoberta criativa do sentido das contradições. O Espírito é a liberdade daquilo que meramente é, e justamente assim está envolvido em alguma contradição, para a nova síntese que resultará em conflito.
Se Jesus ressurreto é Senhor, ele não é apenas Senhor da Igreja, mas sua vontade determina a história não apenas dos que crêem, e sim também de todas as nações. O senhorio específico de Cristo fora da igreja ocorre quando e onde o milagre da criatividade “sintética” hegeliana ocorre efetivamente. Vamos postular, sem ambigüidade, o primeiro, identificando a síntese histórica como ação de Jesus, como o que é possível apenas para alguém ressurreto.
Jenson, usando Hegel, chega a nossa tese: O Espírito de Jesus é a espontaneidade do processo natural.
A pneumatologia é a tentativa de explicar toda a obra de Deus como realidade comunitária entre nós. A pneumatologia é a tentativa de fazer da própria insistência de Lutero no “para nós”, como condição de todo discurso significativo sobre Deus, a vantagem desse discurso. Se a tentativa pode ter êxito, devemos julgar juntos – como uma decisão pelo Espírito.
Considerações Finais
Jenson faz um tratado pneumatológico luterano, onde a expressão inicial “a humanidade é espírito”, pode ser entendido fora do contexto luterano como uma idéia panteísta ou panenteísta. Dentro do contexto do pensamento construído por Jenson a frase simplesmente transmite a verdade da criação. Deus e o Espírito são um só.
Sergio Moreira dos Santos é Bacharel em Teologia pela FTBSP/ Faculdade Teológica Batista de São Paulo, professor da FAESP/ Faculdade Evangélica de São Paulo e Seminário Teológico Batista do Sudeste do Brasil, e Mestre em Teologia, na área de Teologia e História, pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo. São Paulo, junho de 2004.
lundi 10 septembre 2007
PARA LER PAUL TILLICH
INTRODUÇÃO
Nossa abordagem visa procurar inspiração e não tomar as idéias e argumentos de Paul Tillich como cânon. Entendemos que seus escritos foram elaborados sob condições especiais e refletem conjunturas e realidades peculiares à modernidade do século XX e por isso nos servem de roteiro para reflexão e não como palavra revelada.
Herdeiro do pensamento alemão do século XIX, Paul Tillich é devedor do idealismo alemão, em especial de Hegel e Schelling, mas é a partir de 1919, na Alemanha destruída pela I Guerra Mundial que começa a trabalhar sobre a idéia de uma teologia da cultura.
Para Tillich, cultura tem uma leitura diferente daquela que terá para a antropologia da segunda metade do século XIX, que inclui a produção humana em toda a sua riqueza e diversidade. Para ele, cultura é a produção da intelectualidade ilustrada européia.
E por baixo das manifestações culturais específicas se faz presente a religião. Assim, para Tillich, a religião expressa o Incondicionado, dando margem a manifestações especiais, que se apresentam enquanto cultura. Daí seu interesse em manter um permanente diálogo com artistas, escritores e com o mundo social-democrata da época.
Dessa maneira, durante toda sua vida Tillich será um teólogo da cultura e um filósofo da religião.
1.BREVE RESUMO HISTÓRICO
Paul Tillich nasceu na Prússia, na aldeia de Starzeddel, província de Brandeburgo, em1986, filho de pastor luterano. Morreu em 1965 nos Estados Unidos.
1910 -- Graduou-se doutor em Filosofia, em Breslau.
1912 – Licenciou-se em Teologia (Halle) e tornou-se capelão militar. Burguês liberal e idealista, nessa época, chegou à conclusão que as classes pobres eram exploradas pela aristocracia fundiária, pelo Exército, pela Igreja e pelo Estado.
1915 – A grande transformação
“A transformação ocorreu durante a batalha de Champagne, em 1915. Houve um ataque noturno. Durante toda a noite, não fiz outra coisa senão andar entre feridos e moribundos. Muitos deles eram meus amigos íntimos. Durante toda aquela longa e terrível noite, caminhei entre filas de gente que morria. Naquela noite, grande parte da minha filosofia clássica ruiu em pedaços; a convicção de que o homem fosse capaz de apossar-se da essência do seu ser, a doutrina da identidade entre essência e existência... Lembro-me que sentava entre as árvores das florestas francesas e lia Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche, como faziam muitos outros soldados alemães, em contínuo estado de exaltação. Tratava-se da liberação definitiva da heteronomia. O niilismo europeu desfraldava o dito profético de Nietzsche, ‘Deus está morto’. Pois bem, o conceito tradicional de Deus estava mesmo morto”. Revista Time, 6/5/59, p. 47.
Para Tillich era preciso abandonar aquele Deus concebido pela teologia do século 19 e fazer o cristianismo responder aos problemas e às exigências contemporâneas.
1920 – Escreve Cristianismo e Socialismo.
Funda, então, na Alemanha, após a Primeira Grande Guerra, um movimento chamado Socialismo Religioso, que tinha por base a afirmação de que “sem fundamento religioso nenhuma sociedade pode salvar-se da destruição”. Apesar de seus esforços a classe operária alemã não adere ao movimento, como Tillich pretendia. O movimento fracassa.
1925 – Começa a escrever sua Teologia Sistemática, cujo primeiro volume só será publicado em 1952.
1933 – Escreve A Decisão Socialista, que é apreendida pela polícia nazista, levando-o a migrar para os Estados Unidos, nesse mesmo ano. Nos EUA, leciona primeiro no Union Theological Seminary, depois, já aposentado na Universidade de Harvard e no final de sua vida no Divinity School de Chicago, onde morre em 1965.
Paul Tillich sofreu influência da teologia dialética de Barth (mais tarde se tornarão adversários declarados) e do existencialismo de Heidegger. Mas, na verdade, sua reflexão terá dois direcionamentos: busca redefinir o conceito de religião (Filosofia da Religião, 1925) e mostrar a interdependência entre religião e cultura (Teologia da Cultura, 1959). Sua Teologia Sistemática está umbilicalmente ligada a essa preocupação.
“Caso perguntasse a uma pessoa que tivesse ficado impressionada com os mosaicos de Ravena ou com as pinturas da cúpula da Capela Sistina ou com os retratos do último Rembrandt, se sua experiência teria sido religiosa ou cultural, ela acharia difícil responder a tal pergunta. Poderia ser correto dizer que essa experiência é cultural na forma e religiosa na substância. É cultural porque não está vinculada a um ato ritual específico, mas é religiosa porque toca o problema do Absoluto e os limites da existência humana” [Sulla linea di confine, p.77].
2. TEOLOGIA
É considerado o maior pensador sistemático do século 20. Sua teologia pode ser situada como um meio caminho entre a teologia liberal e a neo-ortodoxia.
Harnack (razão)versus Barth (fideísmo).
Tillich – princípio da correlação.
Seu princípio hermenêutico é o princípio da correlação.
Princípio da Correlação
Os elementos relacionados só podem existir juntos. É impossível que um aniquile a existência do outro. Com o princípio da correlação a reflexão teológica desenvolve-se entre dois pólos: a verdade da mensagem cristã e a interpretação dessa verdade, que deve levar em conta a situação em que se encontra o destinatário da mensagem. E situação não diz respeito ao estado psicológico ou sociológico do destinatário, mas “as formas científicas e artísticas, econômicas, políticas e éticas, nas quais [os indivíduos e grupos] exprimem as suas interpretações da existência”.
Exemplos
O eu não pode existir sem o mundo, nem o mundo sem o eu.
A fé não pode existir sem a dúvida, nem a dúvida sem a fé.
Outros pensadores, como Platão, Aristóteles e Tomás de Aquino utilizaram o princípio da correlação, mas Tillich o transformou em princípio hermenêutico por excelência.
Para Tillich o fazer teologia deve partir de uma correlação epistemológica, que ele divide em três momentos: Razão/Revelação; Razão/fé; Filosofia/Teologia.
Sua Teologia Sistemática divide-se em cinco grandes blocos
Razão e Revelação. “A razão não resiste à revelação. Ela pergunta pela revelação. Pois revelação significa a reintegração da razão” [Teologia Sistemática, Sinodal, 1984, p. 85].
O Ser e Deus. “É a finitude do ser que conduz à questão de Deus”. (Idem, p. 143).
A Existência e o Cristo. “... o termo ‘Novo Ser’, quando aplicado a Jesus como o Cristo, indica o poder que nele vence a alienação existencial ou, expresso em forma negativa, o poder de resistir às forças da alienação. Experimentar o Novo Ser em Jesus como o Cristo significa experimentar o poder que nele venceu a alienação existencial em si mesmo e em todos aqueles que têm parte com ele”. [Systematic Theology II, p. 125].
A Vida e o Espírito.
A História e o Reino de Deus.
3. TEXTOS PARA SE ENTENDER TILLICH
A dimensão religiosa na vida espiritual do homem
Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, A dimensão religiosa na vida espiritual do homem, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 16-17. (Este texto foi publicado originalmente em Man’s right to knowledge, Columbia University Press, 1954).
Em tais circunstâncias, desprovida de um lar, de um lugar onde estabelecer sua morada, a religião descobre logo que não é necessária tal morada, que não necessita procurar um lar. Seu lar está em todas partes, quer dizer, na profundeza de todas as funções da vida espiritual do homem.
A religião é a dimensão da profundidade em todas elas, é o espectro da profundidade na totalidade do espírito humano.
O que significa a metáfora profundidade? Significa que o aspecto religioso aponta em direção àquilo que, na vida espiritual do homem, é último, infinito e incondicional. No sentido mais amplo e fundamental do termo, religião é preocupação última. E a preocupação última se manifesta em absolutamente todas as funções criativas do espírito humano.
Manifesta-se na esfera moral com a seriedade incondicional do imperativo moral; donde, quando alguém rechaça a religião em nome da função moral do espírito humano, rechaça a religião em nome da própria religião.
Manifesta-se no reino do conhecimento como a busca apaixonada de uma realidade última; por isso, quando alguém rechaça a religião em nome da função cognitiva do espírito humano, rechaça a religião em nome da própria religião.
Manifesta-se na função estética do espírito humano como o anelo infinito de expressar um significado último; donde, quando alguém rechaça a religião em nome da função estética do espírito humano, rechaça a religião em nome da própria religião.
A religião constitui a substância, o fundamento e a profundidade da vida espiritual do homem. Eis o aspecto religioso do espírito humano.
Kairós
Paul Tillich, História do pensamento cristão, Kairós, São Paulo, ASTE, 2000, p. 24.
Segundo o apóstolo Paulo sem sempre existe a possibilidade de acontecer o que, por exemplo, aconteceu no aparecimento de Jesus, o Cristo. A vinda de Jesus se deu num momento especial da história em que tudo estava preparado. Vamos discutir agora essa “preparação”. Paulo fala de kairós, para descrever o sentimento de que o tempo estava pronto, maduro, ou preparado.
Esta palavra grega exemplifica a riqueza da língua grega em comparação com as línguas modernas. Só temos um vocábulo para “tempo”. Os gregos têm dois, chronos e kairos. Chronos é o tempo do relógio, que se pode medir, como aparece em palavras como cronologia e cronômetro.
Kairós não tem nada a ver com esse tempo quantitativo do relógio, mas se refere ao tempo qualitativo da ocasião, o tempo certo. Algumas histórias do Evangelho falam desse tempo. Determinados fatos acontecem quando o tempo certo, o kairós, chega.
Quando se fala em kairós se quer indicar que alguma coisa aconteceu tornando possíveis ou impossíveis certas ações. Todos nós experimentamos momentos em nossas vidas quando sentimos que agora é o tempo certo para agirmos, que já estamos suficientemente maduros, que podemos tomar decisões. Trata-se do kairós.
Foi nesse sentido que Paulo e a igreja primitiva falaram de kairós, o tempo certo para a vinda de Cristo. A igreja primitiva e Paulo até certo ponto tentaram mostrar por que esse tempo era o tempo certo, e de que maneira o seu aparecimento tinha sido possibilitado por uma constelação providencial de fatores.
A luta entre o tempo e o espaço
Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, A luta entre o tempo e o espaço, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 40-42.
O Deus do tempo é o Deus da história. Isso significa em primeiro lugar, que é o Deus que atua na história com destino a uma meta final. A história segue uma direção, algo novo há de criar-se nela e por intermédio dela.
Essa meta designa-se de várias maneiras: bem-aventurança universal, vitória sobre os poderes demoníacos representados pelas nações imperialistas, chegada do Reino de Deus na história e, mais além da história, transformação da forma do mundo, etc.
Os símbolos são muitos – alguns mais imanentes, como no profetismo antigo e no moderno protestantismo, outros mais transcendentes, como nas doutrinas apocalípticas posteriores e no cristianismo tradicional --, mas em todos os casos o tempo dirige, cria algo novo, uma “nova criatura”, como chama Paulo.
O trágico círculo do espaço foi superado. A história tem um princípio e um fim definidos.
No profetismo, a história é história universal. Negam-se as limitações espaciais, as fronteiras entre as nações. Para Abraão todas as nações serão benditas, todas poderão adorar a Deus no monte Sião, o sofrimento da nação escolhida tem o poder de salvar todas as demais. O milagre do Pentecostes supera as diferenças do idioma.
Em Cristo salva-se e une-se o cosmo, o universo. Em sua tentativa de criar uma consciência humana indivisa, as missões têm um caráter universal. O tempo alcança plenitude na história e a história a alcança no reino universal de Deus, o reinado da justiça e da paz.
Isso nos leva ao ponto decisivo da luta entre o tempo e o espaço. O monoteísmo profético é o monoteísmo da justiça. Os deuses do espaço suprimem, necessariamente, a justiça. O direito ilimitado de todo deus espacial choca inevitavelmente com o direito ilimitado de outro deus espacial. A vontade poder de um dos grupos não pode fazer justiça ao outro. Isso é válido para os grupos poderosos que operam dentro da nação e para as próprias nações.
O politeísmo, a religião do espaço, é forçosamente injusto. O direito ilimitado de todo deus do espaço anula o universalismo implícito na idéia de justiça.
Este é o único significado do monoteísmo profético. Deus é um porque a justiça é uma. A ameaça profética que pende sobre o povo eleito, de ser rechaçado por Deus, por causa da injustiça, é a verdadeira vitória sobre os deuses do espaço.
A interpretação da história que nos dá o dêutero-Isaías, segundo o qual Deus chama os demais povos para castigar o povo por Ele escolhido, devido à sua injustiça, confere a Deus um caráter universal.
A tragédia e a injustiça são próprias dos deuses do espaço; a realização histórica e a justiça o são de Deus que atua no tempo, e por seu intermédio, unindo no amor o vasto espaço de seu universo.
Entre a heteronomia e a autonomia
Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, Entre a heteronomia e a autonomia, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 239-240.
Todo sistema político requer autoridade, não só no sentido de possuir instrumentos de força, mais também em termos de consentimento mudo ou manifesto das pessoas. Tal consentimento só é possível se o grupo que está no poder representa uma idéia poderosa, que goze de significado para todos.
Existe, pois, na esfera política uma relação entre a autoridade e a autonomia, relação que em meu ensaio Der Start als erwartung und aufgabe (O Estado como promessa e como tarefa) caracterizei como segue:
“Toda estrutura política pressupõe poder e, conseqüentemente, um grupo que o assume. Posto que um grupo de poder é também um conglomerado de interesses opostos a outras unidades de interesses, sempre necessita uma correção. A democracia está justificada e é necessária na medida em que é um sistema que incorpora correções contra o uso errôneo da autoridade política. (...) Os sistemas ditatoriais carecem de correções contra o abuso da autoridade por parte do grupo de poder. O resultado é a escravidão da nação inteira e a corrupção da classe dirigente”.
O conflito de Lutero com os evangélicos radicais
Paul Tillich, História do pensamento cristão, O conflito de Lutero com os evangélicos radicais, São Paulo, ASTE, 2000, p. 238.
Em primeiro lugar, (os evangélicos radicais) atacavam a doutrina de Lutero a respeito da Escritura. Deus não falara apenas no passado, tornando-se mudo no presente. Sempre falou; fala nos corações ou nas profundezas de qualquer ser humano preparado para ouvi-lo por meio de sua própria cruz. O Espírito habita nas profundezas do coração, não o nosso, naturalmente, mas o de Deus. Thomas Münstzer, o mais criativo dos evangélicos radicais, acreditava que o Espírito podia sempre falar por meio dos indivíduos. No entanto, para se receber o Espírito era preciso participar da cruz.
“Lutero, dizia ele, prega um Cristo doce, um Cristo do perdão. Devemos também pregar o Cristo amargo, o Cristo que nos chama a carregar sua cruz.”
A cruz, diríamos, representava a situação limite. Era externa e interna. Surpreendentemente, Münstzer expressa esta idéia em termos existencialistas modernos. Quando percebemos a finidade humana, desgostamo-nos com a totalidade do mundo. E nos tornamos pobres de espírito. O homem é tomado pela ansiedade de sua existência de criatura e descobre que a coragem é impossível. Nesse momento Deus se manifesta e ele é transformado. Quando isso acontece, o homem pode receber revelações especiais. Pode ter visões pessoais não apenas a respeito de teologia como um todo, mas sobre assuntos de vida diária.
Entre o luteranismo e o socialismo
Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, Entre o luteranismo e o socialismo, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 259-263.
É relativamente simples chegar ao socialismo quando se parte do calvinismo, em especial em suas formas mais secularizadas da última época; o caminho está muito mais cheio de obstáculos quando passa pelo luteranismo.
Sou luterano de berço, educação, experiência religiosa e reflexão teológica. Nunca me situei no limite entre o luteranismo e o calvinismo, nem sequer depois de experimentar as desastrosas conseqüências da ética social luterana e de reconhecer o inestimável valor da idéia calvinista do Reino de Deus para a solução dos problemas sociais.
A essência de minha religião continua sendo luterana. Ela abarca uma consciência de corrupção do existir, o repúdio de todo tipo de Utopia social (incluindo a metafísica do progressismo), o percatamiento da natureza irracional e demoníaca da existência, o reconhecimento do elemento místico na religião, e o rechaço do legalismo puritano na vida privada e corporal.
Também meu pensamento filosófico expressa esse conteúdo singular. Até agora, só Jacob Bohéme, porta-voz filosófico do misticismo alemão, tentou uma elaboração especificamente filosófica do luteranismo. Através dele o misticismo luterano influenciou Schelling e o idealismo alemão, e através de Schelling, por sua vez, os filósofos irracionalistas e vitalistas que emergiram nos séculos XIX e XX.
Na medida em que grande parte da ideologia anti-socialista se baseou sobre estes últimos, o luteranismo atuou indiretamente através da filosofia e também diretamente como forma de controle sobre o socialismo.
A visão marxista da situação humana (alienação)
Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, A visão marxista da situação humana (alienação), São Paulo, ASTE, 1999, p. 194.
A descrição de Marx da sociedade moderna é muito importante. Se nós, na qualidade de teólogos, falamos de pecado original, por exemplo, sem perceber os problemas da alienação na situação social, não poderemos nos dirigir ao povo em sua situação real no cotidiano.
Segundo Marx, a alienação significa a desumanização presente na situação social. Ao falar da humanidade no futuro, fala de verdadeiro humanismo. Aguarda uma situação em que o verdadeiro humanismo não seja fruição de apenas alguns privilegiados; nem é o humanismo a posse de certos bens culturais. Busca o restabelecimento da verdadeira humanidade, capaz de substituir a desumanização da sociedade alienada.
O principal nessa idéia de desumanização é que o homem se transformou num dente da engrenagem no processo de produção e do consumo. No processo da produção o trabalhador individual se transformou numa coisa, num instrumento, ou numa mercadoria comprada e vendida no mercado. O indivíduo tem que se vender para sobreviver.
Suas descrições supõem que o homem seja essencialmente pessoa e não objeto. O homem é fim e alvo supremo e não mero instrumento. Não é uma mercadoria, mas o telos interior de tudo que faz. É o significado e o alvo interior.
A descrição de Marx da desumanização ou da forma particular de alienação existente na sociedade capitalista contradiz completamente sua herança clássica humanista. Não podia haver reconciliação.
