Os anabatistas acreditavam na necessidade do arrependimento, mas criam também ser possível viver a vida cristã e obedecer aos mandamentos de Deus, através de uma obediência sincera. "Recebemos dele tudo o que pedimos porque obedecemos aos seus mandamentos e fazemos o que agrada a ele". 1João 3.22.
Para eles existiria uma obediência legalista, servil, e uma obediência de filho, da pessoa que nasceu de novo. "Aquela água representava o batismo, que agora salva vocês. Esse batismo não é lavar a sujeira do corpo, mas é o compromisso feito com Deus, o qual vem de uma consciência limpa. Essa salvação vem por meio da ressurreição de Jesus Cristo". 1Pedro 3.21.
No lugar do conceito reformado magisterial, de pecado contínuo e de arrependimento contínuo, os anabatistas enfatizavam o poder de Deus que guarda, e a necessidade da pessoa nascida de novo entregar-se a Deus: confessar seus pecados e afastar-se deles quando errasse. Ao evitar o legalismo e o perfeccionismo que nasce do amor próprio, os anabatistas insistiram na obediência que nasce da fé.
"Samuel respondeu: O que é que o SENHOR Deus prefere? Obediência ou oferta de sacrifícios? É melhor obedecer a Deus do que oferecer-lhe em sacrifício as melhores ovelhas". 1Samuel 15.22.
O critério para avaliar a espiritualidade é a obediência voluntária. No anabatismo não se compreendia a fé sem obediência. A fé é salvadora quando nossa ação traduz aquilo em que se crê. Assim, a obediência é a evidência de um relacionamento íntegro com Deus. "Não é toda pessoa que me chama de "Senhor, Senhor" que entrará no Reino do Céu, mas somente quem faz a vontade do meu Pai, que está no céu". Mateus 7.21.
A alienação tornou o humano num ser propenso ao distanciamento. Há uma tendência no ser humano a fazer esse caminho próprio. "Não deixem que ninguém engane vocês com conversas tolas, pois é por causa dessas coisas que o castigo de Deus cairá sobre os que não obedecem a ele". Efésios 5.6.
Ora, se a centralidade da alienação está no distanciamento, a centralidade da fé está na obediência. Como podemos nos considerar salvos se estamos distanciados da vontade de Deus. "Eu tenho prazer em fazer a tua vontade, ó meu Deus! Guardo a tua lei no meu coração". Salmo 40.8.
Há pessoas que confundem a salvação através da obediência à lei, denominada salvação pelas obras, com justificação pela graça através da obediência na fé. Ora, quando a fé nasce da graça derramada sobre nossas vidas, a Palavra de Deus é soberana, e o normal é obedecê-la. Se a fé é um absoluto na vida cristã, a obediência não pode ser condicional. A fé que salva é uma fé que leva à obediência habitual e voluntária. Essa obediência não são obras e atos do homem ou da mulher, mas unida à fé é dom de Deus, que capacita os salvos para uma vida de missão. "Guardam no coração a lei do seu Deus e nunca se afastam dela". Salmo 37.31.
Mas é só pela graça que o salvo pode obedecer a Deus. Não há qualquer possibilidade de uma obediência voluntária por aquele que se encontra escravizado às maldades da natureza humana, ao mundo e ao diabo. A humildade dos salvos à vontade de Deus também seria impossível sem a graça. Sabemos que a graça é instrumento capaz de dar humildade ao ser humano, arrogante na alienação, sem degradá-lo. É o meio capaz de engrandecê-lo, sem torná-lo presunçoso. Ou como disse Paulo: "pela graça de Deus sou o que sou, e a graça que ele me deu não ficou sem resultados. Pelo contrário, eu tenho trabalhado muito mais do que todos os outros apóstolos. No entanto não sou eu quem tem feito isso, e sim a graça de Deus que está comigo". 1Coríntios 15.10.
A obediência que nasce da graça é a obediência daquele que crê, e não de um escravo que se submete com medo. Não há servidão ao legalismo, mas submissão graciosa. E Jesus é o exemplo: "eu desci do céu para fazer a vontade daquele que me enviou e não para fazer a minha própria vontade". João 6.38.
A obediência na fé não é mais uma possibilidade de vida. É prova de amor, de conversão radical. Quem obedece movido pelo medo não conhece o amor. Obediência e amor caminham juntos: um aponta para o outro. O amor e o medo existencial se repelem, pois o medo é resultado da incerteza do amor de Deus. Há pessoas que tentam obedecer porque têm medo de conseqüências imaginárias, da morte ou do inferno. Desconhecem o amor divino, mas, se o medo faz da obediência uma obrigação terrível, o amor torna a obediência um momento especial de encontro com o Salvador, porque "no amor não há medo. O amor que é totalmente verdadeiro afasta o medo. Portanto, aquele que sente medo não tem no seu coração o amor totalmente verdadeiro, porque o medo mostra que existe castigo". 1João 4.18.
A obediência sem amor é imposição cruel: nada é mais terrível do que a obrigação destituída de amor. O amor não é passivo, opressivo, nem possessivo. Toda obediência de mero compromisso é constrangimento. Assim, "tudo o que vocês fizerem seja feito com amor". 1Coríntios 16.14.
O amor é a chave da obediência. A vida cristã não é comportamento formal. A conduta dos filhos é fruto da atitude humilde de um coração submisso à vontade do Pai. Obedecer de má vontade é, seguramente, uma coação, pois "damos graças a Deus porque vocês, que antes eram escravos do pecado, agora já obedecem de todo o coração às verdades que estão nos ensinamentos que receberam". Romanos 6.17.
jeudi 20 novembre 2008
lundi 17 novembre 2008
A Teologia sob a ótica das Ciências da Religião
Elementos para a discussão, a partir de Deus é Brasileiro
Prof. Dr. Jorge Pinheiro
A religião cristã desde seus primórdios se dividiu em correntes a partir de diferentes leituras dogmáticas, o que tem repercutido nas abordagens das ciências da religião, em especial da filosofia da religião. O questionamento do pensamento de expoentes dogmáticos obriga o pesquisador da religião a examinar, já que tais dogmáticas abrigam preocupações éticas e normativas, seus fundamentos teológicos, a fim de estudar suas coerências internas para que possam, de fato, repercutir nas ciências da religião. Nesse sentido, nossas análises das teologias visam nos remeter à filosofia da religião, sem as preocupações pertinentes às teologias propriamente ditas.
Quando o pesquisador da religião analisa a compreensão cristã do ser humano confronta-se com duas áreas de conhecimento: a antropologia e a teologia. A antropologia pode ser pensada como a história natural do seres humanos e os estuda em suas relações enquanto produtores de cultura: costumes, ideologia e bens. Já a teologia pode ser entendida como o conhecimento sistematizado do que é visto como eterno, mas que brota no mundo do condicionado.
Um sistema teológico deveria responder à necessidade de afirmação da mensagem cristã e à interpretação dessa mensagem para cada geração. A teologia seria, então, a interpretação metodológica dos conteúdos da fé e teria um lugar no conhecimento, por lidar com um objeto especial e empregar um método especial. Tal compreensão da teologia coloca o teólogo sob a urgência de prestar contas da forma como relaciona a teologia com outras expressões do conhecimento, devendo, dessa maneira, responder a duas questões: qual é a relação da teologia com as ciências e qual é a sua relação com a filosofia?
O teólogo sempre se depara com a questão de quem é o ser humano, pois a reflexão sobre o transcendente leva-o a pensar sobre que ser é este humano. E se o transcendente revela-se aos humanos vem a pergunta: quem é este ser a quem o transcendente se revela? E a conclusão é que toda teologia necessita ter um caráter antropológico. Em outras palavras, a reflexão sobre o transcendente exige uma compreensão antropológica do discurso teológico. Ora, isso interessa ao pesquisador da religião, pois se, a partir da teologia, o teólogo pode justificar seu interesse antropológico, será que o inverso é verdadeiro? Será que a partir da antropologia é possível chegar à teologia? São os diferentes questionamentos e as diferentes respostas que surgem da pergunta, que nos interessam como pesquisador da religião.
E nos interessa, em especial, a afirmação de que o ser humano está aberto à transcendência. Ou seja, faria parte do humano a busca do transcendente, que seria uma abertura, um tropismo. Mas até onde essa abertura poderia levar? A resposta a esta questão gira ao redor do alcance da liberdade humana.
A questão da autonomia
A polaridade comunhão/ alienação dá-se a construção da história, ou seja, as pessoas e as comunidades humanas interagem, por opção ou por omissão, na construção de sua história. O transcendente seria soberano porque criara e mantém o universo, sustentando-o na universalidade do Espírito. A soberania especial estaria somente sobre a comunidade que permanece na escolha. As outras comunidades estariam fora desta soberania especial, da graça que gera comunhão plena, exatamente porque usaram a liberdade para escolher a alienação. E quanto maior é a alienação, mais o transcendente retrai sua soberania sobre elas, a graça que gera comunhão plena, o que explica o mal enquanto feituras pessoal e social humanas. E para que o processo histórico se dê, o transcendente contrai espaço-temporalmente sua justiça executora. Por paixão ao ser humano, ele contrai a ação de seu conhecimento.
Caso o transcendente, a partir de seu conhecimento, definisse todas as ações livres, as pessoas e as sociedades poderiam fazer apenas aquilo que o transcendente por conhecer definisse, sem poderem tomar decisões alienadas, sem poderem se afastar dele. Assim, o transcendente dirige o seu fazer, mas interage com as pessoas e as comunidades humanas na produção da história, enquanto obra que nasce da correlação liberdade/comunhão e liberdade/alienação.
A polaridade comunhão/alienação não apresenta o ser humano como bom ou mal, mas como ser que age a partir dessa polaridade. Isso fica claro no diálogo que o transcendente tem com Caim, quando diz que ele está inclinado para o mal, mas deve dominá-lo. Essa conversa apresenta um padrão humano, a tendência à alienação. Assim podemos ler Gênesis 6.5, 8.21 e Deuteronômio 31.21. É interessante que nenhum desses textos fala do ser humano como essencialmente corrupto, mas inclinado à alienação. A própria palavra yetzer, que vem da raiz yzr, utilizada quando as Escrituras hebraicas falam de inclinação maligna, significa moldar, propor-se. A idéia é que o ser humano é dirigido por suas inclinações, imaginações, sejam elas boas ou más. É yetzer que, combinado ao julgamento livre no âmbito da existência, possibilita o arrependimento.
Diz Deuteronômio, o transcendente coloca diante do ser humano a possibilidade do bem e a possibilidade do mal. Os seres humanos terão comunhão se obedecerem aos mandamentos do Senhor e serão alienados se desobedecerem aos mandamentos do Senhor (11.16-28). Assim, só o transcendente apaixonado é capaz de fazer com que exista a liberdade humana e mantê-la. Essa graça, oriunda do transcendente e derramada sobre a humanidade, possibilita a construção da história.
Amor, história e Reino
Na dialética do amor realiza-se a vida. O amor é o movimento da vida. A vida em sua essência também é dialética. É una em sua essência, mas divide-se na multiplicidade dos seres para, finalmente, reencontrar-se na unidade.
No Reino de Deus o que é comum a todos é a vida em Deus. Este não é um caráter comum expresso em conceito, mas é amor, um viver que une os crentes, um sentimento no qual todas as oposições, quer inimizades, quer direitos, ou ainda aquelas unidades que subsistem como oposições, são anuladas.
Os três momentos da dialética de Hegel: a concepção da realidade uma, as realidades separadas e a realidade outra vez unificada. Toda a realidade é somente uma, o mundo é somente um, a humanidade também. A realidade é uma, mas está separada: o que é e o que não-é estão juntos, a realidade unificada. Para o jovem Hegel, a espiritualidade reconcilia a reflexão e o amor, unindo-os no pensamento. A vida espiritual, que é a vida do amor, realiza a exigência da filosofia cristã de reconciliar as oposições do finito e infinito. Ou seja, Hegel substitui espiritualidade por cristianismo. O cristianismo reconcilia a reflexão e o amor unindo-os no pensamento, ou na percepção, usando a linguagem de Paulo. O objetivo racional de Hegel é sempre a reconciliação dos contrários: o cristianismo privatizado e o cristianismo social, liberdade e necessidade, finito e infinito. Já maduro Hegel definiria a tarefa do conhecimento como a construção do absoluto pela consciência, que superando oposições produz o processo dialético.
O finito não pode ser pensado sem pensar o infinito, pois não é um conceito isolado e sem conteúdo próprio. O finito consiste em ser um momento do infinito. O finito é atingido pela negação, mas não é simples negação, uma vez que é limitado por outro que não é ele mesmo. Ou seja, o finito é uma negação do infinito, no sentido que é uma particularidade, um momento, uma determinação. Sempre que se determina, se nega. Por exemplo, se numa sala de aula, um professor chama um aluno pelo nome, naquele momento ele está negando todos os demais alunos e determinando um único apenas.
Devemos negar a negação e afirmar que o finito é mais que o finito, ou seja, que é o momento da vida do infinito. O processo que resolve a oposição é o processo dialético: finito e infinito não são dois mundos separados. Sempre que se tem o final do processo se tem a identidade, porque contém todas as diferenças. O conhecimento para Hegel é um processo que nunca se dá no início, mas no final, por isso o conhecimento é sempre histórico.
Para Ritschl, a religião é fruto da necessidade social que o ser humano tem do transcendente. E foi a partir de seu interesse científico pela história que construiu seu pensamento filosófico. Entre 1870 e 1874, publicou sua principal obra, em três volumes: A doutrina cristã da justificação e reconciliação.
“Em toda a religião o que se busca, com a ajuda do poder espiritual sobre-humano ao qual o homem rende culto, é uma solução da condição na qual o homem se encontra por ser por um lado parte da natureza e por outro uma personalidade espiritual que pretende dominar a natureza”.
Comentando Troeltsch, Mendonça afirma que o protestantismo de hoje não é mais o de Lutero e Calvino, pois a cultura eclesiástica medieval deu lugar à moderna cultura européia/ americana, conforme conceito utilizado por Troeltsch. O novo protestantismo perdera de vista a idéia de uma total cultura eclesiástica.
“Reconheceu como se fossem princípios genuinamente protestantes o fenômeno da crítica histórico-filosófica, a formação de comunidades eclesiásticas livres do estado e a doutrina da revelação baseada na iluminação e convicção pessoal íntima. O velho protestantismo condenava tudo isto como naturalismo, fanatismo ou entusiasmo sectarista”.
As rupturas com a metafísica da ortodoxia protestante, aliada ao processo de secularização do mundo ocidental, consolidaram a leitura social do cristianismo, que confrontava a fé com o seu ambiente social, econômico e político. Esse cristianismo procurou compreender os desafios da contemporaneidade, e propôs o combate pela realização do Reino de Deus, a reflexão filosófica cristã voltada às questões sociais e a luta contra as injustiças.
Quando se fala de Reino de Deus fala-se de leituras filosóficas que procuram analisar a influência do meio social sobre o universo religioso e a formação espiritual do ser humano. E que consideram a espiritualidade afetivo/existencial e a espiritualidade histórico/social faces de um mesmo Reino de Deus. As filosofias do Reino de Deus inscrevem-se, dessa maneira, numa perspectiva de correlação e possibilitam uma reflexão que fornece instrumentos teóricos para alimentar as lutas contra a injustiça, para criar novas formas de relações existenciais e sociais e para dar dignidade aos brasileiros ali onde são excluídos e segregados.
Notas
Paul Tillich, Teologia Sistemática, São Leopoldo/ São Paulo, Sinodal/ Paulinas, 1984, pp. 13, 22, 25.
Wolfhart Pannenberg, “Nossa vida está nas mãos de O transcendente”, Fé e Realidade, São Paulo, Fonte Editorial, 2004, pp. 13-20.
Jürgen Moltmann, Trindade e Reino, de O transcendente, uma contribuição para a teologia, Petrópolis, Editora Vozes, 2000, p. 221.
George Wilhelm Friedrich Hegel, “The Religious Teaching of Jesus”, in Early Theological Writings, idem, op. cit., p. 278.
Albrecht Ritschl, The Christian Doctrine of Justification and Reconciliation, Nova York/ Edimburgo, Scribner´s Sons/ T&T Clark, 1900, p. 199.
Antonio Gouvêa Mendonça, Protestantes, pentecostais e ecumênicos, o campo religioso e seus personagens, São Bernando do Campo, UMESP, 1997, p. 115.
Prof. Dr. Jorge Pinheiro
A religião cristã desde seus primórdios se dividiu em correntes a partir de diferentes leituras dogmáticas, o que tem repercutido nas abordagens das ciências da religião, em especial da filosofia da religião. O questionamento do pensamento de expoentes dogmáticos obriga o pesquisador da religião a examinar, já que tais dogmáticas abrigam preocupações éticas e normativas, seus fundamentos teológicos, a fim de estudar suas coerências internas para que possam, de fato, repercutir nas ciências da religião. Nesse sentido, nossas análises das teologias visam nos remeter à filosofia da religião, sem as preocupações pertinentes às teologias propriamente ditas.
Quando o pesquisador da religião analisa a compreensão cristã do ser humano confronta-se com duas áreas de conhecimento: a antropologia e a teologia. A antropologia pode ser pensada como a história natural do seres humanos e os estuda em suas relações enquanto produtores de cultura: costumes, ideologia e bens. Já a teologia pode ser entendida como o conhecimento sistematizado do que é visto como eterno, mas que brota no mundo do condicionado.
Um sistema teológico deveria responder à necessidade de afirmação da mensagem cristã e à interpretação dessa mensagem para cada geração. A teologia seria, então, a interpretação metodológica dos conteúdos da fé e teria um lugar no conhecimento, por lidar com um objeto especial e empregar um método especial. Tal compreensão da teologia coloca o teólogo sob a urgência de prestar contas da forma como relaciona a teologia com outras expressões do conhecimento, devendo, dessa maneira, responder a duas questões: qual é a relação da teologia com as ciências e qual é a sua relação com a filosofia?
O teólogo sempre se depara com a questão de quem é o ser humano, pois a reflexão sobre o transcendente leva-o a pensar sobre que ser é este humano. E se o transcendente revela-se aos humanos vem a pergunta: quem é este ser a quem o transcendente se revela? E a conclusão é que toda teologia necessita ter um caráter antropológico. Em outras palavras, a reflexão sobre o transcendente exige uma compreensão antropológica do discurso teológico. Ora, isso interessa ao pesquisador da religião, pois se, a partir da teologia, o teólogo pode justificar seu interesse antropológico, será que o inverso é verdadeiro? Será que a partir da antropologia é possível chegar à teologia? São os diferentes questionamentos e as diferentes respostas que surgem da pergunta, que nos interessam como pesquisador da religião.
E nos interessa, em especial, a afirmação de que o ser humano está aberto à transcendência. Ou seja, faria parte do humano a busca do transcendente, que seria uma abertura, um tropismo. Mas até onde essa abertura poderia levar? A resposta a esta questão gira ao redor do alcance da liberdade humana.
A questão da autonomia
A polaridade comunhão/ alienação dá-se a construção da história, ou seja, as pessoas e as comunidades humanas interagem, por opção ou por omissão, na construção de sua história. O transcendente seria soberano porque criara e mantém o universo, sustentando-o na universalidade do Espírito. A soberania especial estaria somente sobre a comunidade que permanece na escolha. As outras comunidades estariam fora desta soberania especial, da graça que gera comunhão plena, exatamente porque usaram a liberdade para escolher a alienação. E quanto maior é a alienação, mais o transcendente retrai sua soberania sobre elas, a graça que gera comunhão plena, o que explica o mal enquanto feituras pessoal e social humanas. E para que o processo histórico se dê, o transcendente contrai espaço-temporalmente sua justiça executora. Por paixão ao ser humano, ele contrai a ação de seu conhecimento.
Caso o transcendente, a partir de seu conhecimento, definisse todas as ações livres, as pessoas e as sociedades poderiam fazer apenas aquilo que o transcendente por conhecer definisse, sem poderem tomar decisões alienadas, sem poderem se afastar dele. Assim, o transcendente dirige o seu fazer, mas interage com as pessoas e as comunidades humanas na produção da história, enquanto obra que nasce da correlação liberdade/comunhão e liberdade/alienação.
A polaridade comunhão/alienação não apresenta o ser humano como bom ou mal, mas como ser que age a partir dessa polaridade. Isso fica claro no diálogo que o transcendente tem com Caim, quando diz que ele está inclinado para o mal, mas deve dominá-lo. Essa conversa apresenta um padrão humano, a tendência à alienação. Assim podemos ler Gênesis 6.5, 8.21 e Deuteronômio 31.21. É interessante que nenhum desses textos fala do ser humano como essencialmente corrupto, mas inclinado à alienação. A própria palavra yetzer, que vem da raiz yzr, utilizada quando as Escrituras hebraicas falam de inclinação maligna, significa moldar, propor-se. A idéia é que o ser humano é dirigido por suas inclinações, imaginações, sejam elas boas ou más. É yetzer que, combinado ao julgamento livre no âmbito da existência, possibilita o arrependimento.
Diz Deuteronômio, o transcendente coloca diante do ser humano a possibilidade do bem e a possibilidade do mal. Os seres humanos terão comunhão se obedecerem aos mandamentos do Senhor e serão alienados se desobedecerem aos mandamentos do Senhor (11.16-28). Assim, só o transcendente apaixonado é capaz de fazer com que exista a liberdade humana e mantê-la. Essa graça, oriunda do transcendente e derramada sobre a humanidade, possibilita a construção da história.
Amor, história e Reino
Na dialética do amor realiza-se a vida. O amor é o movimento da vida. A vida em sua essência também é dialética. É una em sua essência, mas divide-se na multiplicidade dos seres para, finalmente, reencontrar-se na unidade.
No Reino de Deus o que é comum a todos é a vida em Deus. Este não é um caráter comum expresso em conceito, mas é amor, um viver que une os crentes, um sentimento no qual todas as oposições, quer inimizades, quer direitos, ou ainda aquelas unidades que subsistem como oposições, são anuladas.
