lundi 12 juin 2017

A brasilidade e seus desafios

OS DESAFIOS DA BRASILIDADE
Elementos para um discurso

Jorge Pinheiro

Ó Deus, oramos por tua Igreja, que está vivendo hoje em meio às perplexidades de constantes mudanças e se encontra diante de um novo e grande trabalho. Lembramo-nos com gratidão de como ela nos nutriu no começo de nossa vida espiritual, das tarefas que ela nos deu para que ficássemos mais fortes, da influência que recebemos das pessoas que ela reúne e do poder constante do bem que ela exerce. Quando a comparamos com todas as outras instituições, nós nos alegramos, porque não há nenhuma outra que se iguale a ela. Mas quando a julgamos com a mente de seu Mestre, nos curvamos com piedade e contrição. Batiza-a novamente no Espírito de Jesus! Permite que ela renasça, ainda que para isso tenha de passar pelas dores de parto do arrependimento e da humilhação. Dá-lhe sensibilidade maior para seus deveres, compaixão mais intensa pelo sofrimento e lealdade total para com a vontade de Deus. (...) Dá-lhe força para aceitar a causa do povo e para reconhecer nas suas mãos, que tateiam em busca da liberdade e da luz, as mãos feridas de Cristo. Ordena que ela pare de procurar sua própria vida, para que ela não a perca. Dá-lhe coragem para se dedicar à humanidade, e, como o Senhor crucificado, que ela possa andar pelo caminho da cruz em direção a uma glória mais alta. 
Oração Pela Igreja, do teólogo batista Walter Rauschenbusch.

Sumário

Que desafios são esses?

Texto bíblico e hermenêutica

A escravidão gerou miséria e exclusão

A autocracia manteve a miséria e reforçou a exclusão

A ética do amor cristão e nossa missão

Toda mudança leva às pessoas. Toda escolha transformadora traduz a radicalidade cristã.


1.
Que desafios são esses?

Ao percorrer os caminhos da brasilidade, ao longo dos últimos cinco séculos, podemos encontrar as raízes que explicam a miséria da nação. As bandeiras da emancipação, da democracia e da justiça social continuam presentes hoje com tanta força como em épocas passadas. Essas bandeiras, sociais e políticas, traduzem a fragilidade do cristianismo no Brasil, que no correr das últimas décadas parece ter crescido muito, mas pouco tem feito em relação aos miseráveis e excluídos.

No entanto, essas bandeiras emancipatórias são indissociáveis do cristianismo e da ética do amor cristão. E precisam ser vividas, enquanto tradução do cristianismo que professamos.

Ética cristã e democracia não são excludentes. Ao contrário, se completam e precisam ser vividas na Igreja e na denominação, se desejamos fazer a diferença, fazer com que o significado histórico do projeto batista marque nossa presença no futuro da nação.

2.
O texto bíblico e a hermenêutica

Jesus respondeu:
-- Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó. No caminho alguns ladrões o assaltaram, tiraram a sua roupa, bateram nele e o deixaram quase morto. Por acaso um sacerdote estava descendo por aquele mesmo caminho. Quando viu o homem, passou pelo outro lado da estrada. Também um levita passou por ali. Olhou e também foi embora pelo outro lado da estrada. Mas um samaritano estava viajando por aquele caminho e chegou até ali. Quando viu o homem, ficou com muita pena dele. Chegou perto e fez curativos, pondo azeite e vinho nas feridas. Depois disso, colocou o homem no seu próprio animal e o levou  para uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, entregou duas moedas de prata ao dono da pensão, dizendo:
-- Tome conta dele. Na volta, quando eu passar por aqui, pagarei o que você gastar a mais com ele.
Então Jesus perguntou ao professor da Lei:
-- Na sua opinião, qual desses três foi o próximo do homem assaltado?
-- Aquele que o socorreu – respondeu o professor da Lei.
-- Pois vá e faça a mesma coisa – disse Jesus.

Parábola do bom samaritano,
Evangelho de Lucas 10.30-37,
versão da Bíblia na Linguagem do Hoje.

Dentro dos limites possíveis, vamos trabalhar com a teorização produzida a partir da hermenêutica patrística, que chegou ao seu momento mais alto com a lectio scolastica  e lectio divina da escolástica de Tomás de Aquino. Essa hermenêutica que ficou conhecida como quadrivium, parte da compreensão de que o texto ensina os fatos, a alegoria projeta em direção à teologia, o sentido ético mostra o que se deve fazer e o sentido anagógico aponta para o que tende a ser.

Quadrivium é uma palavra latina derivada da junção de duas outras: quattuor, que significa quatro, e via, que quer dizer caminho. Temos assim, quatro vias, quatro sentidos, quatro caminhos. Quadrívio/quadrivium é então encruzilhada em forma de + e, por extensão, lugar freqüentado, praça pública. Mas quadrívio é também hermenêutica.

O sentido primeiro ou sentido literal do quadrívio apresenta fatos e acontecimentos. O sentido alegórico traduz verdades teológicas do texto percebido primeiramente em seu sentido literal. O sentido ético diz respeito àquilo que o crente deve fazer. E por último, o sentido anagógico aponta para os fins últimos, para a esperança escatológica.

É claro que esses quatro sentidos formam um processo, que vão num crescendo, embora cada um dependa do outro. Assim, é preciso guardar-se da simplificação das categorias. Quando a exegese é fraca e desprezamos o sentido literal, o sentido alegórico que leva ao teológico, tende a descolar-se da realidade produzindo conclusões disparatadas. E se não entendermos o sentido teológico, da mesma maneira, o fazer ético deixa de ser objetivo e prático. Por fim, quando não vivemos o sentido ético, o escatológico passa a ser um sonho, ou um pesadelo para alguns, por não ter relação com a vida cristã.

Os caminhos do quadrívio

A tomada de decisão na vida pessoal e social é uma exigência constante. Vivemos sob um bombardeio de encruzilhadas. Quando possuímos desejo de mudança, advindo dos erros cometidos, postura e atos mudam a vida até aqui levada. Invertem-se então os papéis. De qualquer maneira, é incontestável o defrontar-se com a necessidade de solucionar difíceis questões no correr de nossa vida.

Nossas perplexidades diante das circunstâncias e do mundo têm sempre solução na encruzilhada da cruz, que nos apresentam caminhos novos a percorrer. Mas o sentido desse caminhar é desafiador.

A encruzilhada surge quando precisamos percorrer os quatro caminhos que nos levam à mudança: a escolha de opções, a renúncia da indiferença, a renúncia do status quo e a escolha da pessoa.

O primeiro caminho é o da opção ou a via das opções

É preciso ter em mente que a partir do momento em que tomamos esse caminho, temos as opções práticas de escolha para a decisão.

Quando estamos diante de um desafio, estamos também diante de alternativas de escolha, quer seja uma só ou várias. Toda opção exige liberdade de escolha, preferência, tomada de decisão. Por isso é tão difícil.