Na realidade social existe apenas desumanização e alienação. Vinha daí o poder para a mudança da situação. Quando Marx, em seu Manifesto Comunista, se referia à libertação das massas de suas cadeias, essas cadeias eram os poderes desumanizadores produzidos pelas condições de trabalho da sociedade capitalista. Conseqüentemente, perdia-se o caráter essencial do homem nesse tipo de sociedade. O homem deformava-se nos dois lados do conflito pelas condições da existência. Só voltaremos, a saber, o que o homem realmente é quando essas condições forem superadas.
A teologia cristã afirma que podemos saber o que é essencialmente o homem, porque o homem essencial já apareceu nas condições da existência no Cristo.
A alienação não se refere apenas às relações humanas, caracterizadas pela separação entre as classes, mas também à relação do homem coma natureza. Retira-se do homem o Eros. A natureza passa a ser apenas matéria de onde se fazem instrumentos, para a manufatura dos bens de consumo.
A natureza deixa de ser um sujeito com o qual nós, também sujeitos, podemos nos unir em termos de Eros, daquele amor que vê na natureza o poder interior do ser, o fundamento do ser criativamente ativo por meio da natureza. Na sociedade industrial transformamos a natureza na matéria de onde fazemos as coisas para comprar e vender.
Prof. Dr. Jorge Pinheiro
Nossa abordagem visa procurar inspiração e não tomar as idéias e argumentos de Paul Tillich como cânon. Entendemos que seus escritos foram elaborados sob condições especiais e refletem conjunturas e realidades peculiares à modernidade do século XX e por isso nos servem de roteiro para reflexão e não como palavra revelada.
Herdeiro do pensamento alemão do século XIX, Paul Tillich é devedor do idealismo alemão, em especial de Hegel e Schelling, mas é a partir de 1919, na Alemanha destruída pela I Guerra Mundial que começa a trabalhar sobre a idéia de uma teologia da cultura.
Para Tillich, cultura tem uma leitura diferente daquela que terá para a antropologia da segunda metade do século XIX, que inclui a produção humana em toda a sua riqueza e diversidade. Para ele, cultura é a produção da intelectualidade ilustrada européia.
E por baixo das manifestações culturais específicas se faz presente a religião. Assim, para Tillich, a religião expressa o Incondicionado, dando margem a manifestações especiais, que se apresentam enquanto cultura. Daí seu interesse em manter um permanente diálogo com artistas, escritores e com o mundo social-democrata da época.
Dessa maneira, durante toda sua vida Tillich será um teólogo da cultura e um filósofo da religião.
1.BREVE RESUMO HISTÓRICO
Paul Tillich nasceu na Prússia, na aldeia de Starzeddel, província de Brandeburgo, em1986, filho de pastor luterano. Morreu em 1965 nos Estados Unidos.
1910 -- Graduou-se doutor em Filosofia, em Breslau.
1912 – Licenciou-se em Teologia (Halle) e tornou-se capelão militar. Burguês liberal e idealista, nessa época, chegou à conclusão que as classes pobres eram exploradas pela aristocracia fundiária, pelo Exército, pela Igreja e pelo Estado.
1915 – A grande transformação
“A transformação ocorreu durante a batalha de Champagne, em 1915. Houve um ataque noturno. Durante toda a noite, não fiz outra coisa senão andar entre feridos e moribundos. Muitos deles eram meus amigos íntimos. Durante toda aquela longa e terrível noite, caminhei entre filas de gente que morria. Naquela noite, grande parte da minha filosofia clássica ruiu em pedaços; a convicção de que o homem fosse capaz de apossar-se da essência do seu ser, a doutrina da identidade entre essência e existência... Lembro-me que sentava entre as árvores das florestas francesas e lia Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche, como faziam muitos outros soldados alemães, em contínuo estado de exaltação. Tratava-se da liberação definitiva da heteronomia. O niilismo europeu desfraldava o dito profético de Nietzsche, ‘Deus está morto’. Pois bem, o conceito tradicional de Deus estava mesmo morto”. Revista Time, 6/5/59, p. 47.
Para Tillich era preciso abandonar aquele Deus concebido pela teologia do século 19 e fazer o cristianismo responder aos problemas e às exigências contemporâneas.
1920 – Escreve Cristianismo e Socialismo.
Funda, então, na Alemanha, após a Primeira Grande Guerra, um movimento chamado Socialismo Religioso, que tinha por base a afirmação de que “sem fundamento religioso nenhuma sociedade pode salvar-se da destruição”. Apesar de seus esforços a classe operária alemã não adere ao movimento, como Tillich pretendia. O movimento fracassa.
1925 – Começa a escrever sua Teologia Sistemática, cujo primeiro volume só será publicado em 1952.
1933 – Escreve A Decisão Socialista, que é apreendida pela polícia nazista, levando-o a migrar para os Estados Unidos, nesse mesmo ano. Nos EUA, leciona primeiro no Union Theological Seminary, depois, já aposentado na Universidade de Harvard e no final de sua vida no Divinity School de Chicago, onde morre em 1965.
Paul Tillich sofreu influência da teologia dialética de Barth (mais tarde se tornarão adversários declarados) e do existencialismo de Heidegger. Mas, na verdade, sua reflexão terá dois direcionamentos: busca redefinir o conceito de religião (Filosofia da Religião, 1925) e mostrar a interdependência entre religião e cultura (Teologia da Cultura, 1959). Sua Teologia Sistemática está umbilicalmente ligada a essa preocupação.
“Caso perguntasse a uma pessoa que tivesse ficado impressionada com os mosaicos de Ravena ou com as pinturas da cúpula da Capela Sistina ou com os retratos do último Rembrandt, se sua experiência teria sido religiosa ou cultural, ela acharia difícil responder a tal pergunta. Poderia ser correto dizer que essa experiência é cultural na forma e religiosa na substância. É cultural porque não está vinculada a um ato ritual específico, mas é religiosa porque toca o problema do Absoluto e os limites da existência humana” [Sulla linea di confine, p.77].
2. TEOLOGIA
É considerado o maior pensador sistemático do século 20. Sua teologia pode ser situada como um meio caminho entre a teologia liberal e a neo-ortodoxia.
Harnack (razão)versus Barth (fideísmo).
Tillich – princípio da correlação.
Seu princípio hermenêutico é o princípio da correlação.
Princípio da Correlação
Os elementos relacionados só podem existir juntos. É impossível que um aniquile a existência do outro. Com o princípio da correlação a reflexão teológica desenvolve-se entre dois pólos: a verdade da mensagem cristã e a interpretação dessa verdade, que deve levar em conta a situação em que se encontra o destinatário da mensagem. E situação não diz respeito ao estado psicológico ou sociológico do destinatário, mas “as formas científicas e artísticas, econômicas, políticas e éticas, nas quais [os indivíduos e grupos] exprimem as suas interpretações da existência”.
Exemplos
O eu não pode existir sem o mundo, nem o mundo sem o eu.
A fé não pode existir sem a dúvida, nem a dúvida sem a fé.
Outros pensadores, como Platão, Aristóteles e Tomás de Aquino utilizaram o princípio da correlação, mas Tillich o transformou em princípio hermenêutico por excelência.
Para Tillich o fazer teologia deve partir de uma correlação epistemológica, que ele divide em três momentos: Razão/Revelação; Razão/fé; Filosofia/Teologia.
Sua Teologia Sistemática divide-se em cinco grandes blocos
Razão e Revelação. “A razão não resiste à revelação. Ela pergunta pela revelação. Pois revelação significa a reintegração da razão” [Teologia Sistemática, Sinodal, 1984, p. 85].
O Ser e Deus. “É a finitude do ser que conduz à questão de Deus”. (Idem, p. 143).
A Existência e o Cristo. “... o termo ‘Novo Ser’, quando aplicado a Jesus como o Cristo, indica o poder que nele vence a alienação existencial ou, expresso em forma negativa, o poder de resistir às forças da alienação. Experimentar o Novo Ser em Jesus como o Cristo significa experimentar o poder que nele venceu a alienação existencial em si mesmo e em todos aqueles que têm parte com ele”. [Systematic Theology II, p. 125].
A Vida e o Espírito.
A História e o Reino de Deus.
3. TEXTOS PARA SE ENTENDER TILLICH
A dimensão religiosa na vida espiritual do homem
Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, A dimensão religiosa na vida espiritual do homem, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 16-17. (Este texto foi publicado originalmente em Man’s right to knowledge, Columbia University Press, 1954).
Em tais circunstâncias, desprovida de um lar, de um lugar onde estabelecer sua morada, a religião descobre logo que não é necessária tal morada, que não necessita procurar um lar. Seu lar está em todas partes, quer dizer, na profundeza de todas as funções da vida espiritual do homem.
A religião é a dimensão da profundidade em todas elas, é o espectro da profundidade na totalidade do espírito humano.
O que significa a metáfora profundidade? Significa que o aspecto religioso aponta em direção àquilo que, na vida espiritual do homem, é último, infinito e incondicional. No sentido mais amplo e fundamental do termo, religião é preocupação última. E a preocupação última se manifesta em absolutamente todas as funções criativas do espírito humano.
Manifesta-se na esfera moral com a seriedade incondicional do imperativo moral; donde, quando alguém rechaça a religião em nome da função moral do espírito humano, rechaça a religião em nome da própria religião.
Manifesta-se no reino do conhecimento como a busca apaixonada de uma realidade última; por isso, quando alguém rechaça a religião em nome da função cognitiva do espírito humano, rechaça a religião em nome da própria religião.
Manifesta-se na função estética do espírito humano como o anelo infinito de expressar um significado último; donde, quando alguém rechaça a religião em nome da função estética do espírito humano, rechaça a religião em nome da própria religião.
A religião constitui a substância, o fundamento e a profundidade da vida espiritual do homem. Eis o aspecto religioso do espírito humano.
Kairós
Paul Tillich, História do pensamento cristão, Kairós, São Paulo, ASTE, 2000, p. 24.
Segundo o apóstolo Paulo sem sempre existe a possibilidade de acontecer o que, por exemplo, aconteceu no aparecimento de Jesus, o Cristo. A vinda de Jesus se deu num momento especial da história em que tudo estava preparado. Vamos discutir agora essa “preparação”. Paulo fala de kairós, para descrever o sentimento de que o tempo estava pronto, maduro, ou preparado.
Esta palavra grega exemplifica a riqueza da língua grega em comparação com as línguas modernas. Só temos um vocábulo para “tempo”. Os gregos têm dois, chronos e kairos. Chronos é o tempo do relógio, que se pode medir, como aparece em palavras como cronologia e cronômetro.
Kairós não tem nada a ver com esse tempo quantitativo do relógio, mas se refere ao tempo qualitativo da ocasião, o tempo certo. Algumas histórias do Evangelho falam desse tempo. Determinados fatos acontecem quando o tempo certo, o kairós, chega.
Quando se fala em kairós se quer indicar que alguma coisa aconteceu tornando possíveis ou impossíveis certas ações. Todos nós experimentamos momentos em nossas vidas quando sentimos que agora é o tempo certo para agirmos, que já estamos suficientemente maduros, que podemos tomar decisões. Trata-se do kairós.
Foi nesse sentido que Paulo e a igreja primitiva falaram de kairós, o tempo certo para a vinda de Cristo. A igreja primitiva e Paulo até certo ponto tentaram mostrar por que esse tempo era o tempo certo, e de que maneira o seu aparecimento tinha sido possibilitado por uma constelação providencial de fatores.
A luta entre o tempo e o espaço
Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, A luta entre o tempo e o espaço, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 40-42.
O Deus do tempo é o Deus da história. Isso significa em primeiro lugar, que é o Deus que atua na história com destino a uma meta final. A história segue uma direção, algo novo há de criar-se nela e por intermédio dela.
Essa meta designa-se de várias maneiras: bem-aventurança universal, vitória sobre os poderes demoníacos representados pelas nações imperialistas, chegada do Reino de Deus na história e, mais além da história, transformação da forma do mundo, etc.
Os símbolos são muitos – alguns mais imanentes, como no profetismo antigo e no moderno protestantismo, outros mais transcendentes, como nas doutrinas apocalípticas posteriores e no cristianismo tradicional --, mas em todos os casos o tempo dirige, cria algo novo, uma “nova criatura”, como chama Paulo.
O trágico círculo do espaço foi superado. A história tem um princípio e um fim definidos.
No profetismo, a história é história universal. Negam-se as limitações espaciais, as fronteiras entre as nações. Para Abraão todas as nações serão benditas, todas poderão adorar a Deus no monte Sião, o sofrimento da nação escolhida tem o poder de salvar todas as demais. O milagre do Pentecostes supera as diferenças do idioma.
Em Cristo salva-se e une-se o cosmo, o universo. Em sua tentativa de criar uma consciência humana indivisa, as missões têm um caráter universal. O tempo alcança plenitude na história e a história a alcança no reino universal de Deus, o reinado da justiça e da paz.
Isso nos leva ao ponto decisivo da luta entre o tempo e o espaço. O monoteísmo profético é o monoteísmo da justiça. Os deuses do espaço suprimem, necessariamente, a justiça. O direito ilimitado de todo deus espacial choca inevitavelmente com o direito ilimitado de outro deus espacial. A vontade poder de um dos grupos não pode fazer justiça ao outro. Isso é válido para os grupos poderosos que operam dentro da nação e para as próprias nações.
O politeísmo, a religião do espaço, é forçosamente injusto. O direito ilimitado de todo deus do espaço anula o universalismo implícito na idéia de justiça.
Este é o único significado do monoteísmo profético. Deus é um porque a justiça é uma. A ameaça profética que pende sobre o povo eleito, de ser rechaçado por Deus, por causa da injustiça, é a verdadeira vitória sobre os deuses do espaço.
A interpretação da história que nos dá o dêutero-Isaías, segundo o qual Deus chama os demais povos para castigar o povo por Ele escolhido, devido à sua injustiça, confere a Deus um caráter universal.
A tragédia e a injustiça são próprias dos deuses do espaço; a realização histórica e a justiça o são de Deus que atua no tempo, e por seu intermédio, unindo no amor o vasto espaço de seu universo.
Entre a heteronomia e a autonomia
Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, Entre a heteronomia e a autonomia, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 239-240.
Todo sistema político requer autoridade, não só no sentido de possuir instrumentos de força, mais também em termos de consentimento mudo ou manifesto das pessoas. Tal consentimento só é possível se o grupo que está no poder representa uma idéia poderosa, que goze de significado para todos.
Existe, pois, na esfera política uma relação entre a autoridade e a autonomia, relação que em meu ensaio Der Start als erwartung und aufgabe (O Estado como promessa e como tarefa) caracterizei como segue:
“Toda estrutura política pressupõe poder e, conseqüentemente, um grupo que o assume. Posto que um grupo de poder é também um conglomerado de interesses opostos a outras unidades de interesses, sempre necessita uma correção. A democracia está justificada e é necessária na medida em que é um sistema que incorpora correções contra o uso errôneo da autoridade política. (...) Os sistemas ditatoriais carecem de correções contra o abuso da autoridade por parte do grupo de poder. O resultado é a escravidão da nação inteira e a corrupção da classe dirigente”.
O conflito de Lutero com os evangélicos radicais
Paul Tillich, História do pensamento cristão, O conflito de Lutero com os evangélicos radicais, São Paulo, ASTE, 2000, p. 238.
Em primeiro lugar, (os evangélicos radicais) atacavam a doutrina de Lutero a respeito da Escritura. Deus não falara apenas no passado, tornando-se mudo no presente. Sempre falou; fala nos corações ou nas profundezas de qualquer ser humano preparado para ouvi-lo por meio de sua própria cruz. O Espírito habita nas profundezas do coração, não o nosso, naturalmente, mas o de Deus. Thomas Münstzer, o mais criativo dos evangélicos radicais, acreditava que o Espírito podia sempre falar por meio dos indivíduos. No entanto, para se receber o Espírito era preciso participar da cruz.
“Lutero, dizia ele, prega um Cristo doce, um Cristo do perdão. Devemos também pregar o Cristo amargo, o Cristo que nos chama a carregar sua cruz.”
A cruz, diríamos, representava a situação limite. Era externa e interna. Surpreendentemente, Münstzer expressa esta idéia em termos existencialistas modernos. Quando percebemos a finidade humana, desgostamo-nos com a totalidade do mundo. E nos tornamos pobres de espírito. O homem é tomado pela ansiedade de sua existência de criatura e descobre que a coragem é impossível. Nesse momento Deus se manifesta e ele é transformado. Quando isso acontece, o homem pode receber revelações especiais. Pode ter visões pessoais não apenas a respeito de teologia como um todo, mas sobre assuntos de vida diária.
Entre o luteranismo e o socialismo
Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, Entre o luteranismo e o socialismo, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 259-263.
É relativamente simples chegar ao socialismo quando se parte do calvinismo, em especial em suas formas mais secularizadas da última época; o caminho está muito mais cheio de obstáculos quando passa pelo luteranismo.
Sou luterano de berço, educação, experiência religiosa e reflexão teológica. Nunca me situei no limite entre o luteranismo e o calvinismo, nem sequer depois de experimentar as desastrosas conseqüências da ética social luterana e de reconhecer o inestimável valor da idéia calvinista do Reino de Deus para a solução dos problemas sociais.
A essência de minha religião continua sendo luterana. Ela abarca uma consciência de corrupção do existir, o repúdio de todo tipo de Utopia social (incluindo a metafísica do progressismo), o percatamiento da natureza irracional e demoníaca da existência, o reconhecimento do elemento místico na religião, e o rechaço do legalismo puritano na vida privada e corporal.
Também meu pensamento filosófico expressa esse conteúdo singular. Até agora, só Jacob Bohéme, porta-voz filosófico do misticismo alemão, tentou uma elaboração especificamente filosófica do luteranismo. Através dele o misticismo luterano influenciou Schelling e o idealismo alemão, e através de Schelling, por sua vez, os filósofos irracionalistas e vitalistas que emergiram nos séculos XIX e XX.
Na medida em que grande parte da ideologia anti-socialista se baseou sobre estes últimos, o luteranismo atuou indiretamente através da filosofia e também diretamente como forma de controle sobre o socialismo.
A visão marxista da situação humana (alienação)
Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, A visão marxista da situação humana (alienação), São Paulo, ASTE, 1999, p. 194.
A descrição de Marx da sociedade moderna é muito importante. Se nós, na qualidade de teólogos, falamos de pecado original, por exemplo, sem perceber os problemas da alienação na situação social, não poderemos nos dirigir ao povo em sua situação real no cotidiano.
Segundo Marx, a alienação significa a desumanização presente na situação social. Ao falar da humanidade no futuro, fala de verdadeiro humanismo. Aguarda uma situação em que o verdadeiro humanismo não seja fruição de apenas alguns privilegiados; nem é o humanismo a posse de certos bens culturais. Busca o restabelecimento da verdadeira humanidade, capaz de substituir a desumanização da sociedade alienada.
O principal nessa idéia de desumanização é que o homem se transformou num dente da engrenagem no processo de produção e do consumo. No processo da produção o trabalhador individual se transformou numa coisa, num instrumento, ou numa mercadoria comprada e vendida no mercado. O indivíduo tem que se vender para sobreviver.
Suas descrições supõem que o homem seja essencialmente pessoa e não objeto. O homem é fim e alvo supremo e não mero instrumento. Não é uma mercadoria, mas o telos interior de tudo que faz. É o significado e o alvo interior.
A descrição de Marx da desumanização ou da forma particular de alienação existente na sociedade capitalista contradiz completamente sua herança clássica humanista. Não podia haver reconciliação.
Na realidade social existe apenas desumanização e alienação. Vinha daí o poder para a mudança da situação. Quando Marx, em seu Manifesto Comunista, se referia à libertação das massas de suas cadeias, essas cadeias eram os poderes desumanizadores produzidos pelas condições de trabalho da sociedade capitalista. Conseqüentemente, perdia-se o caráter essencial do homem nesse tipo de sociedade. O homem deformava-se nos dois lados do conflito pelas condições da existência. Só voltaremos, a saber, o que o homem realmente é quando essas condições forem superadas.