Os três momentos da dialética de Hegel: a concepção da realidade uma, as realidades separadas e a realidade outra vez unificada. Toda a realidade é somente uma, o mundo é somente um, a humanidade também. A realidade é uma, mas está separada: o que é e o que não-é estão juntos, a realidade unificada. Para o jovem Hegel, a espiritualidade reconcilia a reflexão e o amor, unindo-os no pensamento. A vida espiritual, que é a vida do amor, realiza a exigência da filosofia cristã de reconciliar as oposições do finito e infinito. Ou seja, Hegel substitui espiritualidade por cristianismo. O cristianismo reconcilia a reflexão e o amor unindo-os no pensamento, ou na percepção, usando a linguagem de Paulo. O objetivo racional de Hegel é sempre a reconciliação dos contrários: o cristianismo privatizado e o cristianismo social, liberdade e necessidade, finito e infinito. Já maduro Hegel definiria a tarefa do conhecimento como a construção do absoluto pela consciência, que superando oposições produz o processo dialético.
O finito não pode ser pensado sem pensar o infinito, pois não é um conceito isolado e sem conteúdo próprio. O finito consiste em ser um momento do infinito. O finito é atingido pela negação, mas não é simples negação, uma vez que é limitado por outro que não é ele mesmo. Ou seja, o finito é uma negação do infinito, no sentido que é uma particularidade, um momento, uma determinação. Sempre que se determina, se nega. Por exemplo, se numa sala de aula, um professor chama um aluno pelo nome, naquele momento ele está negando todos os demais alunos e determinando um único apenas.
Devemos negar a negação e afirmar que o finito é mais que o finito, ou seja, que é o momento da vida do infinito. O processo que resolve a oposição é o processo dialético: finito e infinito não são dois mundos separados. Sempre que se tem o final do processo se tem a identidade, porque contém todas as diferenças. O conhecimento para Hegel é um processo que nunca se dá no início, mas no final, por isso o conhecimento é sempre histórico.
Para Ritschl, a religião é fruto da necessidade social que o ser humano tem do transcendente. E foi a partir de seu interesse científico pela história que construiu seu pensamento filosófico. Entre 1870 e 1874, publicou sua principal obra, em três volumes: A doutrina cristã da justificação e reconciliação.
“Em toda a religião o que se busca, com a ajuda do poder espiritual sobre-humano ao qual o homem rende culto, é uma solução da condição na qual o homem se encontra por ser por um lado parte da natureza e por outro uma personalidade espiritual que pretende dominar a natureza”.
Comentando Troeltsch, Mendonça afirma que o protestantismo de hoje não é mais o de Lutero e Calvino, pois a cultura eclesiástica medieval deu lugar à moderna cultura européia/ americana, conforme conceito utilizado por Troeltsch. O novo protestantismo perdera de vista a idéia de uma total cultura eclesiástica.
“Reconheceu como se fossem princípios genuinamente protestantes o fenômeno da crítica histórico-filosófica, a formação de comunidades eclesiásticas livres do estado e a doutrina da revelação baseada na iluminação e convicção pessoal íntima. O velho protestantismo condenava tudo isto como naturalismo, fanatismo ou entusiasmo sectarista”.
As rupturas com a metafísica da ortodoxia protestante, aliada ao processo de secularização do mundo ocidental, consolidaram a leitura social do cristianismo, que confrontava a fé com o seu ambiente social, econômico e político. Esse cristianismo procurou compreender os desafios da contemporaneidade, e propôs o combate pela realização do Reino de Deus, a reflexão filosófica cristã voltada às questões sociais e a luta contra as injustiças.
Quando se fala de Reino de Deus fala-se de leituras filosóficas que procuram analisar a influência do meio social sobre o universo religioso e a formação espiritual do ser humano. E que consideram a espiritualidade afetivo/existencial e a espiritualidade histórico/social faces de um mesmo Reino de Deus. As filosofias do Reino de Deus inscrevem-se, dessa maneira, numa perspectiva de correlação e possibilitam uma reflexão que fornece instrumentos teóricos para alimentar as lutas contra a injustiça, para criar novas formas de relações existenciais e sociais e para dar dignidade aos brasileiros ali onde são excluídos e segregados.
Notas
Paul Tillich, Teologia Sistemática, São Leopoldo/ São Paulo, Sinodal/ Paulinas, 1984, pp. 13, 22, 25.
Wolfhart Pannenberg, “Nossa vida está nas mãos de O transcendente”, Fé e Realidade, São Paulo, Fonte Editorial, 2004, pp. 13-20.
Jürgen Moltmann, Trindade e Reino, de O transcendente, uma contribuição para a teologia, Petrópolis, Editora Vozes, 2000, p. 221.
George Wilhelm Friedrich Hegel, “The Religious Teaching of Jesus”, in Early Theological Writings, idem, op. cit., p. 278.
Albrecht Ritschl, The Christian Doctrine of Justification and Reconciliation, Nova York/ Edimburgo, Scribner´s Sons/ T&T Clark, 1900, p. 199.
Antonio Gouvêa Mendonça, Protestantes, pentecostais e ecumênicos, o campo religioso e seus personagens, São Bernando do Campo, UMESP, 1997, p. 115.
jeudi 13 novembre 2008
O século 21 -- parte II
.jpg)
Se o socialismo é, nesse sentido, uma herança da cultura universal, ele tem, no entanto, uma originalidade que não se restringe aos conceitos, mas à experiência vivida. O conceito de humanidade, diz Tillich, que manifesta a vitória da idéia de tolerância, não teve na evolução da burguesia mais que uma realização acidental. A consciência da humanidade é neutralizada pela consciência de classe, educação e de dependência nacional.
A humanidade se colocou antes de tudo no campo das confissões, sob formas absolutamente contrárias à idéia de uma transformação racional do mundo. Foi somente pela pressão sobre os trabalhadores nos primeiros decênios do moderno capitalismo, que nasceu uma consciência solidária, no coração da qual está presente o sentimento universal de humanidade, que se opõe àquele que vê no ser humano um meio e não um fim. O combate contra o feudalismo, o capitalismo, o nacionalismo e o confessionalismo constituiu a expressão negativa da consciência incondicional de humanidade, que derruba barreiras e reconhece o humano em cada homem e mulher. Este é o quarto fato que o cristianismo deve levar em conta.
O que fica claro é que autonomia e socialismo são processos históricos que se complementam, mas que não são idênticos. O processo de autonomia vivido pela sociedade européia no período que se abre a partir do Iluminismo e que põe em xeque a tradição e o autoritarismo, servirá de base para a ação socialista. E a autonomia será o momento supremo da razão e da imanência e é a partir daí que o socialismo vai construir um sentimento unitário da vida e do mundo.
A luta dos trabalhadores contra a alienação e exclusão social vai gerar consciência solidária e sentimento universal de humanidade. Mas, ainda assim, ao se limitar ao campo da autonomia, sem uma atitude que permita à incondicionalidade apoderar-se da própria autonomia, o socialismo deixa aberto o caminho para o autoritarismo e o arbítrio. Assim os elementos formadores do movimento socialista são fundamentais para a compreensão das relações entre cristianismo e socialismo. Eles abrem a possibilidade para um diálogo construtivo entre cristianismo e socialismo.
A pergunta sobre as possíveis relações entre protestantismo e socialismo exige definições sobre a religião cristã e o socialismo. Não podemos esquecer que ambas correntes de pensamento sofreram diferentes interpretações, que derivaram dos diferentes usos que se fizeram de ambas. Em nome do cristianismo foram violados e esquecidos os direitos mais elementares dos seres humanos nas diferentes fases da história. O mesmo aconteceu com o socialismo.
Talvez por isso tenha sido tão difícil estabelecer um diálogo entre ambas concepções. Porém, tanto na história do cristianismo, como na história do socialismo moderno há características coincidentes. Claro que não é de nosso interesse neste livro analisar as duas histórias, mas é necessário realçar os elementos que estão presentes nessas duas maneiras de pensar, em especial, a crença na capacidade do ser humano para transformar sua própria realidade.
Assim, a questão humana é uma das linhas condutoras desse diálogo possível. Mas tal diálogo deve ir além do ser humano abstrato para pousar sobre o companheiro histórico que faz sua história e se revela quando confrontado com a alienação e a opressão. Quando falamos do cristianismo temos que entender sua antropologia, que apresenta o ser humano como transformador e revolucionário, tradição que remonta ao judaísmo antigo. A partir da recuperação da tradição profética é possível entender a antropologia cristã enquanto procura da emancipação humana. A leitura social dos textos véteros e neotestamentários, que descrevem movimentos proféticos, são rastros que remetem ao reino de Deus na terra, que segundo Tillich, não somente existencializa a reflexão teológica, mas apresenta a salvação e a fé como imperativos ontológicos.
Mas aqueles sistemas religiosos erigidos sobre o princípio da autoridade centralizada, só podem se opor a um movimento autônomo como o socialismo. Pois, são opostos na medida em que tal sistema se afirma enquanto sistema de autoridade. Eles se colocam como opostos mesmo quando tal sistema aceita as exigências do socialismo em matéria de economia política. Para o catolicismo da Contra-Reforma continua a ser determinante a ética social do tomismo, estabelecida de maneira autoritária.
Ela permite uma ampla margem de manobra, mas a unidade desse catolicismo impõe limites bem definidos, que uma doutrina econômica autônoma tem dificuldades de reconhecer. Da mesma maneira, o protestantismo, embora tenha quebrado o sistema de autoridade em seu princípio-base e dado voz à autonomia, erra ao considerar de forma heterônoma as palavras de Jesus. Do ponto de vista histórico, os fatos não são simples, porque Jesus não levantou, de fato, nenhum esboço de programa de reforma social, embora, convencido da revolução iminente do reino de Deus tenha apresentado aos seus discípulos as conseqüências do mandamento do amor.
Sobre essa relação que envolve reino de Deus e justiça, Tillich dirá que “o fim está limitado à eternidade e nenhuma imaginação pode atingir o eternal. Mas antecipações fragmentárias são possíveis. A própria Igreja é uma antecipação fragmentária. E há grupos e movimentos, que embora não pertençam à Igreja visível, representam algo que podemos chamar de Igreja latente. Mas nem a Igreja visível, nem a Igreja latente são o reino de Deus”.
Por isso, deve-se reconhecer que no terreno da autonomia, a justiça social não depende de sua conformidade às Escrituras, mesmo quando é apresentada sob a autoridade das palavras de Jesus. Assim, para Tillich, o socialismo pode ter por base, num determinado contexto, um sólido apoio psicológico a seu favor, enquanto convicção pessoal, que não nasce da autoridade imposta. Para ele, quando os laços do cristianismo e do socialismo estão fundamentados de maneira heterônoma sobre as palavras de Jesus ou das Escrituras, não há um protestantismo autêntico, mas uma legalidade sectária. Isto porque o protestantismo como essência é autônomo.
Seja qual for a opinião sobre a relação entre cristianismo, capitalismo e socialismo, um fato deve ser ressaltado: é possível e necessário para o cristianismo manter um relacionamento com todas as formações econômicas e sociais, em especial com o socialismo, já que a rejeição do princípio socialista em nome do cristianismo contradiz a universalidade do cristianismo.
E se o cristianismo não somente pode, mas deve manter um relacionamento com o socialismo, devemos nos perguntar se o contrário da premissa é verdadeiro: pode e deve o socialismo ter um relacionamento construtivo com o cristianismo? Embora, haja razões históricas para criticar a Igreja, o socialismo erra quando nega a existência da base solidária e comunitária do ideal cristão, tal como pode ser percebida na pregação do Jesus apresentado nos Evangelhos. Quer dizer, ainda há em setores do socialismo uma hostilidade contra o cristianismo. Hostilidade esta que fere a ética socialista, tão próxima daquela proposta pelas comunidades cristãs dos primeiros séculos. Se as idéias socialistas não traduzem nenhuma oposição essencial, de princípio, com o cristianismo e com a Igreja que vive o princípio protestante, os cristãos podem sem nenhum temor ter uma atitude positiva em relação ao socialismo.
Atitude positiva deve ser entendida como a realização do princípio do amor cristão, que entende a necessidade de eliminar as condições que geram miséria e exclusão. Tal atitude traduz a urgência de combater os fundamentos do egoísmo econômico e de ações para a construção de uma outra ordem social, que sem deixar de ser globalizada, inclua periféricos e excluídos. Isto porque o socialismo não é só tarefa e necessidade de operários e trabalhadores fabris, mas um ideal ético que traduz anseios e esperanças dos mais variados setores da sociedade. Ou, nas palavras de Tillich:
“O socialismo que nós queremos é aquele que coloca na teoria e na pratica a pergunta pela possibilidade de que a vida tenha sentido para todas as pessoas e todos os grupos da sociedade. Esse socialismo procura responder a essa pergunta tanto no plano da realidade como no do pensamento. Um tal socialismo é mais que um simples movimento político, e mais que um simples movimento proletário. É um movimento que procura apreender cada aspecto de vida e cada grupo da sociedade. Tem uma pretensão universal que não exclui ninguém. Quando tomamos isso em sua profundidade última, também é necessário tomá-lo em sua universalidade. Deve então tornar-se o fundamento da ação espiritual de transformação política, quer dizer a ação que leva a tudo aquilo que o socialismo pode ser”.
Notas
1. Marc Boss, “Protestantisme et modernité: résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistes de Tillich (1919-1920)”, op. cit., p. 99.
2. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit, p. 26.
3. María del Carmen Domínguez Matos, La relación marxismo-cristianismo en Cuba después de 1959. Marco de interpretación teórica para las iglesias del protestantismo histórico, San José de Costa Rica, DEI, 2001, Havana, Proyecto Pensamiento Cubano: Pensadores cubanos de hoy, 2002.
4. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit, p. 26.
5. Thomas d’Aquin, De regno, II, 2, trad. M. Sénellart, in Machiavélisme et raison d’Etat, Paris, FUP, col. Philosophes, 1989, pp. 111-112.
6. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., pp. 26-27.
7. Paul Tillich, Amor, poder e justiça, São Paulo, Novo Século, 2004, p. 109. Amour, pouvoir et justice, Analyses ontologiques et applications éthiques, Revue d’Histoire et de Philosophie Religieuses, Paris, Presses Universitaires de France, 1963 et 1964, números 4 e 5. Love, Power and Justice, Ontological Analyses and Ethical Applications, Nova York, Londres, Oxford University Press, 1954.
8. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 27.
9. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 5.
10. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 8.
11. Paul Tillich, “Le socialisme” in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 346.
mardi 11 novembre 2008
O século 21 -- parte I
A construção da Modernidade, numa leitura tillichina
Para Paul Tillich, o cristianismo tem mais afinidades com determinadas formas de organização social do que outras, pois tem por base uma ética calcada no amor, que possibilita um objetivo estável para os grandes desafios sociais: reunir o que está separado e mudar o que não deve ser. A separação toma diferentes formas através dos tempos, das relações e das circunstâncias. O amor deve, como conseqüência, partir da intuição criadora para superar a separação. Não pode se contentar com velhas receitas, deve imaginar sempre novas soluções. Não pode ficar preso aos mandamentos, as leis, as regras, e embora parta delas e seja inspirado por elas, deve modificá-las e atualizá-las em função das novas situações que se apresentam. A ética do amor leva o cristianismo a ter uma postura crítica diante da ordem social que se apóia na opressão e na exclusão social: faz a crítica da ordem social que está erigida sobre o egoísmo político/econômico, e proclama a necessidade de uma nova ordem, na qual o sentido de comunidade seja o fundamento da organização social.
O amor denuncia o egoísmo das economias que levam à expropriação de muitos em benefício de poucos, e propõe uma economia solidária onde a alegria não seja fruto do ganho, mas do próprio trabalho. E condena o egoísmo de classe, onde cada qual procura enriquecer através da exploração de seu próximo, e as conseqüências desse processo, como o privilégio da educação para uma elite. Mas nega também a afirmação da luta de classes enquanto princípio e propõe a supressão das classes, o fim dos privilégios na educação e da exploração de setores profissionais por outros.
O amor condena também o egoísmo internacional da força e do comércio, que justifica a violência e a guerra sobre povos, nações e continentes. Assim, a ética do amor prega a submissão dos povos, sejam ricos ou pobres, à idéia do direito, e à construção de uma consciência comunitária, soldada sobre a paz, que leve a um internacionalismo real entre as nacionalidades. Muitos dirão que eliminar o egoísmo como forma de estímulo econômico, afirma Tillich, diminuirá o desenvolvimento e reduzirá a produção. No entanto, para ele, a partir do amor, vemos que o ser humano não foi criado para a produção, mas a produção para suprir necessidades humanas e que, por isso, o objetivo da economia não é a produção da maior quantidade possível de bens para uma classe em particular e sim a produção de bens necessários à vida para o maior número de pessoas.
Rupturas econômicas e espirituais
Para Tillich, na história, uma ruptura espiritual vem sempre associada a uma ruptura econômica, da mesma maneira que um processo de unidade espiritual vem associado a um processo de unidade econômica. A alma dessa unidade espiritual é a religião. O fracionamento espiritual característico de determinadas épocas traduz fracionamento econômico, distanciamento e choque entre classes. E naquelas épocas em que temos um processo cultural de unidade temos também uma nova base de unidade e solidariedade social e econômica. Nesse sentido, há um processo de desenvolvimento que se realiza de forma desigual na história, mas que combina mudanças espirituais e transformações econômicas e sociais. Diante de tais circunstâncias, para Tillich, o cristianismo está eticamente obrigado a fazer uma escolha: ou participa do processo, inspirando e atuando a favor desse desenvolvimento ou se retrai e entra em processo de caducidade, ao afastar-se da vida real das comunidades nas quais está inserido.
Em artigo publicado em Das neue Deutschland, em 1919, Tillich disse que o socialismo é o produto da evolução espiritual e econômica, que foi lentamente preparado e que se impõe com a Renascença, a Reforma e no surgimento do capitalismo. Visão que é compartida por teóricos marxistas, como Gramsci, por exemplo.
“A filosofia da práxis pressupõe todo este passado cultural, o Renascimento e a Reforma, a filosofia alemã e a revolução francesa, o liberalismo laico e o historicismo; em suma, o que está na base de toda concepção moderna da vida”.
Assim, o socialismo surge em oposição à cultura autoritária e unitária da Idade Média, sedimenta suas bases nas criações culturais dos últimos séculos, e só pode ser compreendido a partir desta evolução: sua permanência está ligada a esse desenvolvimento. Mas não devemos esquecer, porém, que é do interior do cristianismo que brota o socialismo e aqueles que defendem o socialismo devem defender também os princípios sobre os quais ele repousa.
A organização espiritual e econômica da Idade Média estava fundada sobre um sistema de centralização da autoridade que associava a natureza e o supranatural numa unidade poderosa. Ou, como diz Costa, não distinguia aparência de essência. Ela era a substância mesma do que significava viver. Foi o romanticismo de Rousseau, a educação burguesa e a invenção do “homem trabalhador” que reduziram a sociabilidade em dois domínios separados: um domínio afetivo, interpessoal, no qual podemos ser sinceros e honestos, e um domínio público, impessoal, no qual dissimulamos o que sentimos para melhor exercer a função de cidadão. Mas foi a Reforma, sustentada pela visão humanista que surgiu com a Renascença, que golpeou o sistema de autoridade, trouxe a fé para o plano formal ao recorrer à autoridade das Escrituras e no plano material valorizou a subjetividade da consciência individual. E a Revolução francesa, em 1789, propôs ao mundo um novo tipo de sociedade.
A França tornou-se o primeiro país da Europa a viver uma realidade político-social até então inédita, que transformaria de alto a baixo a vida da Igreja cristã. Na verdade, a Igreja já tinha vivido crises, como a da Reforma protestante, mas mesmo esta tinha acontecido no âmbito da consciência cristã. Agora, a partir da Revolução surgia uma sociedade que não tinha como fundamento as evidências ou afirmações de fé da Igreja. Ao contrário, a França e, por extensão, a Europa escolhiam o caminho oposto, da secularização, que tem por base o ideal triplo de liberdade, igualdade e fraternidade. Nesse caso, a nova sociedade buscou uma razão cujos ideais aparentemente eram estranhos à revelação.
Apoiado formalmente sobre as Escrituras, o protestantismo eclesiástico engendrou novas contradições, mas o sistema centralizado de autoridade já estava em frangalhos. Coube ao indivíduo decidir a que grupo ele queria ligar-se. Por causa das guerras religiosas, essa realidade viveu um processo lento, transmitindo a cada lado a esperança de que poderia chegar a uma vitória exclusiva. Mas com o fim dos combates o que se viu foi que as oposições às confissões se tornaram permanentes. Dessa maneira, brotou o espírito autônomo nos mais variados campos: a consciência européia ocidental se tornou adulta, atacou as muralhas autoritárias das confissões e não deixou subsistir sob o solo protestante nada mais que os destroços do constrangimento autoritário.