Mas, diante da indecisão, temos de escolher dentre as opções a que melhor soluciona o desafio que se levanta diante de nós. Quando entendemos isso, já demos o primeiro passo no caminho das opções. E esse primeiro passo é um progresso.

Quando tomamos uma decisão é preciso refletir até que ponto ela é inquestionável. Quando descobrimos sua incontestabilidade as dificuldades tornam-se mais fáceis de serem resolvidas, porque temos a convicção de que a melhor opção já foi tomada. Mas ainda faltam caminhos a percorrer.

O segundo caminho é o da renúncia à indiferença

Renúncia a tomar posições é uma tentação presente em nossas vidas. É algo demoníaco e só se justifica em casos não vitais e passíveis de aprazamento. Muitas vezes, renunciamos à tomada de decisão quando ela nos parece traumática, não cabível ou impossível à primeira vista, assim protelamos porque nos traz um aparente conforto. Mas, na maioria dos casos, este é o pior caminho. Através dele ignoramos a decisão e optamos pela indiferença: fingimos que a decisão não se refere a nós e preferimos não enxergá-la.

Normalmente, quando ignorarmos a decisão, a situação tende a se complicar ainda mais. Além, é claro, da possibilidade de sermos considerados covardes e irresponsáveis por aqueles que nos observam.

Ao escolhermos a via da renúncia à indiferença, procuramos mudar o cenário da decisão a fim de mudar paralelamente as opções de escolha. Ao percebermos que as opções disponíveis não bastam ou não nos atende de maneira satisfatória, procuramos uma mudança nas premissas que estabeleceram a decisão. E é esta situação que nos leva ao terceiro caminho.

O terceiro caminho é o da renúncia ao status quo

Quando trilhamos o caminho das opções e avançamos através da renúncia à indiferença somos, muitas vezes, desafiados a fazer um terceiro caminho: percorrer a via da resignação da dignidade de posições aparentemente inquestionáveis. Renúncia aos privilégios do status quo é isso... sacrifício para que possamos superar circunstâncias e tomar decisões.

O quarto caminho é a escolha da pessoa

Quando nos deparamos com circunstâncias adversas, é fundamental que a escolha de opções e nossas renúncias nos levem à pessoa. É claro que os fatores externos precisam ser levados em conta, a mudança dos paradigmas pessoais é prioritária, mas se permanecermos neles como únicas bases para nossa escolha, o futuro será implacável. A criatura humana, imagem de Deus, ser consciente de si mesmo, senhor dos seus atos e, por isso, responsável por eles, é o quarto momento do quadrívio. Mas, esta pessoa é também unidade social que se expressa no agrupamento humano organizado. No caminhar, o caminhante faz o caminho. E esta é uma questão radical.

É isso que Jesus nos ensina nesta belíssima parábola do Bom Samaritano. E é por isso que ele finaliza a história dizendo:
-- Vá e faça a mesma coisa.

3.
A escravidão gerou miséria e exclusão

Joaquim Nabuco foi o primeiro brasileiro a apresentar uma visão globalizadora de nossa formação histórica. E o fez numa pequena obra de propaganda: O Abolicionismo. Nele, mostrou que a escravidão – que durou três séculos --  não constituiu um fenômeno a mais, mas deve ser analisado em igualdade de condições com a monocultura e a grande propriedade agrária.


Para Nabuco, foi a escravidão que formou o Brasil como nação. Ela é a instituição que ilumina a compreensão de nosso passado. E é  a partir dela que se definiram entre nós a economia, a organização social, a estrutura de classes, o Estado, o poder político e a própria cultura.

A escravidão foi a protagonista por excelência da história brasileira. Historiadores, sociólogos e antropólogos começam a entender assim, mas como Igreja, nós batistas, raramente reconhecemos essa dívida intelectual, cultural e social.

O autoritarismo tão típico de nossa elite, a dificuldade na construção da cidadania e a exclusão social estão intimamente ligadas a esses trezentos anos de escravidão e são as heranças trágicas da brasilidade. Assim, a escravidão gerou miséria e exclusão.

4.
A autocracia manteve a miséria e a exclusão

A autocracia burguesa brasileira é fruto de um longo processo histórico que relaciona escravidão, propriedade latifundiária e monocultura. Essas origens, oriundas do modo de produção colonial, serviram para aniquilar as reivindicações e conquistas dos setores populares e médios da sociedade em suas tentativas de levar à prática mudanças democráticas.

Dessa maneira, a construção da democracia burguesa ficou pela metade, sem consolidar um projeto de cidadania e conquistar direitos civis para a maioria da população brasileira. Por seu caráter tardio, o capitalismo brasileiro repousa sobre os burocratas de Estado, que muitas vezes propõem revoluções a partir de cima.

Mas, o dado estrutural relevante para a história da modernidade brasileira é a apropriação privada de um território de dimensões continentais apenas para valorização mercantil patrimonialista, sem que o uso social da terra e dos seus recursos naturais fosse levado em consideração pelos regimes republicanos. A questão da terra ligada à herança escravista formam a base social e política do autoritarismo brasileiro.

Assim, para o pensamento autocrático brasileiro, ordem significa o domínio das classes proprietárias sobre a terra e sobre as pessoas, e progresso é acumulação de capital e poder.

Nunca se constituiu, por isso, um consenso na sociedade civil sobre como governar de forma democrática o nosso país. Tal situação manteve a miséria e reforçou a exclusão.

Desemprego e miséria, hoje

O Brasil estava em 9o lugar em número absoluto de desempregados (964,2 mil), em 1980, quando era a sexta maior população do mundo. Em 1990, quando o país passa a ser a quinta maior população do mundo, permaneceu em sexto lugar na lista dos maiores desempregos. Em 2000, o Brasil assumiu a segunda posição com 11,4 milhões de pessoas sem emprego. Só perde para a superpopulosa Índia, com 41,344 milhões de desempregados.

O Brasil hoje tem uma população ativa de 70 milhões de pessoas. Deste total, cerca de 16%, estão desempregados. O desemprego cresceu nas principais regiões metropolitanas do país, conforme dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos -- Dieese.

Cerca de 3,5 milhões de crianças trabalham hoje no Brasil. Os filhos e filhas da exclusão e da miséria são obrigados a pegar desde cedo no batente. Os que sobreviverem à guerra pelo pão-nosso-de-cada-dia engordarão amanhã a fila infindável dos analfabetos, desnutridos, enfermos... dos não cidadãos. O Brasil apesar de aceitar teoricamente que a idade mínima para se entrar no mercado de trabalho é de 15 anos até agora não conseguiu transformar tal proposta em realidade para os filhos e filhas da exclusão social.