A teologia cristã afirma que podemos saber o que é essencialmente o homem, porque o homem essencial já apareceu nas condições da existência no Cristo.
A alienação não se refere apenas às relações humanas, caracterizadas pela separação entre as classes, mas também à relação do homem coma natureza. Retira-se do homem o Eros. A natureza passa a ser apenas matéria de onde se fazem instrumentos, para a manufatura dos bens de consumo.
A natureza deixa de ser um sujeito com o qual nós, também sujeitos, podemos nos unir em termos de Eros, daquele amor que vê na natureza o poder interior do ser, o fundamento do ser criativamente ativo por meio da natureza. Na sociedade industrial transformamos a natureza na matéria de onde fazemos as coisas para comprar e vender.
Prof. Dr. Jorge Pinheiro
mercredi 29 août 2007
A Teologia do Diálogo de Deus: roteiro de estudo
“O homem deve tomar a melhor e a mais incontestável das teorias humanas e usá-las como a jangada sobre a qual ele possa navegar, ainda que não sem risco, se é que ele não pode achar alguma palavra de Deus que possa conduzi-lo com mais certeza e segurança”. Platão, Phaedo, 85b.
“A Palavra é um leão. Deixe-a solta!” Martin Lutero.
1.
O DIÁLOGO DE DEUS é o ato da conversa iniciada por Deus com o ser humano. É Deus se comunicando e ouvindo o ser humano, é a resposta do ser humano, em obediência, à palavra de Deus para sua vida. O diálogo de Deus apresenta-se como geral e particular.
Diálogo de Deus em sua universalidade é a automanifestação de Deus a todos os seres humanos, em todos os lugares e em todos os tempos: é a natureza (Sl 19.1-6; Rm 1.19-20), a providência (Mt 5.45; At 17.24-28; Rm 8.28), a preservação do universo (Cl 1.17), a personalidade humana e a consciência moral (Gn 1.26; Rm 1.32-2.16).
Diálogo de Deus em sua particularidade é a automanifestação de Deus para certas pessoas, em tempos e lugares definidos, a fim de que tais pessoas entrem num relacionamento de intimidade com ele. A Palavra registrada nas Escrituras e o Logos encarnado são dois momentos do diálogo especial de Deus com o ser humano.
Assim, para santo Agostinho, são Tomás de Aquino, Lutero e Calvino, teologicamente, o diálogo de Deus é ensino proposicional; para Pannenberg e Moltmann é a própria História; para Schleiermacher, Ritschl, Theilhard de Chardin é uma experiência interna; para Barth e Bultmann é encontro um existencial; e para Karl Rahner e Leonardo Boff é uma nova consciência.
Na Modernidade, o racionalismo definiu como critério de verdade a lógica dedutiva, em especial a matemática. Spinoza, assim como Descartes, Leibniz e Kant descartaram a possibilidade do um diálogo especial de Deus com os seres humanos, quer através das Escrituras, quer através da fidelidade da Palavra. Esses filósofos abriram o caminho para o deísmo, mas foram muito importantes na elaboração da metodologia científica da Modernidade. Na seqüência, Hume e dos deístas ingleses aprofundaram o racionalismo e descartaram a possibilidade dos milagres. Já a teologia protestante do século dezenove procurou relacionar diálogo de Deus, cultura e a leituras das ciências modernas, em especial a História.
DIÁLOGO DE DEUS E CONHECIMENTO
Muita gente considera o conhecimento como algo meramente racional. Teologicamente, conhecimento é fé (Hb 11.1), assim quem considera o conhecimento de Deus como processo puramente racional, também vê a fé como puramente racional. Exclui a vontade, o afeto, a personalidade, a ação humana, as obras e as experiências de sua compreensão de fé.
Tal abordagem nos leva a três perguntas
1. Qual é a natureza da fé?
2. A fé vem antes ou depois do arrependimento?
3. A fé vem antes ou depois da regeneração?
Respondendo ao primeiro questionamento, consideramos que a fé depende de uma opção da pessoa e que é um estado do coração. Vejamos: tomando por base alguns textos (Rm 10.9-10; 1 Jo 5.1; Jo 5. 38-40, 42, 44; 2 Ts 2.10; At 8. 37) podemos dizer que a fé (1) é um dever e, portanto, a vontade está incluída; (2) é uma graça entregue pelo Espírito Santo (1 Co 13), e sendo graça não está limitada ao intelecto; (3) dá glória a Deus e não se dá glória a Deus só com a razão, pois envolve toda a personalidade humana; (4) expressa-se em termos de afeto (2Ts 2.10). Ora, receber inclui afeto, implica assim em engajamento de afetividades (Rm 10.9-10); (5) a falta de fé está ligada a uma disposição moral (Jo5; Jo 8.33+; Hb 3; Ef 4.17). A incredulidade é um estado do coração, não é um erro de abordagem meramente racional.
Em relação à segunda questão, consideramos que se não houver arrependimento não há fé verdadeira. João, pregava o banho do arrependimento. Ver o chamado de Jesus (Mc 1.15; Lc 24) e a experiência da jovem igreja cristã em At 2.37-38; 3.19; 5.31; 20 e 26.18.
Quanto ao terceiro questionamento consideramos que sem regeneração não há fé. Ver: 1Co 2.10-16, 1Co 12.3; a experiência de Nicodemos (Jo 3), e a firmação de Paulo (Rm 8.7).
Assim, a compreensão da fé e da realidade do diálogo de Deus com opção do coração, arrependimento e regeneração elimina idéia de que podemos conhecer exclusivamente através de processos racionais. Por isso, dizemos que o processo do diálogo de Deus está ligado à obediência que, em última instância, é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana, arrependimento e regeneração de vida.
2. O registro do diálogo de Deus é a capacitação divina para que pessoas registrassem os diferentes momentos de sua conversa com os seres humanos. É uma capacitação (Pv 30.5,6; Mt 15.4; At 28.25; Hb 3.7) de pessoas (Lc 1.1-4; 1Co 7.25,26; 2Tm 4.9-13), que ouvem ou sensibilizam de diferentes maneiras o oráculo divino (Ex 17.14; Jr. 30.2; Mt 24.35; Ap 22.6,7, 18, 19).
Nesse sentido, o diálogo especial de Deus abrange toda a Escritura (2 Tm 3.16), e Deus é a fonte do processo (2 Tm 3.16), ou como afirma Pedro: “nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo”. 2Pe 1.19-21. E os apóstolos deram testemunho disso: 1Co 14.37; 1Ts 4.2; 2Pe 3.2; Ap 22.6-10, 18-20.
Para discutir: 1Co 7. 6, 10, 12, 25 e 40 apresentam opiniões pessoais de Paulo. Como você explica?
3. As Escrituras são fiéis e verdadeiras
A doutrina que apresenta as Escrituras como fiéis e verdadeiras foi reconhecida pelos pais da Igreja e pelos mais importantes teólogos da cristandade.
Santo Anselmo disse: “Além disso, este próprio Deus-homem estabeleceu o Novo Testamento e confirmou o Antigo. Por isso, assim como é necessário afirmar que Ele mesmo era verdadeiro, também ninguém pode negar a verdade de qualquer coisa incluída nestes Testamentos”. (Anselmo, Cur Deus Homo, bk2, ch22).
Santo Agostinho: “As conseqüências mais calamitosas devem seguir o acreditar que qualquer coisa falsa é achada nos livros sagrados, isto quer dizer, que os homens através de quem a Escritura foi dada em forma escrita colocaram nestes livros qualquer coisa falsa. Se, uma vez, tu permites nesse templo alto da autoridade uma declaração falsa, nenhuma sentença será deixada nesses livros”. (Epistulae, ep.28).
São Tomás de Aquino: “As Sagradas Escrituras, porém, devem manifestar a verdade de modo eficaz, sem erro de qualquer espécie”. (Suma Teológica, 1.1.10 ad. 1).
Martinho Lutero: “Tenho aprendido a dar esta honra, isto é, infabilidade, somente aos livros que são chamados de Cânon, a fim de que eu creia com confiança que nenhum dos seus autores errou”. (em M. Reu, Luther and the Scriptures, p. 24).
John Wesley: “Pois, se houvesse qualquer erro na Bíblia, poderia haver mil. Se houver um engano nesse livro, ele não veio do Deus da Verdade”. (Journal, VI:117).
Vaticano I; “Devemos dizer desta revelação divina que estas verdades (...) não têm qualquer mistura de erro”. (Dogmatic decress of the Vatican Council, p. 137).
Acordo de evangélicos e católicos romanos (1986) – “Todos nós concordamos que o que os autores humanos escreveram é o que Deus queria que fosse revelado, portanto, a Escritura existe sem erro”. (A Near Miracle, Time, 127:5, [fev.6, 1986]:42).
A evidência de veracidade e fidelidade
1. A natureza de Deus: Jo 17.3; Tg 1.17; Rm 3.4
2. O testemunho do texto: Mt 5.17,18 (cf. 24.25).
3. O testemunho do uso do texto: Mt 22.29-32 (Ex 3.36).
Não temos nenhum manuscrito original das Escrituras, mas, o que importa é o códice. Uma cópia perfeita tem o mesmo valor do original. A Bíblia fala de e usa cópias anteriores (Dt 10.2,4; 17.18; Jr 36.8; etc.). Os autores do NT não tinham os originais do AT, mas o próprio Jesus destacou a validade do códice do AT (Jo 10.35).
Atualmente, há mais de 5.000 manuscritos do NT, com 350 códices (Sinaiticus, Vaticanus, Alexandrinus), e 2.000 lecionários com mais de 86 mil citações bíblicas. O códice original não está perdido, está dentro dos manuscritos que temos.
Com respeito à fidelidade das Bíblias atuais, embora tenham algumas palavras discutíveis com respeito ao autógrafo original, são a palavra de Deus, inspirada, fiéis e verdadeiras.
Atenção, dificuldades não são erros!
1. Nem sempre as citações são exatas, às vezes são paráfrases.
2. Nem tudo que está escrito na Bíblia é aprovado pela Bíblia.
3. Um relatório parcial não é necessariamente um relatório falso.
4. Relatórios diferentes não são necessariamente contraditórios.
5. Palavras diferentes podem ter um significado igual e vice-versa.
6. Muitas vezes, a linguagem bíblica é fenomenológica (aparente).
7. Descrições inexatas não são necessariamente falsas.
8. Alguns problemas podem ser erros de copistas.
Um resumo em três versículos: Jo 17.3; 2Tm 3.16; Jo 17.17.
Se o diálogo de Deus é uma conversa entre Deus e o homem, é a partir desse diálogo que temos os elementos fundamentais para conhecer o ser humano. Nesse sentido, por mais decaído que esteja, ao ser humano ainda lhe resta a liberdade de consciência necessária para aceitar ou não esse diálogo proposto pelo Criador.
O pressuposto fundamental dessa reflexão é a imago Dei, que traduz a verdade de que a compreensão de Deus leva à compreensão do homem e sua razão de existir. Não se trata de conhecer o ser humano para conhecer a Deus, porque o ser humano não é Deus, mas o contrário.
A antropologia, enquanto instrumento hermenêutico, parte do diálogo de Deus. Não utilizamos o conceito tomista de analogia em seus dois sentidos, como se fosse possível ao ser humano conhecer a Deus a partir de si próprio, mas acreditamos que as necessidades e anseios do espírito humano apontam para aquilo que ele perdeu.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
1. Paul R. Sponheim, "O conhecimento de Deus", in Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, Dogmática Cristã, São Leopoldo, Sinodal, 1987, pp. 207-272.
2. Paul Tillich, Teologia Sistemática, São Paulo, Paulinas, 1984, pp. 67-137.
3. Jorge Pinheiro, História e religião de Israel, origens e crise do pensamento judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.
“A Palavra é um leão. Deixe-a solta!” Martin Lutero.
1.
O DIÁLOGO DE DEUS é o ato da conversa iniciada por Deus com o ser humano. É Deus se comunicando e ouvindo o ser humano, é a resposta do ser humano, em obediência, à palavra de Deus para sua vida. O diálogo de Deus apresenta-se como geral e particular.
Diálogo de Deus em sua universalidade é a automanifestação de Deus a todos os seres humanos, em todos os lugares e em todos os tempos: é a natureza (Sl 19.1-6; Rm 1.19-20), a providência (Mt 5.45; At 17.24-28; Rm 8.28), a preservação do universo (Cl 1.17), a personalidade humana e a consciência moral (Gn 1.26; Rm 1.32-2.16).
Diálogo de Deus em sua particularidade é a automanifestação de Deus para certas pessoas, em tempos e lugares definidos, a fim de que tais pessoas entrem num relacionamento de intimidade com ele. A Palavra registrada nas Escrituras e o Logos encarnado são dois momentos do diálogo especial de Deus com o ser humano.
Assim, para santo Agostinho, são Tomás de Aquino, Lutero e Calvino, teologicamente, o diálogo de Deus é ensino proposicional; para Pannenberg e Moltmann é a própria História; para Schleiermacher, Ritschl, Theilhard de Chardin é uma experiência interna; para Barth e Bultmann é encontro um existencial; e para Karl Rahner e Leonardo Boff é uma nova consciência.
Na Modernidade, o racionalismo definiu como critério de verdade a lógica dedutiva, em especial a matemática. Spinoza, assim como Descartes, Leibniz e Kant descartaram a possibilidade do um diálogo especial de Deus com os seres humanos, quer através das Escrituras, quer através da fidelidade da Palavra. Esses filósofos abriram o caminho para o deísmo, mas foram muito importantes na elaboração da metodologia científica da Modernidade. Na seqüência, Hume e dos deístas ingleses aprofundaram o racionalismo e descartaram a possibilidade dos milagres. Já a teologia protestante do século dezenove procurou relacionar diálogo de Deus, cultura e a leituras das ciências modernas, em especial a História.
DIÁLOGO DE DEUS E CONHECIMENTO
Muita gente considera o conhecimento como algo meramente racional. Teologicamente, conhecimento é fé (Hb 11.1), assim quem considera o conhecimento de Deus como processo puramente racional, também vê a fé como puramente racional. Exclui a vontade, o afeto, a personalidade, a ação humana, as obras e as experiências de sua compreensão de fé.
Tal abordagem nos leva a três perguntas
1. Qual é a natureza da fé?
2. A fé vem antes ou depois do arrependimento?
3. A fé vem antes ou depois da regeneração?
Respondendo ao primeiro questionamento, consideramos que a fé depende de uma opção da pessoa e que é um estado do coração. Vejamos: tomando por base alguns textos (Rm 10.9-10; 1 Jo 5.1; Jo 5. 38-40, 42, 44; 2 Ts 2.10; At 8. 37) podemos dizer que a fé (1) é um dever e, portanto, a vontade está incluída; (2) é uma graça entregue pelo Espírito Santo (1 Co 13), e sendo graça não está limitada ao intelecto; (3) dá glória a Deus e não se dá glória a Deus só com a razão, pois envolve toda a personalidade humana; (4) expressa-se em termos de afeto (2Ts 2.10). Ora, receber inclui afeto, implica assim em engajamento de afetividades (Rm 10.9-10); (5) a falta de fé está ligada a uma disposição moral (Jo5; Jo 8.33+; Hb 3; Ef 4.17). A incredulidade é um estado do coração, não é um erro de abordagem meramente racional.
Em relação à segunda questão, consideramos que se não houver arrependimento não há fé verdadeira. João, pregava o banho do arrependimento. Ver o chamado de Jesus (Mc 1.15; Lc 24) e a experiência da jovem igreja cristã em At 2.37-38; 3.19; 5.31; 20 e 26.18.
Quanto ao terceiro questionamento consideramos que sem regeneração não há fé. Ver: 1Co 2.10-16, 1Co 12.3; a experiência de Nicodemos (Jo 3), e a firmação de Paulo (Rm 8.7).
Assim, a compreensão da fé e da realidade do diálogo de Deus com opção do coração, arrependimento e regeneração elimina idéia de que podemos conhecer exclusivamente através de processos racionais. Por isso, dizemos que o processo do diálogo de Deus está ligado à obediência que, em última instância, é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana, arrependimento e regeneração de vida.
2. O registro do diálogo de Deus é a capacitação divina para que pessoas registrassem os diferentes momentos de sua conversa com os seres humanos. É uma capacitação (Pv 30.5,6; Mt 15.4; At 28.25; Hb 3.7) de pessoas (Lc 1.1-4; 1Co 7.25,26; 2Tm 4.9-13), que ouvem ou sensibilizam de diferentes maneiras o oráculo divino (Ex 17.14; Jr. 30.2; Mt 24.35; Ap 22.6,7, 18, 19).
Nesse sentido, o diálogo especial de Deus abrange toda a Escritura (2 Tm 3.16), e Deus é a fonte do processo (2 Tm 3.16), ou como afirma Pedro: “nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo”. 2Pe 1.19-21. E os apóstolos deram testemunho disso: 1Co 14.37; 1Ts 4.2; 2Pe 3.2; Ap 22.6-10, 18-20.
Para discutir: 1Co 7. 6, 10, 12, 25 e 40 apresentam opiniões pessoais de Paulo. Como você explica?
3. As Escrituras são fiéis e verdadeiras
A doutrina que apresenta as Escrituras como fiéis e verdadeiras foi reconhecida pelos pais da Igreja e pelos mais importantes teólogos da cristandade.
Santo Anselmo disse: “Além disso, este próprio Deus-homem estabeleceu o Novo Testamento e confirmou o Antigo. Por isso, assim como é necessário afirmar que Ele mesmo era verdadeiro, também ninguém pode negar a verdade de qualquer coisa incluída nestes Testamentos”. (Anselmo, Cur Deus Homo, bk2, ch22).
Santo Agostinho: “As conseqüências mais calamitosas devem seguir o acreditar que qualquer coisa falsa é achada nos livros sagrados, isto quer dizer, que os homens através de quem a Escritura foi dada em forma escrita colocaram nestes livros qualquer coisa falsa. Se, uma vez, tu permites nesse templo alto da autoridade uma declaração falsa, nenhuma sentença será deixada nesses livros”. (Epistulae, ep.28).
São Tomás de Aquino: “As Sagradas Escrituras, porém, devem manifestar a verdade de modo eficaz, sem erro de qualquer espécie”. (Suma Teológica, 1.1.10 ad. 1).
Martinho Lutero: “Tenho aprendido a dar esta honra, isto é, infabilidade, somente aos livros que são chamados de Cânon, a fim de que eu creia com confiança que nenhum dos seus autores errou”. (em M. Reu, Luther and the Scriptures, p. 24).
John Wesley: “Pois, se houvesse qualquer erro na Bíblia, poderia haver mil. Se houver um engano nesse livro, ele não veio do Deus da Verdade”. (Journal, VI:117).
Vaticano I; “Devemos dizer desta revelação divina que estas verdades (...) não têm qualquer mistura de erro”. (Dogmatic decress of the Vatican Council, p. 137).
Acordo de evangélicos e católicos romanos (1986) – “Todos nós concordamos que o que os autores humanos escreveram é o que Deus queria que fosse revelado, portanto, a Escritura existe sem erro”. (A Near Miracle, Time, 127:5, [fev.6, 1986]:42).
A evidência de veracidade e fidelidade
1. A natureza de Deus: Jo 17.3; Tg 1.17; Rm 3.4
2. O testemunho do texto: Mt 5.17,18 (cf. 24.25).
3. O testemunho do uso do texto: Mt 22.29-32 (Ex 3.36).
Não temos nenhum manuscrito original das Escrituras, mas, o que importa é o códice. Uma cópia perfeita tem o mesmo valor do original. A Bíblia fala de e usa cópias anteriores (Dt 10.2,4; 17.18; Jr 36.8; etc.). Os autores do NT não tinham os originais do AT, mas o próprio Jesus destacou a validade do códice do AT (Jo 10.35).
Atualmente, há mais de 5.000 manuscritos do NT, com 350 códices (Sinaiticus, Vaticanus, Alexandrinus), e 2.000 lecionários com mais de 86 mil citações bíblicas. O códice original não está perdido, está dentro dos manuscritos que temos.
