mardi 16 septembre 2025

O Estado e a Igreja

O Estado e a Igreja


A relação entre o Estado e a Igreja é um tema complexo, com profundas implicações históricas, políticas e sociais. Ao longo do tempo, essa relação variou significativamente, desde a união estreita entre Estado e religião até a completa separação. Eis alguns prós e contras da união e da separação entre o Estado e a Igreja.

Prós da união entre o Estado e a Igreja

1. Unidade social e cultural: Em muitos casos, a união entre Estado e Igreja fortalece a coesão social, já que uma religião oficial pode promover valores e normas comuns, criando um senso de identidade nacional.

2. Estabilidade política: Quando o Estado e a Igreja estão alinhados, há uma maior estabilidade política, pois as instituições religiosas podem legitimar o governo, e o governo pode promover os valores religiosos.

3. Apoio a causas morais: A união permite que a Igreja influencie diretamente as políticas do Estado em questões morais e éticas, como direitos humanos, justiça social, e outras áreas em que os valores religiosos desempenham um papel importante.

4. Serviços sociais e educacionais: Historicamente, a Igreja tem sido uma grande provedora de serviços sociais, incluindo educação e saúde. A união com o Estado pode assegurar o financiamento e a continuidade desses serviços.

Contras da união entre o Estado e a Igreja

1. Discriminação religiosa: Uma religião oficial pode levar à marginalização ou discriminação de minorias religiosas e daqueles que não praticam religião alguma, comprometendo a igualdade e a liberdade religiosa.

2. Interferência na liberdade individual: A influência da Igreja no Estado pode resultar em leis que limitam a liberdade pessoal, impondo normas religiosas à sociedade como um todo, independentemente das crenças individuais.

3. Conflitos de interesse: A mistura entre Estado e Igreja pode gerar conflitos de interesse, onde líderes religiosos podem usar seu poder para influenciar decisões políticas em benefício próprio ou de sua instituição.

4. Estagnação social: A união pode resultar em conservadorismo social, dificultando a aceitação de mudanças sociais, como direitos das mulheres, direitos LGBTQ+ e outras reformas que ampliam direitos de minorias e setores antes marginalizados.

Prós da separação entre Estado e Igreja

1. Liberdade religiosa: A separação garante que todas as religiões, assim como a ausência de religião, sejam tratadas igualmente pelo Estado, promovendo a liberdade religiosa e a diversidade.

2. Neutralidade do Estado: Um Estado laico é neutro em relação às crenças religiosas, o que permite que as decisões políticas sejam tomadas com base em princípios racionais e científicos, sem influência religiosa.

3. Progresso social: A separação permite que a sociedade avance em questões sociais e morais sem a influência conservadora da religião, facilitando a adaptação a novas realidades e valores.

4. Proteção contra fundamentalismo: Sem a influência direta da Igreja, o Estado está mais protegido contra o fundamentalismo religioso, que pode ameaçar as liberdades civis e a democracia.

Contras da separação entre o Estado e a Igreja

1. Perda de valores morais: A ausência de influência religiosa pode levar a uma percepção de perda de valores morais na sociedade, com um possível aumento do materialismo e do individualismo.

2. Enfraquecimento das instituições religiosas: A separação pode enfraquecer a influência e os recursos das instituições religiosas, limitando sua capacidade de fornecer serviços sociais e educacionais.

3. Conflitos ideológicos: A separação pode gerar conflitos entre o Estado e as comunidades religiosas, especialmente em questões onde os valores religiosos divergem das políticas governamentais.

4. Desafio à identidade cultural: Em sociedades onde a religião desempenha um papel central na identidade cultural, a separação pode ser vista como uma ameaça a essa identidade, gerando tensões sociais.

Lutero -- O Estado e a Igreja

Martinho Lutero, uma das figuras centrais da Reforma Protestante, tinha uma visão específica sobre a relação entre o Estado e a Igreja, conhecida como a doutrina dos dois reinos. Essa doutrina foi fundamental para o pensamento luterano e refletia a complexidade da relação entre poder espiritual e temporal.

Doutrina dos Dois Reinos

Lutero acreditava que Deus governa o mundo através de dois reinos distintos, mas interrelacionados:

1. O Reino espiritual (ou Reino de Deus): Este reino é governado pela palavra de Deus e pela Igreja. Ele se refere ao domínio espiritual e à salvação das pessoas. A Igreja, nesse contexto, é responsável pela pregação, pelas sacramentos/ ordenanças e pela orientação moral e espiritual dos cristãos. Neste reino, a fé e a consciência individual são centrais.

2. O Reino temporal (ou Reino do Mundo): Este reino é governado pelo poder secular, ou seja, pelos governantes e pelas leis civis. Ele se refere à manutenção da ordem, da justiça e da paz na sociedade. Neste reino, as autoridades seculares têm a função de proteger os cidadãos, punir os malfeitores e garantir o bem-estar público.

Interação entre os Dois Reinos

Embora Lutero reconhecesse a importância dos dois reinos, ele defendia que eles deveriam permanecer separados em suas esferas de influência:

- Separação de funções: Lutero acreditava que a Igreja não deveria interferir diretamente nos assuntos do Estado, como a política e a administração da justiça. Da mesma forma, o Estado não deveria interferir nas questões espirituais, como a pregação e a administração dos sacramentos.

- Autoridade dos governantes: Lutero também acreditava que os governantes seculares eram instituídos por Deus para manter a ordem e a justiça no mundo. Portanto, os cristãos deviam obedecer às autoridades civis, desde que estas não contradissessem a palavra de Deus.

- Limites da obediência: No entanto, Lutero argumentava que a obediência ao Estado tinha limites. Se um governante tentasse obrigar os cristãos a agir contra sua consciência e fé, eles teriam o direito de desobedecer.

Implicações da Doutrina

A doutrina dos dois reinos teve várias implicações importantes:

- Autonomia do Estado: Lutero defendia a autonomia do Estado em relação à Igreja, o que era uma ruptura significativa com a visão medieval, onde a Igreja tinha grande influência sobre os governantes e as políticas.

- Responsabilidade moral dos governantes: Embora o Estado fosse autônomo, os governantes eram responsáveis diante de Deus e deviam governar de acordo com os princípios de justiça e moralidade.

- Liberdade de consciência: A ideia de que o reino espiritual pertence à consciência individual foi um passo importante para o desenvolvimento posterior das ideias de liberdade religiosa.

O Estado e a Igreja hoje na França

Na França, a relação entre o Estado e a Igreja é profundamente influenciada pelo princípio da laicidade (laïcité), que está no cerne da identidade republicana francesa. A laicidade implica a separação estrita entre religião e governo, assegurando a neutralidade do Estado em relação a todas as crenças religiosas. Esse princípio foi formalizado pela Lei de 1905, que estabeleceu a separação entre as igrejas e o Estado.

Contexto atual

A laicidade na França se traduz em uma série de políticas e práticas que visam garantir que o Estado não favoreça nenhuma religião em particular. Isso inclui a proibição de símbolos religiosos em escolas públicas e a restrição de manifestações religiosas em espaços públicos. A França é, portanto, um Estado laico, onde a religião é considerada um assunto privado.

Desafios e tensões

Apesar do princípio da laicidade, o diálogo entre o Estado e as religiões, incluindo a Igreja Católica, continua a existir, embora de maneira complexa e, às vezes, tensa. Alguns dos principais desafios e tensões incluem:

1. Diversidade religiosa: A França abriga uma população religiosa diversificada, incluindo católicos, muçulmanos, judeus e uma crescente população secular. A laicidade, embora neutra, pode ser vista como desafiadora por comunidades religiosas que desejam expressar suas crenças publicamente.

2. Símbolos religiosos em espaços públicos: A proibição de símbolos religiosos ostensivos, como o véu islâmico, em escolas públicas e, em alguns casos, em outros espaços públicos, gerou debates intensos sobre a liberdade religiosa e a neutralidade do Estado.

3. Integração e coesão social: A integração de comunidades religiosas, especialmente muçulmanas, tem sido um tema central na França. A questão do islamismo e sua expressão pública frequentemente testa os limites da laicidade e gera debates sobre a identidade nacional e a coesão social.

Possibilidades de Diálogo

Apesar dessas tensões, é possível e, em muitos casos, necessário um diálogo construtivo entre o Estado e as religiões na França, incluindo a Igreja Católica. Algumas áreas onde o diálogo pode ocorrer incluem:

1. Diálogo interreligioso: O governo francês promove e participa de diálogos interreligiosos para promover a paz social e a coexistência pacífica entre diferentes comunidades religiosas.

2. Questões éticas e sociais: Em questões éticas e sociais, como bioética, direitos humanos, e justiça social, a Igreja Católica e outras religiões podem oferecer perspectivas que contribuem para o debate público.

3. Colaboração em ações sociais: Apesar da separação formal, o Estado francês colabora com organizações religiosas em áreas de interesse comum, como o combate à pobreza, assistência aos migrantes e outras ações sociais.

4. Educação e cultura: Há também espaço para diálogo em áreas como a educação, onde a história das religiões e a contribuição cultural das religiões à sociedade francesa podem ser reconhecidas e estudadas dentro de um contexto laico.

Considerações

Retornando, Martinho Lutero via o Estado e a Igreja como entidades distintas com papéis complementares. Sua doutrina dos dois reinos refletia a crença de que Deus atua tanto no mundo espiritual quanto no temporal, mas que as esferas de influência da Igreja e do Estado deveriam ser respeitadas e mantidas separadas. Essa visão teve um impacto profundo na relação entre religião e política na Europa, influenciando o desenvolvimento do conceito moderno de separação entre Igreja e Estado. Mas continua válido para o mundo ocidental, onde o cristianismo tem uma presença marcante.