Para Tillich, o pensamento cartesiano deu um golpe decisivo no autoritarismo eclesiástico ao afirmar que a certeza que eu tenho de mim mesmo é o princípio de toda certeza objetiva. Embora a autoridade não possa me livrar da dúvida, é em mim mesmo, somente, que se enraiza a certeza. Assim, no século dezoito uma profunda mudança de mentalidade teve lugar na cultura européia, que foi dominada por um apaixonado desejo de felicidade, de confiança no progresso sem limites e em projetos para transformar o ser humano e a sociedade. Nesse processo, a autonomia da razão era olhada como fonte de tolerância e maturidade, e única norma para a liberdade. Tal mudança fixou aspirações e projetos, unidos ao sentimento de que o ser humano havia arrancado das mãos de Deus o conhecimento da natureza e a partir daí definiria a condução de seu próprio destino. E o Iluminismo tirou suas conclusões: toda tradição deve ser submetida à crítica. Mas se o racionalismo levou ao Iluminismo, possibilitou também o surgimento de novos movimentos religiosos, como o pietismo, que surgiu na Europa continental. O pietismo levou a um novo interesse pelo estudo das Escrituras, pela ação e função do Espírito Santo, gerando um avivamento da igreja luterana na Morávia. Este avivamento alastrou-se pelo continente, pela Inglaterra e chegou aos Estados Unidos. O conde de Zinzendorf (1700-1760) e o teólogo August Spangensberg, assim como o pietismo morávio de conjunto, influenciaram John Wesley (1793-1791), fundador do Metodismo e um dos líderes do avivamento na Inglaterra. Assim, a partir do Iluminismo, no domínio espiritual, político, econômico, nada ficou de positivo que não fosse pensado, confrontado com a consciência pensante, medido e negado. Os sistemas de fé, as formas de Estado, as definições econômicas sofreram o assalto da autonomia, que não teve nenhum respeito pelas autoridades estabelecidas. Lamentou-se a perda do sistema de autoridade ou festejou-se tal acontecimento como um passo em direção à maturidade cultural. De todas as maneiras, deu-se o reconhecimento de que a vida cultural não pode ser pensada sem autonomia. Líderes e camponeses tiveram o mesmo sentimento, conquistar a liberdade das mãos do autoritarismo irracional, fosse ele imanente ou transcendente. Esse é um fato fundamental que o cristianismo deve levar em conta.
Do lado positivo, a autonomia significou o reinado da razão. Pela primeira vez, depois de um milênio e meio, a razão humana não via limites para seu poder. Através da análise ela penetrou as profundezas da vida cultural e social, simultaneamente, e através da síntese dos elementos descobertos apresentava um sistema novo, racional. O pensamento moderno, que surgiu com o fim da Guerra dos Trinta Anos na Europa continental e da revolução puritana na Inglaterra, deu origem à filosofia racionalista, à ciência empírica e ao formalismo religioso. Este último, durante quase um século predominou no Velho Mundo e na jovem América.
Para entender o empirismo e o racionalismo é importante notar que a partir do final da Idade Média o conhecimento científico começou a desenvolver-se numa velocidade até então desconhecida. Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650), Sir Isaac Newton (1642-1727), John Locke (1632-1704) foram cientistas e filósofos que mudaram a maneira do mundo pensar. Cada vez mais, o mundo buscava as razões naturais, compreensíveis à razão. O universo deixava de ser um desconhecido e tornava-se máquina movida por leis mensuráveis. Depois de séculos de arbítrio, os homens foram possuídos por uma vontade de dar forma ao mundo de maneira racional.
Mas também a vida econômica deve ser formulada racionalmente. Assim, antes de Marx, Henri Saint-Simon, com seu trabalho Sisteme Industriel, apresentou pela primeira os princípios de uma teoria econômica que deveria pouco a pouco substituir a velha religião, pois não é o interesse de certos indivíduos ou povos que deve fazer a lei, mas é a humanidade inteira, que é sujeito e objeto dos processos econômicos, quem deve fazê-lo a partir de critérios racionais. A mesma autonomia que substituiu a autoridade, a partir da razão precisa construir um mundo sem arbítrio. Eis um segundo fato que o cristianismo não pode esquecer. Mas, explica Tillich, sem dúvida foi Marx quem introduziu o pensamento histórico objetivo do idealismo alemão no socialismo, ao dizer que a razão precisa ser separada da decisão humana e colocada ao nível das necessidades objetivas. O processo dialético é racional e a fé nele é uma fé na razão: uma fé que adquire uma força enorme graças à sua amarração metafísica objetiva e que se tornaria o dogma fundamental de milhões de pessoas.
Foi o processo da própria história que fez o mundo conformar-se à razão e levou este combate a tornar-se vitorioso. E foi essa vitória que deu cara ao mundo que conhecemos como moderno. Para Tillich, a fé na razão está fundamentada sobre os resultados conquistados pela ciência da natureza. Aqui, no entanto, devemos acrescentar, como o faz Jean Baudrillart, que “não é a ciência, nem mesmo é a técnica que são modernas, mas os efeitos da ciência e da técnica é que são”. E atrás da ciência da natureza veio a cultura moderna. Preparada de várias maneiras a partir do fim da Idade Média, ela surge com uma força irresistível na Renascença e conduziu a uma afirmação alegre deste mundo, que durante muito tempo foi negado e rebaixado por um outro mundo, sombrio e místico.
Os outros mundos empalideceram diante da validade universal das leis da natureza, diante da beleza do real redescoberta na arte, diante da consciência de unidade do finito e do infinito na filosofia da natureza. É assim que a imanência ressoa no humanismo e na filosofia das Luzes, com Goethe e no idealismo alemão, da mesma maneira que o socialismo se une à consciência da autonomia e à fé do poder formador da razão na construção de um sentimento unitário da vida e do mundo. Este é o terceiro fato que o cristianismo deve levar em conta.
Notas
1. André Gounelle, “Une éthique sociale pour aujourd’hui?”, Montpellier : Institut Protestant de Théologie, Etudes Théologiques et Religieuses, ETR, 79o. ano, 2004/3, p. 355.
2. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 154-160. “ Christentum und sozialismus, Bericht an das Konsistorium der Mark Brandenbourg ”, Impressionen und reflexionen, Gesammelte Werke, XIII, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1972, pp. 154-160. (p. 4).
3. A tradução francesa utiliza a expressão “économie de l’entreprise privée et du profit”. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, idem, op. cit., p. 4.
4. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, idem, op. cit., p. 5.
5. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, op. cit., p. 5.
6. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 23-30. “Christentum und Sozialismus I”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1962, pp. 21-28. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
7. Hugues Portelli, Gramsci e a questão religiosa, São Paulo, Edições Paulinas, 1984, p. 188.
8. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, op.cit., p. 23.
9. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, op.cit., p. 24.
10. Jurandir Freire Costa, “O inferno de todos nós”, São Paulo, Caderno Mais, Folha de S. Paulo, 02.05.1999, pp. 5-7.
11. Paul Valadier, Essais sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, p. 35-37.
12. Gustave Martelet, Deux mille ans d’Église en question, du schisme d’Occident à Vatican II, Paris, Les Éditions du Cerf, 1990, p. 185-186.
13. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 24. “Christentum und Sozialismus I”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1962, pp. 21-28. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
14. Gustave Martelet, Deux mille ans d’Église en question, du schisme d’Occident à Vatican II, op. cit., p. 185.
15. Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, Vida Nova, São Paulo, 1992, págs. 320-331.
16. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit., p. 24.
17. Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, op. cit., pp. 330-331.
18. Paul Valadier, Essais sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, p. 31.
19. Paul Tillich, “L’homme et l’État” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 478-479. “Mensch und Staat”, Impressionen und Reflexionen, Gesammelte Werke XIII, EvangelischesVerlagswerk Stuttgart, 1972, pp. 167-177. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
20. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit., p. 25.
21. Paul Tillich, On the boundary, An autobiographical sketch, New York, Charles Scribner´s Sons, 1966. Aux frontières, Esquisse autobiographique (1936), Entre l´idéalisme et le marxisme, Paris, Genebra, Quebec, Les Editions de Cerf, Editions Labor et Fides, Les Presses de l´Université Laval, 2002, p. 55.
22. Marc Boss, “Protestantisme et modernité: résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistes de Tillich (1919-1920)”, in A Dumais e J. Richard, ed., Ernst Troeltsch et Paul Tillich, pour une nouvelle synthèse du christianisme avec la culture de notre temps, Les Presses de l’Université Laval e L’Harmattan, p. 95-96.
23. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit, p. 25.
24. Aqui devemos acrescentar, como o faz Jean Baudrillart, que “não é a ciência, nem mesmo é a técnica que são modernas, mas os efeitos da ciência e da técnica é que são”. Paul Valadier, Essais sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, pp. 15 e 31.
25. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 25.
26. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 25.
27. Marc Boss, “Protestantisme et modernité: résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistes de Tillich (1919-1920)”, op. cit., pp. 93-94.
28. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 26.
Para Paul Tillich, o cristianismo tem mais afinidades com determinadas formas de organização social do que outras, pois tem por base uma ética calcada no amor, que possibilita um objetivo estável para os grandes desafios sociais: reunir o que está separado e mudar o que não deve ser. A separação toma diferentes formas através dos tempos, das relações e das circunstâncias. O amor deve, como conseqüência, partir da intuição criadora para superar a separação. Não pode se contentar com velhas receitas, deve imaginar sempre novas soluções. Não pode ficar preso aos mandamentos, as leis, as regras, e embora parta delas e seja inspirado por elas, deve modificá-las e atualizá-las em função das novas situações que se apresentam. A ética do amor leva o cristianismo a ter uma postura crítica diante da ordem social que se apóia na opressão e na exclusão social: faz a crítica da ordem social que está erigida sobre o egoísmo político/econômico, e proclama a necessidade de uma nova ordem, na qual o sentido de comunidade seja o fundamento da organização social.
O amor denuncia o egoísmo das economias que levam à expropriação de muitos em benefício de poucos, e propõe uma economia solidária onde a alegria não seja fruto do ganho, mas do próprio trabalho. E condena o egoísmo de classe, onde cada qual procura enriquecer através da exploração de seu próximo, e as conseqüências desse processo, como o privilégio da educação para uma elite. Mas nega também a afirmação da luta de classes enquanto princípio e propõe a supressão das classes, o fim dos privilégios na educação e da exploração de setores profissionais por outros.
O amor condena também o egoísmo internacional da força e do comércio, que justifica a violência e a guerra sobre povos, nações e continentes. Assim, a ética do amor prega a submissão dos povos, sejam ricos ou pobres, à idéia do direito, e à construção de uma consciência comunitária, soldada sobre a paz, que leve a um internacionalismo real entre as nacionalidades. Muitos dirão que eliminar o egoísmo como forma de estímulo econômico, afirma Tillich, diminuirá o desenvolvimento e reduzirá a produção. No entanto, para ele, a partir do amor, vemos que o ser humano não foi criado para a produção, mas a produção para suprir necessidades humanas e que, por isso, o objetivo da economia não é a produção da maior quantidade possível de bens para uma classe em particular e sim a produção de bens necessários à vida para o maior número de pessoas.
Rupturas econômicas e espirituais
Para Tillich, na história, uma ruptura espiritual vem sempre associada a uma ruptura econômica, da mesma maneira que um processo de unidade espiritual vem associado a um processo de unidade econômica. A alma dessa unidade espiritual é a religião. O fracionamento espiritual característico de determinadas épocas traduz fracionamento econômico, distanciamento e choque entre classes. E naquelas épocas em que temos um processo cultural de unidade temos também uma nova base de unidade e solidariedade social e econômica. Nesse sentido, há um processo de desenvolvimento que se realiza de forma desigual na história, mas que combina mudanças espirituais e transformações econômicas e sociais. Diante de tais circunstâncias, para Tillich, o cristianismo está eticamente obrigado a fazer uma escolha: ou participa do processo, inspirando e atuando a favor desse desenvolvimento ou se retrai e entra em processo de caducidade, ao afastar-se da vida real das comunidades nas quais está inserido.
Em artigo publicado em Das neue Deutschland, em 1919, Tillich disse que o socialismo é o produto da evolução espiritual e econômica, que foi lentamente preparado e que se impõe com a Renascença, a Reforma e no surgimento do capitalismo. Visão que é compartida por teóricos marxistas, como Gramsci, por exemplo.
“A filosofia da práxis pressupõe todo este passado cultural, o Renascimento e a Reforma, a filosofia alemã e a revolução francesa, o liberalismo laico e o historicismo; em suma, o que está na base de toda concepção moderna da vida”.
Assim, o socialismo surge em oposição à cultura autoritária e unitária da Idade Média, sedimenta suas bases nas criações culturais dos últimos séculos, e só pode ser compreendido a partir desta evolução: sua permanência está ligada a esse desenvolvimento. Mas não devemos esquecer, porém, que é do interior do cristianismo que brota o socialismo e aqueles que defendem o socialismo devem defender também os princípios sobre os quais ele repousa.
A organização espiritual e econômica da Idade Média estava fundada sobre um sistema de centralização da autoridade que associava a natureza e o supranatural numa unidade poderosa. Ou, como diz Costa, não distinguia aparência de essência. Ela era a substância mesma do que significava viver. Foi o romanticismo de Rousseau, a educação burguesa e a invenção do “homem trabalhador” que reduziram a sociabilidade em dois domínios separados: um domínio afetivo, interpessoal, no qual podemos ser sinceros e honestos, e um domínio público, impessoal, no qual dissimulamos o que sentimos para melhor exercer a função de cidadão. Mas foi a Reforma, sustentada pela visão humanista que surgiu com a Renascença, que golpeou o sistema de autoridade, trouxe a fé para o plano formal ao recorrer à autoridade das Escrituras e no plano material valorizou a subjetividade da consciência individual. E a Revolução francesa, em 1789, propôs ao mundo um novo tipo de sociedade.
A França tornou-se o primeiro país da Europa a viver uma realidade político-social até então inédita, que transformaria de alto a baixo a vida da Igreja cristã. Na verdade, a Igreja já tinha vivido crises, como a da Reforma protestante, mas mesmo esta tinha acontecido no âmbito da consciência cristã. Agora, a partir da Revolução surgia uma sociedade que não tinha como fundamento as evidências ou afirmações de fé da Igreja. Ao contrário, a França e, por extensão, a Europa escolhiam o caminho oposto, da secularização, que tem por base o ideal triplo de liberdade, igualdade e fraternidade. Nesse caso, a nova sociedade buscou uma razão cujos ideais aparentemente eram estranhos à revelação.
Apoiado formalmente sobre as Escrituras, o protestantismo eclesiástico engendrou novas contradições, mas o sistema centralizado de autoridade já estava em frangalhos. Coube ao indivíduo decidir a que grupo ele queria ligar-se. Por causa das guerras religiosas, essa realidade viveu um processo lento, transmitindo a cada lado a esperança de que poderia chegar a uma vitória exclusiva. Mas com o fim dos combates o que se viu foi que as oposições às confissões se tornaram permanentes. Dessa maneira, brotou o espírito autônomo nos mais variados campos: a consciência européia ocidental se tornou adulta, atacou as muralhas autoritárias das confissões e não deixou subsistir sob o solo protestante nada mais que os destroços do constrangimento autoritário.
Para Tillich, o pensamento cartesiano deu um golpe decisivo no autoritarismo eclesiástico ao afirmar que a certeza que eu tenho de mim mesmo é o princípio de toda certeza objetiva. Embora a autoridade não possa me livrar da dúvida, é em mim mesmo, somente, que se enraiza a certeza. Assim, no século dezoito uma profunda mudança de mentalidade teve lugar na cultura européia, que foi dominada por um apaixonado desejo de felicidade, de confiança no progresso sem limites e em projetos para transformar o ser humano e a sociedade. Nesse processo, a autonomia da razão era olhada como fonte de tolerância e maturidade, e única norma para a liberdade. Tal mudança fixou aspirações e projetos, unidos ao sentimento de que o ser humano havia arrancado das mãos de Deus o conhecimento da natureza e a partir daí definiria a condução de seu próprio destino. E o Iluminismo tirou suas conclusões: toda tradição deve ser submetida à crítica. Mas se o racionalismo levou ao Iluminismo, possibilitou também o surgimento de novos movimentos religiosos, como o pietismo, que surgiu na Europa continental. O pietismo levou a um novo interesse pelo estudo das Escrituras, pela ação e função do Espírito Santo, gerando um avivamento da igreja luterana na Morávia. Este avivamento alastrou-se pelo continente, pela Inglaterra e chegou aos Estados Unidos. O conde de Zinzendorf (1700-1760) e o teólogo August Spangensberg, assim como o pietismo morávio de conjunto, influenciaram John Wesley (1793-1791), fundador do Metodismo e um dos líderes do avivamento na Inglaterra. Assim, a partir do Iluminismo, no domínio espiritual, político, econômico, nada ficou de positivo que não fosse pensado, confrontado com a consciência pensante, medido e negado. Os sistemas de fé, as formas de Estado, as definições econômicas sofreram o assalto da autonomia, que não teve nenhum respeito pelas autoridades estabelecidas. Lamentou-se a perda do sistema de autoridade ou festejou-se tal acontecimento como um passo em direção à maturidade cultural. De todas as maneiras, deu-se o reconhecimento de que a vida cultural não pode ser pensada sem autonomia. Líderes e camponeses tiveram o mesmo sentimento, conquistar a liberdade das mãos do autoritarismo irracional, fosse ele imanente ou transcendente. Esse é um fato fundamental que o cristianismo deve levar em conta.
Do lado positivo, a autonomia significou o reinado da razão. Pela primeira vez, depois de um milênio e meio, a razão humana não via limites para seu poder. Através da análise ela penetrou as profundezas da vida cultural e social, simultaneamente, e através da síntese dos elementos descobertos apresentava um sistema novo, racional. O pensamento moderno, que surgiu com o fim da Guerra dos Trinta Anos na Europa continental e da revolução puritana na Inglaterra, deu origem à filosofia racionalista, à ciência empírica e ao formalismo religioso. Este último, durante quase um século predominou no Velho Mundo e na jovem América.
Para entender o empirismo e o racionalismo é importante notar que a partir do final da Idade Média o conhecimento científico começou a desenvolver-se numa velocidade até então desconhecida. Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650), Sir Isaac Newton (1642-1727), John Locke (1632-1704) foram cientistas e filósofos que mudaram a maneira do mundo pensar. Cada vez mais, o mundo buscava as razões naturais, compreensíveis à razão. O universo deixava de ser um desconhecido e tornava-se máquina movida por leis mensuráveis. Depois de séculos de arbítrio, os homens foram possuídos por uma vontade de dar forma ao mundo de maneira racional.
Mas também a vida econômica deve ser formulada racionalmente. Assim, antes de Marx, Henri Saint-Simon, com seu trabalho Sisteme Industriel, apresentou pela primeira os princípios de uma teoria econômica que deveria pouco a pouco substituir a velha religião, pois não é o interesse de certos indivíduos ou povos que deve fazer a lei, mas é a humanidade inteira, que é sujeito e objeto dos processos econômicos, quem deve fazê-lo a partir de critérios racionais. A mesma autonomia que substituiu a autoridade, a partir da razão precisa construir um mundo sem arbítrio. Eis um segundo fato que o cristianismo não pode esquecer. Mas, explica Tillich, sem dúvida foi Marx quem introduziu o pensamento histórico objetivo do idealismo alemão no socialismo, ao dizer que a razão precisa ser separada da decisão humana e colocada ao nível das necessidades objetivas. O processo dialético é racional e a fé nele é uma fé na razão: uma fé que adquire uma força enorme graças à sua amarração metafísica objetiva e que se tornaria o dogma fundamental de milhões de pessoas.
Foi o processo da própria história que fez o mundo conformar-se à razão e levou este combate a tornar-se vitorioso. E foi essa vitória que deu cara ao mundo que conhecemos como moderno. Para Tillich, a fé na razão está fundamentada sobre os resultados conquistados pela ciência da natureza. Aqui, no entanto, devemos acrescentar, como o faz Jean Baudrillart, que “não é a ciência, nem mesmo é a técnica que são modernas, mas os efeitos da ciência e da técnica é que são”. E atrás da ciência da natureza veio a cultura moderna. Preparada de várias maneiras a partir do fim da Idade Média, ela surge com uma força irresistível na Renascença e conduziu a uma afirmação alegre deste mundo, que durante muito tempo foi negado e rebaixado por um outro mundo, sombrio e místico.
Os outros mundos empalideceram diante da validade universal das leis da natureza, diante da beleza do real redescoberta na arte, diante da consciência de unidade do finito e do infinito na filosofia da natureza. É assim que a imanência ressoa no humanismo e na filosofia das Luzes, com Goethe e no idealismo alemão, da mesma maneira que o socialismo se une à consciência da autonomia e à fé do poder formador da razão na construção de um sentimento unitário da vida e do mundo. Este é o terceiro fato que o cristianismo deve levar em conta.
Notas
1. André Gounelle, “Une éthique sociale pour aujourd’hui?”, Montpellier : Institut Protestant de Théologie, Etudes Théologiques et Religieuses, ETR, 79o. ano, 2004/3, p. 355.
2. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 154-160. “ Christentum und sozialismus, Bericht an das Konsistorium der Mark Brandenbourg ”, Impressionen und reflexionen, Gesammelte Werke, XIII, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1972, pp. 154-160. (p. 4).
3. A tradução francesa utiliza a expressão “économie de l’entreprise privée et du profit”. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, idem, op. cit., p. 4.
4. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, idem, op. cit., p. 5.
5. Paul Tillich, “Rapport au Consistoire” in Christianisme et socialisme, op. cit., p. 5.
6. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 23-30. “Christentum und Sozialismus I”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1962, pp. 21-28. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
7. Hugues Portelli, Gramsci e a questão religiosa, São Paulo, Edições Paulinas, 1984, p. 188.
8. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, op.cit., p. 23.
9. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, op.cit., p. 24.
10. Jurandir Freire Costa, “O inferno de todos nós”, São Paulo, Caderno Mais, Folha de S. Paulo, 02.05.1999, pp. 5-7.
11. Paul Valadier, Essais sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, p. 35-37.
12. Gustave Martelet, Deux mille ans d’Église en question, du schisme d’Occident à Vatican II, Paris, Les Éditions du Cerf, 1990, p. 185-186.
13. Paul Tillich, “Christianisme e socialisme I”, in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 24. “Christentum und Sozialismus I”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1962, pp. 21-28. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
14. Gustave Martelet, Deux mille ans d’Église en question, du schisme d’Occident à Vatican II, op. cit., p. 185.
15. Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, Vida Nova, São Paulo, 1992, págs. 320-331.
16. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit., p. 24.
17. Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, op. cit., pp. 330-331.
18. Paul Valadier, Essais sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, p. 31.
19. Paul Tillich, “L’homme et l’État” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 478-479. “Mensch und Staat”, Impressionen und Reflexionen, Gesammelte Werke XIII, EvangelischesVerlagswerk Stuttgart, 1972, pp. 167-177. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
20. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit., p. 25.