Com respeito à fidelidade das Bíblias atuais, embora tenham algumas palavras discutíveis com respeito ao autógrafo original, são a palavra de Deus, inspirada, fiéis e verdadeiras.
Atenção, dificuldades não são erros!
1. Nem sempre as citações são exatas, às vezes são paráfrases.
2. Nem tudo que está escrito na Bíblia é aprovado pela Bíblia.
3. Um relatório parcial não é necessariamente um relatório falso.
4. Relatórios diferentes não são necessariamente contraditórios.
5. Palavras diferentes podem ter um significado igual e vice-versa.
6. Muitas vezes, a linguagem bíblica é fenomenológica (aparente).
7. Descrições inexatas não são necessariamente falsas.
8. Alguns problemas podem ser erros de copistas.
Um resumo em três versículos: Jo 17.3; 2Tm 3.16; Jo 17.17.
Se o diálogo de Deus é uma conversa entre Deus e o homem, é a partir desse diálogo que temos os elementos fundamentais para conhecer o ser humano. Nesse sentido, por mais decaído que esteja, ao ser humano ainda lhe resta a liberdade de consciência necessária para aceitar ou não esse diálogo proposto pelo Criador.
O pressuposto fundamental dessa reflexão é a imago Dei, que traduz a verdade de que a compreensão de Deus leva à compreensão do homem e sua razão de existir. Não se trata de conhecer o ser humano para conhecer a Deus, porque o ser humano não é Deus, mas o contrário.
A antropologia, enquanto instrumento hermenêutico, parte do diálogo de Deus. Não utilizamos o conceito tomista de analogia em seus dois sentidos, como se fosse possível ao ser humano conhecer a Deus a partir de si próprio, mas acreditamos que as necessidades e anseios do espírito humano apontam para aquilo que ele perdeu.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
1. Paul R. Sponheim, "O conhecimento de Deus", in Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, Dogmática Cristã, São Leopoldo, Sinodal, 1987, pp. 207-272.
2. Paul Tillich, Teologia Sistemática, São Paulo, Paulinas, 1984, pp. 67-137.
3. Jorge Pinheiro, História e religião de Israel, origens e crise do pensamento judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.
mardi 28 août 2007
Programa de Estudos da Realidade Brasleira
OBJETIVO
O estudo da Realidade Brasileira é essencial porque não se pode pensar hoje um cidadão brasileiro que não seja solicitado a refletir o momento político e social que o País vive. Isso significa que todos deveriam ter uma concepção da história de nossa formação enquanto povo e dos desafios a que somos chamados a responder. Tal concepção da multiculturalidade brasileira deve reforçar ou modificar maneiras de agir e pensar o tempo brasileiro. A história da formação e do sentido do Brasil permite reflexões para a superação da consciência ingênua e o desenvolvimento de uma consciência crítica, pela qual a experiência vivida é transformada em consciência compreendida da realidade brasileira.
ABORDAGEM
Optamos por uma abordagem temática dos assuntos, sem descuidar da referência necessária à história da formação e sentido do Brasil, que permita estabelecer o fio condutor da exposição dos temas. Isto porque fazer um estudo da história e formação do povo brasileiro implica em fazer antropologia do povo brasileiro e sociologia da cultura. Tais abordagens não podem ser encaradas como atividades solitárias, mas enquanto diálogo entre pensadores que expõem diferentes visões.
AVALIAÇÃO
Os alunos serão avaliados por sua participação em classe (peso 3), pelos seminários apresentados (peso 4) e por uma prova final (peso 3).
MATÉRIA
1. O processo civilizatório
Povos germinais / O barroco e o gótico / Atualização histórica
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, pp.64-80.
2. Gestação étnica
Os brasilíndios / os afro-brasileiros / os neobrasileiros / os brasileiros / ser e consciência.
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, pp.106-140.
Jorge Pinheiro, Somos a imagem de Deus, São Paulo, Ágape, 2000, pp. 94-104.
3. Processo sócio-cultural
Classe e poder / distância social / classe e raça
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, pp.208-227.
Jorge Pinheiro, Somos a imagem de Deus, São Paulo, Ágape, 2000, pp. 107-167.
4. O destino nacional
As dores do parto / confrontos
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, pp.447-456.
Jorge Pinheiro, Os batistas e os desafios da brasilidade, São Paulo, Igreja sem fronteiras, 2002.
___________, Somos a imagem de Deus, São Paulo, Ágape, 2000, pp. 169-172.
BIBLIOGRAFIA OBRIGATÓRIA
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002.
Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, São Paulo, Cia das Letras, 2007.
BIBLIOGRAFIA AUXILIAR
Antonio Gouvêa Mendonça, Protestantes, pentecostais e ecumênicos, o campo religioso e seus personagens, São Bernardo do Campo, UMESP, 1997. Ler capítulo 3, Protestantismo e Cultura.
O estudo da Realidade Brasileira é essencial porque não se pode pensar hoje um cidadão brasileiro que não seja solicitado a refletir o momento político e social que o País vive. Isso significa que todos deveriam ter uma concepção da história de nossa formação enquanto povo e dos desafios a que somos chamados a responder. Tal concepção da multiculturalidade brasileira deve reforçar ou modificar maneiras de agir e pensar o tempo brasileiro. A história da formação e do sentido do Brasil permite reflexões para a superação da consciência ingênua e o desenvolvimento de uma consciência crítica, pela qual a experiência vivida é transformada em consciência compreendida da realidade brasileira.
ABORDAGEM
Optamos por uma abordagem temática dos assuntos, sem descuidar da referência necessária à história da formação e sentido do Brasil, que permita estabelecer o fio condutor da exposição dos temas. Isto porque fazer um estudo da história e formação do povo brasileiro implica em fazer antropologia do povo brasileiro e sociologia da cultura. Tais abordagens não podem ser encaradas como atividades solitárias, mas enquanto diálogo entre pensadores que expõem diferentes visões.
AVALIAÇÃO
Os alunos serão avaliados por sua participação em classe (peso 3), pelos seminários apresentados (peso 4) e por uma prova final (peso 3).
MATÉRIA
1. O processo civilizatório
Povos germinais / O barroco e o gótico / Atualização histórica
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, pp.64-80.
2. Gestação étnica
Os brasilíndios / os afro-brasileiros / os neobrasileiros / os brasileiros / ser e consciência.
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, pp.106-140.
Jorge Pinheiro, Somos a imagem de Deus, São Paulo, Ágape, 2000, pp. 94-104.
3. Processo sócio-cultural
Classe e poder / distância social / classe e raça
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, pp.208-227.
Jorge Pinheiro, Somos a imagem de Deus, São Paulo, Ágape, 2000, pp. 107-167.
4. O destino nacional
As dores do parto / confrontos
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, pp.447-456.
Jorge Pinheiro, Os batistas e os desafios da brasilidade, São Paulo, Igreja sem fronteiras, 2002.
___________, Somos a imagem de Deus, São Paulo, Ágape, 2000, pp. 169-172.
BIBLIOGRAFIA OBRIGATÓRIA
Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2002.
Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, São Paulo, Cia das Letras, 2007.
BIBLIOGRAFIA AUXILIAR
Antonio Gouvêa Mendonça, Protestantes, pentecostais e ecumênicos, o campo religioso e seus personagens, São Bernardo do Campo, UMESP, 1997. Ler capítulo 3, Protestantismo e Cultura.
Programa de Apologética Cristã
Objetivo
O estudo da Apologética Cristã é importante porque possibilita ao aluno correlacionar o cristianismo com outras leituras da realidade, sejam elas filosóficas ou religiosas. Isso permite aos futuros profissionais da teologia construir uma concepção de mundo que permita o diálogo com outras formas de pensar, mas ao mesmo tempo permite balizar teologicamente sua vida ministerial.
Abordagem
Optamos por uma abordagem temática, sem descuidar da referência necessária à história dessa área da Teologia, que permita estabelecer o fio condutor da exposição dos temas. Isto porque fazer Apologética não deve ser visto como atividade solitária, mas que se faz através do diálogo entre pensadores, igreja e fiéis quando expõem suas diferenças.
Avaliação
Os alunos serão avaliados por sua participação em classe (peso 3), pelos seminários apresentados (peso 4) e por uma prova final (peso 3).
PROGRAMA DA DISCIPLINA
O propósito básico da Apologética foi expresso por Pedro: “estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós...” (I Pedro 3:15). A Apologética, então, é a resposta para perguntas e questões sobre a fé cristã, tanto as questões levantadas pelos próprios cristãos, como os questionamentos apresentados pela sociedade. Sendo assim, a Apologética envolve temas que incluem:
1. A natureza da revelação especial.
2. Evidências para a veracidade do evangelho.
3. O lugar do Espírito na criação da fé.
4. O estudo de outras religiões e cosmovisões.
5. A questão da fé versus razão.
6. A possibilidade do conhecimento de Deus através da natureza.
7. A natureza e a existência de milagres.
8. Provas racionais para a existência de Deus.
9. A natureza do conhecimento histórico.
10. O lado moral e espiritual da natureza humana.
11. A diferença entre o método científico e o método teológico.
12. A ciência e a fé.
Bibliografia
Lloyd Geering, Deus em um mundo novo, São Paulo, Fonte Editorial, 2005. (Leitura dos capítulos 15-21).
William L. Craig, A veracidade da fé cristã, uma apologética contemporânea, São Paulo, Ed. Vida Nova, 2004.
O estudo da Apologética Cristã é importante porque possibilita ao aluno correlacionar o cristianismo com outras leituras da realidade, sejam elas filosóficas ou religiosas. Isso permite aos futuros profissionais da teologia construir uma concepção de mundo que permita o diálogo com outras formas de pensar, mas ao mesmo tempo permite balizar teologicamente sua vida ministerial.
Abordagem
Optamos por uma abordagem temática, sem descuidar da referência necessária à história dessa área da Teologia, que permita estabelecer o fio condutor da exposição dos temas. Isto porque fazer Apologética não deve ser visto como atividade solitária, mas que se faz através do diálogo entre pensadores, igreja e fiéis quando expõem suas diferenças.
Avaliação
Os alunos serão avaliados por sua participação em classe (peso 3), pelos seminários apresentados (peso 4) e por uma prova final (peso 3).
PROGRAMA DA DISCIPLINA
O propósito básico da Apologética foi expresso por Pedro: “estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós...” (I Pedro 3:15). A Apologética, então, é a resposta para perguntas e questões sobre a fé cristã, tanto as questões levantadas pelos próprios cristãos, como os questionamentos apresentados pela sociedade. Sendo assim, a Apologética envolve temas que incluem:
1. A natureza da revelação especial.
2. Evidências para a veracidade do evangelho.
3. O lugar do Espírito na criação da fé.
4. O estudo de outras religiões e cosmovisões.
5. A questão da fé versus razão.
6. A possibilidade do conhecimento de Deus através da natureza.
7. A natureza e a existência de milagres.
8. Provas racionais para a existência de Deus.
9. A natureza do conhecimento histórico.
10. O lado moral e espiritual da natureza humana.
11. A diferença entre o método científico e o método teológico.
12. A ciência e a fé.
Bibliografia
Lloyd Geering, Deus em um mundo novo, São Paulo, Fonte Editorial, 2005. (Leitura dos capítulos 15-21).
William L. Craig, A veracidade da fé cristã, uma apologética contemporânea, São Paulo, Ed. Vida Nova, 2004.
Cosmovisões: roteiro de estudo
Introdução às cosmovisões.
A. O que é cosmovisão? Realidade e estruturas conceituais. Consciência e omissão. A definição de Deus nos dá o elemento central de uma cosmovisão. Toda cosmologia leva a princípios e valores da vida.
B. Existe uma cosmovisão cristã? Qual é a sua base? Deus infinito (Sl.25:14; Is. 43:10; Sl. 90:2), pessoal (Ex.3:14-15; Is. 55:8-9; Sl.135:5-6), criador (Gn.1:1; Sl.148:3-5, 33:6-9; Hb. 11:3), sustentador do universo (Sl.14:20, 147:8-9; Ne. 9:6), amor (Lm.3:22-23; Jo.3:16; Rm 5:8) e santo (Hc.1:13; Sl. 5:4; Jr. 9:23-24). Único (Dt. 6:4-5; Is. 45:5-6) e plural (Mt.11:27; Jo.17:5; 15:26; At.1:8, 2:1-4).
C. A Trindade e a unidade/diversidade do universo. Deus criador: João 1:1-3; Rm.11:36; Cl.1:16-17, Hb. 1:2, 11:3; Tertuliano (Adversus Praxean), Zwinglio (Bromiley, G.W., Zwingli and Bullinger, Londres, SCM Press, 1953, p.249). Unidade/diversidade; determinismo/individualidade (Pieratt, Alan, “Pensando no Céu”, in Imortalidade, Shedd, R e Pieratt, A., São Paulo, Edições Vida Nova, 1992, p.231-245).
Bibliografia: Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, págs. 15-23.
Horrel, J. Scott, Uma Cosmovisão Trinitariana, Vox Scripturae, volume IV, No 1, pág. 55-77.
Pieratt, Alan, Pensando no Céu, in Imortalidade, Shedd, R e Pieratt, A., São Paulo, Edições Vida Nova, 1992, pp.223-245.
Ateísmo
A. Quais as bases fundamentais do ateísmo e do agnosticismo radical? Deus não existe. É impossível saber.
B. Como um filósofo ou cientista ateu ou agnóstico radical responderia a estas três perguntas: (1) por que o universo existe? (2) por que o homem existe? (3) qual é o papel do indivíduo no universo? As opiniões de Friedrich Nietzsche e Jean Paul Sartre.
C. Comunismo, existencialismo e humanismo: respostas que deixam a desejar. Deus não existe? Que certeza é essa? Um novo panteão: utopias e angústias.
Bibliografia: Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, págs. 39-43.
Panteísmo
A. O que é panteísmo? Infinitude e impessoalidade. Universo/aparência. Nada existe além do que se vê e toca (aparência). Só o presente existe.
B. Qual é a posição panteísta em relação ao universo, à vida espiritual e à morte?
C. Qual as características do panteísmo hindu? A fala de Bhahman no Bhagavad Gita. O panteísmo na filosofia européia (Spinoza / Deus é pensamento e extensão; Hegel / Deus é história e consciência). O panteísmo na teologia moderna (Tillich e John Robinson / Deus é profundeza; Teilhard de Chardin / Deus, através da evolução, estará em todos). A teologia da morte de Deus: T. Altizer e William Hamilton.
Bibliografia: Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, págs. 45-58.
Teísmo
A. Quais os conceitos que norteiam o teísmo?
B. Por que não somos judeus, nem muçulmanos? Unitarianismo. Determinismo. Cabalismo (Sefer Ietzirá, in Guinsburg, J., Do Estudo e da Oração, São Paulo, Editora Perspectiva, 1968 págs. 563-566). Sufismo (Al-Junaíde).
C. Em que sentido o cristianismo trinitariano é superior ao teísmo judaico e muçulmano; ao deísmo/agnosticismo filosófico (Thomas Hobbes) e ao misticismo (hippies, Beatles, Nova Era)? Ex 33:18-23, 34:5-7; Is 6:1-5; Ez 1:26-28; Jr 9:23-24; Jo 1:18, 14:8-10; Ap 1:12-17; I Pe 1:8.
Bibliografia: Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, pp. 25-30, 59-67.
Debate Apologético
A1. Mesa redonda entre os seis grupos formados. Moderador: Jorge Pinheiro.
A2. O grupo A deve fazer uma exposição sobre cosmovisão e suas implicações na vida humana. O grupo B sobre a cosmovisão cristã. O grupo C sobre Trindade e cosmovisão cristã, o grupo D sobre ateísmo, o grudo E sobre panteísmo, e o grupo F sobre teísmo e suas variantes. Cada grupo tem 5 minutos para exposição.
A3. Enquanto cada grupo expõe, os demais devem anotar os itens que foram mal desenvolvidos ou esquecidos.
B1. Depois das exposições abre-se o debate. Serão realizadas quatro rodadas. Cada grupo tem o direito de fazer uma pergunta por rodada a outro grupo. O direito de resposta é de um minuto. Nesta fase não há direito a réplica.
B2. Após as quatro primeiras rodadas abre-se uma última, com direito a réplica. O tempo de resposta é de um minuto e a réplica também.
B3. O moderador pode intervir, cortar a palavra e colocar novas questões no debate.
C1. A participação no debate é obrigatória para todos os alunos do curso. O não comparecimento implica em perda da nota. Durante o debate qualquer aluno pode ser questionado. Deve responder quem for perguntado. Caso não saiba a resposta, pode passar para um colega do mesmo grupo, mas o grupo perde ponto.
C2. Uma boa exposição equivale a cinco pontos. Cada pergunta bem respondida pelo grupo equivale a um ponto. Na última rodada, com direito a réplica, cada grupo deve fazer o melhor, pois é a última chance de recolocar-se, caso tenha vacilado anteriormente. Posicionando-se negativamente nessa última rodada o grupo perde um ponto do acumulado anteriormente.
C3. O debate será gravado em vídeo.
Bibliografia obrigatória
Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1985, parte um: Indagações sobre Deus, o homem e o universo... Págs. 9 - 67.
Sproul, R. C., Razão para Crer, SP, Mundo Cristão, 1991, capítulo 7, “Não Há Deus”, pág. 75; capítulo 6, “Não Preciso de Religião”, pág. 63; capítulo 4, “O Cristianismo É Uma Muleta Para os Fracos”, pág. 43.
Bibliografia recomendada
Green, Michael, Mundo em Fuga, SP, Vida Nova
Little, Paulo, Você Pode Explicar sua Fé?, SP, Mundo Cristão, 1972
Pinnock, Clark, Viva Agora, Amigo, Atibaia, Fiel
Stott, John R. W., Cristianismo Básico, SP, Vida Nova
A. O que é cosmovisão? Realidade e estruturas conceituais. Consciência e omissão. A definição de Deus nos dá o elemento central de uma cosmovisão. Toda cosmologia leva a princípios e valores da vida.
B. Existe uma cosmovisão cristã? Qual é a sua base? Deus infinito (Sl.25:14; Is. 43:10; Sl. 90:2), pessoal (Ex.3:14-15; Is. 55:8-9; Sl.135:5-6), criador (Gn.1:1; Sl.148:3-5, 33:6-9; Hb. 11:3), sustentador do universo (Sl.14:20, 147:8-9; Ne. 9:6), amor (Lm.3:22-23; Jo.3:16; Rm 5:8) e santo (Hc.1:13; Sl. 5:4; Jr. 9:23-24). Único (Dt. 6:4-5; Is. 45:5-6) e plural (Mt.11:27; Jo.17:5; 15:26; At.1:8, 2:1-4).
C. A Trindade e a unidade/diversidade do universo. Deus criador: João 1:1-3; Rm.11:36; Cl.1:16-17, Hb. 1:2, 11:3; Tertuliano (Adversus Praxean), Zwinglio (Bromiley, G.W., Zwingli and Bullinger, Londres, SCM Press, 1953, p.249). Unidade/diversidade; determinismo/individualidade (Pieratt, Alan, “Pensando no Céu”, in Imortalidade, Shedd, R e Pieratt, A., São Paulo, Edições Vida Nova, 1992, p.231-245).
Bibliografia: Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, págs. 15-23.
Horrel, J. Scott, Uma Cosmovisão Trinitariana, Vox Scripturae, volume IV, No 1, pág. 55-77.
Pieratt, Alan, Pensando no Céu, in Imortalidade, Shedd, R e Pieratt, A., São Paulo, Edições Vida Nova, 1992, pp.223-245.
Ateísmo
A. Quais as bases fundamentais do ateísmo e do agnosticismo radical? Deus não existe. É impossível saber.
B. Como um filósofo ou cientista ateu ou agnóstico radical responderia a estas três perguntas: (1) por que o universo existe? (2) por que o homem existe? (3) qual é o papel do indivíduo no universo? As opiniões de Friedrich Nietzsche e Jean Paul Sartre.
C. Comunismo, existencialismo e humanismo: respostas que deixam a desejar. Deus não existe? Que certeza é essa? Um novo panteão: utopias e angústias.