E se o princípio da laicidade na França estabelece uma separação clara entre o Estado e a Igreja, o diálogo é não apenas possível, mas também necessário para enfrentar desafios sociais e culturais contemporâneos. Esse diálogo deve respeitar a neutralidade do Estado e a liberdade religiosa, buscando um equilíbrio entre o respeito às convicções pessoais e a coesão social em uma sociedade pluralista. E, da mesma forma, pode ser um exemplo para nossos sociedades onde o cristianismo é forte e presente.

Mas, como vimos, a relação entre Estado e Igreja depende muito do contexto cultural e histórico de cada país. Em nações onde as igrejas cristãs têm uma forte influência histórica, a separação pode ser vista como um desafio à tradição. Por outro lado, em sociedades pluralistas e diversificadas, a separação é frequentemente vista como essencial para garantir a liberdade e a igualdade. A escolha entre união ou separação deve, portanto, considerar os valores, a história e as aspirações da sociedade em questão. Mas nós propomos a visão histórica de Lutero para nossas sociedades de presença cristã: o princípio da separação entre o Estado e a Igreja, mas mantendo a interdependência entre elas e a liberdade da pessoa no que se refere a fé e ordem.









jeudi 11 septembre 2025

Soumettez-vous les uns aux autres ...

Ephésiens 5.21

Soumettez-vous les uns aux autres à cause du respect que vous avez pour le Christ.

Femmes, soyez soumises à vos maris, comme vous l’êtes au Seigneur. Car le mari est le chef de sa femme, comme le Christ est le chef de l’Église. Le Christ est en effet le Sauveur de l’Église qui est son corps. Les femmes doivent donc se soumettre en tout à leurs maris, tout comme l’Église se soumet au Christ.

Maris, aimez vos femmes tout comme le Christ a aimé l’Église jusqu’à donner sa vie pour elle. Il a voulu ainsi rendre l’Église digne d’être à Dieu, après l’avoir purifiée par l’eau et par la parole ; il a voulu se présenter à lui- même l’Église dans toute sa beauté, pure et sans défaut, sans tache ni ride ni aucune autre imperfection.

Les maris doivent donc aimer leurs femmes comme ils aiment leur propre corps. Celui qui aime sa femme s’aime lui-même. En effet, personne n’a jamais haï son propre corps ; au contraire, on le nourrit et on en prend soin, comme le Christ le fait pour l’Église, son corps, dont nous faisons tous partie.

Comme il est écrit : « C’est pourquoi l’homme quittera son père et sa mère pour s’attacher à sa femme, et les deux deviendront un seul être. » Il y a une grande vérité cachée dans ce passage. Je dis, moi, qu’il se rapporte au Christ et à l’Église.

Mais il s’applique aussi à vous : il faut que chaque mari aime sa femme comme lui-même, et que chaque femme respecte son mari. Ephésiens 5.21-331

Voilà un passage biblique qui commence très mal, de nos jours on n’aime pas parler d’obéissance ni de soumission, c’est quelque chose qui passe mal. Mais je vous propose de garder ce point pour la fin, en voyant d’abord si le reste du passage peut nous éclairer.

L’apôtre Paul fait dans ce passage une comparaison à double sens : il utilise la relation du Christ avec son Église comme image de ce que doit être le relation entre le mari et son épouse, mais il utilise aussi la relation entre les époux pour expliquer ce qu’il en est de la relation entre Christ et son Église.

Ce que je vous propose de faire, c’est de prendre ce passage à rebours, et de commencer par la fin en remontant.

Le mariage, illustration de l’amour de Dieu pour nous

Paul cite un passage de la Genèse, donc de l’Ancien Testament, la Bible que les juifs avaient avant la venue de Jésus-Christ. Ce passage, tout au début de la Bible, met en place ce que nous appelons le mariage, tout au début de l’histoire de l’humanité, avant que les choses ne se gâtent entre Dieu et l’homme. Le mariage est donc une bonne chose, que Dieu donne à toute l’humanité, avant qu’il y ait des chrétiens, avant qu’il y ait des pétabossons. Le mariage civil est la manière dont on établit légalement ce lien dans notre pays, et aujourd’hui nous bénissons ce lien qui est déjà établi. Mais l’appel de Dieu pour le mariage précède toute les formes légales, culturelles et religieuses qu’on peut y donner.

Ce texte dit 3 choses :

L’homme quittera son père et sa mère : contrairement à une culture ambiante de l’époque où on pouvait voir le mariage comme la femme qui quitte sa famille pour venir s’intégrer dans la famille du mari, là il est question de couper ce lien précédent pour démarrer une nouvelle entité, un nouveau noyau familial ;

Il s’attachera à sa femme : créer des liens, et en particulier les liens dont il est question aujourd’hui, liens de solidarité, reconnus par vous tous qui êtes témoins de cette union ;

Et il deviendront un seul être, une seule chair (dans les traductions plus littérale). Il s’agit certainement d’une référence à l’union sexuelle, mais elle en donne aussi le sens : la sexualité dans l’union des corps manifeste une unité plus profonde, celle d’une vie partagée, vécue ensemble.

C’est sur ce 3e point que Paul va bâtir : comme il s’agit de devenir une seule chair, il n’y a plus mon intérêt et ton intérêt, l’intérêt de Monsieur et l’intérêt de Madame, mais par l’union qui les lie le bien de l’un est le bien de l’autre, et vice versa. En prenant la métaphore au pied de la lettre Paul dit : puisque vous êtes une seule chair, chacun prends soin de l’autre comme il prend soin de son propre corps.

Maintenant, Paul, qui dit que cela est vrai pour le mari et la femme, dit que cela s’applique à Jésus-Christ et à son Église. Jésus, c’est Dieu en personne qui vient sur terre, devient un être humain avec une chair comme la nôtre, et qui unit sa destinée à celle de l’humanité. Ou pour être plus précis, à celle de l’Église, c’est à dire à la partie de l’humanité qui accepte d’être uni à lui.

Si Jésus fait cela pour son Église, c’est comme un époux prenant soin de sa femme. Mais cela met aussi la barre pour le comportement des maris : vous êtes appelés à aimer votre femme jusqu’à donner votre vie pour elle. Et tout comme Jésus tient à ce que son Église soit belle et accomplie, ton objectif est de permettre que ta femme se développe et s’épanouisse.

Revenons maintenant à cette histoire de soumission. On peut l’apprécier ou non, mais ce texte donne des rôles différenciés, avec un homme qui doit être le chef et montrer la voie. Mais quelques remarques :

– Ces rôles ne touchent pas à la valeur des personnes, une personne en vaut pas plus parce qu’elle a plus d’autorité (sinon, il faudrait considérer qu’un patron a plus de valeur qu’un employé, ce à quoi nous nous refusons) ;

– C’est un problème pour nous, parce que notre époque met un accent énorme sur l’autonomie, ne dépendre de personne, ne rendre de compte à personne. La société de l’époque, et de la plupart des époques, n’avait pas de problème à avoir une ordre social où chacun avait sa place, et être sous une autorité n’était pas considéré comme dégradant ;

– La Bible continue à parler d’autorité et de soumission, mais réinvesti ces concepts : celui qui a autorité doit servir ceux qui dépendent de lui. Jésus, par exemple, disait "Jésus leur dit : Les rois des nations les dominent et ceux qui ont autorité sur elles se font appeler bienfaiteurs. Il n’en est pas de même pour vous. Mais que le plus grand parmi vous soit comme le plus jeune, et celui qui gouverne comme celui.

– De même, l’épouse est appelée à une attitude de respect et de confiance. Mais il faut noter que tout homme est dans cette même attitude par rapport à Dieu, si cela est dégradant, nous sommes tous dégradés. Et si le mari prends sa place avec responsabilité et amour, je crois au contraire que cela offre une sécurité dont bien des femmes aujourd’hui sont assoiffées. Mais cette sécurité ne peut pas se trou- ver auprès d’hommes qui considèrent qu’ils n’ont ni responsabilité ni engagement envers personne.

Et dans ce cadre, la responsabilité du mari qui cherche le bien et le parfait développement de son épouse va aussi impliquer une attitude d’écoute pour savoir ce dont elle a besoin.

Et quant à l’épouse, eh bien oui, elle est appelée à accepter l’autorité de son mari, pas servilement comme un esclave, mais volontairement comme quelqu’un qui fait un entière confiance à son conjoint.

Comme souvent, la Bible donne un objectif élevé, voir inatteignable, mais c’est une direction dans laquelle aller; vous êtes au début d’une aventure, et il faudra trouver votre propre manière de vivre tout cela, en gardant une large place pour le pardon pour toutes les fois où ça ne se passera pas à l’idéal, et certainement aussi un peu d’espace pour l’humour dans tout cela.

Pour conclure, reprenons les idées principales : Le mariage crée une union et une solidarité entre les époux. En Jésus Christ, Dieu a voulu créer la même solidarité avec l’humanité ; et comme dans un mariage, cela implique la volonté des deux parties. Jésus- Christ montre l’exemple d’un amour et d’une autorité qui sert et qui se donne. Nous sommes appelés à recevoir cet amour dans la confiance et la soumission. Cet exemple est un appel à la responsabilité et à l’amour, reçu dans la confiance et la soumission volontaire.

jeudi 4 septembre 2025

Afrobrasilidade...