21. Paul Tillich, On the boundary, An autobiographical sketch, New York, Charles Scribner´s Sons, 1966. Aux frontières, Esquisse autobiographique (1936), Entre l´idéalisme et le marxisme, Paris, Genebra, Quebec, Les Editions de Cerf, Editions Labor et Fides, Les Presses de l´Université Laval, 2002, p. 55.
22. Marc Boss, “Protestantisme et modernité: résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistes de Tillich (1919-1920)”, in A Dumais e J. Richard, ed., Ernst Troeltsch et Paul Tillich, pour une nouvelle synthèse du christianisme avec la culture de notre temps, Les Presses de l’Université Laval e L’Harmattan, p. 95-96.
23. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op.cit, p. 25.
24. Aqui devemos acrescentar, como o faz Jean Baudrillart, que “não é a ciência, nem mesmo é a técnica que são modernas, mas os efeitos da ciência e da técnica é que são”. Paul Valadier, Essais sur la modernité: Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974, pp. 15 e 31.
25. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 25.
26. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 25.
27. Marc Boss, “Protestantisme et modernité: résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistes de Tillich (1919-1920)”, op. cit., pp. 93-94.
28. Paul Tillich, “Christianisme et Socialisme I”, op. cit., p. 26.
jeudi 6 novembre 2008
E' (da) sempre l'ora del tè...

E' (da) sempre l'ora del tè...
In alcuni paesi il tè è protagonista di narrazioni mitologiche, di teorie filosofiche, della Storia; altresì è un simbolo culturale, il retaggio di contaminazioni tra civiltà, un rito dell'ospitalità o un mezzo di meditazione... l'intero territorio europeo, invece, è sterile alla coltivazione del tè ed è forse per questo, anglosassoni a parte, che scopriamo l'aromatica bevanda solo recentemente. Oggi, le schiere di appassionati vanno infittendosi ma, anche da amatori, si può imparare un modo “diverso” di degustare il tè nonché trovarvi alcune originali ispirazioni per farne un appuntamento quotidiano o salottiero diverso dal solito.
Universo - Tè
Una premessa è d'obbligo, prima di scoprire che esiste un vero e proprio arcobaleno di tè: tre sole sono le specie di Camellia (Sinesi, Assamica e Camboiensis) che danno vita a tutte le varietà di tè. Sono dunque le diverse lavorazioni a caratterizzare il risultato finale. Per questo sarebbe impossibile citare tutti i tipi di tè esistenti, ma si può cominciare con un breviario di base per scoprire qualcosa di più sulle qualità maggiormente diffuse.
Tè Nero: si tratta di un tè forte, ricco di teina, dal color marrone scuro. Si beve soprattutto in India ed in Cina (in alcune regioni, nella versione affumicata). Tra le fasi della sua lavorazione(una volta manuale, oggi meccanica), fondamentale è quella dell'arrotolamento durante la quale le foglie liberano gli oli essenziali mentre va fissandosi l' aroma. Successivamente, sono dispiegate e vengono poste in un luogo freddo e umido per l'ultima fase di ossigenazione, è allora che si colorano di rosso, per divenire, via via, sempre più brunite.
Tè Verde: è un tè chiaro e profumato coltivato in Cina ed in Giappone. A determinare il colore verde delle foglie è la mancanza, nella lavorazione, della fase di fermentazione. Dopo la raccolta, le foglie vengono distese su vassoi di bambù ed esposte al sole ad asciugare; quindi, raccolte in grandi wok, intiepidiscono sul fuoco o sottoposte al vapore (è questo il metodo giapponese); tornate malleabili, vengono arrotolate, piegate, o attorcigliate, quindi di nuovo riscaldate e, ancora una volta, modellate; è allora che sono pronte per essiccare definitivamente.
Il tè verde ha una composizione particolarmente salutare; contiene tannino, zinco (che accelera il processo di guarigione delle ferite e rinforza il sistema immunitario), manganese, potassio, magnesio e fluoro (importanti per ossa e denti) nonché le vitamine B, K e C.
Tè Bianco: è una specialità cinese, viene coltivato e prodotto in quantità minime nella provicia del Fujian e raccolto rigorosamente a mano. Le sue foglie hanno un particolare color argenteo ed il suo infuso è quasi trasparente e dall'aroma delicatissimo. Per produrre il tè bianco i germogli vengono raccolti prima di schiudersi, quindi lasciati appassire ed essiccare, senza però essere sottoposti a calore diretto nè artificiale. Alcune varietà di tè bianco sono rarissime ed assai preziose poiché la raccolta può avvenire solamente in pochi giorni dell'anno.
Tè Oolong: sotto questo nome si raccolgono diverse qualità di tè, dalle sfumature di colore più o meno scure (talvolta tra il verde ed il blu), e dagli infusi di profumo e sapore di un grado più intenso rispetto ai tè verdi. Più o meno fermentati, più o meno ossidati, i tè oolong sono le varietà utilizzate nella cerimonia Gong Fu, eseguita con le tipiche tazze coperte.
Tra i diversi tipi di Oolong si può citare il Dong Ding, un tè lievemente fermentato con uno spiccato sapore dolce ed una brillante infusione verde giada.
Tè Giallo: ha germogli solitamente molto lunghi, che, esposti ad una fiamma viva, subiscono un processo di “uccisione del verde” che gli conferisce il colore caratteristico. L'infusione è particolarmente dolce e fresca. Vista la sfumatura paglierina che le foglie trasferiscono all'acqua era un tempo destinato agli appassionati della cultura Cinese, il cui impero era rappresentato dal colore giallo.
Tra le sue varietà va ricordato il Wanxi Huang Da Cha il cui aroma ricorda il cioccolato ed il caffè.
Tè Rosso o Pu-erh: si presenta nero o verde e si beve invecchiato dai quattro ai cinquant'anni e più. Testi medici individuano, tra le sue qualità quella di coadiuvante della digestione e di purificante del sangue: riducendo colesterolo e trigliceridi, aiuterebbe il controllo del peso ed abbasserebbe la temperatura corporea.
Tè Aromatizzato: le varietà aromatizzate di tè sono pressoché infinite. La tradizione cinese suggerisce alcune aggiunte di foglie o boccioli, ad esempio di gelsomino, di crisantemo dolce, di loto e petali di rosa. Oltre agli Hua Cha (tè ai fiori), vi sono gli Hsiang Pien (frammenti profumati) impreziositi da scorze, frutti, cortecce e fiori. Infine si può praticare l'aggiunta di una grande varietà di oli essenziali.
ALMOST TEA…
Vi sono alcuni infusi che non fanno scientificamente parte della categoria dei tè, ma che, per gusto e proprietà si possono citare come “parenti stretti”.
Il Tè Rosso Roiboos è un infuso totalmente privo di teina e ricco di vitamina C. Pur non derivando da alcuna specie di Camellia. Il suo sapore è molto simile a quello del tè; la pianta che gli da origine è, in realtà, un arbusto del Sud Africa (Aspalathus linoaris) che produce un'infusione rossa e ricca di sali minerali. È reperibile, presso i negozi specializzati, sia sfuso, sia in bustine.
Il Mate è un infuso tipico sud americano e si ricava dalla pianta erbacea “Ilex Paraguaiensis” nota da secoli alle civiltà indigene.
Questa tisana possiede proprietà rinfrescanti, lenisce la fame ed energizza il fisico; contiene diverse vitamine (B1, B2, C, E) e molti sali minerali (tra i quali potassio, calcio, fosforo e ferro).
Si beve in piccole zucche svuotate e forgiate a mo' di tazze tondeggianti, succhiando con una cannuccia di argento.
Fonte: La Cucina Italiana/ http://www.lacucinaitaliana.it/default.aspx?idPage=1471
mardi 4 novembre 2008
Socialização da Tese de Pós-Doutorado
Aos colegas
Faço minhas as palavras do pastor Youssef -- "que bênção de Deus, e que privilégio em poder conhecer alguns e rever outros" por ocasião da palestra que proferi sobre a minha tese de pós-doutorado: "As brasilidades e o Reino, diálogos protestantes com a multiculturalidade brasileira", segunda-feira, dia 03/11/2008, no Auditório João Calvino, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
Em Cristo, um abraço a todos e a todas.
Jorge Pinheiro
Foto
Prof. Dr. Carlos Caldas Filho, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Mackenzie, e o Prof. Pós-Doutor Jorge Pinheiro dos Santos, da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
A Revelação e o Signo
No processo da revelação podemos distinguir vários elementos que se sobrepõem e se completam. Dentre eles, o mais fascinante é a questão do significado e do significante. A revelação dá-se através de um processo de adequação histórica. Entretanto, esse conhecimento não demanda unicamente a apreensão de uma determinada realidade. Faz-se necessário que esta realidade seja apreendida de uma determinada maneira, consoante a uma construção de análise e síntese.
Como premissa fundamental temos que reconhecer uma justaposição entre conhecimento intuitivo e conhecimento discursivo. O conhecimento intuitivo faz-se a partir das condições para que ele se processe, imediatamente, frente a uma determinada realidade, ao passo que o discursivo requerer passar de algo conhecido, através de uma série de juízos, à apreensão do ainda não apreendido. Ao primeiro processo chamamos sintético e ao segundo analítico.
A revelação não se dá simplesmente como processo de adequação da mente humana ao novo que lhe é apresentado. Impõe-se que o novo, inerente ao processo cognoscitivo, tenha um significado. Uma relação de significado em que apessoa opera como ser significante e o novo como ser significado. Desta forma, a revelação não se processa entre realidades ahistóricas, mas em relação espacial e temporal, que exige, para que a interação pessoa/realidade se estabeleça, de que haja algo maior, alguma coisa além de ambos, não causal, mas essencial.
No processo da revelação, a pessoa se encontra em processo de construção, já que não é plena senhora do processo. É um ser colocado no tempo e no espaço, que estabelece relação com a realidade que o cerca dentro do processo cognoscitivo enquanto dimensão humana e histórica.
Outro pressuposto é a natureza genética da linguagem, que se encontra em constante devir. Dessa maneira, significado e significante estão intimamente ligados a linguagem, enquanto revelação e construção histórica e social.
Assim, compreendemos que, dependendo da utilização de determinado objeto ou realidade, a pessoa conhece de determinada forma, e no processo pode construir conceitos diferentes a partir de um objeto ou realidade anteriores. Podemos inferir ao que isso conduz. A revelação está ligada à vida da pessoa, já que será a própria experiência humana que agregará valor ao objeto ou realidade antes conhecidos e vividos. Dessa maneira, o velho vai gerar o novo, uma essência que transcende, uma universalidade, a partir da própria experiência de vida, que teologicamente podemos chamar de obediência ao mandamento de Deus.
Mas ainda não definimos a importância do significado e do ser significante dentro do processo da revelação. Se a revelação é histórica, é importante notar que a própria revelação age sobre a vida humana, sobre a historicidade da pessoa. E mais do que isso, ao definir a historicidade humana muda o próprio meio onde a pessoa vive e atua. Dessa forma, a revelação cria processos de formação, escalas de valores, normas e condicionamentos. E é aí que reside toda a problemática da revelação enquanto conhecimento: como a pessoa, a partir da revelação, pode conhecer a Deus, seu propósito e dar um sentido ao mundo que a cerca, assim como achar o seu papel dentro de todo esse complexo?
A verdade da revelação é o significado que uma determinada realidade tem para a comunidade e a pessoa. Há uma construção intuitiva, quando a experiência da revelação produz uma interação entre a pessoa e a divindade, sem que essa experiência necessariamente influa no processo discursivo de conhecimento. Mas mesmo neste caso a pessoa não abandona ou perde sua formação. Não deixa de ser aquilo que é: pessoa inserida em determinada comunidade. Mesmo quando esse processo dá-se em um nível superior, instantaneamente, sem elaboração discursiva, a pessoa está condicionado pela historicidade do ser cognoscente. E dentro dessa condicionante sempre se processa a interação pessoa/realidade. Aqui, sentimentos e afetividades, que geralmente passam despercebidos, são realçados. Isso porque nesse momento específico determinada realidade passa a ter significado, que mesmo não sendo inerente, exige que se lhe dê um. E nesse caso o conhecimento da revelação faz da pessoa ser significante.
Assim a revelação dá ao mundo um significado imanente. Pessoa e comunidade, através da revelação passam a estar dotados de significado, mas ao mesmo tempo este conhecimento, este significado dado, não se dá ahistoricamente, mas dentro das limitações de sua própria obediência.
Podemos, então, concluir que a partir da revelação a pessoa é o significante da construção da comunidade, pois através do conhecimento da revelação é ele quem historicamente pode modificar causas e efeitos, imprimindo ao processo nova direção.
Mas, como se processa a relação entre significado e significante, quer no caso isolado da interação entre pessoa e realidade, quer no caso de todo o processo da revelação? Vimos que dentro do conhecimento da revelação a pessoa é um ser significante. Podemos, então, ver que a escala de valores do sistema ético, oferecido pela revelação à comunidade, é parte integrante do significado dado ao mundo pela própria revelação. Donde, dentro de uma interação significado/significante existem elementos dinâmicos de transformação.
O universo é o mundo dos homens e das mulheres. Nesse sentido, aí eles constróem seu habitat. Desta forma, através do significado dado pela pessoa à natureza, enquanto domínio e expansão, dentro de um significado de utilização que lhe empresta, atua sobre ela, produzindo cultura e transformação.
A revelação, enquanto relação entre significante e significado é dialética. Pois se é ela que faz da pessoa e da comunidade ser significante, permite ao homem e à mulher e às suas comunidades transferirem ao mundo que os cerca a cosmovisão que utiliza essa mesma significação.
Ao fazer significante a realidade que a cerca, a pessoa dá origem a transformações, engendra causas, e passa à construção do futuro, já não como utopia, mas como realidade. Para viabilizar tais transformações é necessário que transfira, enquanto comunidade, novos significados aos processos históricos e sociais.
Através da relação estabelecida entre significado e significante encontraremos as causas de conotações. À circuncisão, por exemplo, a partir de determinado momento, daremos a conotação de aliança. Assim a circuncisão é pacto, marca de um povo separado, mandamento de Iavé, mas só será isso quando um ser (pessoa ou comunidade) que se torna seu significante lhe dê significado.
Como premissa fundamental temos que reconhecer uma justaposição entre conhecimento intuitivo e conhecimento discursivo. O conhecimento intuitivo faz-se a partir das condições para que ele se processe, imediatamente, frente a uma determinada realidade, ao passo que o discursivo requerer passar de algo conhecido, através de uma série de juízos, à apreensão do ainda não apreendido. Ao primeiro processo chamamos sintético e ao segundo analítico.
A revelação não se dá simplesmente como processo de adequação da mente humana ao novo que lhe é apresentado. Impõe-se que o novo, inerente ao processo cognoscitivo, tenha um significado. Uma relação de significado em que apessoa opera como ser significante e o novo como ser significado. Desta forma, a revelação não se processa entre realidades ahistóricas, mas em relação espacial e temporal, que exige, para que a interação pessoa/realidade se estabeleça, de que haja algo maior, alguma coisa além de ambos, não causal, mas essencial.
No processo da revelação, a pessoa se encontra em processo de construção, já que não é plena senhora do processo. É um ser colocado no tempo e no espaço, que estabelece relação com a realidade que o cerca dentro do processo cognoscitivo enquanto dimensão humana e histórica.
Outro pressuposto é a natureza genética da linguagem, que se encontra em constante devir. Dessa maneira, significado e significante estão intimamente ligados a linguagem, enquanto revelação e construção histórica e social.
Assim, compreendemos que, dependendo da utilização de determinado objeto ou realidade, a pessoa conhece de determinada forma, e no processo pode construir conceitos diferentes a partir de um objeto ou realidade anteriores. Podemos inferir ao que isso conduz. A revelação está ligada à vida da pessoa, já que será a própria experiência humana que agregará valor ao objeto ou realidade antes conhecidos e vividos. Dessa maneira, o velho vai gerar o novo, uma essência que transcende, uma universalidade, a partir da própria experiência de vida, que teologicamente podemos chamar de obediência ao mandamento de Deus.
Mas ainda não definimos a importância do significado e do ser significante dentro do processo da revelação. Se a revelação é histórica, é importante notar que a própria revelação age sobre a vida humana, sobre a historicidade da pessoa. E mais do que isso, ao definir a historicidade humana muda o próprio meio onde a pessoa vive e atua. Dessa forma, a revelação cria processos de formação, escalas de valores, normas e condicionamentos. E é aí que reside toda a problemática da revelação enquanto conhecimento: como a pessoa, a partir da revelação, pode conhecer a Deus, seu propósito e dar um sentido ao mundo que a cerca, assim como achar o seu papel dentro de todo esse complexo?
A verdade da revelação é o significado que uma determinada realidade tem para a comunidade e a pessoa. Há uma construção intuitiva, quando a experiência da revelação produz uma interação entre a pessoa e a divindade, sem que essa experiência necessariamente influa no processo discursivo de conhecimento. Mas mesmo neste caso a pessoa não abandona ou perde sua formação. Não deixa de ser aquilo que é: pessoa inserida em determinada comunidade. Mesmo quando esse processo dá-se em um nível superior, instantaneamente, sem elaboração discursiva, a pessoa está condicionado pela historicidade do ser cognoscente. E dentro dessa condicionante sempre se processa a interação pessoa/realidade. Aqui, sentimentos e afetividades, que geralmente passam despercebidos, são realçados. Isso porque nesse momento específico determinada realidade passa a ter significado, que mesmo não sendo inerente, exige que se lhe dê um. E nesse caso o conhecimento da revelação faz da pessoa ser significante.
Assim a revelação dá ao mundo um significado imanente. Pessoa e comunidade, através da revelação passam a estar dotados de significado, mas ao mesmo tempo este conhecimento, este significado dado, não se dá ahistoricamente, mas dentro das limitações de sua própria obediência.
Podemos, então, concluir que a partir da revelação a pessoa é o significante da construção da comunidade, pois através do conhecimento da revelação é ele quem historicamente pode modificar causas e efeitos, imprimindo ao processo nova direção.
Mas, como se processa a relação entre significado e significante, quer no caso isolado da interação entre pessoa e realidade, quer no caso de todo o processo da revelação? Vimos que dentro do conhecimento da revelação a pessoa é um ser significante. Podemos, então, ver que a escala de valores do sistema ético, oferecido pela revelação à comunidade, é parte integrante do significado dado ao mundo pela própria revelação. Donde, dentro de uma interação significado/significante existem elementos dinâmicos de transformação.
O universo é o mundo dos homens e das mulheres. Nesse sentido, aí eles constróem seu habitat. Desta forma, através do significado dado pela pessoa à natureza, enquanto domínio e expansão, dentro de um significado de utilização que lhe empresta, atua sobre ela, produzindo cultura e transformação.
A revelação, enquanto relação entre significante e significado é dialética. Pois se é ela que faz da pessoa e da comunidade ser significante, permite ao homem e à mulher e às suas comunidades transferirem ao mundo que os cerca a cosmovisão que utiliza essa mesma significação.
Ao fazer significante a realidade que a cerca, a pessoa dá origem a transformações, engendra causas, e passa à construção do futuro, já não como utopia, mas como realidade. Para viabilizar tais transformações é necessário que transfira, enquanto comunidade, novos significados aos processos históricos e sociais.
Através da relação estabelecida entre significado e significante encontraremos as causas de conotações. À circuncisão, por exemplo, a partir de determinado momento, daremos a conotação de aliança. Assim a circuncisão é pacto, marca de um povo separado, mandamento de Iavé, mas só será isso quando um ser (pessoa ou comunidade) que se torna seu significante lhe dê significado.
samedi 25 octobre 2008
ENTRE LA (I)LÓGICA DEL MERCADO Y LAS LEYES DEL JUBILEO
¿Es ético utilizar la tierra para defender intereses particulares?
Autor: Nicolás Panotto
Lock-out, desabastecimiento, retenciones, pooles, han sido algunos de los nuevos términos que se han inmerso en el vocabulario de los argentinos y las argentinas en los últimos meses. El conflicto con el campo ha causado un fuerte impacto en el imaginario argentino (¡además de su bolsillo!) llevando a una polarización social que ciertamente homogeniza la visión sobre una problemática mucho más compleja de lo que ella pretende reflejar. Aquí no queremos adentrarnos en un debate sobre las cuestionadas retenciones a la exportación, sobre el análisis de la estructura desigual del campo (pooles vs. pequeños productores), sobre el desenmascaramiento de las ganancias del campo en los últimos años o sobre el rol del sector agrario y ganadero del país a lo largo de la historia en relación a los grupos de poder de turno (sean imperios, empresas multinacionales o dictaduras políticas). Queremos plantearnos la siguiente pregunta: ¿es ético utilizar la tierra y sus frutos para la defensa de los intereses particulares de un grupo determinado de la sociedad en detrimento del resto de la comunidad?
Para ello reflexionemos brevemente en lo que muchos y muchas llaman las leyes del Jubileo que encontramos en Levítico 25. Este pasaje bíblico trata sobre una de las prácticas socio-económicas más importantes del pueblo de Israel que con el tiempo se transformó en un símbolo teológico central de la espiritualidad hebrea y que —inclusive— fue rescatada por Jesús de Nazaret para describir su misión (Lc 4.19). El «año del Jubileo» remite a la práctica de hacer descansar la tierra luego de seis años de trabajarla (vv.1-7), y se fundamenta en normas mucho más amplias en relación al uso de la tierra, también reflejadas en este texto: la tierra debe servir al abastecimiento de las necesidades básicas de la comunidad (v.7), no puede ser utilizada como medio de transacción y de acumulación (vv.23-28), tampoco debe utilizarse para explotar a los más pobres (vv.16-17) sino estar al servicio —sin restricciones e intereses agregados— de los más necesitados y de los extranjeros (vv. 35-38).