Bibliografia: Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, págs. 39-43.
Panteísmo
A. O que é panteísmo? Infinitude e impessoalidade. Universo/aparência. Nada existe além do que se vê e toca (aparência). Só o presente existe.
B. Qual é a posição panteísta em relação ao universo, à vida espiritual e à morte?
C. Qual as características do panteísmo hindu? A fala de Bhahman no Bhagavad Gita. O panteísmo na filosofia européia (Spinoza / Deus é pensamento e extensão; Hegel / Deus é história e consciência). O panteísmo na teologia moderna (Tillich e John Robinson / Deus é profundeza; Teilhard de Chardin / Deus, através da evolução, estará em todos). A teologia da morte de Deus: T. Altizer e William Hamilton.
Bibliografia: Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, págs. 45-58.
Teísmo
A. Quais os conceitos que norteiam o teísmo?
B. Por que não somos judeus, nem muçulmanos? Unitarianismo. Determinismo. Cabalismo (Sefer Ietzirá, in Guinsburg, J., Do Estudo e da Oração, São Paulo, Editora Perspectiva, 1968 págs. 563-566). Sufismo (Al-Junaíde).
C. Em que sentido o cristianismo trinitariano é superior ao teísmo judaico e muçulmano; ao deísmo/agnosticismo filosófico (Thomas Hobbes) e ao misticismo (hippies, Beatles, Nova Era)? Ex 33:18-23, 34:5-7; Is 6:1-5; Ez 1:26-28; Jr 9:23-24; Jo 1:18, 14:8-10; Ap 1:12-17; I Pe 1:8.
Bibliografia: Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, Edições Vida Nova, pp. 25-30, 59-67.
Debate Apologético
A1. Mesa redonda entre os seis grupos formados. Moderador: Jorge Pinheiro.
A2. O grupo A deve fazer uma exposição sobre cosmovisão e suas implicações na vida humana. O grupo B sobre a cosmovisão cristã. O grupo C sobre Trindade e cosmovisão cristã, o grupo D sobre ateísmo, o grudo E sobre panteísmo, e o grupo F sobre teísmo e suas variantes. Cada grupo tem 5 minutos para exposição.
A3. Enquanto cada grupo expõe, os demais devem anotar os itens que foram mal desenvolvidos ou esquecidos.
B1. Depois das exposições abre-se o debate. Serão realizadas quatro rodadas. Cada grupo tem o direito de fazer uma pergunta por rodada a outro grupo. O direito de resposta é de um minuto. Nesta fase não há direito a réplica.
B2. Após as quatro primeiras rodadas abre-se uma última, com direito a réplica. O tempo de resposta é de um minuto e a réplica também.
B3. O moderador pode intervir, cortar a palavra e colocar novas questões no debate.
C1. A participação no debate é obrigatória para todos os alunos do curso. O não comparecimento implica em perda da nota. Durante o debate qualquer aluno pode ser questionado. Deve responder quem for perguntado. Caso não saiba a resposta, pode passar para um colega do mesmo grupo, mas o grupo perde ponto.
C2. Uma boa exposição equivale a cinco pontos. Cada pergunta bem respondida pelo grupo equivale a um ponto. Na última rodada, com direito a réplica, cada grupo deve fazer o melhor, pois é a última chance de recolocar-se, caso tenha vacilado anteriormente. Posicionando-se negativamente nessa última rodada o grupo perde um ponto do acumulado anteriormente.
C3. O debate será gravado em vídeo.
Bibliografia obrigatória
Chapman, Colin, Cristianismo: A Melhor Resposta, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1985, parte um: Indagações sobre Deus, o homem e o universo... Págs. 9 - 67.
Sproul, R. C., Razão para Crer, SP, Mundo Cristão, 1991, capítulo 7, “Não Há Deus”, pág. 75; capítulo 6, “Não Preciso de Religião”, pág. 63; capítulo 4, “O Cristianismo É Uma Muleta Para os Fracos”, pág. 43.
Bibliografia recomendada
Green, Michael, Mundo em Fuga, SP, Vida Nova
Little, Paulo, Você Pode Explicar sua Fé?, SP, Mundo Cristão, 1972
Pinnock, Clark, Viva Agora, Amigo, Atibaia, Fiel
Stott, John R. W., Cristianismo Básico, SP, Vida Nova
vendredi 24 août 2007
Cristologia: o Jesus histórico e o Cristo da fé
Jesus, o Cristo, identidade construída. A etimologia da palavra. A palavra sobre Cristo ou pensamento ou fala sobre Cristo. Quanto a identidade: Cristo exprime uma identidade. Sem reconhecer essa identidade (pessoa), o Filho de Deus, mediante a fé, não há Cristologia, mas, um estudo sobre a pessoa histórica de Jesus de Nazaré. Através da fé, o Espírito Santo torna a pessoa de Cristo contemporânea, isto é, pessoal//relacional.
Fator histórico. Helenos e cristãos: O cristianismo deixa de ser judeu e palestino. Em um sentido amplo, helenismo refere-se à influência que a cultura grega (helênica, de Hellas, ou Grécia) passou a ter no Império Próximo (Mediterrâneo Oriental: Síria, Egito, Palestina, chegando até a Pérsia e Mesopotâmia) após a morte de Alexandre (323 a. C.) e em conseqüência de suas conquistas. Como um dos períodos em que se divide tradicionalmente a história da filosofia, o helenismo vai da morte de Aristóteles (322aC) ao fechamento das escolas pagãs de filosofia no Império do Oriente pelo imperador Justiniano (525dC). O período do helenismo é marcado na filosofia pelo desenvolvimento das escolas vinculadas a uma determinada tradição, destacando-se a Academia de Platão, a escola aristotélica, a escola epicurista e estóica, o ceticismo e o pitagorismo. Nessa época, houve uma tendência predominante ao ecletismo e muitos filósofos sofreram a influência de diferentes escolas. O principal centro de cultura do helenismo foi Alexandria no Egito. A partir dessa reflexão filosófica deu-se a Teologia. Implicações: escândalo para judeus – a questão da deidade de Jesus como heresia; conflito entre o conceito de messias político e o messias de amor.Perigo para os Romanos – ameaça a ideologia de Culto a César: perigo político.
A busca pela expansão: o cristianismo é de caráter missionário quanto à pregação. Aspectos da Pregação: destemida: “é honra morrer por Cristo”; arriscavam a vida e eram considerados heróis por serem leais a Cristo, desconsideravam a autoridade de César se caso se opusesse aos ensinos de Cristo. De 96 d.C. (Dominiciano) a 180 d. C. (Marco Aurélio) a prudência política dos romanos evitou mortes por razões humanitárias (Tertuliano: “o sangue é semente”). Após 235 d. C. (Morte de Alexandre Severo) houve perseguição acirrada e muitas conversões. Por volta de 300 a. C. , um terço da população do império já era cristã.
A vida divide-se em antes e depois dele. A cada 25 de dezembro, dois bilhões de pessoas celebram o nascimento de um palestino moreno, de cabelos longos, segundo alguns de olhos castanhos e nariz adunco, como sugerem as marcas de sangue e suor impressas num lençol de linho guardado como relíquia pelos católicos. Foi com esse possível biotipo que ele morreu, com cerca de 30 anos. Mesmo aqueles que nunca entraram para seu rebanho reconhecem a data. É a partir dela que dias, semanas, meses, anos, séculos e milênios são contados. Como a infinitude do tempo, esse homem de Nazaré se mantém vivo.
Nenhuma vida foi tão esmiuçada e tão cercada de mistérios. Proclamado filho de Deus, ele rompe o terceiro milênio cercado da fé, das dúvidas e da curiosidade de cristãos e não-cristãos. Como teria nascido? Como viveu? Quem foi ele? Bilhões de pessoas seguem extasiadas esse personagem inacabado, obra aberta a desafiar místicos, teólogos e cientistas. Mas não há explicação capaz de oferecer a versão definitiva, irrefutável, sobre o filho de Maria.
E no correr dos séculos foi transformado no símbolo de um dilema: ou os povos assimilam a convivência respeitosa num mundo marcado por diferenças -- daí os diálogos inter-religiosos que procuram reconciliar católicos, judeus e protestantes -- ou aprofundam os contrastes, raiz da proliferação do fundamentalismo. O mais estranho é que, na encruzilhada da civilização, cristãos e não-cristãos voltam ao começo de tudo.
Não restam dúvidas sobre sua passagem pelo planeta: Jesus viveu nesta Terra. Muitos estudiosos consideraram que em relação a tal fato existem mais fontes confiáveis do que em relação a Sócrates, cuja existência foi basicamente testemunhada por um único discípulo, Platão. Mas não é possível discorrer com a mesma segurança sobre a data de nascimento e a de morte de Jesus.
Um recenseamento promovido na Palestina por Herodes, interessado em regularizar a cobrança de impostos, forneceu evidências de que ele teria nascido cerca de seis anos antes do chamado ano zero. Teria morrido às vésperas da Páscoa judaica, numa sexta-feira. Conferindo calendários antigos, verifica-se que duas sextas-feiras coincidiram com a celebração naquele período: nos anos 30 e 33 da Era Cristã.
O Cristo da fé
Juntamente com a crença na Trindade, a teologia da encarnação ocupa uma posição central nos ensinamentos da igreja. Jesus é mais que um homem santo ou um mestre de moralidade. Ele é o Filho de Deus que se tornou Filho do Homem. A teologia da encarnação é uma expressão da experiência do Cristo na igreja. Nele, a divindade está unida à humanidade, sem a destruição de nenhuma dessas realidades. Jesus Cristo é verdadeiramente Deus, que tem em comum a mesma realidade igualmente com o Pai e o Espírito. Ele é verdadeiramente homem que compartilha com todos nós o que é humano. E como único Deus-homem, Jesus Cristo colocou a humanidade em comunhão com Deus.
Pela manifestação da Trindade, pelo ensinamento do significado da autêntica vida humana, e pela vitória sobre os poderes do pecado e da morte (I Co 15, Cl 1.19-20) através da ressurreição, Cristo é a expressão suprema do amor de Deus o Pai, por seu povo, tornado presente em cada época e em cada lugar pelo Espírito Santo através da vida da igreja. Os pais da igreja resumiram o ministério de Cristo nesta clara afirmação: "Deus tornou-se o que nós somos de tal maneira que nós podemos nos tornar o que Ele é."
É um risco separar Jesus e Cristo, ou ver a ação salvífica num e em outro não, ou teologicamente afirmar que há uma ação salvífica no Cristo em sua divindade, separada da humanidade do Cristo encarnado. É fundamental levar em conta, teologicamente, os dois aspectos complementares da cristologia. Ao dado da união das duas naturezas de Jesus, o Cristo, temos que compreender a questão da distinção, que nos alerta para o fato de que não há confusão entre essas duas naturezas. O monofisismo se apresenta entre nós, quando iniciamos uma caminhada em direção à predileção por uma das naturezas do Cristo, no caso, a tendência de absorção da natureza humana na divina. Mas há um monofisismo invertido, que é um outro risco, atualmente menos comum, que é o da absorção da natureza divina na humana, ocasionando uma redução da divindade da pessoa do Verbo.
A ação humana de Jesus é a ação do Cristo encarnado, mas há uma ação divina que permanece sempre distinta da humana. Assim, há uma ação contínua do Logos antes e depois da encarnação, mas sem que isto signifique a negação do evento cristológico como concentração insuperável da auto-revelação divina. Isto porque a economia do Cristo encarnado constitui a revelação de uma economia mais ampla, a do Cristo eterno de Deus.
A revelação de nosso Jesus, o Cristo, oferece à humanidade tudo o que é necessário para a salvação, não necessitando ser completada por qualquer outra ação ou processo, que não seja o arrependimento e a obediência. O evento Jesus, sem deixar de ser revelação universal da vontade de Deus, permanece particular em razão de sua historicidade. Significa que tal evento não diminui a potência salvífica de Deus, pois a ação universal do Cristo e do Espírito Santo não se circunscreve à humanidade de Jesus. Por isso não se pode reduzir Jesus a uma figura salvífica entre outras. A revelação operada em Jesus Cristo é definitiva e insuperável. Seria um erro absurdo entender a ação do Espírito Santo deslocada da economia salvífica universal do Cristo encarnado. Na historicidade da igreja, é fundamental insistir na conjunção da cristologia com a pneumatologia, a fim de preservar a centralidade do evento Cristo. Irineu, pai da igreja, utiliza uma metáfora para nos explicar essa conjunção – que logicamente como qualquer metáfora tem suas limitações. Ele fala das duas mãos de Deus que operam juntas economia da salvação: a mão do Cristo e a mão do Espírito Santo. Mãos que atuam unidas, mas são distintas e complementares. Assim, a presença do Espírito na obra do Cristo encarnado não põe um fim na atuação do Espírito Santo depois do evento-Cristo. O Espírito Santo estava presente e operante antes da glorificação do Cristo e continua presente hoje.
A revelação universal do Cristo não pode nos levar a considerar as religiões do mundo como caminhos complementares ao do corpo de Cristo. Quando muito a universalidade da revelação presente nessas religiões assumem um papel de preparação evangélica para a compreender no evento Cristo, não podendo ser consideradas caminhos de salvação. Ao longo da história cristã foram comuns injustiças e a perseguições aos grupos, denominações e religiões que discordavam do cristianismo hegemônico naquele momento. Ações essas que violentam a imago Dei, o livre-arbítrio e a compreensão da ação salvífica do Cristo. Grupos, denominações e mesmo religiões não-cristãs não se resumem à mera representação de uma busca humana de Deus, mas traduzem a revelação universal de Deus, através da qual Ele tem se automanifestado à humanidade. São parte do processo de envolvimento pessoal de Deus com a humanidade, que atravessa a história, tendo como centro salvífico o evento Cristo.
Jesus, o Cristo, é aquele que revela o Pai. Quando Deus dá-se a conhecer, de forma direta e especial, o faz através de seu Filho, em carne e osso. E é justamente essa verdade revelada em Cristo, que deve dirigir toda a nossa compreensão do ser humano e da igreja de Cristo. Jesus Cristo é Deus e homem, consubstancialmente perfeito e pleno. Nesse sentido, entendemos que o Cristo encarnado possibilita uma compreensão do que é a humanidade, traduzindo numa linguagem cheia de vida os conteúdos fundamentais daquilo que está dito em Gênesis sobre o homem, antes do pecado. O Cristo revelado é a dimensão mais profunda do humano, a dimensão que traduz aquilo que o cristão é: filho adotado do amor e da graça de Deus, criado para o louvor, honra e glória do Deus eterno.
Assim, o corpo de Cristo sobre a terra é uma nova vida com Cristo e em Cristo, dirigida pelo Espírito Santo. A luz da ressurreição de Cristo reina sobre a igreja (I Co 15.3-8) e a alegria da ressurreição, do triunfo sobre a morte, compenetra-se nela. O Senhor ressuscitado vive conosco e nossa vida é uma vida misteriosa em Cristo. Os cristãos levam este nome precisamente porque são de Cristo, vivem em Cristo e Cristo vive neles. A encarnação não é unicamente uma idéia ou uma teologia; é antes de tudo um fato que se produziu uma vez no tempo, mas que possui a força da eternidade. E esta encarnação perpetua, sem confusão, as duas naturezas: a natureza divina e a natureza humana. A igreja é o corpo de Cristo, enquanto unidade de vida com Ele. Expressa-se a mesma idéia quando se dá à igreja o nome de esposa de Cristo ou esposa do Verbo. A igreja, enquanto corpo de Cristo não é Cristo-Deus-homem, pois ela não é mais que sua humanidade; mas é a vida em Cristo e com Cristo, a vida de Cristo em nós: "Não sou mais eu quem vive, é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20).
A igreja, em sua qualidade de corpo de Cristo, que vive da vida de Cristo, é por Ele mesmo o domínio, onde está presente e onde opera o Espírito Santo. Eis aqui, porque se pode definir a igreja como uma vida bendita no Espírito Santo. A igreja é obra da encarnação do Verbo, ela é encarnação: na igreja Deus se assimila à natureza humana e através da igreja o corpo se assimila à natureza divina. É a santificação, que os pais chamavam deificação (Zeosis) da natureza humana, conseqüência da união de duas naturezas em Cristo. Assim, a igreja é o corpo de Cristo: enquanto igreja participamos da vida divina da Trindade. Ela é a vida em Cristo, é o corpo de Cristo, que permanece unida à Trindade.
Jesus num mundo de exclusão
A primeira parte da missão de Jesus (4.14–9.50) é toda situada na Galiléia (cf. 23.5; At 10.37). Ao contrário de Mateus (15.21; 16.13) e Marcos (7.24-31; 8.27), Lucas abre a comissão de Jesus com a cena da pregação na sinagoga de Nazaré (4.16-30), que descortina toda a seqüência do evangelho: o anúncio da salvação fundamentado nas promessas do Antigo Testamento e inspirado pelo Espírito Santo, a salvação dos pagãos, a rejeição de seus compatriotas e a tentativa de assassinato. No texto, Lucas descreve duas questões centrais: em primeiro lugar o programa de Jesus e, em segundo lugar, o destinatário da mensagem. Assim, os versículos 18 e 19 apresentam o programa e os versículos 23-27 seu público, os gentios.
Jesus foi ungido, escolhido por Deus, e sob a ação do Espírito Santo – ação esta que caracteriza o verdadeiro profeta – tem como missão proclamar e libertar. Seu programa é formado por quatro pontos: anunciar a boa nova aos pobres, proclamar a libertação aos cativos, dar vista aos cegos, por em liberdade os oprimidos. O programa destaca duas idéias a de anunciar, proclamar, e a de libertar, salvar.
A idéia de proclamar está presente no Antigo Testamento, já que a missão profética era, sobretudo, proclamatória. De Samuel a Jeremias – incluídos nesse período de ouro homens como Samuel, Natã, Gade, Azarias, Elias, Eliseu, Joel, Miquéias, Micaías, Isaías e Jeremias -- esses anunciadores da vontade de Deus falaram aos reis e ao povo. Advertiam, repreendiam, encorajavam. Falavam de julgamentos e de promessas espetaculares. Traduziam grandeza de caráter e força moral. E assim também foi o último período da profecia hebraica, de Ezequiel a Malaquias. No período helênico, graças às reuniões nas casas de oração, sinagogas, a proclamação se generalizou. As Escrituras eram lidas e interpretadas. João, o batista, foi um anunciador da chegada do reino. E Jesus, ali na sinagoga de Nazaré, colocou em seu programa a tarefa da proclamação.
O conceito de libertação no Antigo Testamento parte da idéia de livramento e de segurança. A pessoa de um libertador no AT traduz sempre a imagem do libertador como alguém que arrebata um povo da destruição (Jz 18.28). E no Novo Testamento, o libertador era aquele que soltava os israelitas da escravidão (At 7.35), ou que arrancaria a nação da impiedade (Rm 11.26). Para todo o judeu, na época de Jesus, o ato mais característico de libertação ocorreu sob a liderança de Moisés, quando Deus salvou seu povo da escravidão aos egípcios e o libertou no deserto do Sinai (Ex 12.31—14. 31). É fundamental entender que a libertação da escravidão egípcia definiu para os judeus do período helênico o paradigma da libertação como um ato de Deus que não visava apenas o alívio de uma situação desastrosa. Mas, e aí está a chave do conceito de aliança, para que livres possam servi-lo. Essa idéia fundamenta o conceito de aliança e da espiritualidade judaica até o primeiro século.
O texto usado por Jesus é a leitura de Isaías 61.1-2. Ao ler o texto e dizer que ele próprio é o cumprimento da profecia, Jesus cria uma nova hermenêutica, que será amplamente utilizada por todos os escritores do Novo Testamento. Ele é o intérprete inspirado, ungido, no cumprimento do que foi anunciado e que está presente nesse kairós para o desenlace dos últimos tempos – proclamar o ano aceitável do Senhor. Partindo dessa hermenêutica, os escritores do NT, e Lucas entre eles, lerão o Antigo Testamento à luz do evento Jesus.