Afrobrasilidade e Princípio Protestante: 
Exclusão, Criatividade e Transcendência

Prof. Dr. Jorge Pinheiro dos Santos 


Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.
Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.
“O assinalado”, Cruz e Souza (primeira e segunda estrofes).


Introdução

Ao percorrer os caminhos da afrobrasilidade ao longo dos últimos três séculos encontramos as raízes que explicam a miséria da nação. As bandeiras da emancipação, da democracia e da justiça social continuam urgentes hoje tanto quanto em épocas passadas. Essas bandeiras, sociais e políticas, traduzem a fragilidade do protestantismo evangélico no Brasil, que, no correr das últimas décadas, parece ter crescido muito, mas pouco tem feito em relação aos excluídos. Embora o princípio da liberdade religiosa tenha sido parte integrante da vida e fé dos primeiros batistas ingleses e a luta pela liberdade vista como um direito humano, é importante lembrar que o protestantismo histórico brasileiro, herdeiro das tradições sulistas norte-americanas, se não foi abertamente escravista, foi condescendente e omitiu-se diante da exclusão forçada dos afrobrasileiros. E a história batista no Brasil confirma isso.

“A Denominação Batista também foi atingida pelo divisionismo ocasionado pelas atitudes frente à escravidão. Em 1845, os batistas norte-americanos separaram-se conforme o posicionamento contra a escravidão. Organizou-se a Convenção Batista do sul para abrigar as igrejas que admitiam o trabalho escravo, representando delegações de oito estados do sul escravista. Foi a Convenção Batista do Sul dos EUA que estabeleceu a Denominação Batista em solo brasileiro. (...) A guerra de Secessão, na década de 1860, concretamente demonstrou a divisão vigente na sociedade e no protestantismo norte-americano. "Nos Estados Livres, a ascensão dos evangélicos de mentalidade reformista tinha dado um novo sentido de direção e de propósito moral a uma classe média ascendente tentando se adaptar a uma nova economia de mercado. O Sul com seus degredados trabalhadores cativos e seus brancos pobres e preguiçosos - parecia estar, para a maioria dos nortistas, num processo de violação flagrante da ética trabalhista protestante e do ideal da concorrência aberta". 

Após a derrota do sul dos Estados Unidos, muitos confederados, inclusive ex-combatentes, vieram tentar a sorte no Brasil, especialmente em São Paulo. A relação entre o protestantismo e a vida política, para os agentes da imigração norte-americana para o Brasil era olhada de forma maneira bastante estreita, já que parte deles, pastores protestantes, a exemplo do Rev. B. Dunn, via o país como uma nova Canaã, a terra prometida onde os confederados derrotados poderiam reconstruir suas vidas, seus lares e suas propriedades, incluindo a mão-de-obra escrava. Em seu livro Brazil, The Home for Southieners,  Dunn apresentou o país dessa maneira, o que ajudou os sulistas olharem o Brasil como uma alternativa segura. O médico M. F. Gaston, por exemplo, veterano do Exército Confederado e originário da Carolina do Sul, que escreveu Hunting a Home in Brazil, faz no livro um relato minucioso das vantagens que os sulistas encontrariam aqui. O sudeste brasileiro, com terras quase virgens, era apresentado como possibilidade para bons empreendimentos. Ele disse, após ter visitado as terras da região de Campinas, que “as vantagens para o cultivo do algodão nessa região dão-lhe primazia sobre a parte meridional dos Estados Unidos. O elemento adicional do trabalho escravo está aqui apto a trazer resultados que não podem ser assegurados pelo trabalho assalariado nos Estados Sulistas; e tão logo os negros se tenham familiarizado com o modo adequado de trabalhar o algodão, poderemos antecipar uma produção excedendo a qualquer uma que já tenha sido realizada nos Estados Unidos”. 

A propaganda desses agentes da imigração surtiu efeito: cerca de dois mil e quinhentos sulistas se deslocaram para São Paulo. A esperança de encontrar terras em abundância com mão-de-obra escrava mobilizou famílias inteiras. E assim chegaram as primeiras famílias batistas à colônia de Santa Bárbara D’Oeste. Porém, nem todos os batistas aqui chegados eram favoráveis à escravidão. Na verdade, os batistas tiveram duas atitudes frente à ela: os primeiros colonos eram favoráveis e foram proprietários de escravos. Já os missionários e os batistas brasileiros em geral, após a abolição, em 1888, condenaram o escravismo como incompatível com a fé cristã. Essas diferentes atitudes demonstram as dificuldades que tinham para tratar do assunto. Em Santa Bárbara D’Oeste, primeiro núcleo batista, o trabalho escravo existiu como mão-de-obra usada na agricultura e em tarefas domésticas. Os colonos batistas eram senhores de escravos, a exemplo da senhora Ellis, dona de um sítio e que providenciara hospedagem nos primeiros meses ao casal de missionários W. Bagby, fundador da Primeira Igreja Batista do Brasil. Conforme o diário da senhora Bagby, “depois de dormir uma noite na capital paulista, os missionários tomaram o trem para Santa Bárbara, onde chegaram sob forte aguaceiro. Na estação os aguardavam os enviados da senhora Ellis, com dois cavalos e um escravo, para carregar a bagagem. A estrada até o sítio estava bem lamacenta mas ao chegar, foram carinhosamente recebidos”.

Conforme conta Crabtree, a Junta de Richmond, nos EUA, ao avaliar, em 1859, as possibilidades de envio de missionários para o Brasil, admitiu que havia similaridades entre os dois países e uma vantagem que deixaria os missionários norte-americanos bem aclimatados em terras brasileiras, o fato de, em ambos os países, haver escravidão: “o Brasil era como os Estados Unidos, tem escravos e os missionários enviados pela Convenção Batista do Sul não podiam sentir-se constrangidos a combater a escravatura e assim envolver-se na política do país”. 

E o missiólogo batista Donaldo Price confirma as razões de tal escolha: “Os primeiros batistas que aqui chegaram, chegaram como imigrantes, não como missionários. Chegaram depois da derrota sulista na guerra entre os estados, ou a guerra civil norte americana. E queriam vir para uma nação que ainda tivesse escravatura, assim escolheram o Brasil”. 

Passados quase 120 anos do decreto que reconheceu o direito do povo negro à liberdade, a ideologia do ocultamento ainda domina o pensamento protestante. Assim, Elisabete Aparecida Pinto e Ivan Antonio de Almeida denunciam que na organização do IV Ciclo de Reflexão e Debates do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Etnicidade e Saúde da FALA PRETA!, em 1998, que teve como tema Religiões e a Inclusão/Exclusão de Pobres, Negros, Mulheres no Mundo Globalizado, “esta dificuldade foi percebida pela ausência (...) das Igrejas Pentecostais, Neopentecostais e Batistas. Essas instituições aceitaram o convite, confirmaram presença, porém no dia e hora marcados não se sentiram preparadas para a natureza do debate”. 

 Em razão da ideologia do ocultamento, é necessário entender que as bandeiras emancipatórias são indissociáveis da pregação das boas novas, e precisam ser vividas como tradução do cristianismo que professamos. Assim, ética cristã e democracia não podem ser olhadas como excludentes. Ao contrário, se complementam e precisam ser vivenciadas na Igreja e além-muros, se desejamos fazer com que o significado histórico do projeto protestante evangélico marque nossa presença no futuro da nação.

2. Uma Hipótese de Esperança: O Princípio Protestante

A partir dos clamores éticos da profecia bíblica, lida através da cosmovisão luterana da Reforma protestante, Paul Tillich apresentou uma compreensão da práxis cristã que ele chamou de princípio protestante. Assim, o princípio central do protestantismo seria a doutrina da justificação pela graça apenas, significando que nenhuma pessoa ou comunidade humana pode reivindicar para si a dignidade divina em consequência de conquistas morais, de poder sacramental, de sua santidade ou de sua doutrina. Consequentemente, a autonomia profética precisa sempre criticar, condenar e transformar o status quo ou os sistemas morais, políticos e sociais que se consideram sagrados. Cada protestante tem que decidir por si próprio se determinada conjuntura, doutrina ou sistema social é verdadeiro ou falso, se os profetas existentes em seu meio são verdadeiros ou falsos e se o poder estabelecido é divino ou demoníaco. Para os protestantes a decisão será sempre pessoal.

Tal protestantismo entendido como expressão crítica e autônoma existe onde quer que se proclame o poder do novo ser e onde se denuncie situações-limite que ameacem o sentido da vida. É aí que se encontra o protestantismo e em nenhum outro lugar. É possível que o protestantismo sobreviva nas religiões organizadas, mas não depende delas, talvez por isso a maioria das pessoas experimente o sentido da situação-limite fora das igrejas, já que o princípio protestante pode ser proclamado por movimentos pertencentes tanto ao domínio secular, sem qualquer filiação eclesiástica, assim como por pessoas e grupos que por meio de símbolos protestantes expressam a situação humana em face do incondicional. Se nessas situações proclama-se com mais autoridade o princípio protestante do que nas igrejas, então é aí e não nas igrejas que o protestantismo se torna vivo e atual. Tomando-se por base tal compreensão, entendemos a luta histórica do povo negro e de seus descendentes no Brasil como um clamor permanente contra situações-limites a que estiveram e estão expostos. 