O crescimento do desemprego nos grandes centros urbanos, principalmente no triângulo da produção brasileira, região dinamizadora do parque industrial do país, formado pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, está intimamente ligado à questão agrária, à abertura indiscriminada às importações e à inibição de investimentos em setores estratégicos, como bens de capital, máquinas, equipamentos e energia.

Acrescente-se a esta situação uma política cambial aliada a altos juros, que, até aqui, permitiu importar mais do que devíamos e exportar menos do que poderíamos, e temos como conclusão uma política que esgota rapidamente as potencialidades do país.

Logicamente, tal situação produz concentração de poder e renda, pauperização da classe média e nivelamento social por baixo. É verdade que a corrupção é uma das alavancas desse processo. Se voltarmos à história recente do País, vamos nos lembrar que em novembro de 1995, o governo criou através da Medida Provisória 1179, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, o que permitiu a injeção de 12 bilhões de dólares nos bancos Nacional, Bamerindus, Econômico, Caixa Econômica Federal e do Brasil.

As obrigações sociais do governo, como educação e saúde, para citar apenas duas, são lançadas às calendas. Basta dizer que dos 30 milhões de crianças e adolescentes entre sete e 14 anos, cinco milhões estão fora das escolas e 30 milhões de brasileiros não dispõem de nenhum tipo de assistência médica.

Mas se esta é a realidade dos grandes centros produtivos e das médias e pequenas cidades brasileiras, não podemos nos esquecer de outra chaga social: a lastimável situação do campo brasileiro. Apenas 1% dos proprietários de terras no Brasil detém o domínio sobre 44% dos 371 milhões de hectares de terras disponíveis para atividades agrícolas.

Desse total de terras agriculturáveis, só 3% estão divididos entre os 3,1 milhões de pequenos produtores rurais. Agora, mais uma informação chocante: 48% de toda a terra disponível para a agricultura, ou seja, 178 milhões de hectares, não são usadas para plantar, mas como pasto para gado. O que sobra, 131 milhões de hectares, recebe a designação técnica de terras ociosas, nelas nada se planta.

Onde há miseráveis e desempregados, há exclusão e fome.

5.
A ética do amor cristão

O cristianismo é em sua essência uma experiência transcendente ao nível da materialidade humana, uma experiência que acontece em todos os tempos e em todas as situações e é em si mesma independente de formas sociais e econômicas. Nesse sentido, o cristianismo não pode ser identificado com um tipo determinado de organização social, em detrimento de seu caráter transcendente e universal.

Mas, ao mesmo tempo, o cristianismo é portador de poder e oferece à humanidade uma mensagem de vida, de conhecimento e de verdade, tanto para a pessoa como particularidade, como para a sociedade como um todo. Exatamente por isso, apresenta-se como capenga toda forma de cristianismo que se fecha na pura interioridade.

Também não se pode dizer que o cristianismo é um movimento que mecanicamente parte da interioridade em direção à exterioridade, apropriando-se de formas culturais ou simplesmente passando ao largo delas. Na verdade, dá forma às expressões culturais e, concomitantemente, toma novas formas a partir delas.

A ética do amor, translúcida no texto de Lucas 10.30-37, leva o cristianismo a ter uma postura crítica diante da ordem social que se apóia na opressão e na exclusão social.

A ética do amor cristão faz a crítica da ordem social que está erigida sobre o egoísmo político e econômico, e proclama a necessidade de uma nova postura, na qual o sentido de comunidade seja o fundamento da organização social.

Essa ética denuncia o egoísmo pessoal e social, assim como as estruturas que mantêm e favorecem esse egoísmo, e que, em última instância, levam à exclusão de grandes parcelas de pessoas em nosso estado e em nosso País. A ética do amor, ao contrário, propõe uma parceria solidária onde a alegria não seja fruto do lucro, mas do próprio trabalho.

Da mesma maneira, a ética do amor cristão condena o egoísmo de grupo, quando fechamos nossa igreja entre quatro paredes, para não ver, sentir e sofrer com a miséria e a exclusão de homens e mulheres, que para nós são apenas paisagens dos cenários urbano e rural.

A ética do amor cristão condena o egoísmo que justifica a violência e o abandono. E, ao contrário, prega a submissão à idéia do direito à cidadania, à vida e à construção de uma consciência comunitária.

Não somos os primeiros cristãos a viver os tempos difíceis. A igreja no correr de sua história viveu tempos terríveis. Mas agora, no terceiro milênio da história cristã, somos mais uma vez desafiados. E tendemos a oscilar entre dois perigos: a  desesperança, ou seja, viver como se Cristo nunca fosse voltar, ou esperar o clímax iminente da história humana. Em ambos os casos, caímos numa cilada, que é virar às costas para a realidade social.

É impressionante notar, que o Brasil ocupa um lugar de destaque em população cristã evangélica em todo o mundo. O que pode ter um significado estratégico para a causa da justiça social. Mas para que isso aconteça é necessário uma compreensão da ética cristã em relação próximo.

Omissão e indiferença, esses dois inimigos ameaçam o evangelho de Cristo. O primeiro deixa o amor ao próximo para depois, e o segundo está tão ausente que nem o próximo consegue enxergar. Por isso, precisamos desenvolver uma teologia que mostre às nossas igrejas que não existe cristianismo pleno sem compromisso social.

O amor cristão parte da compreensão de Deus. Ele é o Deus da justiça, é o Deus da misericórdia. Os cristãos em comunidade formam a igreja e ela é o corpo de Cristo na terra. É através da comunidade cristã que se dá o exercício terreno da graça de Deus.

Definida a necessidade de uma teologia e ética do amor, somos levados a estudar a viabilidade da prática dessa atividade cristã.

É importante ficar claro que nossa responsabilidade social deve levar em conta dois princípios: a justiça e a paz. Está claro que toda decisão a favor da justiça exige não somente uma decisiva postura cristã, mas coragem para renunciarmos ao status quo.

Posicionar-se no Brasil de hoje, a partir de uma ética do amor, implica em entender uma contradição essencial, que muito possivelmente só poderá ser resolvida no longo prazo: vivemos num país onde imperam a herança do autoritarismo colonial escravista (a ética da casa grande & senzala) e uma moral da sensualidade absoluta (a moral do “não existe pecado do lado de baixo do Equador / vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor”).

Do lado oposto, como batistas, entendemos que o uso ególatra de bens e posses, a corrupção, a discriminação social e a depravação só produzem miséria e sofrimentos. Não dizemos que a pessoa brasileira está impossibilitada de criar e produzir coisas boas e belas, mas que esta ação é efêmera. Assim, temos um ser ambíguo (como o resto da humanidade), que produz uma cultura também ambígua, por vezes plena de beleza e criatividade, mas também maligna e destruidora.

Nossa atuação no campo social implica em entendermos a realidade cultural e optarmos por trilhar a via dolorosa das opções, das renúncias e do encontro com nosso próximo.