Todo esto surge de un principio teológico central: la tierra es de Dios, por lo cual no puede ser utilizada para intereses egoístas e injustos de individuos o grupos particulares de la comunidad. Por lo tanto, este pasaje nos permita reflexionar sobre varios temas relacionados con la ética: el cuidado del medio ambiente, el uso racional de la tierra para la satisfacción de las necesidades básicas de la comunidad, la distribución de los frutos de la producción para el cuidado de los más desfavorecidos, entre otros aspectos.
Como país, siendo parte del continente latinoamericano —uno de los principales centros de producción primaria (commodities) del mundo— estamos inmersos en una lucha de intereses que se da en un contexto global donde la problemática sobre la suba de precios de los alimentos básicos es un tema en boga. Frente a todo este panorama duele en el alma y en el cuerpo ver cuando la (i)lógica del mercado impera sobre el sentido común: camiones volcando miles de litros de leche en la ruta y tirando toneladas de verduras y frutas a la basura «por no haber un precio atrayente para el productor», la complicidad entre gobiernos, políticos, jueces y empresarios en la venta irrestricta de terrenos a empresas multinacionales que cultivan productos nocivos para la tierra, como la siembra indiscriminada de soja (en muchos casos expropiando violentamente a comunidades enteras su espacio vital), la especulación financiera sobre los precios, lo cual socava el bolsillo de los ciudadanos y las ciudadanas, todo esto dibujado en una disputa mediática de mentiras donde los afectados somos los espectadores.
¿Cómo respondemos como cristianos y cristianas a este conflicto? ¿De qué lado estamos? Recordemos que no hay sólo «dos lados» (Estado vs. Campo) y que no son precisamente sus actores las verdaderas «víctimas». En realidad, las víctimas de todo esto son los ciudadanos y las ciudadanas que luchan día a día por sobrevivir —en su mayoría, grandes comunidades de campesinos, de pequeños productores y de pobres que, lejos están de obtener más ganancias si se modifican las retenciones a las exportaciones—. Con ellos y ellas está Dios.
«Pongan en práctica mis estatutos y observen mis preceptos, y habitarán seguros en la tierra. La tierra dará su fruto, y comerán hasta saciarse, y allí vivirán seguros» (Lev 25.18).
Artículo Publicado en Revista Kairós, Nro.21, Fundación Kairós, Buenos Aires, 2008, pp.20-21.
Autor: Nicolás Panotto
Lock-out, desabastecimiento, retenciones, pooles, han sido algunos de los nuevos términos que se han inmerso en el vocabulario de los argentinos y las argentinas en los últimos meses. El conflicto con el campo ha causado un fuerte impacto en el imaginario argentino (¡además de su bolsillo!) llevando a una polarización social que ciertamente homogeniza la visión sobre una problemática mucho más compleja de lo que ella pretende reflejar. Aquí no queremos adentrarnos en un debate sobre las cuestionadas retenciones a la exportación, sobre el análisis de la estructura desigual del campo (pooles vs. pequeños productores), sobre el desenmascaramiento de las ganancias del campo en los últimos años o sobre el rol del sector agrario y ganadero del país a lo largo de la historia en relación a los grupos de poder de turno (sean imperios, empresas multinacionales o dictaduras políticas). Queremos plantearnos la siguiente pregunta: ¿es ético utilizar la tierra y sus frutos para la defensa de los intereses particulares de un grupo determinado de la sociedad en detrimento del resto de la comunidad?
Para ello reflexionemos brevemente en lo que muchos y muchas llaman las leyes del Jubileo que encontramos en Levítico 25. Este pasaje bíblico trata sobre una de las prácticas socio-económicas más importantes del pueblo de Israel que con el tiempo se transformó en un símbolo teológico central de la espiritualidad hebrea y que —inclusive— fue rescatada por Jesús de Nazaret para describir su misión (Lc 4.19). El «año del Jubileo» remite a la práctica de hacer descansar la tierra luego de seis años de trabajarla (vv.1-7), y se fundamenta en normas mucho más amplias en relación al uso de la tierra, también reflejadas en este texto: la tierra debe servir al abastecimiento de las necesidades básicas de la comunidad (v.7), no puede ser utilizada como medio de transacción y de acumulación (vv.23-28), tampoco debe utilizarse para explotar a los más pobres (vv.16-17) sino estar al servicio —sin restricciones e intereses agregados— de los más necesitados y de los extranjeros (vv. 35-38).
Todo esto surge de un principio teológico central: la tierra es de Dios, por lo cual no puede ser utilizada para intereses egoístas e injustos de individuos o grupos particulares de la comunidad. Por lo tanto, este pasaje nos permita reflexionar sobre varios temas relacionados con la ética: el cuidado del medio ambiente, el uso racional de la tierra para la satisfacción de las necesidades básicas de la comunidad, la distribución de los frutos de la producción para el cuidado de los más desfavorecidos, entre otros aspectos.
Como país, siendo parte del continente latinoamericano —uno de los principales centros de producción primaria (commodities) del mundo— estamos inmersos en una lucha de intereses que se da en un contexto global donde la problemática sobre la suba de precios de los alimentos básicos es un tema en boga. Frente a todo este panorama duele en el alma y en el cuerpo ver cuando la (i)lógica del mercado impera sobre el sentido común: camiones volcando miles de litros de leche en la ruta y tirando toneladas de verduras y frutas a la basura «por no haber un precio atrayente para el productor», la complicidad entre gobiernos, políticos, jueces y empresarios en la venta irrestricta de terrenos a empresas multinacionales que cultivan productos nocivos para la tierra, como la siembra indiscriminada de soja (en muchos casos expropiando violentamente a comunidades enteras su espacio vital), la especulación financiera sobre los precios, lo cual socava el bolsillo de los ciudadanos y las ciudadanas, todo esto dibujado en una disputa mediática de mentiras donde los afectados somos los espectadores.
¿Cómo respondemos como cristianos y cristianas a este conflicto? ¿De qué lado estamos? Recordemos que no hay sólo «dos lados» (Estado vs. Campo) y que no son precisamente sus actores las verdaderas «víctimas». En realidad, las víctimas de todo esto son los ciudadanos y las ciudadanas que luchan día a día por sobrevivir —en su mayoría, grandes comunidades de campesinos, de pequeños productores y de pobres que, lejos están de obtener más ganancias si se modifican las retenciones a las exportaciones—. Con ellos y ellas está Dios.
«Pongan en práctica mis estatutos y observen mis preceptos, y habitarán seguros en la tierra. La tierra dará su fruto, y comerán hasta saciarse, y allí vivirán seguros» (Lev 25.18).
Artículo Publicado en Revista Kairós, Nro.21, Fundación Kairós, Buenos Aires, 2008, pp.20-21.
jeudi 23 octobre 2008
Batista vai governar Salvador, cidade com 1.238 terreiros
As minorias e as religiosidades estiveram presentes nas eleições baianas. No que tange às minorias, Salvador elegeu Leo Kret do Brasil (PR), de 24 anos, o primeiro vereador travesti de uma capital brasileira. Leo Kret foi o quarto verador mais votado nessas eleições baianas.
No que se refere às religiosidades, Salvador teve no segundo turno dois batistas disputando a Prefeitura. Interessante é que um batista governará essa capital que tem 1.238 terreiros. E como lá os terreiros têm poder político, os dois batistas disputaram os votos das religiosidades afro-brasileiras num corpo a corpo com pais e mães de santo e seus fiéis.
O candidato petista, Walter Pinheiro, é batista. Mas, o atual prefeito, João Henrique Carneiro (PMDB) também é. Pinheiro escolheu uma vice católica, Lídice da Mata (PSB) que transitou com desenvoltura pelos terreiros. João Henrique optou por Edvaldo Brito, o primeiro prefeito negro da cidade, filho de Ogum e freqüentador do terreiro do Gantois, um dos mais tradicionais da Bahia. Ambos tiveram que enfrentar os constrangimentos provocados pela rivalidade existente entre os evangélicos e o candomblé.
Em busca de votos, Walter Pinheiro enfrentou as críticas de seus irmãos batistas, mas foi a um terreiro, no primeiro turno, fazer campanha. Constrangido durante a visita ao Maroió Lage, mais conhecido como Terreiro do Alaketo, tentou escapar das fotos dos jornais. E consciente ou não, foi ao terreiro com uma camisa pólo azul e preta, combinação de cores evitada pelos fiéis do candomblé por bloquear as energias dos orixás.
João Henrique evitou ir aos terreiros, mas passou por percalços ainda maiores que o seu irmão batista e adversário petista. Depois de uma batalha jurídica em torno do fim da isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para os terreiros, o prefeito mandou derrubar o terreiro Oyá Unipó Neto, por falta de pagamento do imposto.
Às vésperas da campanha, pediu desculpas à ialorixá Mãe Rosa, que comandava o terreiro posto ao chão, e mandou reconstruir tudo e ressarcir os objetos de culto destruídos no processo.
O certo é que essas eleições em Salvador nos ensinam algumas lições. No campo das expressões culturais e sociais, podemos dizer que as minorias chegaram para ficar e ocupar espaço político. E no campo das religiosidades vemos que elas não se expressam com uniformidade – é o caso dos evangélicos em Salvador – e fazem alianças com outras expressões religiosas antes consideradas, no mínimo, adversárias, entre as quais estão os católicos e fiéis do candomblé.
No que se refere às religiosidades, Salvador teve no segundo turno dois batistas disputando a Prefeitura. Interessante é que um batista governará essa capital que tem 1.238 terreiros. E como lá os terreiros têm poder político, os dois batistas disputaram os votos das religiosidades afro-brasileiras num corpo a corpo com pais e mães de santo e seus fiéis.
O candidato petista, Walter Pinheiro, é batista. Mas, o atual prefeito, João Henrique Carneiro (PMDB) também é. Pinheiro escolheu uma vice católica, Lídice da Mata (PSB) que transitou com desenvoltura pelos terreiros. João Henrique optou por Edvaldo Brito, o primeiro prefeito negro da cidade, filho de Ogum e freqüentador do terreiro do Gantois, um dos mais tradicionais da Bahia. Ambos tiveram que enfrentar os constrangimentos provocados pela rivalidade existente entre os evangélicos e o candomblé.
Em busca de votos, Walter Pinheiro enfrentou as críticas de seus irmãos batistas, mas foi a um terreiro, no primeiro turno, fazer campanha. Constrangido durante a visita ao Maroió Lage, mais conhecido como Terreiro do Alaketo, tentou escapar das fotos dos jornais. E consciente ou não, foi ao terreiro com uma camisa pólo azul e preta, combinação de cores evitada pelos fiéis do candomblé por bloquear as energias dos orixás.
João Henrique evitou ir aos terreiros, mas passou por percalços ainda maiores que o seu irmão batista e adversário petista. Depois de uma batalha jurídica em torno do fim da isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para os terreiros, o prefeito mandou derrubar o terreiro Oyá Unipó Neto, por falta de pagamento do imposto.
Às vésperas da campanha, pediu desculpas à ialorixá Mãe Rosa, que comandava o terreiro posto ao chão, e mandou reconstruir tudo e ressarcir os objetos de culto destruídos no processo.
O certo é que essas eleições em Salvador nos ensinam algumas lições. No campo das expressões culturais e sociais, podemos dizer que as minorias chegaram para ficar e ocupar espaço político. E no campo das religiosidades vemos que elas não se expressam com uniformidade – é o caso dos evangélicos em Salvador – e fazem alianças com outras expressões religiosas antes consideradas, no mínimo, adversárias, entre as quais estão os católicos e fiéis do candomblé.
mercredi 15 octobre 2008
Perguntas e respostas sobre a crise financeira e a sua vida
UOL Economia
Da Redação em São Paulo.
Veja dicas de economistas sobre financiamentos, aplicações, dívidas, inflação, salário, emprego e outras dúvidas do mundo real:
Agora é um bom momento para comprar imóvel?
Não. A compra deve ser feita quando acabar a crise e os bancos voltarem a reduzir os juros dos financiamentos. Se a compra já estiver em andamento, a taxa de juros aceitável não deve ultrapassar 1% ao mês.
Como deve proceder quem pretende comprar um carro ou um bem mais caro?
Deve preferir pagar à vista e obter o maior desconto possível. Os juros desta modalidade são altos e tendem a subir mais rápido que na compra de imóveis. Se for financiar, a taxa não deve ser maior que 3% mensais.
Quais gastos e investimentos devem ser antecipados e/ou adiados?
Quem já está na Bolsa deve continuar para não tomar prejuízo. Sobre quem está fora da Bolsa, os economistas divergem. Alguns acham que só profissionais devem entrar nessa hora; outros acham que é possível arriscar com ações baratas. Quem não gosta de risco, não deve pôr dinheiro na Bolsa. Uma opção segura é investir em títulos do governo pós-fixados.
Se tiver dividas, deve antecipar o pagamento para reduzir os juros incidentes nas parcelas.
É melhor optar por financiamentos mais curtos ou o que faz a diferença é o juro?
A taxa de juros é a mais importante, mas o prazo deve ser analisado. Quem assume financiamento agora continuará pagando juros altos mesmo quando as taxas caírem.
Que taxa máxima de juros deve ser considerada adequada por mês? A partir de que taxa o consumidor deve evitar o financiamento?
3% ao mês. A partir deste patamar, a compra deve ser evitada. Essa taxa serve, segundo os economistas, para qualquer modalidade de financiamento, menos de imóveis, cujo índice máximo deve ser 1% ao mês.
O dólar vai subir ou cair?
A moeda deve ficar próxima de R$ 2 até o final do ano. Mas, para evitar a alta da inflação, o Banco Central deve manter os leilões de venda de dólares para fazer com que a taxa vá abaixo dos R$ 2 no início de 2009.
Quem vai viajar ou comprar produtos importados deve juntar dólares já? Qual é a melhor forma de comprar a moeda?
O dólar só deve ser adquirido neste momento se a viagem estiver muito próxima, caso contrário, o ideal é esperar a taxa ceder novamente. De qualquer forma, a moeda nunca deve ser adquirida em um único dia, já que a taxa oscila bastante e o comprador pode fazer um negócio melhor se dividir a operação.
Investir em dólares é uma boa idéia?
O investimento é arriscado e só deve ser feito para pagar dívidas na mesma moeda ou enviar dinheiro para algum familiar que resida no exterior.
Investir em ouro é boa idéia?
Não. No Brasil, o ouro não tem liquidez, portanto, é difícil para a pessoa vender. Além disso, as barras não vão para casa, ficam no banco. O investidor leva um certificado e paga a custódia ao banco, o que gera um custo para o detentor.
Como proteger minhas economias?
Evite fazer novas dívidas, e adie os planos de investimentos.
Quem tem menos de R$ 1.000 sobrando na conta corrente deve ficar com a poupança, que não cobra taxa de administração, nem imposto de renda.
Quem tem sobra de mais de R$ 1.000 deve aplicar em CDB.
Se tiver mais de R$ 5.000 sobrando e perfil agressivo, pode arriscar e comprar ações baratas. Para isso, é necessário consultar uma corretora para avaliar as pechinchas. Se quiser mais garantia, títulos do governo são a opção.
É seguro deixar o dinheiro em conta corrente? Os bancos brasileiros têm chances de quebrar?
Não há risco de quebra, segundo os analistas. O Fundo Garantidor de Crédito garante depósitos de cada cliente, em cada instituição, em até R$ 60 mil no máximo (considerando todas as contas e aplicações que ele tiver naquele banco).
Como o Brasil será afetado pela crise nos EUA?
Entra menos dinheiro no país, o que reduz a oferta de moeda estrangeira, fazendo com que a cotação do dólar suba em relação ao real. Produtos importados, como eletroeletrônicos, sobem de preço.
Caso entrem em recessão, os Estados Unidos vão consumir menos, afetando as exportações brasileiras para aquele país.
Os bancos emprestam menos, e as empresas ficam sem dinheiro para investir, cortando os investimentos e a produção, gerando desemprego e desaceleração econômica.
Com a produção reduzida, a oferta de produtos também deve cair e, com isso, os preços sobem, aumentando a inflação.
Por que setores que não têm relação com a Bolsa também são afetados por uma crise financeira?
Porque a economia é um sistema interligado. Se os EUA consumirem menos soja, por exemplo, os exportadores vão vender menos, os transportadores vão reduzir sua atividade e as fábricas de caminhões vão cortar a produção.
Há risco de demissões nas empresas?
No início, não. Mas se os produtores brasileiros começarem a exportar menos, por exemplo, as vendas e o faturamento vão cair, e, para equilibrar as finanças, podem demitir.
Os salários vão subir menos?
Se o nível de emprego cair, vai sobrar mão-de-obra. Portanto, a tendência não é de aumento de salários. A partir de 2009, os sindicatos não devem conseguir reajuste de salário acima da inflação.
A inflação pode disparar?
Não. As recentes elevações na taxa de juros no país devem surtir efeito e frear o consumo, o que impede a alta da inflação.
Só preços de produtos importados devem subir?
A alta do dólar deve encarecer alguns produtos importados como eletrônicos e fortalecer a indústria nacional. A crise deve reduzir o consumo nos Estados Unidos de commodities, reduzindo o preço desses produtos nos mercados internacionais.
Quanto tempo deve durar a crise?
Após a aprovação do pacote, deve demorar um ano para a economia dos EUA se restabelecer da crise e mais um ano para voltar a mostrar vigor econômico.
Fontes:
# José Carlos Luxo, professor de finanças da FIA (Fundação Instituto de Administração da USP).
# Liao Yu Chieh, professor de finanças do Ibmec São Paulo.
# Luiz Jurandir Simões de Araújo, consultor da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras da USP).
# Marcelo Ângulo, administrador e autor do livro "Suas finanças.com"
# Miguel José Ribeiro de Oliveira, presidente da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças).
# Paulo Scarano, coordenador do curso de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Da Redação em São Paulo.
Veja dicas de economistas sobre financiamentos, aplicações, dívidas, inflação, salário, emprego e outras dúvidas do mundo real:
Agora é um bom momento para comprar imóvel?
Não. A compra deve ser feita quando acabar a crise e os bancos voltarem a reduzir os juros dos financiamentos. Se a compra já estiver em andamento, a taxa de juros aceitável não deve ultrapassar 1% ao mês.
Como deve proceder quem pretende comprar um carro ou um bem mais caro?
Deve preferir pagar à vista e obter o maior desconto possível. Os juros desta modalidade são altos e tendem a subir mais rápido que na compra de imóveis. Se for financiar, a taxa não deve ser maior que 3% mensais.
Quais gastos e investimentos devem ser antecipados e/ou adiados?
Quem já está na Bolsa deve continuar para não tomar prejuízo. Sobre quem está fora da Bolsa, os economistas divergem. Alguns acham que só profissionais devem entrar nessa hora; outros acham que é possível arriscar com ações baratas. Quem não gosta de risco, não deve pôr dinheiro na Bolsa. Uma opção segura é investir em títulos do governo pós-fixados.
Se tiver dividas, deve antecipar o pagamento para reduzir os juros incidentes nas parcelas.
É melhor optar por financiamentos mais curtos ou o que faz a diferença é o juro?
A taxa de juros é a mais importante, mas o prazo deve ser analisado. Quem assume financiamento agora continuará pagando juros altos mesmo quando as taxas caírem.
Que taxa máxima de juros deve ser considerada adequada por mês? A partir de que taxa o consumidor deve evitar o financiamento?
3% ao mês. A partir deste patamar, a compra deve ser evitada. Essa taxa serve, segundo os economistas, para qualquer modalidade de financiamento, menos de imóveis, cujo índice máximo deve ser 1% ao mês.
O dólar vai subir ou cair?
A moeda deve ficar próxima de R$ 2 até o final do ano. Mas, para evitar a alta da inflação, o Banco Central deve manter os leilões de venda de dólares para fazer com que a taxa vá abaixo dos R$ 2 no início de 2009.
Quem vai viajar ou comprar produtos importados deve juntar dólares já? Qual é a melhor forma de comprar a moeda?
O dólar só deve ser adquirido neste momento se a viagem estiver muito próxima, caso contrário, o ideal é esperar a taxa ceder novamente. De qualquer forma, a moeda nunca deve ser adquirida em um único dia, já que a taxa oscila bastante e o comprador pode fazer um negócio melhor se dividir a operação.
Investir em dólares é uma boa idéia?
O investimento é arriscado e só deve ser feito para pagar dívidas na mesma moeda ou enviar dinheiro para algum familiar que resida no exterior.
Investir em ouro é boa idéia?
Não. No Brasil, o ouro não tem liquidez, portanto, é difícil para a pessoa vender. Além disso, as barras não vão para casa, ficam no banco. O investidor leva um certificado e paga a custódia ao banco, o que gera um custo para o detentor.
Como proteger minhas economias?
Evite fazer novas dívidas, e adie os planos de investimentos.
Quem tem menos de R$ 1.000 sobrando na conta corrente deve ficar com a poupança, que não cobra taxa de administração, nem imposto de renda.
Quem tem sobra de mais de R$ 1.000 deve aplicar em CDB.
Se tiver mais de R$ 5.000 sobrando e perfil agressivo, pode arriscar e comprar ações baratas. Para isso, é necessário consultar uma corretora para avaliar as pechinchas. Se quiser mais garantia, títulos do governo são a opção.
É seguro deixar o dinheiro em conta corrente? Os bancos brasileiros têm chances de quebrar?
Não há risco de quebra, segundo os analistas. O Fundo Garantidor de Crédito garante depósitos de cada cliente, em cada instituição, em até R$ 60 mil no máximo (considerando todas as contas e aplicações que ele tiver naquele banco).
Como o Brasil será afetado pela crise nos EUA?
Entra menos dinheiro no país, o que reduz a oferta de moeda estrangeira, fazendo com que a cotação do dólar suba em relação ao real. Produtos importados, como eletroeletrônicos, sobem de preço.
Caso entrem em recessão, os Estados Unidos vão consumir menos, afetando as exportações brasileiras para aquele país.