A chamada a um posicionamento transcendente, de resistência ao impacto da herança de exclusão deveria levar a Igreja protestante a elaborar uma mensagem para o mundo afrobrasileiro. Mensagem de esperança. Mas a igreja que não aprendeu a protestar é sempre tentada a emancipar o afrodescendente através da submissão à hierarquia e à tradição, esquecendo-se que ele já experimentou a autonomia e que esta é uma experiência transformadora.

O conceito de situação-limite traduz aquela ameaça a tudo que dá sentido final à existência, e este o diferencial do protestantismo. Esta expressão, como vimos, nasceu em torno da justificação pela graça, através fé, já que a vida em liberdade significa a aceitação da exigência incondicional de se realizar a verdade e se fazer o bem. Assim, o reconhecimento da existência da situação-limite traduz-se em juízo e transformação, realça a diferença entre a religiosidade que faz a defesa da hierarquia e da tradição e o princípio protestante. A justificação pela fé é, então, entendida a partir da situação-limite. Por isso, sem uma relação universal com o mundo ético a noção de autonomia da pessoa não basta para construir uma ética. Ou seja, não se funda uma ética protestante apenas sobre o terreno da pessoalidade. Mas é importante entender que não existe uma interpretação absoluta da essência, fonte da ética, já que essa essência não é uma grandeza estática, mas se realiza de forma dinâmica na existência. Por isso, não se pode subscrever nem a construção de uma ética social absoluta, nem uma construção de tipo racionalista. Toda compreensão real da essência e como conseqüência toda ética real são concretas. Essa essência se situa naquele momento especial, pleno de liberdade e que revoluciona conceitos, ações e destinos. A universalidade desse tempo kairótico comporta riscos concretos, já que não se move num universal abstrato, separado da situação atual, o que é válido tanto para a pessoa, quanto para a consciência ética de um grupo social, no nosso caso da brasilidade em sua relação com a afrodescendência. Exatamente por isso, toda realidade essencial comporta dois aspectos, aquele a traz de volta à origem, “ao fundamento e abismo de todo ser, e um outro que indica seu caráter particular, sua inserção na finitude”.

Assim, a realização da essência da brasilidade, em sua relação com a afrodescendência, deve se orientar em direção a ela própria, na medida em que essa manifestação de sua origem criativa remete ao que é perene nela. Exprime o que lhe é próprio, suas solidariedades no plano formal e sua finitude. Por isso, uma ética da brasilidade deve transportar ao transcendente e ao mundo, que em última instância são o bem decisivo de nossa existência concreta. Ao nos posicionarmos por uma ética que parte da essência de nossa brasilidade nos posicionamos por uma ética da vida. E tal compreensão leva-nos a estudar o desenvolvimento criativo desta essência brasileira enquanto vida que irrompe na história, criadora de um novo ser.

E a partir daí podemos afirmar que a experiência do cristianismo protestante em sua essência pode ser uma experiência transcendente ao nível da materialidade afrobrasileira, uma experiência que deve acontecer em todas as situações. Nesse sentido, tal protestantismo não poderia ser identificado com um tipo determinado de organização social, mas ser portador de poder e oferecer aos afrobrasileiros uma mensagem de vida, tanto para a pessoa como particularidade, como para as comunidades como um todo. Exatamente por isso, apresenta-se capenga toda forma de cristianismo, protestanstismo, evangelicalismo que se fecha na pura interioridade. Mas também não se pode dizer que o cristianismo do princípio protestante é um movimento que parte mecanicamente da interioridade em direção à exterioridade, apropriando-se de formas culturais afrobrasileiras ou simplesmente passando ao largo delas. Na verdade, ele toma forma a partir delas, mas também dá forma às expressões culturais afrobrasileiras. Dessa maneira, um tal  cristianismo do princípio potestante está interpenetrado pela consciência experiência estética, ética e pelos modelos sociais da afrobrasilidade. 

O princípio protestante, ao fundamentar-se numa ética do amor-companheiro, daquele que parte e reparte o pão, tem uma postura crítica diante da ordem social que se apóia na opressão e na exclusão social. Nesse sentido, clama pela necessidade de uma ordem na qual o sentido de comunidade seja o fundamento da organização social. Esta ética do amor propõe uma economia solidária onde a alegria não seja fruto do ganho, mas do próprio trabalho. E condena o egoísmo de classe, onde cada qual procura enriquecer através da exploração de seu próximo e das conseqüências desse processo, como o privilégio da educação para uma elite. Tais pecados sociais são limitação do bem, porque impedem a universalização do amor; 
alienação da vontade, porque degradam a possibilidade de escolha dos agentes morais; e 
dependência do mal, porque aprofundam raízes e escravizam a comunidade. Diante disso o princípio protestante propõe que se enfrente tais pecado com 
autonomia crítica, solidariedade e transformação social, por acreditar que tais posicionamentos políticos geram justiça, paz e participação solidária.

Ora, se rupturas espirituais estão sempre associadas a rupturas econômicas, da mesma maneira que um processo de unidade espiritual vem associado a um processo de unidade econômica, como considerou Tillich, o fracionamento espiritual característico de nossa épocas traduz fracionamento econômico, distanciamento e choque entre classes. Tal situação nos exorta a buscar a construção de um novo processo cultural de unidade de onde brote unidade e solidariedade social e econômica, mas também espiritual. Ora, se é viável sonhar e lutar por processos de desenvolvimento que combinem mudanças espirituais e transformações econômicas e sociais, podemos afirmar que o protestantismo está eticamente obrigado a fazer uma escolha, ou participa do processo, atuando a favor desse desenvolvimento ou entra em processo de caducidade, ao afastar-se da vida real das comunidades afrobrasileiras nas quais está inserido.

Seja qual for a nossa opinião ética sobre a relação protestantismo/afrobrasilidade, um fato deve ser ressaltado: é necessário para o protestantismo manter um relacionamento com as pessoalidades, comunidades e cultura afrobrasileira, já que a rejeição da afrobrasilidade em nome de um protestantismo sem raízes contradiz a universalidade do cristianismo. E se o cristianismo não somente pode, mas deve manter um relacionamento com a afrobrasilidade, devemos nos perguntar se o contrário da premissa é verdadeira: pode a afrobrasilidade ter um relacionamento construtivo com o protestantismo? Para muitos, a tradição histórica de ausência e negação da negritude nega a possibilidade dessa aproximação, mas devemos ver que tal concepção mais que nada traduz uma relação de causalidade ideológica. Por isso, as pessoalidades, comunidades e culturas afrobrasileiras estão desafiadas a construir atitudes diferentes em relação ao princípio protestante e em relação às estruturas ideológicas do protestantismo. A história do protestantismo no passado e no presente é passível de muitas críticas. Suas opções fizeram como que dificultasse seu relacionamento com parte da população afrobrasileira excluída de bens e possibilidades. Mas, ao contrário do que pode parecer, não podemos dizer que a ideologia branca do protestantismo de missões seja um fenômeno constitutivo do protestantismo. Antes, é uma herança da cultura burguesa.

Embora, haja razões históricas para criticar o protestantismo, erramos quando negamos a existência da base solidária do ideal cristão. Quer dizer, há setores do movimento de resistência do povo negro que vê com desconfiança o protestantismo. Mas, se as idéias de emancipação do povo negro não traduzem nenhuma oposição essencial, de princípio, ao cristianismo que vive o princípio protestante, aos cristãos cabe ter uma atitude solidária e fraterna com as reivindações e lutas da afrobrasilidade. Atitude solidária e fraterna deve ser entendida como a realização do princípio do amor cristão, que entende a necessidade de eliminar as condições que geram miséria e exclusão. Tal atitude traduz a urgência de combater os fundamentos da exclusão racial e social e de ações para a construção de uma outra ordem social, que inclua excluídos e desapropriados de direitos e bens. Isto  porque o princípio protestante só existe como ideal ético quando traduz anseios e esperanças dos mais variados setores das comunidades.

3. A Escravidão Gerou Miséria e Exclusão

Joaquim Nabuco foi o primeiro brasileiro a apresentar uma visão globalizadora de nossa formação histórica. E o fez numa pequena obra de propaganda: O Abolicionismo. Nela, ele mostrou que a escravidão, que durou três séculos, não constituía um fenômeno a mais, de modo que deveria ser analisado em igualdade de condições com a monocultura e a grande propriedade agrária.

Para Nabuco, foi a escravidão que formou o Brasil como nação. Ela é a instituição que ilumina a compreensão de nosso passado. E é a partir dela que se definiram entre nós a economia, a organização social, a estrutura de classes, o Estado, o poder político e a própria cultura. A escravidão foi a protagonista por excelência da história brasileira. Historiadores, sociólogos e antropólogos começam a entender assim; porém, como representantes da Igreja, nós protestantes, raramente reconhecemos essa dívida intelectual, cultural e social. O autoritarismo tão típico de nossa elite, a dificuldade na construção da cidadania e a exclusão social estão intimamente ligadas a esses trezentos e setenta anos de escravidão e são as heranças trágicas da brasilidade. Assim, a escravidão gerou miséria e exclusão.