Uma característica marcante que se destaca na personalidade de Jesus é a sua liberdade. Liberdade policrômica e polifônica, que abrange os mais diversos registros de expressão e, talvez, seja a chave para explicar o fascínio exercido por ele sobre os que o rodeavam. Liberdade de iniciativa e de movimentos, como desenvoltura e franqueza para falar, com clareza quando toma alguma posição, instrui ou critica. Demonstra grande liberdade em face das classes dominantes (Lc 13:31-33, João 7:1-10, João 10:18). Liberdade para ensinar (Mc 1:22).
Liberdade para escolher seus discípulos entre pessoas mal vistas. A liberdade de Jesus vai abrindo caminho entre os conflitos sociais, sem renunciar um só momento ao sentido do outro, à preocupação pela pessoa de carne e osso dentro de cada situação concreta. Liberdade que visa suscitar condições humanas adequadas a uma vida pessoal criativa e libertadora dos grilhões que a prendem ao passado e lhe tolhem o futuro. A radicalidade da liberdade de Jesus consiste na plenitude de sua inserção no mundo do pobre. A liberdade de Jesus constitui-se assim no fato pessoal fundamental ligado à pregação do Reino. Antes de ser tema de sua pregação, a liberdade e a libertação encontram expressão concreta na própria pessoa, no seu dinamismo criador, na sua originalidade irredutível. Jesus se mostra profundamente livre e, por isso, tanto a sua palavra como seus atos suscitam liberdade ali onde se fazem presentes. Neste sentido, sua prática fundadora de liberdade. Jesus liberta para o Reino.
Mas, qual é a missão?
Em meio a todas as questões que se levantam, uma pergunta surge: O que quis e veio trazer afinal Jesus, o Cristo, com a sua pregação? De uma forma breve a melhor resposta é: ser em sua própria pessoa a resposta de Deus à condição humana. Mas para entender Jesus como resposta à condição humana, precisamos compreender quais são as questões que demandam esta resposta. De uma forma geral podemos dizer que elas são geradas por um princípio-esperança gerador de constantes utopias de superação de felicidade plena, que faz parte do humano, seja qual for a sua cultura ou civilização. É neste contexto, que de certa forma esta presente em toda história humana, que surge um homem de Nazaré anunciando a resposta de Deus: o romper da nova ordem está próximo e será trazido por Deus (cf. Mc 1:14, Mt 3:17, Lc 4:18s).
Jesus não começou pregando a si mesmo, mas o Reino de Deus, que é indiscutivelmente o centro de sua mensagem. Mas o que era Reino de Deus para os ouvintes de Jesus? A realização da esperança de superação de todas as alienações humanas, da destruição de todo mal, seja físico, seja moral, do pecado, do ódio, da divisão, da dor e da morte. Isto aconteceria não numa outra vida, no céu, ou pós-morte. Esta utopia, anseio de todos os povos, é o objeto da pregação de Jesus. A sua promessa é que não será mais utopia, mas realidade a ser introduzida por Deus (Lc 4:18-19, 21).
Jesus torna-se libertador porque prega e inaugura o Reino de Deus. Reino este, que é a transformação global e estrutural da realidade estabelecida do homem e do cosmos, purificados de todos os seus males. Não é ser um outro mundo, mas transformar o mundo em novo. Ele apresenta o Reino como graça, acima de todos os esquemas anteriores de possíveis virtudes e merecimentos.
Os zelotas procuravam alianças para realizar a sua revolta militar; os sacerdotes obtinham a ajuda dos grandes poderes do mundo para manter a ordem sacra estabelecida; os fariseus insistiam na pureza da lei que pode conservar os fiéis impolutos dentro deste mundo corrupto; e os apocalípticos queriam congregar os restantes escolhidos para o tempo de julgamento que estava próximo. Jesus escolhe como destinatários do seu reino os últimos do mundo. É ocumprimento de uma das grandes utopias do AT, expressas no ano sabático ou do jubileu, que jamais foram realizadas como ideais sociais de forma definitiva. Os milagres de Jesus vêm mostrar que o Reino já esta presente e fermentando no velho mundo. Jesus anuncia o ano de graça do Senhor que não conhecerá ocaso.
A libertação promovida por este Reino abarca tudo: humano, sociedade, mundo, a totalidade da realidade deve ser transformada por Deus, a partir do próprio ser humano. A pregação do Reino se realiza em dois tempos: no presente e no futuro. Por isto Jesus entusiasma as massas. Ele tem consciência de que com ele já se iniciou o fim deste velho mundo. Jesus vai entender o messianismo e as categorias apocalípticas como os meios mais adequados para comunicar sua mensagem libertadora. Com essa linguagem ele participa dos desejos fundamentais do coração humano, de libertação e de uma nova ordem. A sua moral tem sentido messiânico e se exprime na forma de ruptura. Suplantando os princípios do seu povo, ele acolhe à mesa e na amizade os perdidos, expulsos da aliança.
Apesar destes elementos, a pregação de Jesus destaca-se das expectativas messiânicas do povo. Ele não alimenta o nacionalismo judeu; não diz nenhuma palavra de rebelião contra os romanos, nem faz qualquer alusão à restauração do rei davídico. Neste ponto, decepciona a todos. O que mais se ressalta no Jesus, o Cristo, é a autoridade com que anuncia o reino e o torna presente por sinais e gestos inauditos. Em Jesus, irrompe o tempo da libertação. Uma vez entendendo qual era a sua missão, é preciso saber qual a sua estratégia. Já que Reino de Deus significa uma revolução total, global e estrutural da velha ordem, Jesus faz duas exigências fundamentais: exige conversão da pessoa e postula uma reestruturação do mundo da pessoa.
O Reino atinge primeiro as pessoas. Delas se exige conversão, no sentido de mudar o modo de pensar e agir no sentido de Deus, portanto revolucionar-se interiormente. É um novo modo de existir diante de Deus e diante da novidade anunciada por Jesus. Implica sempre numa ruptura (Lc 12:51-52). É um não à ordem vigente (Lc 13:3,5). Ruptura até mesmo de uma religião que gerava uma consciência oprimida. Afinal, na religião judaica, ao tempo no NT, tudo estava prescrito e determinado, tanto nas relações com Deus como entre os homens. A Lei era amanifestação da vontade de Deus. Com isso a consciência sente-se oprimida por um fardo insuportável de prescrições legais (Mt 23:4).
Jesus levanta um protesto contra a escravização do homem em nome da lei (Mc
2:27). A pregação ética de Jesus pode ser resumida em uma frase: não é a lei que salva, mas o amor. Em outras palavras ele desteologiza a concepção da lei. A vontade de Deus não se encontra só nas prescrições legais e nos livros santos, mas se manifesta principalmente nos sinais dos tempos (Lc12:54-57). Deve ficar claro que, se Jesus liberta o homem das leis, não o entrega a libertinagem ou a irresponsabilidade. Antes pelo contrário, cria laços e ligações ainda mais fortes que os da lei. Liberdade sim, frente a lei. Contudo só para o bem e não para a libertinagem. Desta forma, ele deseja libertar o homem das convenções e dos preconceitos sociais. No Reino de Deus deve haver liberdade e igualdade fraterna. Nesta concepção, justiça supera o conceito clássico de dar a cada um o que é seu. Jesus vem anunciar uma igualdade fundamental. Ele confronta toda a subordinação desumanizadora a um sistema, seja social ou religioso.
Um outro aspecto deste processo de libertação, passa pelo mundo das pessoas, como por exemplo a libertação do legalismo, das convenções sem fundamento, do autoritarismo e das forças e potentados que subjugam o homem. Estas forças eram representadas particularmente pelos escribas e fariseus, que viviam espalhados por todo Israel, comandavam as sinagogas, possuíam enorme influencia sobre o povo e para cada caso tinham uma solução que arrancavam pelos cabelos das tradições religiosas do passado e dos comentários da lei mosaica. Quanto a eles Jesus declara que dizem e nada fazem. Atam pesadas cargas de preceitos e leis e põem-nas nos ombros dos outros.
Jesus prega que para entrar no Reino não basta fazer o que a lei ordena. A presente ordem das coisas não pode salvar o homem da sua alienação fundamental. Ela é uma desordem. Urge uma mudança de vida e uma reviravolta nos fundamentos da velha situação. Por isso os marginalizados da ordem vigente estão mais próximos do Reino de Deus que os outros. Jesus vai além das fronteiras da lei, para o local onde habitam aqueles a quem o povo e os letrados consideram pecadores. Ele veio de forma provocativa.
Podia ter vindo de maneira mais interna, silenciosa, oculta. Podia ter se mostrado como um homem espiritual, prudente. Preferiu, no entanto, comportar-se escandalosamente: sentou à mesa com os pecadores, oficiais de seu povo (publicanos e prostitutas), convidando-os assim para o banquete novo de seu Reino. Ele rompe as convenções sociais da época, não se atém às convenções religiosas e não respeita as divisões de classes. Ele realiza sua ação no reverso da história.
A cruz de Cristo na soteriologia
Diante dessas questões que pontuam a fé que professamos, a cristologia. se coloca como centro da doutrina cristã, intimamente ligada à soterologia. E são essas duas que analisaremos neste texto.
1. O que é o evangelho?
São boas notícias, cf. I Ts 3.6. A mensagem do evangelho é a boa notícia de que o reino de Deus é chegado: Mc 1.14-15, Mt 4.23, Lc 4. 18; 7.22. Mas é também crescimento espiritual: Fp 2.12; I Pe 1. 5, 9.
É interessante lembrar que Orígenes, prenunciando uma teologia dialética da unicidade e universalidade da revelação, falou de um evangelium aeternum (De principiis IV, 1), através do qual Deus revela verdades aos seres humanos de todas as épocas, com a finalidade de integrar a revelação contida no evangelho histórico.
Qual é a relação do evangelho com a graça?
A graça, o amor incondicional de Deus oferecido gratuitamente, através da fé daquele que ouve a mensagem do evangelho, salva para a vida eterna. I co 15.1-5; Ef 1. 13; Rm 1.16; 15. 18-21; Gl 1.8-9; Mt 28.19.
Tomás de Aquino afirmou que a preparação do ser humano para a graça tem o livre-arbítrio como movimento e Deus como móvel. “Ela pode ser considerada sob dois aspectos: no primeiro, depende do livre-arbítrio e não implica a necessidade de obter a graça, porque o dom da graça excede qualquer preparação da virtude humana; no segundo aspecto, tem Deus como móbil e implica a necessidade de obter a graça, que é determinada por Deus, embora não se trate de uma necessidade proveniente da coação, mas da infabilidade, porquanto a intenção de Deus não pode deixar de ter efeito”. (Summa Theologiae, ed. Caramello, Torino, 1950, III, q. 112-113).
Luís de Molina, partindo de Tomás de Aquino, considerou dois tipos de graça: a suficiente, dada a todos os seres humanos como condição necessária à salvação; e a eficaz, que infalível segue a boa vontade humana. (Liberi arbitri cum gratiae donis, divina praescientia, providentia, praedestinatione et reprobatione concordia).
2. O que é a salvação?
De sotérion e soteria é o ato de saldar do poder e dos efeitos do pecado. O sentido geral, tanto no Antigo Testamento como no Novo, é o de livrar das opressões, materiais e espirituais: Ex 14.13, 15.2; Is. 46.13, 52.10-11; Os 1.7; Jó 30.15; Mt 14.30, Jo 12.27, Mt 9. 22, Lc 8.36, At 4.9; Rm 11.26-27.
3. Os tempos da soteriologia
Quando falamos em salvação, falamos nos tempos dessa salvação na vida humana em particular e na vida da humanidade. Assim, a salvação tem (1) um tempo pretérito, II Tm 1.8-9, que fala de perdão jurídico, Rm 5.9, Ef 1.7; (2) um tempo presente, Tg 1.21, I Pe 1.9, que fala de liberdade, Lc 9.23+, Rm 5.10, Gl 5. 16, 25; e (3) um tempo futuro, Rm 13.11, que fala da glorificação, Fp 3.20-21, Gl 1.4, I Pe 1.5, 3.20-21.
A cruz e suas realizações
1. Redenção.
Alforria, ato de comprar a liberdade. Daí, temos expressões como comprador, remidor, resgate. Rt 3-4, Os 3.1-5, Is 43.3,10-14, 44.6.
No Novo Testamento temos seis expressões gregas que traduzem a idéia de alforria e redenção: lutron, que podemos traduzir por “pagamento para livrar”: Mt 20.28, Mc 10.45; lutróo, comprar/libertar, Lc 24.21, Tt 2.14, I Pe 1.18-19; apolútrosis, alforria através de pagamento de um resgate, Rm 3.24, Ef 1.7, Hb 9.15. No nível escatológico, Rm 8.23, Ef. 4.30; agorazo, comprar, I Co 6.19-20, Ap 5.9; ekagorazo, comprar para libertar, Gl 3.13,Ef 5.16, Cl 4.5; peripoiéo, redimir, adquirir, At. 20.28.
Assim, quando estávamos sob a escravidão do pecado e a Satanás – Jo 8.34, II Co 4.3-4, Cristo pagou nossa alforria. II Pe 2.1. Ele nos tirou do pelourinho, Gl 3.13 (cf. Os 3.1-5), e nos deu plena liberdade, Mt 20.28.
Dentro da teologia reformada, a idéia de redenção nos leva a outros conceitos que enriquecem a soteriologia. Vejamos algumas delas:
2. Propiciação
O conceito propiciação (hilastérion) do verbo grego hilascomai traduz a idéia de satisfazer através do sangue. E não significa apenas expiar, no sentido de anular, mas dar uma satisfação plena. Nesse sentido, o conceito propiciação está intimamente ligado ao de justiça de Deus.
Propiciação está ligada à idéia de justiça porque Deus é o absoluto moral do universo. Por isso, Ele manifesta sua orgé e seu tumós, que traduzimos por ira, contra o pecado.
Segundo Lutero, “a ira é o justo juízo de Deus contra a injustiça”. Isto porque, com o pecado, Deus é o grande injustiçado, pois o pecado diz que Deus não é Deus, que Deus não é amor, que Deus não é justo. Diante dessa acusação injusta do pecador contra Deus, Deus deve ser desculpabilizado. Esse é o sentido da ira e da necessidade da propiciação.
No Antigo Testamento, essa ira de Deus contra o pecado é mencionada 585 vezes e está presente no Novo Testamento, cf. Jo 3.36, Rm 1.18+, 9.22, Ef 5.6, II Ts 1.7-9, Hb 10.27, 12.29.
3. Justificação
O conceito justificação que aparece no Novo Testamento como dikaióo, justificar, tratar como justo, dikaios, justo, honrado, reto, e dikaiosine, justiça, honestidade, integridade traduz a idéia ato de declarar alguém justo. Rm 3.19-26, II Co 5.21, At 13.39, Rm 5.9, 8.30-31, Ef 1.4, Tt 3.7, Jd 24. Ou seja, não fala de uma atitude de neutralidade de Deus para conosco, mas de uma condição que nos é imputada, enquanto dom jurídico de Deus que é apropriado pela fé. At 13.39, Rm 5.1, Gl 2.16-17, 3.11-14, Rm 3.21-16.
Teologicamente, o conceito de justificação dá lugar a duas alternativas: a demonstração de uma necessidade, ou seja, de que o ser humano não pode ser diferente daquilo que lê é, pecador; e o esclarecimento da possibilidade: o ser humano, em Cristo, pode ter nova determinação, diferente daquela do estado de necessidade.
Assim, somos justificados pela morte de Cristo na cruz, Rm 5.9, e por sua justiça, estamos em Cristo, somos membros do seu Corpo e Deus habita em nós, I Co 6.15-19.
4. Reconciliação
Katallasso e apokatallasso traduzem a idéia de fazer as pazes ou trocar a inimizade pela amizade, cf. Rm 5.10-11, II Co 5.18-21, Ef 1.10, 2.16, Cl 1.20-22., que nós comumente traduzimos por reconciliação.
Este conceito traduz dois aspectos. Ao morrer, propiciando a ira de Deus, Cristo nos coloca numa situação em que podemos fazer as pazes com Deus, ou como afirma Paulo, “Deus reconciliou consigo o mundo através de Cristo”, II Co 5.19. O segundo aspecto dessa reconciliação é que somente pela fé a paz pode ser completada. A graça e os benefícios da cruz de Cristo só se concretizam através da fé. Assim, o segundo aspecto da reconciliação é o relacionamento pessoal entre Deus e o ser humano que crê nele. Essa verdade aparece na parábola do filho pródigo e é o clamor que encontramos em Paulo, II Co 5. 19-20.
5. Substituição
Este conceito não é aceito por muitos teólogos, entre eles John Stott (vide A Cruz de Cristo, São Paulo, ed. Vida), porque aparece no Novo Testamento sempre através de preposição, como negativa, anti (em grego), ”no lugar de”, cf. Mt 20.28, Mc 10.45, I Tm 2.6, e como substitutiva hyper (em grego), “pelo benefício de” ou “no lugar de”, cf. II Co 5.15, 21, I Pe 2.21-24, Rm 5.6-8.
A idéia da substituição é mais abrangente do que dizer que Cristo morreu no lugar dos pecadores. Para os defensores da substituição, (1) o castigo é removido porque Cristo morreu no nosso lugar, (2) a justiça de Cristo nos é imputada, (3) porque Jesus Cristo é Deus e ser humano, sua morte na cruz tem um valor infinito para todos que crêem. Assim, conforme acreditavam os pais da Igreja, é a substituição que possibilita, no escaton, a nossa deificação.
Quando utilizamos o conceito escaton estamos nos referindo à teoria cristã do destino, onde os propósitos últimos de Deus para humanidade (morte, ressurreição, juízo final) e para mundo (a criação de novos céus e nova terra) são apresentados enquanto teologia dos últimos acontecimentos ou escatologia.
É interessante ver ainda que a substituição implica em disposição testamentária, quer dizer representação por Cristo. Mas, traduz também a idéia de troca de um corpo por outro corpo. Tem também uma leitura fideicomissária, onde Cristo, herdeiro e legatário, recebe a herança e o legado, para transmitir, por sua morte, àqueles que substituiu
6. Perdão dos pecados antes da Cruz
Os pecados dos seres humanos que sentiram a dor e tiveram consciência de sua miserabilidade, ou seja, arrependidos, foram perdoados através da cruz, porque o sistema de sacrifícios no mundo antigo (que é anterior a Israel) era um símbolo do sacrifício vicário do Filho de Deus. Rm 3.25, Hb 9.15, 10.1-14.
7. O fim da lei mosaica
Em Romanos 10.14 lemos que “o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê”. Quando relacionamos este versículo com outros (Rm 3.19-20, 27-28, 4.14-16, 8.2-4, II Co 3.6-11,Gl 5.1-25, Ef. 2.8-10, Fp 3.9, Cl 2.14), vemos que o propósito da lei era (1) revelar o caráter de Deus, (2) orientar o povo nas áreas sócio-culturais e morais, (3) levar a pessoa à santidade e (4) condenar o pecador, levando-o ao arrependimento e à dependência através da fé na graça de Deus.
Mas o que a lei não pode fazer é justificar o pecador (At 13.39, Rm 3.19-20). Assim, fora da cruz não há salvação. A lei mostra a necessidade de justificação, mas não tem a solução (Rm 8.2-4, Gl 3.22).
Por isso, em Cristo, há uma nova lei (Gl 6.2): “a lei do Espírito da vida em Cristo” (Rm 8.2, 13.8-10, II Co 3.17, I Jo 3.22-24) ou “a lei do amor” (Gl 5.6, 13-18). Essa lei é interna, vem do Espírito.
É importante notar que o espírito da lei antiga, ou seja, sua moralidade, é paralela à nova. Assim, nove dos dez mandamentos aparecem no Novo Testamento, mas como expressão da vida controlada pelo Espírito.
A lei do sábado, que não se repete no Novo Testamento, não existe mais, cf. Cl 2.16, 20-23, Rm 14.5-6, Gl 4.10, I Tm 4.3-4. Fica, portanto, o conceito moral do descanso. Mas, há uma polêmica que permanece: podemos dizer, a partir do Novo Testamento, que o dia do Senhor, assim chamado por causa da ressurreição, é o sábado cristão?