Os bancos emprestam menos, e as empresas ficam sem dinheiro para investir, cortando os investimentos e a produção, gerando desemprego e desaceleração econômica.
Com a produção reduzida, a oferta de produtos também deve cair e, com isso, os preços sobem, aumentando a inflação.
Por que setores que não têm relação com a Bolsa também são afetados por uma crise financeira?
Porque a economia é um sistema interligado. Se os EUA consumirem menos soja, por exemplo, os exportadores vão vender menos, os transportadores vão reduzir sua atividade e as fábricas de caminhões vão cortar a produção.
Há risco de demissões nas empresas?
No início, não. Mas se os produtores brasileiros começarem a exportar menos, por exemplo, as vendas e o faturamento vão cair, e, para equilibrar as finanças, podem demitir.
Os salários vão subir menos?
Se o nível de emprego cair, vai sobrar mão-de-obra. Portanto, a tendência não é de aumento de salários. A partir de 2009, os sindicatos não devem conseguir reajuste de salário acima da inflação.
A inflação pode disparar?
Não. As recentes elevações na taxa de juros no país devem surtir efeito e frear o consumo, o que impede a alta da inflação.
Só preços de produtos importados devem subir?
A alta do dólar deve encarecer alguns produtos importados como eletrônicos e fortalecer a indústria nacional. A crise deve reduzir o consumo nos Estados Unidos de commodities, reduzindo o preço desses produtos nos mercados internacionais.
Quanto tempo deve durar a crise?
Após a aprovação do pacote, deve demorar um ano para a economia dos EUA se restabelecer da crise e mais um ano para voltar a mostrar vigor econômico.
Fontes:
# José Carlos Luxo, professor de finanças da FIA (Fundação Instituto de Administração da USP).
# Liao Yu Chieh, professor de finanças do Ibmec São Paulo.
# Luiz Jurandir Simões de Araújo, consultor da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras da USP).
# Marcelo Ângulo, administrador e autor do livro "Suas finanças.com"
# Miguel José Ribeiro de Oliveira, presidente da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças).
# Paulo Scarano, coordenador do curso de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
jeudi 9 octobre 2008
A ação política cristã
Prof. Dr. Jorge Pinheiro
Comunidad Civil y Comunidad Cristiana
Karl Barth, Montevidéu, Ediciones Tauro, 1973
Esta obra de Karl Barth discute as relações entre a Igreja e o Estado. Não enquanto problema jurídico de relações institucionais, mas encontro dialético entre comunidades que se sobrepõem, que têm um mesmo centro de autoridade. No texto sentimos como pano de fundo as reflexões do Agostinho de As Duas Cidades. Aqui, Barth apresenta seu pensamento social numa exposição teológica brilhante e faz um chamado à “presença da comunidade cristã no exercício de sua corresponsabilidade política”. Nesse momento de guerra, o texto de Barth é altamente inspirativo. Por isso, traduzimos e apresentamos na seqüência o capítulo XIV do livro Comunidade Civil e Comunidade Cristã.
Capítulo XIV
A orientação da ação política cristã, de uma ação que se compõe de discernimento, juízo e eleição de uma vontade e de um compromisso, está relacionada com o caráter duplo do Estado, que possui ao mesmo tempo a possibilidade de oferecer e a necessidade de receber a imagem analógica do Reino de Deus que a Igreja anuncia. Como já mostramos, o Estado não pode ser uma réplica da Igreja, nem uma antecipação do Reino de Deus. Em sua relação com a Igreja tem realidade própria e necessária e em sua relação com Deus representa – da mesma maneira que a Igreja – um fenômeno puramente humano, acompanhado de todas as características deste mundo temporal. Não se pode pensar em identificá-lo nem com a Igreja, nem com o Reino de Deus. Mas, por outra parte, desde o momento em que está fundado sobre uma disposição particular da vontade divina, e porque pertence na realidade ao Reino de Cristo, não se pode dizer que seja autônomo. Não poderia existir independentemente da Igreja e do Reino de Deus.
Por esta razão não se poderia falar de uma diferença absoluta entre a Cidade e a Igreja por um lado, e a Cidade e o Reino, por outro. Logo, fica uma possibilidade: desde o ponto de vista cristão, o Estado e sua justiça são uma parábola, uma analogia, uma correspondência do Reino de Deus que é o objeto da fé e da prédica da Igreja. Como a comunidade civil constitui o círculo exterior em cujo interior se inscreve a comunidade cristã, com o mistério da fé que ela confessa e proclama, as duas, tanto uma como outra têm o mesmo centro do qual resulta a primeira, distinta pelo princípio no qual está fundada e pela tarefa que lhe corresponde, se encontra forçosamente na relação analógica com a verdade e realidade da segunda; analogia no sentido de que a Cidade é capaz de refletir indiretamente, como por um espelho, a verdade e a realidade do Reino que a Igreja anuncia.
Mas como está condenado a continuar a ser o que é e a atuar dentro de seus próprios limites, o Estado, como reflexo da verdade e da realidade cristã não possui justiça e consequentemente não possui também existência intrínseca e definitiva. Ao contrário, sua justiça e sua existência estão sempre gravemente ameaçadas e sempre deve se perguntar se, e até que ponto, está cumprindo com suas tarefas de justiça. Para preservar a comunidade civil da decadência e da ruína é necessário recordá-la de quais são as exigências desta justiça que deve representar. A comunidade civil, pois, precisa desta analogia tanto quanto é capaz de criá-la. Por esta razão necessita uma e outra vez um quadro histórico cujo fim e conteúdo possam ajudá-la a chegar a ser uma analogia, uma parábola do Reino de Deus, permitindo a ela cumprir as tarefas da justiça civil. Mas, nesses assuntos, a iniciativa humana não pode orientar-se somente por si mesma. A comunidade civil, como tal, não conhece nem o mistério do Reino de Deus, nem o centro escondido do qual depende e diante do testemunho e mensagem da comunidade cristã é neutra. Por tanto, tem que se limitar a buscar sua água nas “cisternas rachadas” do chamado direito natural. Por si mesma não pode lembrar-se do critério verdadeiro de sua justiça, nem colocar-se em movimento para cumprir com as tarefas desta justiça. Justamente por esta razão é que precisa da presença às vezes incômoda e saudável da atividade que se desenvolve ao redor do centro comum dos dois domínios: a presença da comunidade cristã no exercício de sua corresponsabilidade política.
Sem ser o Reino de Deus, a comunidade cristã sabe algo dele, crê, espera e ora no nome de Jesus Cristo e anuncia a excelência deste nome sobre todos os outros. Nesse ponto não é nem neutra nem impotente. Quando passa ao plano político para tomar sua parte de responsabilidade não abandona sua atitude “comprometida”, esta atitude de fidelidade ao único Senhor.
Para a Igreja, aceitar a parte de responsabilidade que lhe corresponde significa uma única coisa: tomar uma iniciativa humana que a comunidade civil por sua parte não pode tomar, dar a comunidade civil um impulso que ela não pode dar a si própria, fazê-la lembrar das coisas que a comunidade civil não sabe lembrar por si mesma. Discernir, julgar, eleger no plano político implica sempre para a Igreja ter que aclarar as relações que existem entre a ordem política e a ordem da graça, para azar de todo aquele que possa obscurecer esta relação.
Entre as diversas possibilidades políticas do momento, os cristãos saberão discernir e eleger aquelas cuja realização leve a uma analogia, a um conteúdo de sua fé e de sua mensagem. Os cristãos se encontrarão ali onde a soberania de Jesus Cristo, acima de todas as coisas de ordem política ou de outras ordens, não é obscurecida, mas evidente. A comunidade cristã exige que a forma e substância do Estado, neste mundo caduco, orientem os homens em direção ao Reino de Deus e não os distanciem. Não pede que a política humana coincida com a de Deus, mas sim, que na imensa distância que a separa daquela, seja paralela. Pede que a graça de Deus, revelada de cima e atuando aqui em baixo, se reflita na totalidade das medidas exteriores, relativas e provisórias assumidas pela comunidade dentro dos limites das possibilidades que este mundo oferece.
É, pois, em primeiro e último lugar, diante de Deus – este Deus que em Jesus Cristo revelou sua misericórdia aos homens – que ela exerce sua responsabilidade política. Todas suas decisões políticas (discernir, eleger, julgar, querer) têm por isso valor como testemunho, que não é menos real por ser um testemunho implícito e indireto. Sua ação política é pois, também, uma forma de confessar sua fé. Exorta à comunidade civil para que saia de sua atitude de neutralidade, de ignorância espiritual, de seu paganismo natural, para comprometer-se junto com ela, diante de Deus, em uma política de responsabilidade compartida. Desencadeia, além disso, o movimento histórico cujo fim e conteúdo são fazer da cidade terrestre uma parábola, um sinal analógico do Reino de Deus, permitindo a esta cumprir com as tarefas da justiça civil.
Comunidad Civil y Comunidad Cristiana
Karl Barth, Montevidéu, Ediciones Tauro, 1973
Esta obra de Karl Barth discute as relações entre a Igreja e o Estado. Não enquanto problema jurídico de relações institucionais, mas encontro dialético entre comunidades que se sobrepõem, que têm um mesmo centro de autoridade. No texto sentimos como pano de fundo as reflexões do Agostinho de As Duas Cidades. Aqui, Barth apresenta seu pensamento social numa exposição teológica brilhante e faz um chamado à “presença da comunidade cristã no exercício de sua corresponsabilidade política”. Nesse momento de guerra, o texto de Barth é altamente inspirativo. Por isso, traduzimos e apresentamos na seqüência o capítulo XIV do livro Comunidade Civil e Comunidade Cristã.
Capítulo XIV
A orientação da ação política cristã, de uma ação que se compõe de discernimento, juízo e eleição de uma vontade e de um compromisso, está relacionada com o caráter duplo do Estado, que possui ao mesmo tempo a possibilidade de oferecer e a necessidade de receber a imagem analógica do Reino de Deus que a Igreja anuncia. Como já mostramos, o Estado não pode ser uma réplica da Igreja, nem uma antecipação do Reino de Deus. Em sua relação com a Igreja tem realidade própria e necessária e em sua relação com Deus representa – da mesma maneira que a Igreja – um fenômeno puramente humano, acompanhado de todas as características deste mundo temporal. Não se pode pensar em identificá-lo nem com a Igreja, nem com o Reino de Deus. Mas, por outra parte, desde o momento em que está fundado sobre uma disposição particular da vontade divina, e porque pertence na realidade ao Reino de Cristo, não se pode dizer que seja autônomo. Não poderia existir independentemente da Igreja e do Reino de Deus.
Por esta razão não se poderia falar de uma diferença absoluta entre a Cidade e a Igreja por um lado, e a Cidade e o Reino, por outro. Logo, fica uma possibilidade: desde o ponto de vista cristão, o Estado e sua justiça são uma parábola, uma analogia, uma correspondência do Reino de Deus que é o objeto da fé e da prédica da Igreja. Como a comunidade civil constitui o círculo exterior em cujo interior se inscreve a comunidade cristã, com o mistério da fé que ela confessa e proclama, as duas, tanto uma como outra têm o mesmo centro do qual resulta a primeira, distinta pelo princípio no qual está fundada e pela tarefa que lhe corresponde, se encontra forçosamente na relação analógica com a verdade e realidade da segunda; analogia no sentido de que a Cidade é capaz de refletir indiretamente, como por um espelho, a verdade e a realidade do Reino que a Igreja anuncia.
Mas como está condenado a continuar a ser o que é e a atuar dentro de seus próprios limites, o Estado, como reflexo da verdade e da realidade cristã não possui justiça e consequentemente não possui também existência intrínseca e definitiva. Ao contrário, sua justiça e sua existência estão sempre gravemente ameaçadas e sempre deve se perguntar se, e até que ponto, está cumprindo com suas tarefas de justiça. Para preservar a comunidade civil da decadência e da ruína é necessário recordá-la de quais são as exigências desta justiça que deve representar. A comunidade civil, pois, precisa desta analogia tanto quanto é capaz de criá-la. Por esta razão necessita uma e outra vez um quadro histórico cujo fim e conteúdo possam ajudá-la a chegar a ser uma analogia, uma parábola do Reino de Deus, permitindo a ela cumprir as tarefas da justiça civil. Mas, nesses assuntos, a iniciativa humana não pode orientar-se somente por si mesma. A comunidade civil, como tal, não conhece nem o mistério do Reino de Deus, nem o centro escondido do qual depende e diante do testemunho e mensagem da comunidade cristã é neutra. Por tanto, tem que se limitar a buscar sua água nas “cisternas rachadas” do chamado direito natural. Por si mesma não pode lembrar-se do critério verdadeiro de sua justiça, nem colocar-se em movimento para cumprir com as tarefas desta justiça. Justamente por esta razão é que precisa da presença às vezes incômoda e saudável da atividade que se desenvolve ao redor do centro comum dos dois domínios: a presença da comunidade cristã no exercício de sua corresponsabilidade política.
Sem ser o Reino de Deus, a comunidade cristã sabe algo dele, crê, espera e ora no nome de Jesus Cristo e anuncia a excelência deste nome sobre todos os outros. Nesse ponto não é nem neutra nem impotente. Quando passa ao plano político para tomar sua parte de responsabilidade não abandona sua atitude “comprometida”, esta atitude de fidelidade ao único Senhor.
Para a Igreja, aceitar a parte de responsabilidade que lhe corresponde significa uma única coisa: tomar uma iniciativa humana que a comunidade civil por sua parte não pode tomar, dar a comunidade civil um impulso que ela não pode dar a si própria, fazê-la lembrar das coisas que a comunidade civil não sabe lembrar por si mesma. Discernir, julgar, eleger no plano político implica sempre para a Igreja ter que aclarar as relações que existem entre a ordem política e a ordem da graça, para azar de todo aquele que possa obscurecer esta relação.
Entre as diversas possibilidades políticas do momento, os cristãos saberão discernir e eleger aquelas cuja realização leve a uma analogia, a um conteúdo de sua fé e de sua mensagem. Os cristãos se encontrarão ali onde a soberania de Jesus Cristo, acima de todas as coisas de ordem política ou de outras ordens, não é obscurecida, mas evidente. A comunidade cristã exige que a forma e substância do Estado, neste mundo caduco, orientem os homens em direção ao Reino de Deus e não os distanciem. Não pede que a política humana coincida com a de Deus, mas sim, que na imensa distância que a separa daquela, seja paralela. Pede que a graça de Deus, revelada de cima e atuando aqui em baixo, se reflita na totalidade das medidas exteriores, relativas e provisórias assumidas pela comunidade dentro dos limites das possibilidades que este mundo oferece.
É, pois, em primeiro e último lugar, diante de Deus – este Deus que em Jesus Cristo revelou sua misericórdia aos homens – que ela exerce sua responsabilidade política. Todas suas decisões políticas (discernir, eleger, julgar, querer) têm por isso valor como testemunho, que não é menos real por ser um testemunho implícito e indireto. Sua ação política é pois, também, uma forma de confessar sua fé. Exorta à comunidade civil para que saia de sua atitude de neutralidade, de ignorância espiritual, de seu paganismo natural, para comprometer-se junto com ela, diante de Deus, em uma política de responsabilidade compartida. Desencadeia, além disso, o movimento histórico cujo fim e conteúdo são fazer da cidade terrestre uma parábola, um sinal analógico do Reino de Deus, permitindo a esta cumprir com as tarefas da justiça civil.
lundi 6 octobre 2008
Revelação e Torá
Prof. Dr. Jorge Pinheiro
Quando se estuda a religião de Israel, questões referentes à revelação e ao surgimento de determinados conceitos teológicos vêm à tona. Duas fortes correntes teológicas tentaram nos últimos duzentos anos apresentar respostas para essas questões. Uma apriorística, colocando a ênfase na revelação, e outra empirista, vendo a religião de Israel como fruto da experiência cultural e religiosa dos povos vizinhos.
Essas duas correntes, embora tenham armazenado um arsenal considerável de informações, que não podem ser descartados, pecam ao nível da metodologia. Não levam em conta que todo conhecimento pressupõe uma elaboração nova, e exige do estudioso jamais esquecer as duas caras de qualquer processo social e histórico. A primeira dessas facetas está diretamente ligada ao ser humano, enquanto sujeito, se dá no terreno formal, e só se torna necessária depois de elaborada. A outra cara dessa moeda acontece ao nível do objeto, no terreno do real, e possibilita a conquista da objetividade.
Assim, o que precisamos entender é como se dá a origem de um conhecimento específico, ou de uma estrutura nova. Em primeiro lugar, seria um erro, afirmar que uma nova estrutura pode ser fruto único de um processo exclusivo, apriorístico, revelado ou inato. Ou, ao contrário, que repousa em características preexistentes do objeto. Em ambas os casos, o erro consiste em definir o conhecimento como predeterminado, quer por estruturas internas ao sujeito, quer por características preexistentes no objeto. Descarta-se, assim, o conhecimento enquanto construção efetiva e contínua.
O que acontece é que o conhecimento não começa com um sujeito plenamente consciente de seu ato histórico, nem de realidades definidas a priori. Resulta sim de interações que surgem da combinação de múltiplos fatores, que vão criando dependência e novas relações. Não é um intercâmbio entre formas diferentes, mas a construção de realidades com plasticidades novas.
A este processo de surgimento de novas estruturas chamamos revolução. Isto porque são novas construções de conhecimento e não evolução ou reforma de uma estrutura já conhecida. Aqui, temos crise e ruptura de estruturas e conhecimentos anteriores, gerando fatores que criam novas relações e novos equilíbrios. Nesse processo haverá sempre um ou vários desequilíbrios iniciais, uma crise epistemológica, que rompe esquemas definidos, gerando movimentos que parecem estar fora do controle do sujeito.
Em relação à religião de Israel assistimos a essa revolução epistemológica em seu próprio surgimento, ou seja, com a aliança abraâmica. Nesse momento, movimentos ao nível do indivíduo e sociais desencadearam processos diferentes que revolucionaram o próprio conceito de religião e, por extensão, mudaram a face da fé em todo o mundo.
A visão clássica da crítica bíblica, da qual J. Wellhausen é um dos expoentes, parte de postura empiricista e considera que a profecia clássica foi a fonte do monoteísmo israelita. Na verdade, para Wellhausen, os profetas literários criaram o monoteísmo ético, e a Torá é apenas a formulação sacerdotal-popular posterior do pensamento profético. É importante notar que a hermenêutica crítica vê a Bíblia como objeto histórico, fonte preservada de informações sobre a cultura e história dos hebreus. Assim, as bases de sua metodologia repousam sobre um arcabouço que combina racionalismo alemão, historicismo e idealismo filosófico.
O conhecimento que se origina na atividade reflexa do sujeito recebe com a revelação esta organização funcional, que o torna possível. Aqui, convém notar que para o conhecimento que tem por base o processo revelatório a organização funcional sempre se mantém invariável. Ou seja, essa organização funcional se mantém em equilíbrio, apesar dos processos vividos nas estruturas. E mais do que isso, se impõe a elas como necessárias.
A discussão em torno de um centro para a teologia de Gênesis é polêmica, pois o próprio conceito de centro, para muitos teólogos, seria uma limitação para um segundo conceito: o de revelação progressiva. Ora, dizem eles, se a revelação é progressiva toda definição de centro é descabida. Nesse sentido, hoje preferimos falar de rede, pois não podemos falar de um desenvolvimento linear em progressão, mas de uma expansão. Poderíamos pensar na rede da WEB, onde a expansão se dá, mas sem centro definido, a não ser aquele localizado pelo internauta.
A teologia de Gênesis tem por base o conceito da aliança, não como paradigma doutrinário gerador de dogmas, mas como descrição de um processo vivo, que tem origem em determinado momento histórico, numa relação entre Iavé e uma pessoa.
Ao entendermos o conceito de aliança como rede unificadora do livro de Gênesis e, por extensão, da Torá, a leitura do texto bíblico passa permite uma compreensão que cresce conforme a aliança se transforma em osso e carne, primeiramente, na vida dos patriarcas e, posteriormente, na formação da própria nação.
Os livros de Gênesis e Êxodo apresentam a fé israelita, enquanto construção, fundamentada em dois acontecimentos históricos. O primeiro, é a escolha de uma pessoa chamada Abrão, que foi tirado da cidade de Ur e levado para Canaã, uma terra prometida a ele e sua descendência (Gn 12.1-3; 13.14-17). Essa promessa foi selada com um pacto, uma aliança entre Iavé e Abraão, conforme Gênesis 15.5-10. E o segundo fato histórico é a libertação dos descendentes de Abraão da escravidão do Egito, através de Moisés, e sua entrada na terra prometida (Ex 3.6-10).
Esses dois acontecimentos expressam a materialidade da aliança, que se traduz como escolha de Iavé a favor de uma pessoa, geradora de um povo, para uma missão definida. Realidade esta que foi reafirmada, centenas de anos depois, pelo príncipe dos profetas israelitas:
“Ouvi-me, vós, que estais à procura da justiça, vós que buscais a Iavé. Olhai para a rocha da qual fostes talhados, para a cova de que fostes extraídos. Olhai para Abraão, vosso pai, e para Sara, aquela que vos deu à luz. Ele estava só quando o chamei, mas eu o abençoei e o multipliquei”. Isaías 51.1-2.
Aqui voltamos ao início da análise: por que o conceito de aliança fornece uma base para a compreensão do livro de Gênesis? Em primeiro lugar, porque o diálogo de Iavé com Adão e Eva em Gênesis 3.15 aponta para um salvador. E em Gênesis 15 temos a primeira realização dessa promessa através da aliança com Abraão, que produzirá descendência, com duas missões: ser testemunha entre as nações, e ser a nação separada, da qual nasceria o Messias prometido.
A aliança iniciou uma nova relação entre Iavé e Israel, uma relação imposta por Iavé, mas íntima. Embora, na tradição judaica, o livro de Êxodo seja o livro da aliança, o conceito está presente e é desenvolvido no primeiro livro da Torá.