Nossa cultura relacional e os seus códigos devem ser entendidos a partir de uma chave dupla: é necessário partir das matrizes antropológicas, mas não se pode esquecer as pressões globalizantes. E as matrizes antropológicas foram construídas a partir da polaridade de dois mundos e de duas realidades que têm suas origens com a escravidão: a casa, enquanto dimensão social permeada de valores, de espaços exclusivos e lugar moral, e a rua, enquanto movimento, trabalho, tripalium. Essa situação traduz a relação existente entre senhores e escravos. A afirmação antropológica do padre Antonil, nosso primeiro economista, no século dezoito, de que “o Brasil é um inferno para os negros, um purgatório para os brancos e um paraíso para os mulatos” não é uma constatação biológica.  Era um inferno para os negros porque para estes não havia esperança a não ser a morte, geralmente prematura. Para os portugueses era o purgatório porque estes acreditavam na possibilidade de fazer fortuna e voltar a Portugal. E era um paraíso para os mulatos porque estes já livres da escravidão: podiam transitar entre brancos e negros, crescendo em importância social pelo papel mediador que lhes era confiado.

Assim, o paraíso aqui é definido como resultante de um relacionamento cultural. Locus do mulato ou mulo, animal ambíguo, híbrido, incapaz de reproduzir-se enquanto tal. Apesar da grosseria racista do termo, será ele aquele que rompe a dualidade cultural, tão típica das sociedades protestantes e calvinistas, que opõe bem e mal, deus e diabo. Aqui, ao contrário, com a construção da cultura afrobrasileira e com o mulato, dá-se a síntese que traduz nossa cultura relacional.

Ótimo exemplo é o nosso Macunaíma, um herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade. Nos países de cultura protestante burguesa, o negativo é o que está no meio. Aqui, o que está no meio é a virtude.

Antonio Manzatto (1994) analisa a antropologia dos personagens amadianos. Para ele, Jorge Amado vai além do regionalismo e realiza uma síntese magistral da identidade do brasileiro, extrapolando os marcos estéticos da literatura, para formalizar as bases da cultura relacional afrobrasileira, embora não faça a crítica do que se esconde atrás e por baixo da aparente cordialidade do brasileiro.

A cultura relacional esconde a injustiça social e a opressão sexual. Afirmamos que o Brasil foi formado por três matrizes: brancos, índios e negros, o que, filtrado pela cultura relacional, leva a uma ilusão, a uma mentira, como se brancos, índios e negros tivessem optado pela construção do país. A verdade é que portugueses brancos e aristocráticos exterminaram índios e escravizaram negros.

Claude-Lévi Strauss em O cru e o cozido (1964) nos leva a conhecer, por meio de uma abordagem estruturalista, como foi determinante no desenvolvimento da humanidade a passagem da alimentação crua para a cozida. A partir do título de inspiração culinária, Claude-Lévi Strauss refere-se às exigências do corpo e aos laços elementares que o ser humano mantém com o mundo. Assim, através da oposição aparentemente trivial entre o cru e o cozido, apresenta a força lógica de uma mitologia da cozinha, tal como concebida pelas tribos sul-americanas. Depois, traz a tona as propriedades gerais do pensamento mítico, onde descobrimos uma filosofia da sociedade e do espírito. E é interessante que este pensamento mítico vai empapar a cultura relacional brasileira.

No Brasil há um código relacional que traduz uma equivalência entre comida e sexualidade, que tem como fundamento o prazer, e apresenta novos parâmetros para o cru e o cozido, relacionando alimento, comida e sexo. 

Para a cultura afrobrasileira, alimento é o que mantém os seres vivos, a comida, aquilo que dá prazer, e o sexo é sempre um tipo de comida. O alimento é geral e universal, mas a comida dá identidade e, como conseqüência, quem come tem o controle. O alimento cru por excelência é a salada, algo de pouco sabor, sem maiores atrativos, diferente da comida que é bem cozida, como papa ou pirão. O alimento é aquilo que é difícil de engolir, já a comida é arroz com feijão, síntese da afrobrasilidade. Herdeiros que somos das culturas das irmandades de angolanos, benguelas, jejes, nagôs e outras, onde o cuidado pela preservação da vida da comunidade cabia à mulher, na cultura afrobrasileira é ela quem faz a mistura e quem dá a comida. E mulher é dona Flor, moquequeira dengosa, articuladora de temperos, de cama e mesa. Ou Gabriela, de cravo e canela.

4. Tempo e Construção da Vida

Na cultura relacional afrobrasileira, o tempo vivido disputa com tempo lembrado. O tempo vivido é a rua, o movimento, é o tripalium. O tempo lembrado é o sonho, é o que foi e que deveria continua a ser. O tempo vivido é o suor e o cansaço.

A festa é a ruptura do tempo vivido. É o momento em que o corpo deixa de ser gasto pelo tripalium e é gasto pelo prazer. Talvez por isso, o maior acontecimento relacional da afrobrasilidade é o carnaval. É o momento do contrário. Troca-se o dia pela noite, a casa pela rua. A regra é o excesso. Não é uma festa de máscaras mas de fantasias. É uma leitura da liberdade considerada fim das regras e convenções. Vive-se o fim da miséria, o fim da escravidão, o fim do pelourinho. É a utopia socialista em versão brasileira. Todos somos iguais diante da possibilidade do prazer. Ou como canta Ney Matogrosso:

“Não existe pecado do lado de baixo do Equador / vamos fazer um pecado rasgado / suado / a todo vapor / me deixa ser teu escracho / capacho / teu cacho / diacho / riacho de amor / Vê se me usa / abusa / lambuza / que a tua cafusa não pode esperar / quando a lição é de escracho / olha aí / sai de baixo / que eu sou professor / deixa a tristeza pra lá / vem comer / vem jantar / sarapatel / caruru / tucupi / tacacá / vê se me esgota / me bota na mesa / que a tua holandesa não pode esperar / deixa a tristeza pra lá / vem comer / vem jantar / sarapatel / caruru / tucupi / tacacá (Ney Matogrosso, Não existe pecado ao sul do equador”. 
Letra e música: Chico Buarque e Ruy Guerra. In: "Feitiço Elektra", 1978.).

Os códigos da afrobrasilidade caminham a par com a questão racial. A solução relacional para a injustiça social é a miscigenação e para a opressão sexual, o sincretismo. A oposição entre cultura latina, cultura indígena e cultura negra não se tornaram irreconciliáveis, mas deram origem a uma síntese, que é a cultura popular afrobrasileira. 

Essa cultura mestiça, essa síntese, é entendida como a maneira de o brasileiro viver a vida, seu gosto pela festa, pela música, pela dança, pela comida e pelo sexo. Mostra uma forma de viver em que a vida não é algo acabado e definido, mas que se vai construindo no concreto do cotidiano vivido. Essa é uma característica muito especial da cultura relacional afrobrasileira, na qual a vida tem de ser reelaborada a cada dia. Não é uma forma cultural fixa, mas vai-se modificando conforme se vai vivendo.

Esses dados são fundamentais para se entender a questão da identidade do afrobrasileiro. Sua identidade não existe como algo dado. Também a identidade vai sendo construída, e os elementos externos e as pressões mais novas (isto é, globalizantes) vão sendo deglutidos e vividos no hoje que se vive.

5. A Cultura Relacional Afrobrasileira

O concreto e imediato da vida do afrobrasileiro o leva a ser um ser relacional. Mais do que estar situado diante das coisas e da natureza, o realizar-se do afrobrasileiro como ser dá-se através do relacionar-se. Assim, não se considera prisioneiro do destino, das forças das coisas ou da natureza.

É um ser que procura aliados, quer para a realização de seus prazeres, quer para enfrentar os desafios impostos por elementos ou realidades alheias a seu cotidiano. A essa procura de alianças, o afrobrasileiro chama de amizade e companheirismo. E se ele pode relacionar-se com seus pares, também o pode fazer com a transcendência. Para o brasileiro, o relacionar-se com o transcendente jamais significa uma negação do humano. Daí a intimidade que aparenta ter com a divindade.

Nas religiões afrobrasileiras, que nasceram do sincretismo, das quais a Umbanda talvez seja o caso mais peculiar, os elementos constitutivos da personalidade dos orixás são traduções antropológicas do afrobrasileiro, inclusive de seus códigos relacionais.

Tanto o ideal de liberdade como outras características do afrobrasileiro traduzem uma profunda dimensão coletiva. Isso não elimina ou massacra sua pessoalidade, mas, na maioria dos casos, lhe permite reafirmá-la. E o massacre não acontece porque o afrobrasileiro é coletivo e comunitário, mas porque não sobrevaloriza as estruturas sociais. Assim, ao desprezar as estruturas, ao negar qualquer redução ao papel de simples engrenagem, reafirma a amizade e a solidariedade como formadoras do coletivo. Para ele, a liberdade, a amizade e a solidariedade acontecem na comunidade. É difícil imaginar o afrobrasileiro solitário. Ao contrário, a imagem cultural e social que temos dele, e que toda a cultura popular reflete é a do homem e mulher cercados de amigos, conhecidos e parentes. A sua práxis religiosa é sempre coletiva. A religião é sempre um acontecimento comunitário, quer falemos da Umbanda ou do pentecostalismo popular. Para o afrobrasileiro, a religião não pode ser vivida individualmente. A idéia de que a religião é questão de foro íntimo é uma abstração branca, calvinista ou tridentina. Ao contrário, na cultura afrobrasileira todos discutem a religião do outro, opinam e querem vê-lo junto na mesma comunidade.

E em relação às festas não poderia ser diferente. E festa implica comida, música e dança. Em condições normais, o afrobrasileiro não come, nem bebe sozinho. A comunidade é o espaço onde sua pessoalidade e criatividade atingem os níveis mais altos.
 