Só assim, a construção de uma ética do amor produzirá frutos eternos, que florescerão através dos anos para a honra e a glória do nosso Senhor. Por isso, não falamos de um momento, mas de um processo, que crescerá conforme cresça também a consciência ética dos batistas, de que fomos chamados pelo Cristo para desenvolver uma tarefa histórica, juntos com os setores éticos da sociedade, que é o de transformar o Brasil num país onde todos tenham acesso a cidadania, à justiça e às condições dignas de vida.

6.

O encontro com o excluído é
encontro com a pessoa e sua espiritualidade.

A cultura brasileira, fruto direto da escravidão, tem um caráter mágico, fortemente empapado no maravilhoso. Isto se dá porque o dia-a-dia da pessoa brasileira está ligado à busca da transcendência. Nesse sentido, o elemento que vai além e ultrapassa o concreto do dia-a-dia do brasileiro é o transcendente.

Essa presença do maravilhoso caldeia toda a malha relacional, indo do brasileiro simples e pobre ao sofisticado e rico. No entanto, é preciso entender que o maravilhoso relacional da cultura brasileira não nasceu de um processo pacífico, mas violento, do choque entre o universo transcendental de brancos e a matriz sacralizadora da natureza, de índios e negros. A contra-reforma católica produziu genocídio indígena e escravidão negra, macerando o universo religioso de povos e nacionalidades. Mas nós batistas não ficamos longe disso, já que assimilamos e aceitamos como paisagem cultural a exclusão resultante da escravidão.

A recuperação da história dos povos indígenas e do povo negro realizada enquanto tradição e cultura ligam-se à necessidade de conscientização da identidade brasileira. Aquele que esquece nega o esquecido, reprimindo ou suprimindo. A identidade está imbricada à memória. Evocar a memória é convocar e provocar, é transformar.

Dessa maneira, conhecendo e reconhecendo o negativo da cultura relacional brasileira, que se traduz na tentativa de esconder as injustiças sociais, podemos resgatar o que ela construiu de positivo. Afirmar a cultura à qual pertencemos é o primeiro passo para construir uma teologia batista que responda às necessidades da pessoa brasileira, compreender a identidade desse povo e a sua busca de felicidade e transcendência.

Fruto dessa cultura relacional e da presença evangélica estamos presenciando em nosso País a descoberta da realidade da vida espiritual e da dimensão religiosa.

Diante disso, sugerimos a formulação de uma prática batista que deve partir de duas tarefas: uma de negação e outra de afirmação.

A negação consiste em realizar a crítica da tendência à privatização da igreja. O Iluminismo rompeu a unidade entre existência religiosa e existência social. Por isso, a igreja acabou por refugiar-se na esfera do privado. Privatizou a mensagem da salvação e reduziu o exercício da fé à pessoa separada da vida social e do mundo em que vive. Para a consciência batista, determinada por essa teologia, as realidades social e política têm apenas uma existência efêmera. As categorias que essa teologia utiliza para explicar a mensagem cristã são as categorias do íntimo, do privado, do não social, do não político.

A afirmação consiste em desenvolver as implicações sociais da mensagem cristã. Não se trata de dar as costas ao problema levantado pelo Iluminismo, mas em responder teologicamente aos desafios, assumindo a tarefa de desenvolver uma nova relação entre teoria e prática. A Igreja pode e deve fazê-lo, pois as promessas escatológicas da tradição bíblica, de liberdade, de paz, de justiça e de reconciliação, não constituem um horizonte vazio na expectativa cristã, mas têm uma dimensão política, que é preciso fazer valer na sua função crítica do processo histórico-social.

Assim, na elaboração de uma prática batista, à igreja cabe a tarefa de proclamar o evangelho da salvação, exercendo função crítica diante da sociedade. A igreja pode e deve assumir essa tarefa. Esta tarefa deve ser exercida na defesa da pessoa e de sua pessoalidade -- que não podem ser vistas como paisagens de um cenário -- e na mobilização do poder crítico do amor que está no centro da tradição cristã.

A função crítica dos batistas frente à miséria e exclusão produzirá repercussões na própria igreja: promoverá uma nova consciência no interior da igreja e criará uma transformação das relações da igreja com a sociedade.

Mas, se deve haver uma ação para fora, deve também haver uma ação para dentro. Isto porque, herdamos em nossas relações sociais, religiosas e denominacionais o padrão autoritário. Tal padrão nos leva a transformar, conscientes ou não, a democracia em discurso ideológico, sem tradução prática com o conjunto da denominação, que não tem como eleger democraticamente, por voto direto e universal, os executivos de nossas empresas, definir mandatos, propor programas e apresentar candidaturas, chapas e programas para essas empresas e suas gestões. Reproduzimos assim o padrão autoritário, impossibilitando que jovens participem dele, que a criatividade e gente melhor capacitada participem do processo democrático da gestão e governo da denominação e suas empresas.

Por isso, podemos dizer que a ética do amor, democracia e transparência não são excludentes. Ao contrário, se complementam e precisam ser vividas também nas empresas da denominação, se desejamos fazer a diferença, fazer com que o significado histórico do projeto batista marque presença no futuro da nação.

Afinal, quando nos deparamos com circunstâncias adversas, é fundamental que a escolha de opções e nossas renúncias nos levem à pessoa. É claro que os fatores externos precisam ser levados em conta, a mudança dos paradigmas pessoais é prioritária, mas se permanecermos neles como únicas bases para nossa escolha, o futuro será implacável. A criatura humana, imagem de Deus, ser consciente de si mesmo, senhor dos seus atos e, por isso, responsável por eles, é o momento especial do quadrívio. Mas, esta pessoa é também unidade social que se expressa no agrupamento humano, denominacional ou não. No caminhar, o caminhante faz o caminho. E esta é uma questão radical.

É isso que Jesus nos ensina na parábola do Bom Samaritano. E é isso que ele enfatiza ao dizer:
-- Vá e faça a mesma coisa.

São Paulo, 23 de julho de 2002.
Jorge Pinheiro.






mercredi 31 mai 2017

O princípio protestante

Em Christianisme et Socialisme (1919-1931), Écrits socialistes allemands, o teólogo alemão Paul Tillich fornece roteiro e bases teóricas para uma leitura teológica do socialismo.  E uma dessas bases teóricas é o conceito de princípio protestante, que explica desde um ponto de vista teológico fenômenos de transformação social, mesmo quando estes acontecem à margem das estruturas religiosas existentes.