Na aliança está embutida a idéia de salvação e de relacionamento pessoal com Iavé. Esta realidade nova dentro do plano de redenção do ser humano está implícita na declaração de Iavé a Abraão: “Estabelecerei uma aliança entre eu e você, e a sua raça depois de você, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o seu Iavé e o da tua raça depois de você” Gn.17:7. E como todo pacto, além do “berit milah” (pacto da circuncisão), Abraão e seus descendentes são chamados à responsabilidade moral (v.1) e a uma adoração permanente (vv.7 e 19).
Elementos estes, que a partir de Moisés serão desenvolvidos, dando origem à religião de Israel, que tem por base, num primeiro momento histórico a primazia do culto e suas ordenanças e, num segundo momento, com o surgimento da profecia literária, da justiça social. Assim, é impossível fazer uma completa separação entre aliança e reino. Este último será uma construção que tem como primeiro tijolo a nova relação estabelecida por Iavé com pessoas.
Aqui somos obrigados a recorrer a alguns conceitos da epistemologia, para entendermos o papel da transmissão do conhecimento de Iavé e de sua vontade, realizado através da aliança, que Gênesis nos apresenta. Quando estudamos o desenvolvimento e a construção das estruturas de conhecimento, vemos que esta construção se dá através de uma dissociação de conteúdos e da elaboração de novas formas, mediante uma abstração reflexiva de conhecimentos anteriores.
Ora, a relevância da epistemologia está em que ela mostra que, por mais importantes que sejam as origens de dado conhecimento, o que determinará sua essência é seu movimento genético. Assim, quando temos a formalização desse processo temos de fato um conhecimento inteiramente novo, que extrapola os dados iniciais, transbordando o real.
Sabemos que a circuncisão na época de Abraão era um costume associado aos poderes da reprodução humana, que servia de distintivo tribal. Também sabemos que os pactos eram selados com sangue e o seu rompimento significava a morte do transgressor. Esses conteúdos faziam parte da cultura de Abraão e de seu clã. Da mesma forma, outros conteúdos, como adoração/ “edificar um altar” (Gn.12.8), obediência/ “foi habitar nos carvalhais de Manre” (13.17-18), entrega de bens e posses/ “e de tudo lhe deu o dízimo” (14.20), fidelidade/ “ele creu no Senhor” (15.6), e consciência da onipotência divina/ “não fará justiça o juiz de toda a terra?” (18.25) são conteúdos espirituais da fé de Abraão e das pessoas santas que o antecederam.
A questão não está centrada nas origens desses conteúdos que, sem dúvida, são históricos e refletem as culturas das civilizações mesopotâmicas e da bacia do Nilo, assim como a tradição monoteísta na época de Abraão. O fundamental aqui é entender que esses conteúdos se organizam em nova estrutura: a aliança abraâmica, que se constrói geneticamente, com história peculiar. Esta aliança, cuja gênese e história mostram uma elaboração sucessiva, que é a própria Torá, como síntese lingüística, não é pré-formada. Sua construção histórico-genética é autenticamente constitutiva e não se reduz a um mero conjunto de conteúdos acessíveis.
Mas há um bereshit, um fiat, um momento especial que dá origem à essa estrutura nascente: é a revelação. A partir da promessa de Gênesis 3.15 temos uma revelação. A aliança surge como revelação, como ruptura que dá vida a antigos conteúdos, colocando em movimento um processo histórico-genético que vai-se construir enquanto estrutura (povo escolhido/ terra prometida) e dar novo salto com a formalização maior realizada no Sinai.
Esta realidade leva a uma outra, que é o da linguagem da Torá, na seqüência da aliança. Considerando a moderna lingüística, do ponto de vista estrutural, vemos que a linguagem tem duas grandes características: por um lado é universal, enquanto estrutura geral, humana, e, por outro, é livre e não serve apenas à função comunicativa, mas é um instrumento para a livre expressão do pensamento e para a resposta às novas situações.
Isto é o que explica o fato das grandes revoluções do conhecimento serem sempre acompanhadas pelo surgimento de uma linguagem nova e de novas estruturas de pensamento. A aliança descrita em Gênesis 15 e 17 vai abrir um processo de revolução em relação ao conhecimento de Iavé e de sua vontade, e vai gerar uma nova linguagem.
De forma crescente vemos nos capítulos seguintes de Gênesis e dos demais livros da Torá essa nova linguagem ganhar forma e consolidar-se enquanto linguagem da teologia da aliança. Algumas palavras serão fundamentais nessa nova linguagem: acordo/ aliança/ pacto (berit, conforme Gn 12.2; 15.17; 17.7-8; 22.16-18); altar/ holocausto/ sacrifício (conforme Gn 12.7; 22.9; 35.1,7; Êx 17.5; 24.4; 27.1-8; 30.1-10; Lv 16.16-19); circuncisão (berit milah, conforme Gn. 17:9-14; Êx. 4:24-26; Dt. 10:16); justiça/ misericórdia (conforme Gn 15.6) e santidade (conforme Gn 17.1; Êx 19.6; Lv 20.6).
Na Torá, a aliança entre Iavé e Israel era a base de todo trato de Iavé com seu povo. O significado da aliança foi que Israel pertenceu a Iavé e Iavé pertenceu a Israel. A relação foi descrita com semelhante àquela entre pai e filho, ou como de marido e esposa. Donde a declaração de que Iavé é Iavé ciumento (Êx 20.5; 34.14; Dt 4.24). Através de Abraão, a aliança é em primeiro lugar pessoal, abrangendo um espectro cada vez maior: tribal, nacional, universal. Mas, quer no primeiro caso, pessoal, quer historicamente, como redenção, ela é sempre estrutural.
Mas, se aliança é eleição, escolha, implica em preferência por alguém, escolher por prazer ou por amor. E essa conceituação entre aliança e amor é enunciada em 1Reis 11.13, quando Iavé afirma que escolheu Jerusalém por amor. Assim, aliança e amor não podem ser separados, embora não sejam a mesma coisa. A aliança é o selo, o pacto. O amor, o motivo que leva à aliança. No livro de Gênesis vemos o amor de Iavé na criação, na conversa com Adão e Eva e na promessa de um salvador. Mas é na aliança que o amor pela pessoa caída torna-se material e compreensível. A saga dos patriarcas descendentes de Abraão, que se torna pai de muitos povos, mostra o caminho da concretização da aliança. Eis o tema central de Gênesis e da Torá: Iavé ama e casa-se com um povo, criado por ele, e comissionado por ele. O resto da história, nós conhecemos. E por amor estamos dentro da aliança abraâmica.
Fonte
Jorge Pinheiro, História e Religião de Israel, gênese e crise do pensamento judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.
Quando se estuda a religião de Israel, questões referentes à revelação e ao surgimento de determinados conceitos teológicos vêm à tona. Duas fortes correntes teológicas tentaram nos últimos duzentos anos apresentar respostas para essas questões. Uma apriorística, colocando a ênfase na revelação, e outra empirista, vendo a religião de Israel como fruto da experiência cultural e religiosa dos povos vizinhos.
Essas duas correntes, embora tenham armazenado um arsenal considerável de informações, que não podem ser descartados, pecam ao nível da metodologia. Não levam em conta que todo conhecimento pressupõe uma elaboração nova, e exige do estudioso jamais esquecer as duas caras de qualquer processo social e histórico. A primeira dessas facetas está diretamente ligada ao ser humano, enquanto sujeito, se dá no terreno formal, e só se torna necessária depois de elaborada. A outra cara dessa moeda acontece ao nível do objeto, no terreno do real, e possibilita a conquista da objetividade.
Assim, o que precisamos entender é como se dá a origem de um conhecimento específico, ou de uma estrutura nova. Em primeiro lugar, seria um erro, afirmar que uma nova estrutura pode ser fruto único de um processo exclusivo, apriorístico, revelado ou inato. Ou, ao contrário, que repousa em características preexistentes do objeto. Em ambas os casos, o erro consiste em definir o conhecimento como predeterminado, quer por estruturas internas ao sujeito, quer por características preexistentes no objeto. Descarta-se, assim, o conhecimento enquanto construção efetiva e contínua.
O que acontece é que o conhecimento não começa com um sujeito plenamente consciente de seu ato histórico, nem de realidades definidas a priori. Resulta sim de interações que surgem da combinação de múltiplos fatores, que vão criando dependência e novas relações. Não é um intercâmbio entre formas diferentes, mas a construção de realidades com plasticidades novas.
A este processo de surgimento de novas estruturas chamamos revolução. Isto porque são novas construções de conhecimento e não evolução ou reforma de uma estrutura já conhecida. Aqui, temos crise e ruptura de estruturas e conhecimentos anteriores, gerando fatores que criam novas relações e novos equilíbrios. Nesse processo haverá sempre um ou vários desequilíbrios iniciais, uma crise epistemológica, que rompe esquemas definidos, gerando movimentos que parecem estar fora do controle do sujeito.
Em relação à religião de Israel assistimos a essa revolução epistemológica em seu próprio surgimento, ou seja, com a aliança abraâmica. Nesse momento, movimentos ao nível do indivíduo e sociais desencadearam processos diferentes que revolucionaram o próprio conceito de religião e, por extensão, mudaram a face da fé em todo o mundo.
A visão clássica da crítica bíblica, da qual J. Wellhausen é um dos expoentes, parte de postura empiricista e considera que a profecia clássica foi a fonte do monoteísmo israelita. Na verdade, para Wellhausen, os profetas literários criaram o monoteísmo ético, e a Torá é apenas a formulação sacerdotal-popular posterior do pensamento profético. É importante notar que a hermenêutica crítica vê a Bíblia como objeto histórico, fonte preservada de informações sobre a cultura e história dos hebreus. Assim, as bases de sua metodologia repousam sobre um arcabouço que combina racionalismo alemão, historicismo e idealismo filosófico.
O conhecimento que se origina na atividade reflexa do sujeito recebe com a revelação esta organização funcional, que o torna possível. Aqui, convém notar que para o conhecimento que tem por base o processo revelatório a organização funcional sempre se mantém invariável. Ou seja, essa organização funcional se mantém em equilíbrio, apesar dos processos vividos nas estruturas. E mais do que isso, se impõe a elas como necessárias.
A discussão em torno de um centro para a teologia de Gênesis é polêmica, pois o próprio conceito de centro, para muitos teólogos, seria uma limitação para um segundo conceito: o de revelação progressiva. Ora, dizem eles, se a revelação é progressiva toda definição de centro é descabida. Nesse sentido, hoje preferimos falar de rede, pois não podemos falar de um desenvolvimento linear em progressão, mas de uma expansão. Poderíamos pensar na rede da WEB, onde a expansão se dá, mas sem centro definido, a não ser aquele localizado pelo internauta.
A teologia de Gênesis tem por base o conceito da aliança, não como paradigma doutrinário gerador de dogmas, mas como descrição de um processo vivo, que tem origem em determinado momento histórico, numa relação entre Iavé e uma pessoa.
Ao entendermos o conceito de aliança como rede unificadora do livro de Gênesis e, por extensão, da Torá, a leitura do texto bíblico passa permite uma compreensão que cresce conforme a aliança se transforma em osso e carne, primeiramente, na vida dos patriarcas e, posteriormente, na formação da própria nação.
Os livros de Gênesis e Êxodo apresentam a fé israelita, enquanto construção, fundamentada em dois acontecimentos históricos. O primeiro, é a escolha de uma pessoa chamada Abrão, que foi tirado da cidade de Ur e levado para Canaã, uma terra prometida a ele e sua descendência (Gn 12.1-3; 13.14-17). Essa promessa foi selada com um pacto, uma aliança entre Iavé e Abraão, conforme Gênesis 15.5-10. E o segundo fato histórico é a libertação dos descendentes de Abraão da escravidão do Egito, através de Moisés, e sua entrada na terra prometida (Ex 3.6-10).
Esses dois acontecimentos expressam a materialidade da aliança, que se traduz como escolha de Iavé a favor de uma pessoa, geradora de um povo, para uma missão definida. Realidade esta que foi reafirmada, centenas de anos depois, pelo príncipe dos profetas israelitas:
“Ouvi-me, vós, que estais à procura da justiça, vós que buscais a Iavé. Olhai para a rocha da qual fostes talhados, para a cova de que fostes extraídos. Olhai para Abraão, vosso pai, e para Sara, aquela que vos deu à luz. Ele estava só quando o chamei, mas eu o abençoei e o multipliquei”. Isaías 51.1-2.
Aqui voltamos ao início da análise: por que o conceito de aliança fornece uma base para a compreensão do livro de Gênesis? Em primeiro lugar, porque o diálogo de Iavé com Adão e Eva em Gênesis 3.15 aponta para um salvador. E em Gênesis 15 temos a primeira realização dessa promessa através da aliança com Abraão, que produzirá descendência, com duas missões: ser testemunha entre as nações, e ser a nação separada, da qual nasceria o Messias prometido.
A aliança iniciou uma nova relação entre Iavé e Israel, uma relação imposta por Iavé, mas íntima. Embora, na tradição judaica, o livro de Êxodo seja o livro da aliança, o conceito está presente e é desenvolvido no primeiro livro da Torá.
Na aliança está embutida a idéia de salvação e de relacionamento pessoal com Iavé. Esta realidade nova dentro do plano de redenção do ser humano está implícita na declaração de Iavé a Abraão: “Estabelecerei uma aliança entre eu e você, e a sua raça depois de você, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o seu Iavé e o da tua raça depois de você” Gn.17:7. E como todo pacto, além do “berit milah” (pacto da circuncisão), Abraão e seus descendentes são chamados à responsabilidade moral (v.1) e a uma adoração permanente (vv.7 e 19).
Elementos estes, que a partir de Moisés serão desenvolvidos, dando origem à religião de Israel, que tem por base, num primeiro momento histórico a primazia do culto e suas ordenanças e, num segundo momento, com o surgimento da profecia literária, da justiça social. Assim, é impossível fazer uma completa separação entre aliança e reino. Este último será uma construção que tem como primeiro tijolo a nova relação estabelecida por Iavé com pessoas.
Aqui somos obrigados a recorrer a alguns conceitos da epistemologia, para entendermos o papel da transmissão do conhecimento de Iavé e de sua vontade, realizado através da aliança, que Gênesis nos apresenta. Quando estudamos o desenvolvimento e a construção das estruturas de conhecimento, vemos que esta construção se dá através de uma dissociação de conteúdos e da elaboração de novas formas, mediante uma abstração reflexiva de conhecimentos anteriores.
Ora, a relevância da epistemologia está em que ela mostra que, por mais importantes que sejam as origens de dado conhecimento, o que determinará sua essência é seu movimento genético. Assim, quando temos a formalização desse processo temos de fato um conhecimento inteiramente novo, que extrapola os dados iniciais, transbordando o real.
Sabemos que a circuncisão na época de Abraão era um costume associado aos poderes da reprodução humana, que servia de distintivo tribal. Também sabemos que os pactos eram selados com sangue e o seu rompimento significava a morte do transgressor. Esses conteúdos faziam parte da cultura de Abraão e de seu clã. Da mesma forma, outros conteúdos, como adoração/ “edificar um altar” (Gn.12.8), obediência/ “foi habitar nos carvalhais de Manre” (13.17-18), entrega de bens e posses/ “e de tudo lhe deu o dízimo” (14.20), fidelidade/ “ele creu no Senhor” (15.6), e consciência da onipotência divina/ “não fará justiça o juiz de toda a terra?” (18.25) são conteúdos espirituais da fé de Abraão e das pessoas santas que o antecederam.
A questão não está centrada nas origens desses conteúdos que, sem dúvida, são históricos e refletem as culturas das civilizações mesopotâmicas e da bacia do Nilo, assim como a tradição monoteísta na época de Abraão. O fundamental aqui é entender que esses conteúdos se organizam em nova estrutura: a aliança abraâmica, que se constrói geneticamente, com história peculiar. Esta aliança, cuja gênese e história mostram uma elaboração sucessiva, que é a própria Torá, como síntese lingüística, não é pré-formada. Sua construção histórico-genética é autenticamente constitutiva e não se reduz a um mero conjunto de conteúdos acessíveis.
Mas há um bereshit, um fiat, um momento especial que dá origem à essa estrutura nascente: é a revelação. A partir da promessa de Gênesis 3.15 temos uma revelação. A aliança surge como revelação, como ruptura que dá vida a antigos conteúdos, colocando em movimento um processo histórico-genético que vai-se construir enquanto estrutura (povo escolhido/ terra prometida) e dar novo salto com a formalização maior realizada no Sinai.
Esta realidade leva a uma outra, que é o da linguagem da Torá, na seqüência da aliança. Considerando a moderna lingüística, do ponto de vista estrutural, vemos que a linguagem tem duas grandes características: por um lado é universal, enquanto estrutura geral, humana, e, por outro, é livre e não serve apenas à função comunicativa, mas é um instrumento para a livre expressão do pensamento e para a resposta às novas situações.
Isto é o que explica o fato das grandes revoluções do conhecimento serem sempre acompanhadas pelo surgimento de uma linguagem nova e de novas estruturas de pensamento. A aliança descrita em Gênesis 15 e 17 vai abrir um processo de revolução em relação ao conhecimento de Iavé e de sua vontade, e vai gerar uma nova linguagem.
De forma crescente vemos nos capítulos seguintes de Gênesis e dos demais livros da Torá essa nova linguagem ganhar forma e consolidar-se enquanto linguagem da teologia da aliança. Algumas palavras serão fundamentais nessa nova linguagem: acordo/ aliança/ pacto (berit, conforme Gn 12.2; 15.17; 17.7-8; 22.16-18); altar/ holocausto/ sacrifício (conforme Gn 12.7; 22.9; 35.1,7; Êx 17.5; 24.4; 27.1-8; 30.1-10; Lv 16.16-19); circuncisão (berit milah, conforme Gn. 17:9-14; Êx. 4:24-26; Dt. 10:16); justiça/ misericórdia (conforme Gn 15.6) e santidade (conforme Gn 17.1; Êx 19.6; Lv 20.6).
Na Torá, a aliança entre Iavé e Israel era a base de todo trato de Iavé com seu povo. O significado da aliança foi que Israel pertenceu a Iavé e Iavé pertenceu a Israel. A relação foi descrita com semelhante àquela entre pai e filho, ou como de marido e esposa. Donde a declaração de que Iavé é Iavé ciumento (Êx 20.5; 34.14; Dt 4.24). Através de Abraão, a aliança é em primeiro lugar pessoal, abrangendo um espectro cada vez maior: tribal, nacional, universal. Mas, quer no primeiro caso, pessoal, quer historicamente, como redenção, ela é sempre estrutural.
Mas, se aliança é eleição, escolha, implica em preferência por alguém, escolher por prazer ou por amor. E essa conceituação entre aliança e amor é enunciada em 1Reis 11.13, quando Iavé afirma que escolheu Jerusalém por amor. Assim, aliança e amor não podem ser separados, embora não sejam a mesma coisa. A aliança é o selo, o pacto. O amor, o motivo que leva à aliança. No livro de Gênesis vemos o amor de Iavé na criação, na conversa com Adão e Eva e na promessa de um salvador. Mas é na aliança que o amor pela pessoa caída torna-se material e compreensível. A saga dos patriarcas descendentes de Abraão, que se torna pai de muitos povos, mostra o caminho da concretização da aliança. Eis o tema central de Gênesis e da Torá: Iavé ama e casa-se com um povo, criado por ele, e comissionado por ele. O resto da história, nós conhecemos. E por amor estamos dentro da aliança abraâmica.
Fonte
Jorge Pinheiro, História e Religião de Israel, gênese e crise do pensamento judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.
vendredi 26 septembre 2008
JÜRGEN MOLTMANN, um roteiro de estudo
por Jorge Pinheiro
A teologia de Moltmann situa-se entre os campos da teologia dialética de Barth e a teologia existencial de Bultmann. E sua obra mestra será Teologia da Esperança, publicada em 1964. Para entender Moltmann devemos ver os princípios sobre os quais estão baseados sua teologia.
1. Primazia da esperança > A esperança é a esperança da fé. Estruturalmente primeiro vem a fé e depois a esperança, embora a fé possa desenvolver-se sem a esperança. Nesse sentido, a esperança é o “companheiro inseparável” da fé e entrega à fé o horizonte do futuro em Cristo.
“Na vida cristã, a prioridade pertence à fé, mas o primado à esperança”. [Teologia della speranza, p.14]. Está é uma formulação dialética. A fé em Cristo, sem esperança, produz um conhecimento efêmero de Cristo. E a esperança, por sua vez, sem fé, transforma-se em utopia, perdendo sua dimensão teológica. Assim, a prioridade pertence à fé [a esperança é esperança de fé], mas o primado pertence à esperança, já que a fé se expande na esperança e é através da esperança que a fé atinge seu horizonte escatológico.
2. Cristologia escatológica > Para formular sua teologia da esperança, Moltmann parte do Antigo Testamento, mostrando que a religião de Israel era uma religião de promessa. Assim, a revelação no Antigo Testamento tem caráter promissório, que abrem novos horizontes históricos e escatológicos. Logicamente, nem toda promessa é escatológica. Ela se torna escatológica quando assume universalização e intensificação.
Escatológico em Moltmann é sinônimo de futuro universal e radical. Um futuro que inclui todos os povos e uma radicalidade que se estende para além do limite extremo da existência. Olhando sobre essa perspectiva o Novo Testamento ratifica as promessas, apontando para a realização do futuro escatológico. A ressurreição de Cristo é a confirmação das promessas ao mesmo tempo em que é promessa escatológica que se cumprirá com a ressurreição dos mortos e o surgimento de uma nova humanidade. As bases do futuro da humanidade estão na ressurreição de Cristo. Isto é Cristologia escatológica.
3. Eclesiologia messiânica > Para Moltmann a promessa leva à missão. Ou como ele diz: “A pro-missio do Reino é o fundamento da missio do amor pelo mundo” [Teologia della speranza, p. 229]. Considera, no entanto, que a igreja moderna está socialmente marginalizada e por isso refugiou-se em funções supletivas, que são traduzidas na privatização do culto.