6. A Criatividade Afrobrasileira

Um pensamento protestante que parta da realidade da cultura relacional afrobrasileira não pode desrespeitar a negritude. Não pode negar o mundo negro considerado parte integrante da humanidade criada à imagem e semelhança de Deus. Ao contrário, deve partir da realidade antropológica da criatividade afrobrasileira, que em amplo espectro se traduz numa antropologia da aventura e do risco enquanto fonte da liberdade que busca.

Razões geográficas, históricas e raciais, nos últimos três séculos, levaram ao mergulho no desconhecido e plasmaram no afrobrasileiro essa atração pela aventura e pelo risco. O afrobrasileiro ama o desafio, não como futuro planejado, mas como espaço para a criatividade. Para ele, desafio é sempre se lançar à aventura da ruptura de regras, é dizer não às convenções e sobreviver pela coragem.

Quando enfrenta esses desafios, que vai da sobrevivência no trapézio da economia informal ao transformar-se em Mané Garrincha nos gramados do mundo, está de fato modelando sua identidade. Mulato, não teme mergulhar nos desafios da cultura branca e globalizada.

Aventura implica a possibilidade do fracasso. E fracasso faz parte do risco. Mas ao viver a dialética desse movimento, o afrobrasileiro constrói sua identidade, ainda que a um preço muito alto. Na verdade, é fazendo assim que ele sente-se livre e dá asas à sua criatividade, sem se preocupar com a construção do futuro. E se não fosse assim não estaríamos diante do afrobrasileiro.

A dificuldade em globalizar o afrobrasileiro repousa aí: na cosmovisão de que a vida humana deve ser entendida como aventura e prazer. Como algo que não pode ser planejado, organizado, dimensionado, mas vivido. Dessa maneira, viver é estar aberto ao novo, ao desafio, ao que ainda não foi vivido, nem mesmo se planejou viver. A ação antropológica do afrobrasileiro nasce da possibilidade de escolher a vida que sonha viver, que ele tem liberdade para escolher viver. Nesse sentido, quer viver a cada dia um novo sonho. E como para ele ficção e realidade se entrelaçam, sua maior construção é o carnaval, já que gira ao redor da festa e do prazer. Comida e sexo, futebol e carnaval surgem como expressões maiores da possibilidade da utopia.

O pensamento protestante não pode estar preocupado em adaptar o homo afrobrasiliensis à globalidade banalizadora, mas em entender os elementos da imago Dei que permeiam essa riqueza civilizatória.

7. A Busca do Transcendente

A afrobrasilidade é um modo de ser, uma maneira de existir. O afrobrasileiro não se diferencia simplesmente pela sua cor de pele. A pele negra tem uma história, uma história de negações e de resistências. É preciso, pois, compreender que o afrobrasileiro se autocompreende, num primeiro momento, em sua história de negação, e por isso se afirma negro. A afrobrasilidade é afirmação deste que é negro e negra: é negação da negação. Este afrobrasileiro, destituído de sua história, vive imerso em si mesmo e numa sociedade que promove a ruptura de seus valores étnicos, sociais e culturais, mas quer iniciar uma outra história, onde não é João ninguém, Maria nenhuma.

Mas a história do povo negro não começa com a escravidão. Afirmar a afrobrasilidade é afirmar uma proposta em que a afrobrasilidade é mais do que uma evidência, é afirmar uma história que foi excluída. Implica compromisso com a causa de um povo. Se a cultura relacional afrobrasileira tem um caráter mágico, fortemente empapado no maravilhoso, isso se dá porque o dia-a-dia desse ser humano está ligado à busca da transcendência. Nesse sentido, o elemento que vai além e ultrapassa o concreto do dia-a-dia do afrobrasileiro é o transcendente.

Essa presença do maravilhoso caldeia toda a malha relacional, indo do afrobrasileiro simples ao que alcançou o sucesso e a glória. É importante, no entanto, entender que o maravilhoso relacional da cultura afrobrasileira não nasceu de um processo pacífico, mas violento, do choque entre o universo transcendental de brancos e a matriz sacralizadora da natureza da religiosidade negra. A contra-reforma produziu genocídio e escravidão, macerando o universo religioso de povos e nacionalidades.

A recuperação da história do povo negro como tradição e cultura liga-se à necessidade de conscientização da identidade afrobrasileira. Aquele que esquece nega o esquecido, reprimindo ou suprimindo. A identidade está imbricada à memória. Evocar a memória é provocar e transformar.

Dessa maneira, reconhecendo os elementos negativos da cultura relacional afrobrasileira, que se traduziu na tentativa de esconder as injustiças sociais sofridas, podemos resgatar o que ela construiu de positivo. Afirmar a cultura à qual pertencemos é o primeiro passo para construir um pensamento protestante afrobrasileiro, que compreenda a identidade do povo negro em sua busca de felicidade e transcendência.

A antropologia mostra-nos um afrobrasileiro em busca da felicidade imediata e da transcendência, possibilitando ao pensamento protestante uma compreensão dos elementos da revelação e da imagem de Deus aí embutidos. Não devemos temer o afrobrasileiro, mas conscientemente reconstruir raízes e memória. Esse caminho dará fundamentos a velhos sonhos, traduzirá a boa notícia como resposta imediata e concreta para a utopia que se desfaz na quarta-feira de cinzas.

Ser negro traduz metanóia e por isso a afrobrasilidade constitui-se num desafio não só para os negros. A afrobrasilidade deve ser uma práxis, uma atitude de resgate diante da história de negação do negro. Desse ponto de vista, colocar para a nova igreja a afrobrasilidade como princípio protestante implica resgate de uma história de sofrimento e dor e redenção diante das possibilidades que estes sofrimento e dor construíram. O lugar fundamental da gestação da afrobrasilidade do ponto de vista do princípio protestante dá-se no locus da comunidade negra, espaço de formação da identidade negra, como vida resgatada. Mas, considerando que o princípio protestante possui dimensões que transcendem o locus, é importante estabelecer paradigmas que o viabilizem. Paradigmas esses que possibilitem a cada comunidade traçar seu caminho de liberdade, de acordo com sua realidade e necessidade, sem perder o vínculo com o conjunto da mensagem de redenção. Nesse sentido, não basta construir um pensamento da negação, mas um pensamento da afirmação da afrobrasilidade. Não somente uma práxis do protesto, mas uma práxis da proposta, uma práxis da libertação que permita levar a riqueza dos sonhos ancestrais à sociedade afrobrasileira de conjunto.

Num primeiro momento, abertura à transcendência é sofrimento e cruz. Motor da liberdade cristã, quando esta se revela no aspecto da supressão do ser humano imediato. É a exigência de romper com o existente aceito. Essa ruptura, no entanto, exige persistência na determinação e no sofrimento em nível imediato, sem a qual não há liberdade dentro da ordem existente (Ballestero, 1970, p.110-111).

Contudo, abertura à transcendência não se resume a esse primeiro momento. Na verdade, é diametralmente oposto a ele, traduz outra realidade, outra natureza. A unidade transcendência/humilhação/cruz é superficial como realidade imediata. Por isso, a emergência da transcendência passa pela morte do mundo, porque a realidade entrou em caducidade. Sofrimento e cruz refletem essa impossibilidade de vida e de eternidade. A transcendência é regeneradora porque acontece no mais fundo da própria raiz humana. É no momento da morte de seu consciente, que o mais profundo da intencionalidade humana se revela.

A interioridade cristã não é consciência cartesiana. É um tempo de negação de todo objeto possível, tempo de vazio interno que possibilita a abertura ao sagrado. É nesse momento que a transcendência aparece como disponibilidade transparente da consciência. Dessa maneira, a transcendência do afrobrasileiro não pode realizar-se a não ser como articulação viva da subjetividade e como sua obra. A morte do afrobrasileiro imediato é o ato que faz possível ressurgir o verdadeiro afrobrasileiro, a partir daquilo que lhe é inalienável e próprio. Fazendo uma releitura de Lutero podemos dizer que o cristão “é servo em tudo e está submetido a todo mundo”, então... o cristão “é senhor de todas as coisas e não está submetido a ninguém” (Luther, 1955, p. 225).

Se entendermos a dialética desse processo, teremos elementos para construir uma práxis afrobrasileira do princípio protestante. Uma práxis que parte da negação, mas vai além, transcende, e que fará de todos nós senhores da vida que nos foi entregue.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco...
Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!
“O assinalado”, Cruz e Souza (terceira e última estrofes).


Referências Bibliográficas

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BALLESTERO, Manuel. La revolución del espíritu (Tres pensamientos de libertad). Madrid: Siglo XXI, 1970.
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A ética solidária

 A ética solidária e cristianismo social

-- Leituras tillichianas para o Brasil


Jorge Pinheiro, PhD

  

O fundamento da unidade espiritual é a religião. O fracionamento espiritual que acontece em determinadas épocas traduz fracionamento econômico, choque e distanciamento entre classes. E nas épocas em que temos um processo cultural de unidade temos também uma nova base de unidade e solidariedade social e econômica.

 

Por isso, na história, rupturas espirituais vêm associadas a rupturas econômicas, da mesma maneira que processos de unidade espiritual vêm associados a processos de unidade econômica. 

 

Nesse sentido, há um processo de desenvolvimento que se realiza de forma desigual na história, mas que correlaciona mudanças espirituais e transformações econômicas e sociais. Diante de tais circunstâncias, o cristianismo está eticamente obrigado a fazer uma escolha: ou participa do processo, inspirando e atuando a favor desse desenvolvimento, ou se retrai e entra em processo de caducidade, ao afastar-se da vida real das comunidades nas quais está inserido.