Diante de questões como essa, prefiro dizer que a nova lei do Espírito, embora seja a lei da liberdade cristã, exige de fato mais do crente, pois o Espírito age em cada pessoa dando convicção e direção. E aqui temos que entender a beleza da liberdade cristã: em alguns ele proíbe costumes como o café, vinho, rock, televisão (para citar poucos exemplos), em outros não. Devemos entender a proibição como uma forma de testemunho. Nesses casos, desobedecer é pecar.
8. Adoção como filhos
Esse é um conceito eminentemente paulino, e tem por base uma leitura hermenêutica da família romana. Para Paulo não somos apenas filhinhos (recém-nascidos, crianças) de Deus, mas através da cruz podemos chegar a herdeiros maduros, plenos, filhos provados e dignos, cf. Rm 8.14-17, Gl 3.23-26, 4.1-7.
Não podemos nos esquecer que tal perfilhamento implica em reconhecimento legal, do filho ilegítimo, por Deus, o que implica em termo de nascimento, por declaração vicária e testamentária.
9. A obra do Espírito
A pergunta que move o entendimento desta questão é: como pode o Espírito que é santo operar nas vidas dos pecadores? A resposta é: a cruz possibilitou a ação graciosa, e não meramente jurídica, do Espírito Santo na vida humana.
É a cruz que cria a base para a obra do Espírito na supressão do pecado no mundo (Rm 8.2-6): para o convencimento do pecado e da verdade em Cristo (Jo 16.8-11), para a regeneração – o novo nascimento e a vida eterna (Tt 3.5, Jo 3.1-7), para o batismo do Espírito (I Co 12.13, Rm 6.1-11), para o selo do Espírito (Ef 1.13+, 4.30) e para a habitação do Espírito (I Co 6.19).
10. A base da santificação
O Espírito Santo atua em cada um de nós, a partir da cruz e da nossa fé, separando-nos do pecado e aperfeiçoando-nos a cada dia à imagem de Cristo. Assim, podemos dizer que a santificação cobre três aspectos: (1) é posicional, enquanto estado do ser crente, cf. I Co 1.2, 6.11, Hb 10.10,14; (2) é experiencial, enquanto luta diária e permanente do fiel, cf. I Pe 1.15-16, I Ts 4.3; e (3) é futura, enquanto completude no escaton, cf. I Jo 3.1-2, Ef. 5.26-27, Jd 24-25, I Co 15.12.
Fator histórico. Helenos e cristãos: O cristianismo deixa de ser judeu e palestino. Em um sentido amplo, helenismo refere-se à influência que a cultura grega (helênica, de Hellas, ou Grécia) passou a ter no Império Próximo (Mediterrâneo Oriental: Síria, Egito, Palestina, chegando até a Pérsia e Mesopotâmia) após a morte de Alexandre (323 a. C.) e em conseqüência de suas conquistas. Como um dos períodos em que se divide tradicionalmente a história da filosofia, o helenismo vai da morte de Aristóteles (322aC) ao fechamento das escolas pagãs de filosofia no Império do Oriente pelo imperador Justiniano (525dC). O período do helenismo é marcado na filosofia pelo desenvolvimento das escolas vinculadas a uma determinada tradição, destacando-se a Academia de Platão, a escola aristotélica, a escola epicurista e estóica, o ceticismo e o pitagorismo. Nessa época, houve uma tendência predominante ao ecletismo e muitos filósofos sofreram a influência de diferentes escolas. O principal centro de cultura do helenismo foi Alexandria no Egito. A partir dessa reflexão filosófica deu-se a Teologia. Implicações: escândalo para judeus – a questão da deidade de Jesus como heresia; conflito entre o conceito de messias político e o messias de amor.Perigo para os Romanos – ameaça a ideologia de Culto a César: perigo político.
A busca pela expansão: o cristianismo é de caráter missionário quanto à pregação. Aspectos da Pregação: destemida: “é honra morrer por Cristo”; arriscavam a vida e eram considerados heróis por serem leais a Cristo, desconsideravam a autoridade de César se caso se opusesse aos ensinos de Cristo. De 96 d.C. (Dominiciano) a 180 d. C. (Marco Aurélio) a prudência política dos romanos evitou mortes por razões humanitárias (Tertuliano: “o sangue é semente”). Após 235 d. C. (Morte de Alexandre Severo) houve perseguição acirrada e muitas conversões. Por volta de 300 a. C. , um terço da população do império já era cristã.
A vida divide-se em antes e depois dele. A cada 25 de dezembro, dois bilhões de pessoas celebram o nascimento de um palestino moreno, de cabelos longos, segundo alguns de olhos castanhos e nariz adunco, como sugerem as marcas de sangue e suor impressas num lençol de linho guardado como relíquia pelos católicos. Foi com esse possível biotipo que ele morreu, com cerca de 30 anos. Mesmo aqueles que nunca entraram para seu rebanho reconhecem a data. É a partir dela que dias, semanas, meses, anos, séculos e milênios são contados. Como a infinitude do tempo, esse homem de Nazaré se mantém vivo.
Nenhuma vida foi tão esmiuçada e tão cercada de mistérios. Proclamado filho de Deus, ele rompe o terceiro milênio cercado da fé, das dúvidas e da curiosidade de cristãos e não-cristãos. Como teria nascido? Como viveu? Quem foi ele? Bilhões de pessoas seguem extasiadas esse personagem inacabado, obra aberta a desafiar místicos, teólogos e cientistas. Mas não há explicação capaz de oferecer a versão definitiva, irrefutável, sobre o filho de Maria.
E no correr dos séculos foi transformado no símbolo de um dilema: ou os povos assimilam a convivência respeitosa num mundo marcado por diferenças -- daí os diálogos inter-religiosos que procuram reconciliar católicos, judeus e protestantes -- ou aprofundam os contrastes, raiz da proliferação do fundamentalismo. O mais estranho é que, na encruzilhada da civilização, cristãos e não-cristãos voltam ao começo de tudo.
Não restam dúvidas sobre sua passagem pelo planeta: Jesus viveu nesta Terra. Muitos estudiosos consideraram que em relação a tal fato existem mais fontes confiáveis do que em relação a Sócrates, cuja existência foi basicamente testemunhada por um único discípulo, Platão. Mas não é possível discorrer com a mesma segurança sobre a data de nascimento e a de morte de Jesus.
Um recenseamento promovido na Palestina por Herodes, interessado em regularizar a cobrança de impostos, forneceu evidências de que ele teria nascido cerca de seis anos antes do chamado ano zero. Teria morrido às vésperas da Páscoa judaica, numa sexta-feira. Conferindo calendários antigos, verifica-se que duas sextas-feiras coincidiram com a celebração naquele período: nos anos 30 e 33 da Era Cristã.
O Cristo da fé
Juntamente com a crença na Trindade, a teologia da encarnação ocupa uma posição central nos ensinamentos da igreja. Jesus é mais que um homem santo ou um mestre de moralidade. Ele é o Filho de Deus que se tornou Filho do Homem. A teologia da encarnação é uma expressão da experiência do Cristo na igreja. Nele, a divindade está unida à humanidade, sem a destruição de nenhuma dessas realidades. Jesus Cristo é verdadeiramente Deus, que tem em comum a mesma realidade igualmente com o Pai e o Espírito. Ele é verdadeiramente homem que compartilha com todos nós o que é humano. E como único Deus-homem, Jesus Cristo colocou a humanidade em comunhão com Deus.
Pela manifestação da Trindade, pelo ensinamento do significado da autêntica vida humana, e pela vitória sobre os poderes do pecado e da morte (I Co 15, Cl 1.19-20) através da ressurreição, Cristo é a expressão suprema do amor de Deus o Pai, por seu povo, tornado presente em cada época e em cada lugar pelo Espírito Santo através da vida da igreja. Os pais da igreja resumiram o ministério de Cristo nesta clara afirmação: "Deus tornou-se o que nós somos de tal maneira que nós podemos nos tornar o que Ele é."
É um risco separar Jesus e Cristo, ou ver a ação salvífica num e em outro não, ou teologicamente afirmar que há uma ação salvífica no Cristo em sua divindade, separada da humanidade do Cristo encarnado. É fundamental levar em conta, teologicamente, os dois aspectos complementares da cristologia. Ao dado da união das duas naturezas de Jesus, o Cristo, temos que compreender a questão da distinção, que nos alerta para o fato de que não há confusão entre essas duas naturezas. O monofisismo se apresenta entre nós, quando iniciamos uma caminhada em direção à predileção por uma das naturezas do Cristo, no caso, a tendência de absorção da natureza humana na divina. Mas há um monofisismo invertido, que é um outro risco, atualmente menos comum, que é o da absorção da natureza divina na humana, ocasionando uma redução da divindade da pessoa do Verbo.
A ação humana de Jesus é a ação do Cristo encarnado, mas há uma ação divina que permanece sempre distinta da humana. Assim, há uma ação contínua do Logos antes e depois da encarnação, mas sem que isto signifique a negação do evento cristológico como concentração insuperável da auto-revelação divina. Isto porque a economia do Cristo encarnado constitui a revelação de uma economia mais ampla, a do Cristo eterno de Deus.
A revelação de nosso Jesus, o Cristo, oferece à humanidade tudo o que é necessário para a salvação, não necessitando ser completada por qualquer outra ação ou processo, que não seja o arrependimento e a obediência. O evento Jesus, sem deixar de ser revelação universal da vontade de Deus, permanece particular em razão de sua historicidade. Significa que tal evento não diminui a potência salvífica de Deus, pois a ação universal do Cristo e do Espírito Santo não se circunscreve à humanidade de Jesus. Por isso não se pode reduzir Jesus a uma figura salvífica entre outras. A revelação operada em Jesus Cristo é definitiva e insuperável. Seria um erro absurdo entender a ação do Espírito Santo deslocada da economia salvífica universal do Cristo encarnado. Na historicidade da igreja, é fundamental insistir na conjunção da cristologia com a pneumatologia, a fim de preservar a centralidade do evento Cristo. Irineu, pai da igreja, utiliza uma metáfora para nos explicar essa conjunção – que logicamente como qualquer metáfora tem suas limitações. Ele fala das duas mãos de Deus que operam juntas economia da salvação: a mão do Cristo e a mão do Espírito Santo. Mãos que atuam unidas, mas são distintas e complementares. Assim, a presença do Espírito na obra do Cristo encarnado não põe um fim na atuação do Espírito Santo depois do evento-Cristo. O Espírito Santo estava presente e operante antes da glorificação do Cristo e continua presente hoje.
A revelação universal do Cristo não pode nos levar a considerar as religiões do mundo como caminhos complementares ao do corpo de Cristo. Quando muito a universalidade da revelação presente nessas religiões assumem um papel de preparação evangélica para a compreender no evento Cristo, não podendo ser consideradas caminhos de salvação. Ao longo da história cristã foram comuns injustiças e a perseguições aos grupos, denominações e religiões que discordavam do cristianismo hegemônico naquele momento. Ações essas que violentam a imago Dei, o livre-arbítrio e a compreensão da ação salvífica do Cristo. Grupos, denominações e mesmo religiões não-cristãs não se resumem à mera representação de uma busca humana de Deus, mas traduzem a revelação universal de Deus, através da qual Ele tem se automanifestado à humanidade. São parte do processo de envolvimento pessoal de Deus com a humanidade, que atravessa a história, tendo como centro salvífico o evento Cristo.
Jesus, o Cristo, é aquele que revela o Pai. Quando Deus dá-se a conhecer, de forma direta e especial, o faz através de seu Filho, em carne e osso. E é justamente essa verdade revelada em Cristo, que deve dirigir toda a nossa compreensão do ser humano e da igreja de Cristo. Jesus Cristo é Deus e homem, consubstancialmente perfeito e pleno. Nesse sentido, entendemos que o Cristo encarnado possibilita uma compreensão do que é a humanidade, traduzindo numa linguagem cheia de vida os conteúdos fundamentais daquilo que está dito em Gênesis sobre o homem, antes do pecado. O Cristo revelado é a dimensão mais profunda do humano, a dimensão que traduz aquilo que o cristão é: filho adotado do amor e da graça de Deus, criado para o louvor, honra e glória do Deus eterno.
Assim, o corpo de Cristo sobre a terra é uma nova vida com Cristo e em Cristo, dirigida pelo Espírito Santo. A luz da ressurreição de Cristo reina sobre a igreja (I Co 15.3-8) e a alegria da ressurreição, do triunfo sobre a morte, compenetra-se nela. O Senhor ressuscitado vive conosco e nossa vida é uma vida misteriosa em Cristo. Os cristãos levam este nome precisamente porque são de Cristo, vivem em Cristo e Cristo vive neles. A encarnação não é unicamente uma idéia ou uma teologia; é antes de tudo um fato que se produziu uma vez no tempo, mas que possui a força da eternidade. E esta encarnação perpetua, sem confusão, as duas naturezas: a natureza divina e a natureza humana. A igreja é o corpo de Cristo, enquanto unidade de vida com Ele. Expressa-se a mesma idéia quando se dá à igreja o nome de esposa de Cristo ou esposa do Verbo. A igreja, enquanto corpo de Cristo não é Cristo-Deus-homem, pois ela não é mais que sua humanidade; mas é a vida em Cristo e com Cristo, a vida de Cristo em nós: "Não sou mais eu quem vive, é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20).
A igreja, em sua qualidade de corpo de Cristo, que vive da vida de Cristo, é por Ele mesmo o domínio, onde está presente e onde opera o Espírito Santo. Eis aqui, porque se pode definir a igreja como uma vida bendita no Espírito Santo. A igreja é obra da encarnação do Verbo, ela é encarnação: na igreja Deus se assimila à natureza humana e através da igreja o corpo se assimila à natureza divina. É a santificação, que os pais chamavam deificação (Zeosis) da natureza humana, conseqüência da união de duas naturezas em Cristo. Assim, a igreja é o corpo de Cristo: enquanto igreja participamos da vida divina da Trindade. Ela é a vida em Cristo, é o corpo de Cristo, que permanece unida à Trindade.
Jesus num mundo de exclusão
A primeira parte da missão de Jesus (4.14–9.50) é toda situada na Galiléia (cf. 23.5; At 10.37). Ao contrário de Mateus (15.21; 16.13) e Marcos (7.24-31; 8.27), Lucas abre a comissão de Jesus com a cena da pregação na sinagoga de Nazaré (4.16-30), que descortina toda a seqüência do evangelho: o anúncio da salvação fundamentado nas promessas do Antigo Testamento e inspirado pelo Espírito Santo, a salvação dos pagãos, a rejeição de seus compatriotas e a tentativa de assassinato. No texto, Lucas descreve duas questões centrais: em primeiro lugar o programa de Jesus e, em segundo lugar, o destinatário da mensagem. Assim, os versículos 18 e 19 apresentam o programa e os versículos 23-27 seu público, os gentios.
Jesus foi ungido, escolhido por Deus, e sob a ação do Espírito Santo – ação esta que caracteriza o verdadeiro profeta – tem como missão proclamar e libertar. Seu programa é formado por quatro pontos: anunciar a boa nova aos pobres, proclamar a libertação aos cativos, dar vista aos cegos, por em liberdade os oprimidos. O programa destaca duas idéias a de anunciar, proclamar, e a de libertar, salvar.
A idéia de proclamar está presente no Antigo Testamento, já que a missão profética era, sobretudo, proclamatória. De Samuel a Jeremias – incluídos nesse período de ouro homens como Samuel, Natã, Gade, Azarias, Elias, Eliseu, Joel, Miquéias, Micaías, Isaías e Jeremias -- esses anunciadores da vontade de Deus falaram aos reis e ao povo. Advertiam, repreendiam, encorajavam. Falavam de julgamentos e de promessas espetaculares. Traduziam grandeza de caráter e força moral. E assim também foi o último período da profecia hebraica, de Ezequiel a Malaquias. No período helênico, graças às reuniões nas casas de oração, sinagogas, a proclamação se generalizou. As Escrituras eram lidas e interpretadas. João, o batista, foi um anunciador da chegada do reino. E Jesus, ali na sinagoga de Nazaré, colocou em seu programa a tarefa da proclamação.
O conceito de libertação no Antigo Testamento parte da idéia de livramento e de segurança. A pessoa de um libertador no AT traduz sempre a imagem do libertador como alguém que arrebata um povo da destruição (Jz 18.28). E no Novo Testamento, o libertador era aquele que soltava os israelitas da escravidão (At 7.35), ou que arrancaria a nação da impiedade (Rm 11.26). Para todo o judeu, na época de Jesus, o ato mais característico de libertação ocorreu sob a liderança de Moisés, quando Deus salvou seu povo da escravidão aos egípcios e o libertou no deserto do Sinai (Ex 12.31—14. 31). É fundamental entender que a libertação da escravidão egípcia definiu para os judeus do período helênico o paradigma da libertação como um ato de Deus que não visava apenas o alívio de uma situação desastrosa. Mas, e aí está a chave do conceito de aliança, para que livres possam servi-lo. Essa idéia fundamenta o conceito de aliança e da espiritualidade judaica até o primeiro século.
O texto usado por Jesus é a leitura de Isaías 61.1-2. Ao ler o texto e dizer que ele próprio é o cumprimento da profecia, Jesus cria uma nova hermenêutica, que será amplamente utilizada por todos os escritores do Novo Testamento. Ele é o intérprete inspirado, ungido, no cumprimento do que foi anunciado e que está presente nesse kairós para o desenlace dos últimos tempos – proclamar o ano aceitável do Senhor. Partindo dessa hermenêutica, os escritores do NT, e Lucas entre eles, lerão o Antigo Testamento à luz do evento Jesus.
Uma característica marcante que se destaca na personalidade de Jesus é a sua liberdade. Liberdade policrômica e polifônica, que abrange os mais diversos registros de expressão e, talvez, seja a chave para explicar o fascínio exercido por ele sobre os que o rodeavam. Liberdade de iniciativa e de movimentos, como desenvoltura e franqueza para falar, com clareza quando toma alguma posição, instrui ou critica. Demonstra grande liberdade em face das classes dominantes (Lc 13:31-33, João 7:1-10, João 10:18). Liberdade para ensinar (Mc 1:22).
Liberdade para escolher seus discípulos entre pessoas mal vistas. A liberdade de Jesus vai abrindo caminho entre os conflitos sociais, sem renunciar um só momento ao sentido do outro, à preocupação pela pessoa de carne e osso dentro de cada situação concreta. Liberdade que visa suscitar condições humanas adequadas a uma vida pessoal criativa e libertadora dos grilhões que a prendem ao passado e lhe tolhem o futuro. A radicalidade da liberdade de Jesus consiste na plenitude de sua inserção no mundo do pobre. A liberdade de Jesus constitui-se assim no fato pessoal fundamental ligado à pregação do Reino. Antes de ser tema de sua pregação, a liberdade e a libertação encontram expressão concreta na própria pessoa, no seu dinamismo criador, na sua originalidade irredutível. Jesus se mostra profundamente livre e, por isso, tanto a sua palavra como seus atos suscitam liberdade ali onde se fazem presentes. Neste sentido, sua prática fundadora de liberdade. Jesus liberta para o Reino.
Mas, qual é a missão?
Em meio a todas as questões que se levantam, uma pergunta surge: O que quis e veio trazer afinal Jesus, o Cristo, com a sua pregação? De uma forma breve a melhor resposta é: ser em sua própria pessoa a resposta de Deus à condição humana. Mas para entender Jesus como resposta à condição humana, precisamos compreender quais são as questões que demandam esta resposta. De uma forma geral podemos dizer que elas são geradas por um princípio-esperança gerador de constantes utopias de superação de felicidade plena, que faz parte do humano, seja qual for a sua cultura ou civilização. É neste contexto, que de certa forma esta presente em toda história humana, que surge um homem de Nazaré anunciando a resposta de Deus: o romper da nova ordem está próximo e será trazido por Deus (cf. Mc 1:14, Mt 3:17, Lc 4:18s).