Para Paul Tillich, “o protestantismo existe onde quer que se proclame o poder do novo ser, e onde prega a situação-limite, o seu ‘sim’ e o seu ‘não’. É aí que se encontra o protestantismo e em nenhum outro lugar. É possível que o protestantismo sobreviva nas religiões organizadas, mas não depende delas. Talvez, a maioria das pessoas experimente, hoje em dia, a situação-limite mais fora do que dentro das igrejas. O princípio religioso pode ser proclamado por movimentos pertencentes tanto ao domínio religioso como ao secular, mas sem qualquer filiação eclesiástica ou institucional, bem como por grupos ou indivíduos que, por meio de símbolos cristãos ou protestantes, ou sem eles, expressam a verdadeira situação humana em face do absoluto e do incondicional. Se nessas situações proclama-se e vive-se melhor e com mais autoridade o princípio protestante do que nas igrejas oficiais, então é aí e não nas igrejas que o protestantismo se torna vivo no mundo atual”.

Tomando-se por base tal conceito e outros que serão expostos no correr desta dissertação, fartamente documentados em Christianisme et Socialisme (1919-1931), Écrits socialistes allemands, temos instrumental metodológico em que nos basear para desenvolver o trabalho proposto. E mais do que isso, levando em conta a riqueza do momento histórico vivido por nosso país no final dos anos 70, tanto em relação à consolidação da democracia, quanto em relação às perspectivas de construção de futuro, aquele foi um momento especial, kairótico, de tempo bom, especial e favorável para a construção de proposta e alternativas sociais.

Tillich, ao analisar o princípio protestante enquantco clamor profético, leva em conta aspectos históricos, assim como os grandes movimentos ideológicos do século. Tal metodologia é relevante para a compreensão do contexto no qual surge e se estrutura o princípio protestante.

A chamada para um posicionamento transcendente, capaz de julgar e transformar, considerando a direção vertical, transcendente, o “apesar de”, e a direção horizontal, da práxis, do “porque”, assim como a resistência ao impacto da catástrofe histórica deveria sempre levar a Igreja à necessidade de elaborar uma mensagem para o mundo simples. Mensagem que não seja ilusória, mas realista, não seja pessimista, mas consciente, não seja desesperada, nem utópica, mas de esperança.

Nesse contexto, Tillich define o homem moderno como autônomo, mas profundamente inseguro no interior da própria autonomia. Isto leva a ecclesia não protestante, no caso a Igreja Católica pré-Vaticano II à tentativa de emancipá-lo desta autonomia, através da submissão à antiga substância de vida: à hierarquia e à tradição. Mas não podemos esquecer que na autonomia já foi “experimentado algo”, e esta é uma experiência viva que une aquele que protesta àqueles com autonomia secular.

O conceito tillichiano de situação-limite, que se traduz enquanto ameaça final à existência, é o diferencial do protestantismo. Essa expressão nasce em torno da justificação pela fé. A vida em liberdade significa a aceitação da exigência incondicional de realizar a verdade e fazer o bem. Assim, Tillich vê a diferença entre qualquer cristianismo que profetize a favor da hierarquia e da tradição e o princípio protestante no reconhecimento da existência da situação-limite, que deve traduzir-se em julgamento e transformação. A justificação pela fé é, então, melhor entendida a partir da situação-limite.

Em sua abordagem sobre o poder formativo do protestantismo, Tillich apresenta quatro princípios determinantes das formas protestantes: o religioso deve se relacionar com o secular; o elemento eterno deve ser expresso em relação a presente situação; a realidade da graça deve ser expressa com ousadia e risco; e, enfim, o poder formativo do protestantismo deve expressar o radicalismo da fé.

Nos anos 70, setores do socialismo democrático e pluralista levantaram o discurso e a práxis do princípio protestante colocando-se na situação-limite, correndo os riscos advindos de tal postura.

Levantando-se a favor da melhoria do nível de vida dos excluídos, fazendo o julgamento da ditadura e da opressão, propondo a democratização do país e a formação de um partido para os trabalhadores, o movimento de Convergência Socialista, conforme exposto no jornal Versus, proclamou a liberdade e o bem, julgou o arbítrio e propôs a transformação da realidade.

O cristianismo é em sua essência uma experiência transcendente ao nível da materialidade humana, uma experiência que acontece em todos os tempos e em todas as situações e é em si mesma independente de formas sociais e econômicas. Nesse sentido, o cristianismo não pode ser identificado com um tipo determinado de organização social, em detrimento de seu caráter transcendente e universal.

Mas, ao mesmo tempo, o cristianismo é portador de poder e oferece à humanidade mensagem de vida, de conhecimento e de verdade, tanto para a pessoa como particularidade, como para a sociedade como um todo.  Exatamente por isso, apresenta-se como capenga toda forma de cristianismo que se fecha na pura interioridade.

Também não se pode dizer que o cristianismo é um movimento que mecanicamente parte da interioridade em direção à exterioridade, apropriando-se de formas culturais ou simplesmente passando ao largo delas. Na verdade, ele dá forma às expressões culturais e, concomitantemente, toma novas formas a partir delas. Dessa maneira, o cristianismo está ligado à interpenetração de formas de consciência filosófica, à experiência estética e ao ideal ético de pessoalidade e, logicamente, aos grandes modelos sociais e econômicos.

É verdade, que o cristianismo tem mais afinidade com determinadas formas de organização social. A ética do amor, por exemplo, leva o cristianismo a ter uma postura crítica diante da ordem social que se apóia na opressão e na exclusão social. Nesse sentido, nos anos 70, o cristianismo foi desafiado a fazer a crítica do capitalismo selvagem e do militarismo que grassou na América Latina.

O espírito do amor denuncia a ordem social que, conscientemente, está erigida sobre o egoísmo político e econômico, e proclama a necessidade de uma nova ordem na qual o sentido de comunidade seja o fundamento da organização social.

A ética do amor cristão denuncia o egoísmo da economia das grandes empresas privadas e dos governos que a elas servem, que levam à expropriação de muitos em benefícios de poucos, e propõe uma economia solidária onde a alegria não seja fruto do ganho, mas do próprio trabalho.

Denuncia também o egoísmo do princípio de classe, onde cada qual procura se enriquecer através da exploração de seu próximo e as conseqüências desse processo, como o privilégio da educação para uma elite. Mas a ética do amor nega também a afirmação do princípio da luta de classes e propõe a supressão das classes, o fim dos privilégios na educação e a supressão da exploração de determinados setores profissionais por outros.

A ética do amor cristão denuncia também o egoísmo do princípio internacional da força e do comércio, que justifica o uso da violência e da guerra sobre continentes, nações e povos, e prega a submissão dos povos, ricos e pobres, à idéia do direito, e à construção de uma consciência comunitária, soldada sobre a paz, que leve a um internacionalismo real entre os povos e nacionalidades.

Muitos dirão que eliminar o egoísmo como forma de estímulo econômico diminuirá o desenvolvimento, ao reduzir a produção. No entanto, ao partir do amor cristão, vemos que o homem não foi criado para a produção, mas a produção para suprir necessidades humanas e que por isso o objetivo da ética da economia não é a fabricação da maior quantidade possível de bens para uma classe em particular, e sim a produção para o maior número de pessoas de bens necessários à vida.