 

Seja qual for a opinião sobre a relação ética entre cristianismo e capitalismo, um fato deve ser ressaltado: é necessário e possível para o cristianismo manter um relacionamento com todas as formações econômicas e sociais, em especial com aquelas que buscam a igualdade de direitos e possibilidades para o conjunto da população, já que a rejeição do princípio da igualdade social de direitos e possibilidades em nome do cristianismo fere a universalidade do cristianismo.

 

E se o cristianismo não somente deve, mas pode manter um relacionamento com economias e políticas solidárias, devemos nos perguntar se o contrário da premissa é verdadeiro: devem e podem os governos que buscam tais transformações ter um relacionamento construtivo com o cristianismo?

 

Para muitos, as concepções não-cristãs, muitas vezes materialistas, negam a possibilidade dessa aproximação, mas se entendemos que mesmo em Marx, as concepções políticas de esquerda de fato não são materialistas, mas econômica, vemos que tais concepções mostram uma relação de causalidade entre fundamento econômico e organização espiritual da cultura. E, ao contrário, tal fundamento dá às ciências do espírito uma possibilidade metodológica extremamente fecunda, que não tem nada a ver com ateísmo ou materialismo.

 

Quanto às organizações de esquerda, sejam elas socialistas ou não, é necessário ver a diferente atitude que têm em relação ao cristianismo e em relação às estruturas hierárquicas das igreja. A história das igrejas cristãs no passado, e muitas vezes no presente, é passível de críticas. Suas alianças e opções fizeram como que se afastassem e dificultassem seus relacionamentos com parte da população excluída de bens e possibilidades. Tal situação facilita e potencializa a pregação do materialismo. 

 

Mas, ao contrário do que pode parecer, não podemos dizer que o materialismo seja um fenômeno constitutivo do socialismo. Antes, é uma herança da cultura burguesa cética e crítica. Essa herança foi adotada pelas correntes proletárias militantes e pelo socialismo na crença de que ajudaria a extirpar a ideia de opressão e abriria o caminho para a construção de um novo mundo, mais digno e justo.

 

Embora, haja razões históricas para criticar as igreja cristas, os movimentos e partidos políticos socialistas erram quando negam a existência da base  comunitária e solidária do ideal cristão, tal como pode ser percebida na pregação do Jesus apresentado nos Evangelhos. Quer dizer, ainda há em setores dos movimentos e partidos políticos socialistas uma hostilidade contra o cristianismo, hostilidade esta que fere a ética social, tão próxima daquelas propostas levantadas pelas comunidades cristãs dos primeiros séculos.

 

Mas, se as ideias sociais dos movimentos e partidos proletários e socialistas não traduzem oposição essencial, de princípio, com o cristianismo e com as igrejas que vivem o mandato evangélico, os cristãos podem sem nenhum temor ter uma atitude positiva em relação a estes movimentos e partidos.

 

Atitude positiva deve ser entendida como a realização do princípio da solidariedade cristã, que entende a necessidade de eliminar as condições que geram exclusão e miséria. Tal atitude traduz a urgência de combater os fundamentos do egoísmo econômico e de ações para a construção de uma outra ordem social, global sim, que inclua excluídos e periféricos. Isto  porque as transformações sociais não são só necessidades e tarefas de operários e trabalhadores fabris, mas ideal ético que traduz anseios e esperanças dos mais variados setores da sociedade.



 

vendredi 22 août 2025

Jornal da Cruz Huguenote agosto 2025

https://sites.google.com/view/jornaldacruzhuguenote2025/principal

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mercredi 20 août 2025

A guerra na Ucrânia

A guerra na Ucrânia - para você entender e agir como cristão 


Visão geral



A guerra na Ucrânia é um conflito armado em larga escala que começou com uma invasão em grande escala pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022. No entanto, é a escalada de um conflito que começou em 2014. Em essência, é uma guerra entre a Ucrânia, que busca sua soberania e alinhamento com o Ocidente, e a Rússia, que vê essa orientação como uma ameaça à sua segurança e influência, buscando impedi-la pela força.


Contexto histórico


Para entender a guerra, é crucial conhecer o pano de fundo.


Relações históricas. A Ucrânia e a Rússia têm séculos de história entrelaçada. A Ucrânia foi parte do Império Russo e depois da União Soviética. Para o presidente russo Vladimir Putin, ucranianos e russos são "um só povo", e ele nega a legitimidade de uma identidade nacional ucraniana distinta.


Independência da Ucrânia. Com o colapso da URSS em 1991, a Ucrânia tornou-se independente. Sua soberania sempre foi vista com desdém por setores nacionalistas russos.


A expansão da OTAN. A Rússia sempre se opôs à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para o leste, aproximando-se de suas fronteiras. Ela vê isso como uma quebra de promessas informais feitas após a Guerra Fria e uma ameaça direta.


Revolução do Euromaidan (2013-2014). O estopim inicial. O então presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, pró-Rússia, recusou-se a assinar um acordo de associação com a União Europeia, provocando protestos massivos que o removeram do poder. A Rússia viu isso como um "golpe" orquestrado pelo Ocidente.


Anexação da Crimeia (2014): Em resposta, a Rússia invadiu e anexou a península da Crimeia, da Ucrânia, em uma movimentação rápida e sem derramamento de sangue inicial.

· Guerra no Donbas (2014-2022): Imediatamente após, conflitos patrocinados pela Rússia eclodiram nas regiões orientais de Donetsk e Luhansk (o Donbas), onde grupos separatistas pró-Rússia, com apoio militar russo, declararam "repúblicas populares" e lutaram contra o exército ucraniano. O conflito ficou em um impasse, com mais de 14.000 mortes antes de 2022.


Causas imediatas da invasão de 2022


Escalada Retórica. Em 2021, Putin publicou um ensaio negando a estadualidade ucraniana. A Rússia começou a acumular tropas massivamente na fronteira com a Ucrânia e na Bielorrússia.


Demandas de Segurança. A Rússia exigiu garantias legais de que a Ucrânia nunca se juntaria à OTAN e que a aliança recuaria suas forças para as posições de 1997. O Ocidente recusou, alegando que qualquer país pode escolher suas próprias alianças.


Reconhecimento do Donbas. Em 21 de fevereiro de 2022, a Rússia reconheceu a independência das "repúblicas" separatistas de Donetsk e Luhansk. Três dias depois, a invasão em grande escala começou.


A invasão em grande escala (2022 até hoje)


A guerra evoluiu através de várias fases:


Fase 1: Ataque a Kiev (Fev-Mar 2022): A Rússia lançou ataques de mísseis em todo o país e tentou tomar a capital, Kiev. A forte resistência ucraniana e problemas logísticos russos frustraram o plano. As forças russas se retiraram do norte, revelando atrocidades em Bucha.


Fase 2: Guerra no Leste e Sul (Abr-Set 2022): O foco russo mudou para o Donbas e o sul, conquistando território com poder de fogo maciço. A Ucrânia recebeu armamentos pesados do Ocidente (como os lançadores de foguetes HIMARS).


Contra-ofensiva ucraniana (Set-Nov 2022). Com novo equipamento, a Ucrânia lançou contra-ofensivas bem-sucedidas, reconquistando grande parte do oblast de Kharkiv no nordeste e a cidade de Kherson no sul.


Fase 3: Guerra de Atrito (Dez 2022 até hoje). O conflito tornou-se uma guerra estática de desgaste, com pesados combates de trincheiras em frentes como Bakhmut e Avdiivka. Ambos os lados sofreram baixas enormes.


Contra-ofensiva de 2023. Uma grande ofensiva ucraniana no verão de 2023, com equipamento ocidental moderno (incluindo tanques), fez ganhos limitados contra densas linhas defensivas russas fortificadas.


Guerra de Longo Alcance. A Rússia realiza ataques regulares de mísseis e drones contra a infraestrutura energética e cidades ucranianas. A Ucrânia, por sua vez, usa drones para atingir alvos dentro da Rússia, incluindo refinarias e instalações militares.


Atores principais e seus interesses


Ucrânia: Luta pela sua existência como um estado soberano e independente, buscando libertar todo o seu território ocupado. Seu objetivo de longo prazo é a integração com a UE e a OTAN.


Rússia: objetivos declarados: "desmilitarizar" e "desnazificar" a Ucrânia, impedir sua adesão à OTAN e garantir o controle sobre o Donbas e um corredor terrestre para a Crimeia. Objetivos não declarados podem incluir a subjugação total do país.


Ocidente (EUA, UE, Reino Unido, etc.): fornecem suporte financeiro, militar (armas e treinamento) e humanitário maciço à Ucrânia. Seu objetivo é enfraquecer a Rússia militar e economicamente sem entrar em um conflito direto com a OTAN, defendendo a ordem internacional baseada em regras.


Outros Atores: países como a China tentam manter uma posição neutra, fornecendo um apoio econômico crucial à Rússia, enquanto Coreia do Norte e Irã fornecem munições e drones à Rússia.


Consequências e impacto global


A guerra teve um impacto devastador e global:


Vítimas Humanas: centenas de milhares de soldados mortos ou feridos de ambos os lados. Milhares de civis ucranianos mortos.


Crise humanitária: Milhões de ucranianos deslocados internamente ou refugiados na Europa.


Impacto econômico global.

 

Disrupção no fornecimento de grãos (a Ucrânia é um "celeiro do mundo") e energia (gás e petróleo russos), levando à inflação e crise do custo de vida mundial.