Para Moltmann, a igreja tem uma função pública, que “está a serviço da adventícia salvação do mundo e é como flecha lançada no mundo para indicar o futuro” [Teologia della speranza, p. 320]. A missão da igreja, enquanto comunidade cristã, é tarefa de todos os cristãos e será desenvolvida por ele nos textos A experiência esperança (1974) e A Igreja na força do Espírito (1975).
Teologia da Esperança e marxismo
Depois de uma criativa ruptura com a modernidade, enquanto pensamento, tradição e história, é necessário sentir de novo a alegria da esperança escatológica, para compreender a natureza do terreno sobre o qual pisamos. Há um momento de cisão no qual modificou-se, de modo essencial, a concepção do que significa teologia. Esse momento foi assinalado a partir dos anos 60, com a teologia da esperança, de Jürgen Moltmann.
Trata-se de uma reflexão prodigiosamente profética, pois enuncia, não somente a queda do muro de Berlim, mas o processo de aglutinação vivido por alemães, em primeiro lugar, por europeus, na seqüência. É sem dúvida, uma das elaborações mais impressionantes, se entendermos sua abordagem epistemológica. Sugere um campo normativo, a ser percorrido pelos movimentos e comunidades que abririam aguerridamente, a golpes de machado, a senda pós-moderna.
A expressão abordagem epistemológica não é exagerada. Refere-se ao projeto teológico, herdadas das estruturas hegelianas e marxistas, relidas e traduzidas por ele e Ernest Bloch. É sobre a questão da identidade histórica, entendida como processo a realizar-se, que recai a crítica da teologia realizada por Moltmann. É justamente a experiência de viver, enquanto comunidade que se realiza no futuro, que é realçada por ele. No nível antropológico, trabalha os elementos dessa esperança, a partir da qual se produz saber e práxis cristã. Suas heranças são translúcidas:
“Por meio de subverter e demolir todas as barreiras -- sejam da religião, da raça, da educação, ou da classe -- a comunidade dos cristãos comprova que é a comunidade de Cristo. Esta, na realidade, poderia tornar-se a nova marca identificadora da igreja no mundo, por ser composta, não de homens iguais e de mentalidade igual, mas, sim, de homens dessemelhantes, e, na realidade, daqueles que tinham sido inimigos. O caminho para este alvo de uma nova comunidade humanista que envolve todas as nações e línguas é, porém, um caminho revolucionário”.
Como num laboratório, o teólogo da esperança extrai o fato teológico de sua contingência histórica, tratada sob condições de extrema pureza escatológica. Muito claramente afirma a escatologia como essência da história da redenção e leva à conclusão de que essa mesma essência seja a expressão maior da ressurreição, enquanto metáfora da cruz de Cristo. Essa cruz repousa sobre o esvaziamento da desesperança, enquanto praesumptio e desperatio, na relação que mantém com o mundo.
A teologia, vida cristã em movimento, numa permanente autoformação, advém das pulsações criadoras da própria esperança, cujo sentido volta-se para ela própria. Essa construção, que se nos apresenta como caleidoscópio, belo, mas aparentemente ilógico, traz em si a força combinatória do devir cristão. Assim, a teologia de Moltmann quebra os grilhões do presente eterno da neo-ortodoxia, e nos oferece um conceito realista da história, que tem por base um futuro real, lançando dessa maneira as bases para uma teologia que responda às reais necessidades do homem pós-moderno.
A teologia de Moltmann nasce enquanto reação ao existencialismo e absorção do revisionismo de Bloch. A descontrução do marxismo, realizada por aquele filósofo, não agradou ao mundo comunista, mas estabeleceu uma ponte, diferente daquela da teologia da libertação, entre o hegelianismo de esquerda e o cristianismo. Substituiu a dialética pelo ainda-não, enquanto espaço que não está fechado diante de nós, e definiu uma antropologia que não mais está calcada no império dos fenômenos econômicos, mas na esperança.
Os escritos filosóficos do jovem Marx serviram de ponto de partida para o vôo de Bloch. A alienação do homem é um fato inquestionável, não como determinação econômica, mas enquanto determinação ontológica. Afinal, o universo em que vive é essencialmente incompleto. Mas a importância do incompleto é que é susceptível de complemento. Por isso, o possível, o ainda-não, o futuro traduz de fato a realidade.
Nesse processo estão presentes a subjetividade humana e sua potência inacabada e permanente em busca de solução e a mutabilidade do mundo no quadro de suas leis. Dessa maneira, o ainda-não do subjetivo e do objetivo é a matriz da esperança e da utopia. A esperança traduz a certeza da busca e a utopia nos dá as figuras concretas desse possível.
O homem é impelido, assim, ao esforço permanente de transcender a alienação presente, em busca de uma ‘pátria de identidade’. É no ‘vermelho quente’ do futuro que está a razão fundamental da existência humana.
Nenhum marxista chegou tão próximo da escatologia cristã!
“Deus -- enquanto problema do radicalmente novo, do absoluto libertador, do fenômeno da nossa liberdade e do nosso verdadeiro conteúdo -- torna-se-nos presente somente como um evento opaco, não objetivo, somente como conjunto da obscuridade do momento vivido e do símbolo não acabado da questão suprema. O que significa que o Deus supremo, verdadeiro, desconhecido, superior a todas as outras divindades, revelador de todo o nosso ser, ‘vive’ desde já, embora ainda não coroado, ainda não objetivado. Aparece claro e seguro agora que a esperança é exatamente aquilo em que o elemento obscuro vem à luz. Ela também imerge no elemento obscuro e participa da sua invisibilidade. E como o obscuro e o misterioso estão sempre unidos, a esperança ameaça desaparecer quando alguém se avizinha muito dela ou põe em discussão, de modo muito presunçoso, este elemento obscuro”.
Bloch realiza uma penetrante releitura da cosmovisão judaico-cristã. Entende o clamor profético do mundo bíblico e da proclamação cristã não como alienação e ópio, mas como fermentos explosivos de esperança, protestos contra o presente em nome da realidade futuro, a utopia.
Talvez por isso possamos dizer que nos anos 60, os caminhos de Moltmann e Bloch não apenas cruzaram-se na Universidade de Tübingen, mas abriram espaço para o mais enriquecedor diálogo cristão-marxista que conhecemos. É interessante lembrar que em 1968, quando manifestações estudantis varriam Tübingen, Heldelberg, Münster e Berlim Ocidental, grande parte dos líderes estudantis eram oriundos das faculdades de teologia. Sua Theologie der Hoffnung, publicada no início da década na Alemanha, estava na oitava edição, e no ano seguinte, ele lançaria Religion, Revolution and the Future nos Estados Unidos.
Assim, em síntese, a Teologia da Esperança surgiu para revigorar, teológica, social e politicamente, a esperança cristã através de “projetos de esperança”, que levem a igreja a tornar-se responsável pelo futuro da humanidade. Esse futuro nos foi entregue por Deus, como promessa, mas é conhecido por antecipação no advento e ressurreição de Cristo. Nosso Cristo é o fim da utopia, é certeza escatológica amparada pela fé.
Notas
1 “Ao homem que se lamenta: ‘Não consigo ver significado na história, e portanto minha vida, entrelaçada com ela, também é destituída de significado’, respondemos: não fiques olhando ao redor de ti, para a história universal, mas olha para tua história pessoal. O sentido da história sempre está contigo no teu presente, e tu não podes vê-lo como mero espectador, mas somente em tuas decisões responsáveis. Em cada momento dorme a possibilidade de vir a ser o momento escatológico, Cabe a ti despertá-la”. R. Bultmann, Storia ed escatologia, Milão, Bompiani, 1962, p. 176.
2 “A universalização da promessa atinge seu escathon na promessa do senhorio de Iaveh sobre todos os povos. A intensificação da promessa encaminha-se para a realidade escatológica mediante a negação da morte”. J. Moltmann, Teologia della speranza, pp. 133-134.
3 “Os filósofos justamente conscientes do poder de coordenação das funções espirituais consideram suficiente uma mediação deste pensamento coordenado, sem se preocupar muito com o pluralismo e a variedade dos fatos (...). Não se é filósofo se não se tomar consciência, num determinado momento da reflexão, da coerência e da unidade do pensamento, se não se formularem as condições de síntese do saber. E é sempre em função desta unidade, desta síntese, que o filósofo coloca o problema geral do conhecimento”. G. Bachelard, Filosofia do Novo Espírito Científico, Lisboa, Presença, 1972, pp. 8-9.
4 “A história arqueológica nem é evolutiva, nem retrospectiva, nem mesmo recorrente; ela é epistêmica; nem postula a existência de um progresso contínuo, nem de um progresso descontínuo; pensa a descontinuidade neutralizando a questão do progresso, o que é possível na medida em que abole a atualidade da ciência como critério de um saber do passado”. Roberto Machado, Ciência e saber. A trajetória arqueológica de Foucault, Rio de Janeiro, Graal, 1982, p. 152.
5 Jürgen Moltmann, “God in Revolution”, em Religion, Revolution and the Future, Nova York, Scribner, 1969, p. 141.
6 “O passado e o futuro não estão dissolvidos num presente eterno. A realidade contém mais do que o presente. Ao desenvolver sua teologia futurista, Moltmann realmente tem o peso considerável da história bíblica do lado dele, e faz bom uso dela. (...) Ao enfatizar o futuro, desenvolveu um pensamento bíblico legítimo que jazia profundamente enterrado na teologia ética e existencial dos séculos XIX e XX”. Stanley Gundry, Teologia Contemporânea, São Paulo, Mundo Cristão, 1987, p.167.
7 Ernst Bloch, "Geist der Utopie", Franckfurt, 1964, p. 254 in Battista Mondin, Curso de Filosofia, São Paulo, Paulinas, 1987, vl. 3, pp. 246-7.
8 Jürgen Moltmann, Teologia della Speranza, Queriniana, Bréscia, 1969.
A teologia de Moltmann situa-se entre os campos da teologia dialética de Barth e a teologia existencial de Bultmann. E sua obra mestra será Teologia da Esperança, publicada em 1964. Para entender Moltmann devemos ver os princípios sobre os quais estão baseados sua teologia.
1. Primazia da esperança > A esperança é a esperança da fé. Estruturalmente primeiro vem a fé e depois a esperança, embora a fé possa desenvolver-se sem a esperança. Nesse sentido, a esperança é o “companheiro inseparável” da fé e entrega à fé o horizonte do futuro em Cristo.
“Na vida cristã, a prioridade pertence à fé, mas o primado à esperança”. [Teologia della speranza, p.14]. Está é uma formulação dialética. A fé em Cristo, sem esperança, produz um conhecimento efêmero de Cristo. E a esperança, por sua vez, sem fé, transforma-se em utopia, perdendo sua dimensão teológica. Assim, a prioridade pertence à fé [a esperança é esperança de fé], mas o primado pertence à esperança, já que a fé se expande na esperança e é através da esperança que a fé atinge seu horizonte escatológico.
2. Cristologia escatológica > Para formular sua teologia da esperança, Moltmann parte do Antigo Testamento, mostrando que a religião de Israel era uma religião de promessa. Assim, a revelação no Antigo Testamento tem caráter promissório, que abrem novos horizontes históricos e escatológicos. Logicamente, nem toda promessa é escatológica. Ela se torna escatológica quando assume universalização e intensificação.
Escatológico em Moltmann é sinônimo de futuro universal e radical. Um futuro que inclui todos os povos e uma radicalidade que se estende para além do limite extremo da existência. Olhando sobre essa perspectiva o Novo Testamento ratifica as promessas, apontando para a realização do futuro escatológico. A ressurreição de Cristo é a confirmação das promessas ao mesmo tempo em que é promessa escatológica que se cumprirá com a ressurreição dos mortos e o surgimento de uma nova humanidade. As bases do futuro da humanidade estão na ressurreição de Cristo. Isto é Cristologia escatológica.
3. Eclesiologia messiânica > Para Moltmann a promessa leva à missão. Ou como ele diz: “A pro-missio do Reino é o fundamento da missio do amor pelo mundo” [Teologia della speranza, p. 229]. Considera, no entanto, que a igreja moderna está socialmente marginalizada e por isso refugiou-se em funções supletivas, que são traduzidas na privatização do culto.
Para Moltmann, a igreja tem uma função pública, que “está a serviço da adventícia salvação do mundo e é como flecha lançada no mundo para indicar o futuro” [Teologia della speranza, p. 320]. A missão da igreja, enquanto comunidade cristã, é tarefa de todos os cristãos e será desenvolvida por ele nos textos A experiência esperança (1974) e A Igreja na força do Espírito (1975).
Teologia da Esperança e marxismo
Depois de uma criativa ruptura com a modernidade, enquanto pensamento, tradição e história, é necessário sentir de novo a alegria da esperança escatológica, para compreender a natureza do terreno sobre o qual pisamos. Há um momento de cisão no qual modificou-se, de modo essencial, a concepção do que significa teologia. Esse momento foi assinalado a partir dos anos 60, com a teologia da esperança, de Jürgen Moltmann.
Trata-se de uma reflexão prodigiosamente profética, pois enuncia, não somente a queda do muro de Berlim, mas o processo de aglutinação vivido por alemães, em primeiro lugar, por europeus, na seqüência. É sem dúvida, uma das elaborações mais impressionantes, se entendermos sua abordagem epistemológica. Sugere um campo normativo, a ser percorrido pelos movimentos e comunidades que abririam aguerridamente, a golpes de machado, a senda pós-moderna.
A expressão abordagem epistemológica não é exagerada. Refere-se ao projeto teológico, herdadas das estruturas hegelianas e marxistas, relidas e traduzidas por ele e Ernest Bloch. É sobre a questão da identidade histórica, entendida como processo a realizar-se, que recai a crítica da teologia realizada por Moltmann. É justamente a experiência de viver, enquanto comunidade que se realiza no futuro, que é realçada por ele. No nível antropológico, trabalha os elementos dessa esperança, a partir da qual se produz saber e práxis cristã. Suas heranças são translúcidas:
“Por meio de subverter e demolir todas as barreiras -- sejam da religião, da raça, da educação, ou da classe -- a comunidade dos cristãos comprova que é a comunidade de Cristo. Esta, na realidade, poderia tornar-se a nova marca identificadora da igreja no mundo, por ser composta, não de homens iguais e de mentalidade igual, mas, sim, de homens dessemelhantes, e, na realidade, daqueles que tinham sido inimigos. O caminho para este alvo de uma nova comunidade humanista que envolve todas as nações e línguas é, porém, um caminho revolucionário”.
Como num laboratório, o teólogo da esperança extrai o fato teológico de sua contingência histórica, tratada sob condições de extrema pureza escatológica. Muito claramente afirma a escatologia como essência da história da redenção e leva à conclusão de que essa mesma essência seja a expressão maior da ressurreição, enquanto metáfora da cruz de Cristo. Essa cruz repousa sobre o esvaziamento da desesperança, enquanto praesumptio e desperatio, na relação que mantém com o mundo.
A teologia, vida cristã em movimento, numa permanente autoformação, advém das pulsações criadoras da própria esperança, cujo sentido volta-se para ela própria. Essa construção, que se nos apresenta como caleidoscópio, belo, mas aparentemente ilógico, traz em si a força combinatória do devir cristão. Assim, a teologia de Moltmann quebra os grilhões do presente eterno da neo-ortodoxia, e nos oferece um conceito realista da história, que tem por base um futuro real, lançando dessa maneira as bases para uma teologia que responda às reais necessidades do homem pós-moderno.
A teologia de Moltmann nasce enquanto reação ao existencialismo e absorção do revisionismo de Bloch. A descontrução do marxismo, realizada por aquele filósofo, não agradou ao mundo comunista, mas estabeleceu uma ponte, diferente daquela da teologia da libertação, entre o hegelianismo de esquerda e o cristianismo. Substituiu a dialética pelo ainda-não, enquanto espaço que não está fechado diante de nós, e definiu uma antropologia que não mais está calcada no império dos fenômenos econômicos, mas na esperança.
Os escritos filosóficos do jovem Marx serviram de ponto de partida para o vôo de Bloch. A alienação do homem é um fato inquestionável, não como determinação econômica, mas enquanto determinação ontológica. Afinal, o universo em que vive é essencialmente incompleto. Mas a importância do incompleto é que é susceptível de complemento. Por isso, o possível, o ainda-não, o futuro traduz de fato a realidade.
Nesse processo estão presentes a subjetividade humana e sua potência inacabada e permanente em busca de solução e a mutabilidade do mundo no quadro de suas leis. Dessa maneira, o ainda-não do subjetivo e do objetivo é a matriz da esperança e da utopia. A esperança traduz a certeza da busca e a utopia nos dá as figuras concretas desse possível.
O homem é impelido, assim, ao esforço permanente de transcender a alienação presente, em busca de uma ‘pátria de identidade’. É no ‘vermelho quente’ do futuro que está a razão fundamental da existência humana.
Nenhum marxista chegou tão próximo da escatologia cristã!
“Deus -- enquanto problema do radicalmente novo, do absoluto libertador, do fenômeno da nossa liberdade e do nosso verdadeiro conteúdo -- torna-se-nos presente somente como um evento opaco, não objetivo, somente como conjunto da obscuridade do momento vivido e do símbolo não acabado da questão suprema. O que significa que o Deus supremo, verdadeiro, desconhecido, superior a todas as outras divindades, revelador de todo o nosso ser, ‘vive’ desde já, embora ainda não coroado, ainda não objetivado. Aparece claro e seguro agora que a esperança é exatamente aquilo em que o elemento obscuro vem à luz. Ela também imerge no elemento obscuro e participa da sua invisibilidade. E como o obscuro e o misterioso estão sempre unidos, a esperança ameaça desaparecer quando alguém se avizinha muito dela ou põe em discussão, de modo muito presunçoso, este elemento obscuro”.
Bloch realiza uma penetrante releitura da cosmovisão judaico-cristã. Entende o clamor profético do mundo bíblico e da proclamação cristã não como alienação e ópio, mas como fermentos explosivos de esperança, protestos contra o presente em nome da realidade futuro, a utopia.
Talvez por isso possamos dizer que nos anos 60, os caminhos de Moltmann e Bloch não apenas cruzaram-se na Universidade de Tübingen, mas abriram espaço para o mais enriquecedor diálogo cristão-marxista que conhecemos. É interessante lembrar que em 1968, quando manifestações estudantis varriam Tübingen, Heldelberg, Münster e Berlim Ocidental, grande parte dos líderes estudantis eram oriundos das faculdades de teologia. Sua Theologie der Hoffnung, publicada no início da década na Alemanha, estava na oitava edição, e no ano seguinte, ele lançaria Religion, Revolution and the Future nos Estados Unidos.
Assim, em síntese, a Teologia da Esperança surgiu para revigorar, teológica, social e politicamente, a esperança cristã através de “projetos de esperança”, que levem a igreja a tornar-se responsável pelo futuro da humanidade. Esse futuro nos foi entregue por Deus, como promessa, mas é conhecido por antecipação no advento e ressurreição de Cristo. Nosso Cristo é o fim da utopia, é certeza escatológica amparada pela fé.
Notas
1 “Ao homem que se lamenta: ‘Não consigo ver significado na história, e portanto minha vida, entrelaçada com ela, também é destituída de significado’, respondemos: não fiques olhando ao redor de ti, para a história universal, mas olha para tua história pessoal. O sentido da história sempre está contigo no teu presente, e tu não podes vê-lo como mero espectador, mas somente em tuas decisões responsáveis. Em cada momento dorme a possibilidade de vir a ser o momento escatológico, Cabe a ti despertá-la”. R. Bultmann, Storia ed escatologia, Milão, Bompiani, 1962, p. 176.
2 “A universalização da promessa atinge seu escathon na promessa do senhorio de Iaveh sobre todos os povos. A intensificação da promessa encaminha-se para a realidade escatológica mediante a negação da morte”. J. Moltmann, Teologia della speranza, pp. 133-134.
3 “Os filósofos justamente conscientes do poder de coordenação das funções espirituais consideram suficiente uma mediação deste pensamento coordenado, sem se preocupar muito com o pluralismo e a variedade dos fatos (...). Não se é filósofo se não se tomar consciência, num determinado momento da reflexão, da coerência e da unidade do pensamento, se não se formularem as condições de síntese do saber. E é sempre em função desta unidade, desta síntese, que o filósofo coloca o problema geral do conhecimento”. G. Bachelard, Filosofia do Novo Espírito Científico, Lisboa, Presença, 1972, pp. 8-9.
4 “A história arqueológica nem é evolutiva, nem retrospectiva, nem mesmo recorrente; ela é epistêmica; nem postula a existência de um progresso contínuo, nem de um progresso descontínuo; pensa a descontinuidade neutralizando a questão do progresso, o que é possível na medida em que abole a atualidade da ciência como critério de um saber do passado”. Roberto Machado, Ciência e saber. A trajetória arqueológica de Foucault, Rio de Janeiro, Graal, 1982, p. 152.
5 Jürgen Moltmann, “God in Revolution”, em Religion, Revolution and the Future, Nova York, Scribner, 1969, p. 141.
6 “O passado e o futuro não estão dissolvidos num presente eterno. A realidade contém mais do que o presente. Ao desenvolver sua teologia futurista, Moltmann realmente tem o peso considerável da história bíblica do lado dele, e faz bom uso dela. (...) Ao enfatizar o futuro, desenvolveu um pensamento bíblico legítimo que jazia profundamente enterrado na teologia ética e existencial dos séculos XIX e XX”. Stanley Gundry, Teologia Contemporânea, São Paulo, Mundo Cristão, 1987, p.167.
7 Ernst Bloch, "Geist der Utopie", Franckfurt, 1964, p. 254 in Battista Mondin, Curso de Filosofia, São Paulo, Paulinas, 1987, vl. 3, pp. 246-7.
8 Jürgen Moltmann, Teologia della Speranza, Queriniana, Bréscia, 1969.
Inscription à :
Articles (Atom)