É preciso entender que na história uma ruptura espiritual vem sempre associada a uma ruptura econômica, da mesma maneira que um processo de unidade espiritual vem associado a um processo de unidade econômica. A alma da unidade espiritual é a religião. Assim, o fracionamento espiritual característico de determinadas épocas traduz fracionamento econômico, distanciamento e choque entre classes. E naquelas épocas em que temos um processo cultural de unidade temos também uma nova base de unidade e solidariedade social e econômica.

Nesse sentido, há um processo de desenvolvimento que se realiza de forma desigual na história, mas que combina mudanças espirituais e transformações econômicas e sociais. Diante de tais circunstâncias o cristianismo está eticamente obrigado a fazer uma escolha: ou participa do processo, inspirando e atuando a favor desse desenvolvimento ou se retrai e entra em processo de caducidade, ao afastar-se da vida real das comunidades nas quais está inserido.

Seja qual for a opinião ética sobre a relação entre cristianismo, capitalismo e socialismo, um fato deve ser ressaltado: é possível e necessário para o cristianismo manter um relacionamento com todas as formações econômicas e sociais, em especial com o socialismo, já que a rejeição do princípio socialista em nome do cristianismo contradiz a universalidade do cristianismo.

E se o cristianismo não somente pode, mas deve manter um relacionamento com o socialismo, devemos nos perguntar se o contrário da premissa é verdadeiro: pode e deve o socialismo ter um relacionamento construtivo com o cristianismo?

Para muitos, a concepção materialista da história nega a possibilidade dessa aproximação. Mas se entendemos que em Marx esta concepção de fato não é materialista, mas econômica, vemos que ela mostra somente uma relação de causalidade entre fundamento econômico e organização espiritual da cultura. E, ao contrário, tal fundamento dá a todas as ciências do espírito uma possibilidade metodológica extremamente fecunda, que não tem nada a ver com ateísmo ou materialismo.

Quanto às organizações socialistas, como é o caso da Convergência Socialista, é necessário ver a atitude que têm em relação ao cristianismo e uma outra em relação às estruturas hierárquicas da Igreja. A história da Igreja tanto no passado, como no presente, é passível de muitas críticas. Suas opções e alianças fizeram como que se afastasse e dificultasse seu relacionamento com parte da população excluída de bens e possibilidades.

Tal situação facilita e potencializa a pregação do ateísmo e do materialismo. Mas, ao contrário do que pode parecer, não podemos dizer que o ateísmo materialista seja um fenômeno constitutivo do socialismo. Ao contrário, é uma herança da cultura burguesa, crítica e cética. Essa herança foi adotada pelo socialismo sob a crença de que ajudaria a extirpar a idéia de opressão e abriria o caminho para a construção de um novo mundo, mais justo e digno.

Assim, a crítica das organizações socialistas está sobretudo dirigida às igrejas confessionais, à religião que se tornou negócio. Mas, como o próprio socialismo busca uma inspiração ética e uma espiritualidade que tenha como ponto de partida as potencialidades da  universalidade humana, tende a equilibrar-se entre o princípio da tolerância religiosa e o princípio da separação entre a religião e o Estado. Esta é uma realidade vivida no Brasil, de forma crescente, nos últimos quarenta anos.

O protesto socialista se dá em relação às igrejas que estão intimamente ligadas à ordem social e econômica burguesa e capitalista. E que na maioria dos casos se posicionam como adversárias do socialismo, ao não compreenderem a existência de laços comuns entre o ideal socialista e a ética do amor.

Embora, haja razões históricas e atuais para a crítica à Igreja, o socialismo erra quando nega a existência da base solidária e comunitária do ideal cristão, tal como pode ser claramente percebida na pregação do Jesus apresentado nos Evangelhos. Quer dizer, ainda há em amplos setores do socialismo uma hostilidade de princípio contra o cristianismo. Hostilidade esta que fere a ética socialista, tão próxima daquela proposta pelas comunidades cristãs dos primeiros séculos.

E quanto à revolução, é preciso dizer que não existe uma relação natural entre ideal socialista e tática revolucionária. Nem sempre se pode dizer que as táticas propostas pelos socialistas ferem o cristianismo. A Igreja protestante na Europa colocou-se diversas vezes a favor da revolução, quando a opressão de governos instituídos se tornou insuportável, fazendo deles autoridades ilegítimas.

Assim, se as idéias socialistas não traduzem nenhuma oposição essencial, de princípio, com o cristianismo e com a Igreja que vive o princípio protestante, os cristãos podem sem nenhum temor ter uma atitude positiva em relação ao socialismo.

Atitude positiva deve ser entendida como a realização do princípio do amor cristão, que entende a necessidade de eliminar as condições que geram miséria e exclusão. Tal atitude traduz a urgência de combater os fundamentos do egoísmo econômico e de ações para a construção de uma outra ordem social, que sem deixar de ser globalizada, inclua periféricos e excluídos. Isto porque o socialismo não é só tarefa e necessidade de operários e trabalhadores fabris, mas um ideal ético que traduz anseios e esperanças dos mais variados setores da sociedade.









   

samedi 27 mai 2017

A moça na vitrine


A moça na vitrina

Texto de Jorge Pinheiro e fotos de Naira Di Giuseppe, de Amsterdam, Holanda -- O Red Light District, área livre de Amsterdam para o consumo de drogas e sexualidades várias, fica entre Warmoesstraat, Oudezijds Voorburgwal e Oudezijds Achterburwal e suas ruas perpendiculares. É aqui que, por trás de cada vitrina de néon vermelho, moças se colocam, corpos à mostra, a espera de clientes. 

O Red Light District é, na verdade, um parque temático sexual, onde são desovados diariamente milhares de turistas e adolescentes que chegam em ônibus pulmann. Note-se que é proibido tirar fotos das moças que estão nas vitrinas. É um bairro que faz o tipo boêmio, embora aqui tudo seja milimetricamente planejado. Está cheio de bares, sexshops e tabacarias onde você pode comprar sementes de maconha das mais diferentes qualidades. A atmosfera é surrealista. 

As moças nas vitrinas me lembraram a boneca Barbie, que já passou dos 50, mas continua a ser a plastificação da sexualidade de consumo. Aquelas moças estão barbificadas sob as luzes de néon, numa espécie de jogo virtual, onde personalidades e imagens sexuais são criadas para transmitir uma idéia de liberdade que não existe no mundo real. Falo de jogo virtual porque as vitrinas transmitem a sensação de interação on-line, de plataforma virtual, presente no imaginário da garotada que se pluga ali. A moça não existe, mas sim a personagem, ou avatar, que recebe a missão de seduzir. A noção de jogo é sutil, mas está presente e é desafiante.