Rearranjo geopolítico. Fortalecimento da OTAN (com a adesão da Finlândia e Suécia), realinhamento de alianças globais e o retorno da guerra em grande escala à Europa.


Sanções. A Rússia sofreu sanções econômicas severas do Ocidente, embora tenha se adaptado encontrando novos parceiros.


Situação Atual


No momento, a guerra está em um ponto morto. A Rússia mantém a iniciativa no campo de batalha, fazendo ganhos lentos e custosos, explorando sua vantagem em número de tropas e munições. A Ucrânia está na defensiva, enfrentando escassez crítica de munições e soldados, aguardando a chegada de novas ajudas militares dos EUA e da UE. O conflito parece destinado a continuar como uma guerra de desgaste prolongada, com poucas perspectivas de negociações de paz no horizonte próximo, já que os objetivos fundamentais de ambos os lados permanecem irreconciliáveis.


Donde fazemos uma pergunta, a paz na Ucrânia é possível?


A resposta não é "sim" ou "não", mas sim uma análise de camadas.


A curto prazo, a paz parece extremamente difícil, senão impossível, nas condições atuais. A médio e longo prazo, a possibilidade existe, mas dependerá de uma série de fatores dramáticos e incertos.


Por que a paz parece impossível agora?


Objetivos incompatíveis e irreconciliáveis:

   

Ucrânia: Seu objetivo, definido em lei e apoiado pela maioria da população, é a restauração completa de sua integridade territorial, incluindo a Crimeia e todo o Donbas. Eles veem isso como uma guerra de libertação nacional.

   

Rússia: Após anexar formalmente quatro oblasts ucranianos (Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson), o objetivo declarado do Kremlin é manter esse território. Para Putin, aceitar a perda disso seria uma humilhação política inaceitável.

 

Dindenão há sobreposição entre "libertação de todo o território" e "manutenção das anexações". Um lado teria que ceder de forma monumental, o que nenhum está disposto a fazer.


Falta de Confiança Absoluta


Após a invasão em grande escala de 2022, que ocorreu em meio a negociações e acordos de Minsk já violados, a Ucrânia e o Ocidente não confiam em nenhuma promessa ou acordo assinado pela Rússia. Qualquer paz seria vista apenas como uma trégua para a Rússia se rearmar.


A Questão da Segurança Futura


Mesmo que um acordo territorial fosse alcançado, a Ucrânia precisaria de garantias de segurança absolutas para não ser invadida novamente em 5 ou 10 anos. A adesão à OTAN tornou-se um objetivo central para Kiev precisamente por essa razão, algo que a Rússia diz ser uma "linha vermelha" intransponível.


Custo Político Interno

   

Para Zelensky, assinar um acordo que ceda território seria visto como uma traição por grande parte da sociedade ucraniana que sofreu enormemente e lutou bravamente. Poderia desestabilizar seu governo.

   

Para Putin, uma retirada ou aceitação de uma derrota clara poderia abalar seriamente sua posição no poder, possivelmente levando a uma crise política interna.


Interesse das partes em continuar. Ambas as partes acreditam, em certa medida, que o tempo pode jogar a seu favor. A Ucrânia espera por mais armas ocidentais e desgaste russo. A Rússia espera o cansaço do Ocidente e por uma mudança no cenário político (como as eleições nos EUA).


Possíveis Caminhos para a Paz.


Apesar dos enormes obstáculos, a paz chegará, provavelmente através de um dos seguintes cenários:


Vitória Militar Decisiva de Um dos Lados (Improvável):


Uma vitória ucraniana que expulse completamente as tropas russas é uma possibilidade, mas exigiria um colapso total do exército russo, algo visto como muito difícil.


Uma vitória russa, conquistando muito mais território, provavelmente encontraria uma resistência partisana feroz e uma ocupação insustentável, além de uma reação ocidental ainda mais severa.


Congelamento do conflito. Cenário mais provável a curto prazo.


As linhas de frente se estabilizam, os combates diminuem de intensidade, mas não há um acordo formal de paz. Cria-se uma "linha de contacto" congelada, semelhante à Coreia ou à Cyprus, com escaramuças regulares. Tecnicamente, a guerra continuaria, mas sem grandes ofensivas. Este é um cenário perigoso e instável.


Negociação a partir de uma posição de força alterada.


Este é o cenário mais realista para uma paz duradoura. Após mais meses ou anos de guerra, o custo se torna tão insuportável para ambos os lados que eles são forçados a negociar seriamente. A negociação não começaria a partir das posições máximas atuais, mas a partir da realidade factual no terreno no momento das conversações. Um mediador internacional confiável. A China, talvez. 


Mudança Política Interna


Uma mudança de liderança na Rússia poderia abrir portas para uma desescalada, com um novo governo buscando uma saída para o isolamento e as sanções.


Uma mudança no apoio ocidental poderia forçar a Ucrânia a uma mesa de negociações em uma posição muito mais fraca.


A paz não é impossível em termos absolutos, mas é impossível nas condições e exigências atuais. Ambos os lados ainda acreditam que podem melhorar sua posição militar e política no campo de batalha.


A paz verdadeira e duradoura exigirá um cansaço mútuo tão profundo que force o compromisso.Uma mudança dramática no equilíbrio de poder militar. Uma solução criativa para a questão das garantias de segurança da Ucrânia que não passe necessariamente pela OTAN. Lideranças políticas dispostas a aceitar o enorme custo interno de fazer concessões.


O caminho mais provável para o futuro próximo não é a paz, mas uma guerra prolongada ou um conflito congelado, com um sofrimento humano continuado.


Claro. Aqui está uma reflexão que integra a situação da Ucrânia a partir de uma perspectiva cristã, partindo da análise factual e indo para uma meditação mais profunda.


A guerra na Ucrânia, em sua dimensão terrena, é um conflito geopolítico complexo, uma tragédia humanitária com milhares de vidas perdidas, famílias desfeitas, cidades destruídas e uma crise global de deslocamento e segurança alimentar. É um testemunho sombrio da capacidade humana para a ganância, o orgulho nacionalista desmedido e a falha da diplomacia.


No entanto, para o cristão, que enxerga o mundo através da lente da fé, essa realidade não é o fim da história. Ela serve como um campo profundo e doloroso para reflexão, ação e esperança.


O Reconhecimento do pecado e da queda. A guerra é talvez a manifestação mais clara e coletiva da queda da humanidade. Ela revela a ruptura radical do Shalom de Deus – a paz plena, a integridade e a harmonia que Ele idealizou para a criação. A violência, a injustiça, a mentira propagandística e a desumanização do "inimigo" são frutos podres do pecado que habita em cada coração e se amplifica em estruturas de poder. Um cristão não pode olhar para a Ucrânia sem um profundo lamento por este estado de coisas, reconhecendo que "a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra as forças espirituais do mal" (Efésios 6:12) que operam através de ideologias perversas e ambições destrutivas.


O Chamado à compaixão e à ação prática: a parábola do Bom Samaritano (Lucas 10:25-37) é um imperativo direto. O cristão é chamado a não "passar para o outro lado" da estrada, indiferente ao homem ferido. Na prática, isso se traduz em:


Oração: orar pela paz, pelos líderes para que busquem a sabedoria divina, pelo consolo dos que choram, pela proteção dos inocentes e até mesmo pela conversão daqueles que perpetram o mal.


Doação: apoiar financeiramente e materialmente organizações humanitárias cristãs e seculares que estão no front, aliviando o sofrimento.


Acolhimento: muitas famílias cristãs ao redor do mundo vivem o mandamento de acolher o estrangeiro (Hebreus 13:2) ao abrirem suas casas para refugiados.


A Tensão entre justiça e perdão: a fé cristã vive uma tensão crucial: ela defende a justiça e clama por ela ("Aprendei a fazer o bem; procurai o que é justo" - Isaías 1:17), mas também ordena o perdão aos inimigos ("amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem" - Mateus 5:44). Isso não é uma passividade diante do mal. Defender o fraco e resistir à agressão injusta é um ato de justiça. No entanto, o coração do cristão é chamado a não se deixar corromper pelo ódio, guardando a possibilidade do perdão, que é um dom sobrenatural e um processo, muitas vezes longo e doloroso. É uma luta interior para não replicar o mesmo mal que se combate.


A esperança escatológica: em meio a imagens de escombros e sepulturas, a esperança cristã não está fundamentada em um otimismo ingênuo de que "tudo vai melhorar", mas na promessa escatológica do retorno de Cristo, que irá "enxugar de seus olhos toda lágrima" e onde "não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor" (Apocalipse 21:4). É a certeza de que, por fim, todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor (Filipenses 2:10-11), e que o mal, a guerra e a morte serão finalmente e para sempre derrotados. Essa esperança não nos aliena da realidade presente, mas nos dá a força para trabalhar pela paz, sabendo que nosso labor no Senhor não é vão (1 Coríntios 15:58), mesmo quando a paz parece distante.


A tragédia na Ucrânia é um convite aos cristãos para que não se calem, não fiquem indiferentes e não simplifiquem um mal tão complexo. É um chamado para chorar com os que choram, para agir com compaixão prática, para orar com fervor, para buscar a justiça sem se render ao ódio e, acima de tudo, para ser um farol da esperança que transcende todas as circunstâncias – a esperança de que, um dia, as espadas serão transformadas em arados e as lanças, em foices (Isaías 2:4), porque o Príncipe da Paz reinará para sempre.