Jesus não começou pregando a si mesmo, mas o Reino de Deus, que é indiscutivelmente o centro de sua mensagem. Mas o que era Reino de Deus para os ouvintes de Jesus? A realização da esperança de superação de todas as alienações humanas, da destruição de todo mal, seja físico, seja moral, do pecado, do ódio, da divisão, da dor e da morte. Isto aconteceria não numa outra vida, no céu, ou pós-morte. Esta utopia, anseio de todos os povos, é o objeto da pregação de Jesus. A sua promessa é que não será mais utopia, mas realidade a ser introduzida por Deus (Lc 4:18-19, 21).
Jesus torna-se libertador porque prega e inaugura o Reino de Deus. Reino este, que é a transformação global e estrutural da realidade estabelecida do homem e do cosmos, purificados de todos os seus males. Não é ser um outro mundo, mas transformar o mundo em novo. Ele apresenta o Reino como graça, acima de todos os esquemas anteriores de possíveis virtudes e merecimentos.
Os zelotas procuravam alianças para realizar a sua revolta militar; os sacerdotes obtinham a ajuda dos grandes poderes do mundo para manter a ordem sacra estabelecida; os fariseus insistiam na pureza da lei que pode conservar os fiéis impolutos dentro deste mundo corrupto; e os apocalípticos queriam congregar os restantes escolhidos para o tempo de julgamento que estava próximo. Jesus escolhe como destinatários do seu reino os últimos do mundo. É ocumprimento de uma das grandes utopias do AT, expressas no ano sabático ou do jubileu, que jamais foram realizadas como ideais sociais de forma definitiva. Os milagres de Jesus vêm mostrar que o Reino já esta presente e fermentando no velho mundo. Jesus anuncia o ano de graça do Senhor que não conhecerá ocaso.
A libertação promovida por este Reino abarca tudo: humano, sociedade, mundo, a totalidade da realidade deve ser transformada por Deus, a partir do próprio ser humano. A pregação do Reino se realiza em dois tempos: no presente e no futuro. Por isto Jesus entusiasma as massas. Ele tem consciência de que com ele já se iniciou o fim deste velho mundo. Jesus vai entender o messianismo e as categorias apocalípticas como os meios mais adequados para comunicar sua mensagem libertadora. Com essa linguagem ele participa dos desejos fundamentais do coração humano, de libertação e de uma nova ordem. A sua moral tem sentido messiânico e se exprime na forma de ruptura. Suplantando os princípios do seu povo, ele acolhe à mesa e na amizade os perdidos, expulsos da aliança.
Apesar destes elementos, a pregação de Jesus destaca-se das expectativas messiânicas do povo. Ele não alimenta o nacionalismo judeu; não diz nenhuma palavra de rebelião contra os romanos, nem faz qualquer alusão à restauração do rei davídico. Neste ponto, decepciona a todos. O que mais se ressalta no Jesus, o Cristo, é a autoridade com que anuncia o reino e o torna presente por sinais e gestos inauditos. Em Jesus, irrompe o tempo da libertação. Uma vez entendendo qual era a sua missão, é preciso saber qual a sua estratégia. Já que Reino de Deus significa uma revolução total, global e estrutural da velha ordem, Jesus faz duas exigências fundamentais: exige conversão da pessoa e postula uma reestruturação do mundo da pessoa.
O Reino atinge primeiro as pessoas. Delas se exige conversão, no sentido de mudar o modo de pensar e agir no sentido de Deus, portanto revolucionar-se interiormente. É um novo modo de existir diante de Deus e diante da novidade anunciada por Jesus. Implica sempre numa ruptura (Lc 12:51-52). É um não à ordem vigente (Lc 13:3,5). Ruptura até mesmo de uma religião que gerava uma consciência oprimida. Afinal, na religião judaica, ao tempo no NT, tudo estava prescrito e determinado, tanto nas relações com Deus como entre os homens. A Lei era amanifestação da vontade de Deus. Com isso a consciência sente-se oprimida por um fardo insuportável de prescrições legais (Mt 23:4).
Jesus levanta um protesto contra a escravização do homem em nome da lei (Mc
2:27). A pregação ética de Jesus pode ser resumida em uma frase: não é a lei que salva, mas o amor. Em outras palavras ele desteologiza a concepção da lei. A vontade de Deus não se encontra só nas prescrições legais e nos livros santos, mas se manifesta principalmente nos sinais dos tempos (Lc12:54-57). Deve ficar claro que, se Jesus liberta o homem das leis, não o entrega a libertinagem ou a irresponsabilidade. Antes pelo contrário, cria laços e ligações ainda mais fortes que os da lei. Liberdade sim, frente a lei. Contudo só para o bem e não para a libertinagem. Desta forma, ele deseja libertar o homem das convenções e dos preconceitos sociais. No Reino de Deus deve haver liberdade e igualdade fraterna. Nesta concepção, justiça supera o conceito clássico de dar a cada um o que é seu. Jesus vem anunciar uma igualdade fundamental. Ele confronta toda a subordinação desumanizadora a um sistema, seja social ou religioso.
Um outro aspecto deste processo de libertação, passa pelo mundo das pessoas, como por exemplo a libertação do legalismo, das convenções sem fundamento, do autoritarismo e das forças e potentados que subjugam o homem. Estas forças eram representadas particularmente pelos escribas e fariseus, que viviam espalhados por todo Israel, comandavam as sinagogas, possuíam enorme influencia sobre o povo e para cada caso tinham uma solução que arrancavam pelos cabelos das tradições religiosas do passado e dos comentários da lei mosaica. Quanto a eles Jesus declara que dizem e nada fazem. Atam pesadas cargas de preceitos e leis e põem-nas nos ombros dos outros.
Jesus prega que para entrar no Reino não basta fazer o que a lei ordena. A presente ordem das coisas não pode salvar o homem da sua alienação fundamental. Ela é uma desordem. Urge uma mudança de vida e uma reviravolta nos fundamentos da velha situação. Por isso os marginalizados da ordem vigente estão mais próximos do Reino de Deus que os outros. Jesus vai além das fronteiras da lei, para o local onde habitam aqueles a quem o povo e os letrados consideram pecadores. Ele veio de forma provocativa.
Podia ter vindo de maneira mais interna, silenciosa, oculta. Podia ter se mostrado como um homem espiritual, prudente. Preferiu, no entanto, comportar-se escandalosamente: sentou à mesa com os pecadores, oficiais de seu povo (publicanos e prostitutas), convidando-os assim para o banquete novo de seu Reino. Ele rompe as convenções sociais da época, não se atém às convenções religiosas e não respeita as divisões de classes. Ele realiza sua ação no reverso da história.
A cruz de Cristo na soteriologia
Diante dessas questões que pontuam a fé que professamos, a cristologia. se coloca como centro da doutrina cristã, intimamente ligada à soterologia. E são essas duas que analisaremos neste texto.
1. O que é o evangelho?
São boas notícias, cf. I Ts 3.6. A mensagem do evangelho é a boa notícia de que o reino de Deus é chegado: Mc 1.14-15, Mt 4.23, Lc 4. 18; 7.22. Mas é também crescimento espiritual: Fp 2.12; I Pe 1. 5, 9.
É interessante lembrar que Orígenes, prenunciando uma teologia dialética da unicidade e universalidade da revelação, falou de um evangelium aeternum (De principiis IV, 1), através do qual Deus revela verdades aos seres humanos de todas as épocas, com a finalidade de integrar a revelação contida no evangelho histórico.
Qual é a relação do evangelho com a graça?
A graça, o amor incondicional de Deus oferecido gratuitamente, através da fé daquele que ouve a mensagem do evangelho, salva para a vida eterna. I co 15.1-5; Ef 1. 13; Rm 1.16; 15. 18-21; Gl 1.8-9; Mt 28.19.
Tomás de Aquino afirmou que a preparação do ser humano para a graça tem o livre-arbítrio como movimento e Deus como móvel. “Ela pode ser considerada sob dois aspectos: no primeiro, depende do livre-arbítrio e não implica a necessidade de obter a graça, porque o dom da graça excede qualquer preparação da virtude humana; no segundo aspecto, tem Deus como móbil e implica a necessidade de obter a graça, que é determinada por Deus, embora não se trate de uma necessidade proveniente da coação, mas da infabilidade, porquanto a intenção de Deus não pode deixar de ter efeito”. (Summa Theologiae, ed. Caramello, Torino, 1950, III, q. 112-113).
Luís de Molina, partindo de Tomás de Aquino, considerou dois tipos de graça: a suficiente, dada a todos os seres humanos como condição necessária à salvação; e a eficaz, que infalível segue a boa vontade humana. (Liberi arbitri cum gratiae donis, divina praescientia, providentia, praedestinatione et reprobatione concordia).
2. O que é a salvação?
De sotérion e soteria é o ato de saldar do poder e dos efeitos do pecado. O sentido geral, tanto no Antigo Testamento como no Novo, é o de livrar das opressões, materiais e espirituais: Ex 14.13, 15.2; Is. 46.13, 52.10-11; Os 1.7; Jó 30.15; Mt 14.30, Jo 12.27, Mt 9. 22, Lc 8.36, At 4.9; Rm 11.26-27.
3. Os tempos da soteriologia
Quando falamos em salvação, falamos nos tempos dessa salvação na vida humana em particular e na vida da humanidade. Assim, a salvação tem (1) um tempo pretérito, II Tm 1.8-9, que fala de perdão jurídico, Rm 5.9, Ef 1.7; (2) um tempo presente, Tg 1.21, I Pe 1.9, que fala de liberdade, Lc 9.23+, Rm 5.10, Gl 5. 16, 25; e (3) um tempo futuro, Rm 13.11, que fala da glorificação, Fp 3.20-21, Gl 1.4, I Pe 1.5, 3.20-21.
A cruz e suas realizações
1. Redenção.
Alforria, ato de comprar a liberdade. Daí, temos expressões como comprador, remidor, resgate. Rt 3-4, Os 3.1-5, Is 43.3,10-14, 44.6.
No Novo Testamento temos seis expressões gregas que traduzem a idéia de alforria e redenção: lutron, que podemos traduzir por “pagamento para livrar”: Mt 20.28, Mc 10.45; lutróo, comprar/libertar, Lc 24.21, Tt 2.14, I Pe 1.18-19; apolútrosis, alforria através de pagamento de um resgate, Rm 3.24, Ef 1.7, Hb 9.15. No nível escatológico, Rm 8.23, Ef. 4.30; agorazo, comprar, I Co 6.19-20, Ap 5.9; ekagorazo, comprar para libertar, Gl 3.13,Ef 5.16, Cl 4.5; peripoiéo, redimir, adquirir, At. 20.28.
Assim, quando estávamos sob a escravidão do pecado e a Satanás – Jo 8.34, II Co 4.3-4, Cristo pagou nossa alforria. II Pe 2.1. Ele nos tirou do pelourinho, Gl 3.13 (cf. Os 3.1-5), e nos deu plena liberdade, Mt 20.28.
Dentro da teologia reformada, a idéia de redenção nos leva a outros conceitos que enriquecem a soteriologia. Vejamos algumas delas:
2. Propiciação
O conceito propiciação (hilastérion) do verbo grego hilascomai traduz a idéia de satisfazer através do sangue. E não significa apenas expiar, no sentido de anular, mas dar uma satisfação plena. Nesse sentido, o conceito propiciação está intimamente ligado ao de justiça de Deus.
Propiciação está ligada à idéia de justiça porque Deus é o absoluto moral do universo. Por isso, Ele manifesta sua orgé e seu tumós, que traduzimos por ira, contra o pecado.
Segundo Lutero, “a ira é o justo juízo de Deus contra a injustiça”. Isto porque, com o pecado, Deus é o grande injustiçado, pois o pecado diz que Deus não é Deus, que Deus não é amor, que Deus não é justo. Diante dessa acusação injusta do pecador contra Deus, Deus deve ser desculpabilizado. Esse é o sentido da ira e da necessidade da propiciação.
No Antigo Testamento, essa ira de Deus contra o pecado é mencionada 585 vezes e está presente no Novo Testamento, cf. Jo 3.36, Rm 1.18+, 9.22, Ef 5.6, II Ts 1.7-9, Hb 10.27, 12.29.
3. Justificação
O conceito justificação que aparece no Novo Testamento como dikaióo, justificar, tratar como justo, dikaios, justo, honrado, reto, e dikaiosine, justiça, honestidade, integridade traduz a idéia ato de declarar alguém justo. Rm 3.19-26, II Co 5.21, At 13.39, Rm 5.9, 8.30-31, Ef 1.4, Tt 3.7, Jd 24. Ou seja, não fala de uma atitude de neutralidade de Deus para conosco, mas de uma condição que nos é imputada, enquanto dom jurídico de Deus que é apropriado pela fé. At 13.39, Rm 5.1, Gl 2.16-17, 3.11-14, Rm 3.21-16.
Teologicamente, o conceito de justificação dá lugar a duas alternativas: a demonstração de uma necessidade, ou seja, de que o ser humano não pode ser diferente daquilo que lê é, pecador; e o esclarecimento da possibilidade: o ser humano, em Cristo, pode ter nova determinação, diferente daquela do estado de necessidade.
Assim, somos justificados pela morte de Cristo na cruz, Rm 5.9, e por sua justiça, estamos em Cristo, somos membros do seu Corpo e Deus habita em nós, I Co 6.15-19.
4. Reconciliação
Katallasso e apokatallasso traduzem a idéia de fazer as pazes ou trocar a inimizade pela amizade, cf. Rm 5.10-11, II Co 5.18-21, Ef 1.10, 2.16, Cl 1.20-22., que nós comumente traduzimos por reconciliação.
Este conceito traduz dois aspectos. Ao morrer, propiciando a ira de Deus, Cristo nos coloca numa situação em que podemos fazer as pazes com Deus, ou como afirma Paulo, “Deus reconciliou consigo o mundo através de Cristo”, II Co 5.19. O segundo aspecto dessa reconciliação é que somente pela fé a paz pode ser completada. A graça e os benefícios da cruz de Cristo só se concretizam através da fé. Assim, o segundo aspecto da reconciliação é o relacionamento pessoal entre Deus e o ser humano que crê nele. Essa verdade aparece na parábola do filho pródigo e é o clamor que encontramos em Paulo, II Co 5. 19-20.
5. Substituição
Este conceito não é aceito por muitos teólogos, entre eles John Stott (vide A Cruz de Cristo, São Paulo, ed. Vida), porque aparece no Novo Testamento sempre através de preposição, como negativa, anti (em grego), ”no lugar de”, cf. Mt 20.28, Mc 10.45, I Tm 2.6, e como substitutiva hyper (em grego), “pelo benefício de” ou “no lugar de”, cf. II Co 5.15, 21, I Pe 2.21-24, Rm 5.6-8.
A idéia da substituição é mais abrangente do que dizer que Cristo morreu no lugar dos pecadores. Para os defensores da substituição, (1) o castigo é removido porque Cristo morreu no nosso lugar, (2) a justiça de Cristo nos é imputada, (3) porque Jesus Cristo é Deus e ser humano, sua morte na cruz tem um valor infinito para todos que crêem. Assim, conforme acreditavam os pais da Igreja, é a substituição que possibilita, no escaton, a nossa deificação.
Quando utilizamos o conceito escaton estamos nos referindo à teoria cristã do destino, onde os propósitos últimos de Deus para humanidade (morte, ressurreição, juízo final) e para mundo (a criação de novos céus e nova terra) são apresentados enquanto teologia dos últimos acontecimentos ou escatologia.
É interessante ver ainda que a substituição implica em disposição testamentária, quer dizer representação por Cristo. Mas, traduz também a idéia de troca de um corpo por outro corpo. Tem também uma leitura fideicomissária, onde Cristo, herdeiro e legatário, recebe a herança e o legado, para transmitir, por sua morte, àqueles que substituiu
6. Perdão dos pecados antes da Cruz
Os pecados dos seres humanos que sentiram a dor e tiveram consciência de sua miserabilidade, ou seja, arrependidos, foram perdoados através da cruz, porque o sistema de sacrifícios no mundo antigo (que é anterior a Israel) era um símbolo do sacrifício vicário do Filho de Deus. Rm 3.25, Hb 9.15, 10.1-14.
7. O fim da lei mosaica
Em Romanos 10.14 lemos que “o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê”. Quando relacionamos este versículo com outros (Rm 3.19-20, 27-28, 4.14-16, 8.2-4, II Co 3.6-11,Gl 5.1-25, Ef. 2.8-10, Fp 3.9, Cl 2.14), vemos que o propósito da lei era (1) revelar o caráter de Deus, (2) orientar o povo nas áreas sócio-culturais e morais, (3) levar a pessoa à santidade e (4) condenar o pecador, levando-o ao arrependimento e à dependência através da fé na graça de Deus.
Mas o que a lei não pode fazer é justificar o pecador (At 13.39, Rm 3.19-20). Assim, fora da cruz não há salvação. A lei mostra a necessidade de justificação, mas não tem a solução (Rm 8.2-4, Gl 3.22).
Por isso, em Cristo, há uma nova lei (Gl 6.2): “a lei do Espírito da vida em Cristo” (Rm 8.2, 13.8-10, II Co 3.17, I Jo 3.22-24) ou “a lei do amor” (Gl 5.6, 13-18). Essa lei é interna, vem do Espírito.
É importante notar que o espírito da lei antiga, ou seja, sua moralidade, é paralela à nova. Assim, nove dos dez mandamentos aparecem no Novo Testamento, mas como expressão da vida controlada pelo Espírito.
A lei do sábado, que não se repete no Novo Testamento, não existe mais, cf. Cl 2.16, 20-23, Rm 14.5-6, Gl 4.10, I Tm 4.3-4. Fica, portanto, o conceito moral do descanso. Mas, há uma polêmica que permanece: podemos dizer, a partir do Novo Testamento, que o dia do Senhor, assim chamado por causa da ressurreição, é o sábado cristão?
Diante de questões como essa, prefiro dizer que a nova lei do Espírito, embora seja a lei da liberdade cristã, exige de fato mais do crente, pois o Espírito age em cada pessoa dando convicção e direção. E aqui temos que entender a beleza da liberdade cristã: em alguns ele proíbe costumes como o café, vinho, rock, televisão (para citar poucos exemplos), em outros não. Devemos entender a proibição como uma forma de testemunho. Nesses casos, desobedecer é pecar.
8. Adoção como filhos
Esse é um conceito eminentemente paulino, e tem por base uma leitura hermenêutica da família romana. Para Paulo não somos apenas filhinhos (recém-nascidos, crianças) de Deus, mas através da cruz podemos chegar a herdeiros maduros, plenos, filhos provados e dignos, cf. Rm 8.14-17, Gl 3.23-26, 4.1-7.
Não podemos nos esquecer que tal perfilhamento implica em reconhecimento legal, do filho ilegítimo, por Deus, o que implica em termo de nascimento, por declaração vicária e testamentária.
9. A obra do Espírito
A pergunta que move o entendimento desta questão é: como pode o Espírito que é santo operar nas vidas dos pecadores? A resposta é: a cruz possibilitou a ação graciosa, e não meramente jurídica, do Espírito Santo na vida humana.
É a cruz que cria a base para a obra do Espírito na supressão do pecado no mundo (Rm 8.2-6): para o convencimento do pecado e da verdade em Cristo (Jo 16.8-11), para a regeneração – o novo nascimento e a vida eterna (Tt 3.5, Jo 3.1-7), para o batismo do Espírito (I Co 12.13, Rm 6.1-11), para o selo do Espírito (Ef 1.13+, 4.30) e para a habitação do Espírito (I Co 6.19).
10. A base da santificação
O Espírito Santo atua em cada um de nós, a partir da cruz e da nossa fé, separando-nos do pecado e aperfeiçoando-nos a cada dia à imagem de Cristo. Assim, podemos dizer que a santificação cobre três aspectos: (1) é posicional, enquanto estado do ser crente, cf. I Co 1.2, 6.11, Hb 10.10,14; (2) é experiencial, enquanto luta diária e permanente do fiel, cf. I Pe 1.15-16, I Ts 4.3; e (3) é futura, enquanto completude no escaton, cf. I Jo 3.1-2, Ef. 5.26-27, Jd 24-25, I Co 15.12.
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