As moças estão de roupas íntimas, ou nuas, com um olhar maroto para os passantes. Caso haja interesse, negociarão serviços e preços. O serviço padrão é 15 minutos de sexo oral e coito por 50 euros. O que acontece nas vitrines não é domínio do real, mas o virtual usado como plataforma de jogos da imaginação. O comportamento sexual acaba sendo irrelevante ou responsável por emoções de vida real. Num jogo desse tipo, a função do olhar e os possíveis mergulhos no imaginário é o que conta. Por isso, vemos grupos de jovens, tirando sarro, desafiando uns aos outros, como se estivessem num parque de diversões. Não basta olhar, é necessário ser olhado e as moças sabem disso, e provocam com piscadelas ou um sorriso mais provocante e dirigido. E a garotada vem abaixo, como se tivesse realizado uma conquista de verdade. Sexo com a moça da vitrina é de simples execução. Afinal, com a personagem não se dialoga, se pergunta quanto custa. Por isso, apesar da expressão grotesca, é um fast food para jovens em bando. 

Após um século de lutas femininas por direitos e sentido de vida, é difícil, mesmo sob o argumento econômico de que elas fazem assim porque querem, olhar sem constrangimento mulheres enjauladas. 

Aqueles que defendem a permanência da prostituição de vitrina em Amsterdam dizem que tem vantagens, porque as moças são seus próprios patrões, não têm que pagar percentagem dos rendimentos para o proprietário de um bordel -- a não ser o aluguel razoavelmente alto do quarto – e pode escolher seu próprio horário de trabalho. Além do que, dizem, como há um fluxo interminável de clientes, podem faturar algumas centenas de euros por dia de trabalho. E porque trabalhar aqui pode ser mais seguro, pois com um gesto de mão podem acionar um botão para chamar o proprietário ou a polícia. 

Mas a verdade é que tal exposição humilha. Elas estão expostas lá na vitrina para que todos possam ver e, por isso, a maioria delas não vive em Amsterdam. Não querem ser reconhecidas por amigos, parentes e vizinhos. Outro fato importante é que a maioria delas não é natural dos Países Baixos, mas moças que vieram da Europa Oriental ou da América do Sul. 

O Red Light District é o mais antigo bairro de Amesterdam. Tem fachadas do século XIV, canais e becos encantadores. Aqui está a mais antiga igreja da cidade, a igreja de São Nicolau, construída entre 1366 e 1566. E como o bairro era point da marujada, aqui na igreja você encontra as tumbas de almirantes, pinturas e esculturas de barcos. A torre octogonal é de estilo gótico-renascentista, era uma referência para os barcos que atracavam no porto.



vendredi 19 mai 2017

Teologia Socialista



Os caminhos humanos no pensamento de Tillich e Dussel

PARA ABRIR A DISCUSSÃO 

Théodore Monod[1] disse que não somos meio termo, mas complemento. Não somos cinza, mas cores do espectro. Na verdade, os escritos judaicos da Era Comum nos dizem que a eternidade construiu o ser humano e, em seguida, retirou-se para que este humano pudesse construir sua liberdade e o seu lugar. Dessa forma, para este pensamento religioso o ser humano é potencialmente autônomo dentro dos limites da existência, constrói livre-arbítrio e, portanto, responsabilidade. 

Os escritos judaicos, entregues no caminhar da diáspora, entendem que a eternidade aposta na construção permanente do ser humano. A construção do humano, vista dessa forma, não está completa, pois é o próprio ser humano, enquanto pessoa e comuna, quem continua a sua construção. Por isso, a construção da transcendência é a chave para o humano futuro. É o que leva à revolução permanente. Textos da sabedoria judaica, quando falam do acesso ao mundo da transcendência, perguntam: "Você se tornou o que você é?" 


[1] Théodore Monod, Le Chercheur d’absolu, Le Cherche midi, 1997. Foi naturalista, explorador, erudito e humanista francês. Nasceu em 1902 e morreu em 2000.

lundi 15 mai 2017

Les limites de l'égalité et de la liberté: amour et l'unité

La grâce et la paix de Jésus Christ soient dans tous les cœurs. C'est une joie d'être avec nos frères et sœurs dans ce moment de fraternité chrétienne et de culte à notre Créateur, le Dieu éternel. Et je vous transmets les salutations chaleureuses de l'Église baptiste de Perdizes, de l'Ordre des Pasteurs baptistes du Brésil et de la Convention baptiste du Brésil à tous les présents, mais, en particulier, à l'Église baptiste de Montpellier.

Notre sermon reçu un titre :

Les limites de l'égalité et de la liberté: amour et l'unité
Pr. Jorge Pinheiro, PhD

Lorsque nous analysons les conflits vécus par les premières communautés chrétiennes de la Galatie, générées par les inégalités raciales et religieuses (juive / grec), sociale (esclave / gratuit) et le sexe (masculin / féminin), nous voyons que l'apôtre Paul propose une transformation radicale de la situation : l'unité de l'Église dans le Christ prenne les communautés chrétiennes à vivre dans l'égalité et la liberté. En fait, l'apôtre propose, en fin de compte, que les divisions entre les frères et sœurs, à venir la race, le statut social ou le sexe, n'existent pas dans les communautés chrétiennes. 

"Pour la foi en Jésus Christ, vous êtes tous des enfants de Dieu. Étant donné que vous avez été baptisés pour devenir unie avec le Christ et ainsi revêtu avec les qualités du Christ lui-même. Ainsi il n'y a aucune différence entre les Juifs et les Gentils, entre esclaves et hommes libres, entre les hommes et les femmes: vous êtes tous un, car ils sont en Jésus-Christ ". (Galates 3,26 à 28. Nouvelle traduction du New International Version, CFF).

Ces versets de l'apôtre Paul sont la clé pour comprendre la lettre aux Galates. Il est d'elle que Paul parle de la possibilité de surmonter l'inégalité raciale et religieuse, sociale et le sexe dans l'église. Et l'argument de la fondation de l'apôtre est l'unité dans le Christ qui permet à l'égalité et la liberté et qui conduit au corps de l'unité Christ.

Ainsi, Galates 3,26 à 28, coeur de la lettre aux Galates, est une proposition d'ouverture des frontières, le renversement de murs, de surmonter les conflits et les antagonismes qui divisent l'église.

Trois questions difficiles

Sans aucun doute, Paul présente les questions difficiles pour nous baptistes. Nous pouvons dire que les disparités économiques et sociales, ethniques et de genre sont présentes dans les églises, même si nous ne voulons pas ou sommes d'accord avec ces positions. Parfois, il est de la discrimination aux Afro-Brésiliens ou indiens brésiliens, il est parfois la discrimination aux frères migré des régions les plus pauvres, il est parfois la discrimination envers les pauvres ou même la répartition de nos sœurs, simplement parce qu'ils appartiennent au sexe féminin. Donc ce texte Paul a tellement pertinente que lors de l'Apôtre écrit. 

Parlez à la classe sur les inégalités raciales, dans le domaine social et le sexe de votre ville. Et, d'ailleurs, si elle existe également dans son église. S'il invite la classe de prier pour l'amour dans le Christ surmonte toutes les différences et les préjugés et de conserver l'unité de l'église.

Rappelez-vous de son peuple: 

"Saül est allé à Jérusalem et a essayé de rejoindre les disciples de Jésus. Mais tous avaient peur de lui parce qu'ils croyaient qu'il était aussi un disciple de Jésus ". Actes 9:26.

Le Nouveau Testament montre que les églises sont un plan de Dieu pour tous les êtres humains qui acceptent Jésus comme Seigneur et Sauveur. Cela signifie que même ceux qui sont différents, nous seront également appelés.

Le défi de l'égalité et de la liberté 

Nous sommes interpellés par ces deux questions, l'égalité et la liberté. Comme nous l'avons vu à l'époque de Paul, les contradictions dans les communautés du Nord Galatie ont été générées par les disparités raciales, sociales et de genre, mais l'apôtre Paul croyait qu'ils pouvaient être surmontés par l'amour et l'unité dans le Christ.

Le prêtre Antonio Vieira, un des plus importants prêcheurs en portugais, a dit dans le Sermon du Mandat (1643), que « l'amour ne sont pas des lieux syndicaux, mais de volontés ; endroits syndicaux l'extérieur, il avait été en mesure d'annuler la distance, mais comme union des volontés, il ne peut pas refroidir l'absence ". Il a expliqué que le plus grand de l'absence que nous avons est celle du Christ, qui est retourné vers le Père, mais qui est avec nous chaque jour par l'Esprit. Par conséquent, les distances ne peuvent pas nous séparer, si ce genre est, les distances géographiques, les différences raciales, le montant d'argent que nous avons dans la poche ou dans le compte en banque, le fait d'être homme ou femme, peut sembler séparations excessives, peut sembler distincte les corps et les vies, mais ne peut pas et ne doit pas diviser les cœurs. Ils peuvent parfois brouiller les yeux, mais ne peuvent pas refroidir l'amour.

Au 17e siècle, lorsque les premières églises baptistes en Angleterre, le pasteur John Smyth et William Dell, fondateur du Baptiste pensaient que pays, ont fait la différence en augmentant les drapeaux d'égalité et de liberté.

John Smyth et William Dell a défendu la liberté absolue de conscience et utilisés chaque occasion pour montrer qu'il n'y a pas le plan de Dieu que les gens avaient réduit leur liberté de conscience. Dell a constaté que l'usage de la contrainte par les Anglais contre les puritains de pouvoir monarchique, séparatistes et les baptistes étaient un acte nuisible qui ne vient pas du Christ parce que nous sommes tous égaux et donc sauvé par grâce. Mais aussi parce que nous sommes en Christ, libre devant Dieu. Libre d'adorer et de l'égalité parce que la vie de foi ne peut être au-dessus de nous, mais le Christ, le Fils du Dieu vivant.

Donc, ces deux hommes ont compris le message du Nouveau Testament, inspiré par Dieu. Et il est dans nos cœurs la proposition de Paul, qui a présenté le commandement de surmonter les barrières de race, de statut social, le sexe et a montré les Eglises de la Galatie et nous baptistes les fondations de l'amour et de l'unité, qui définissent les limites de l'égalité et la liberté.

Rappelez-vous de son peuple:

"Sur le chemin, il vit un eunuque éthiopien, qui revenait à son pays. Cet homme était un haut fonctionnaire, trésorier et administrateur de la reine éthiopienne de la finance ". Actes 8: 27-28.

L'Ethiopien était noir, un autre rapport à Felipe, mais il a demandé: « Comment puis-je, si quelqu'un ne me guide?". Et cet homme de culture, de couleur, pays différent cru quand l'évangile du royaume présenté.

L'eunuque accepté l'Évangile et a été baptisé. Alors, que dirons-nous à Dieu quand les gens différents, ils nous approchent? Certes, avec gratitude parce que nous sommes appelés à la communion et l'obéissance. Ainsi l'apôtre Paul dit qu'il y a « un seul Seigneur, une seule foi et un seul baptême," même si nous sommes différents les uns des autres. (Ephésiens 4.5).

De la réflexion à l'action

La portée du texte apostolique nous emmènons de la réflexion à l'action sur les trois thèmes qui sont imbriqués dans cette ouverture des frontières: l'égalité, la liberté et l'unité dans le Christ.

Donc Paulo nous oblige à repenser les questions ethniques, l'esclavage et le sexe, en extrapolant les murs de l'église et de présenter tous les chrétiens une proposition d'ouverture de la frontière où il aequalitate, parité, l'égalité des droits et des chances. Et libertate, de sorte que chaque personne peut avoir leur agence en règle des droits humains autonomes devant sa conscience et Dieu, comme son image, qui a garanti leur droit à l'existence et la vie.

Si la révélation est une conversation entre Dieu et l'être humain, dans le Christ, il est de ce dialogue que nous avons les bases pour savoir ce que Dieu veut que nous soyons: libres et égaux, unis pour l'amour du Christ. En ce sens, peu importe comment il est pourri l'être humain, peu importe comment abandonnés et victimes de discrimination sociale, mais il reste la liberté de conscience nécessaire pour accepter le dialogue proposé par le Créateur.

Les baptistes croient que la mission du peuple de Dieu est l'évangélisation du monde, pour la réconciliation de l'homme avec Dieu, indépendamment de la situation financière, sociale ou si elle est homme ou femme. Les disciples de Jésus et les églises ont été appelés à proclamer à travers l'exemple de l'amour et de l'unité dans le Christ et par la prédication de l'Évangile de la paix et de faire de nouveaux disciples du Christ dans toutes les nations ainsi. Il appartient aux Églises baptisent eux et leur apprenant à observer ce commandement de Jésus. Évangélisation et les missions se produisent lorsque nous vivons dans l'égalité et la liberté de l'église et de témoins de la foi à travers nos propres vies.

Rappelez-vous de son peuple:

Jésus lui-même qui nous a donné la ligne directrice: « Je suis le cep, vous êtes les sarments. Qui sont unis avec moi et moi avec lui, porte beaucoup de fruit, car sans moi vous ne pouvez rien faire ". Jean 15.5.

Jésus est la vigne, mais les fruits de la justice proviennent de communautés qui lui sont liés. Puissions-nous tous, unis à lui, les fruits produisent reconnus de la justice et la dignité. Ceci est-ce que Jésus attend de nous.

Ceci est le message de Paul aux baptistes brésiliens et françaises, mais aussi et principalement à notre camarade en Christ, Pr. André Sass Farias:

Si nous sommes un en Jésus-Christ - et qui est ce qui devrait être recherché - l'église ne peut pas être divisée entre Juifs et Palestiniens, entre les puissants et misérables, entre les hommes et les femmes.