samedi 10 mai 2025

Para compreender o catolicismo, hoje

Para compreender o catolicismo

Por Jorge Pinheiro
(Parte de artigo publicado na ViaPolítica) 

A reforma católica 

O catolicismo romano não pode ser visto como um sistema teológico monolítico. Por isso, vamos analisar suas duas principais tendências teológicas e ver como, a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965), a tendência minoritária cobra alento e passa a nortear o pensamento católico rumo à alta modernidade. 

A tradição principal do catolicismo romano ressalta a transcendência de Deus e da Igreja como instituição divinamente convocada, é a Igreja vertical. Essa tradição teológica, autoritária e centralizadora, foi duramente combatida pela Reforma, mas predominou desde o Concílio de Trento (1545-1563) até o Concílio Vaticano II. 

A outra tradição teológica – conhecida como princípio do desenvolvimento doutrinário – que sempre existiu, embora tenha sido minoritária durante séculos, ressalta a imanência de Deus e da Igreja como comunidade, é a Igreja horizontal. 

A característica do catolicismo romano sempre foi sua eclesiologia, que realçou o papel da Igreja como mediadora da salvação. A vida sobrenatural era assim apresentada aos fiéis através de sacramentos, que são ministrados pela hierarquia. 

O documento mais importante do Concílio Vaticano II, aConstituição Dogmática da Igreja, revolucionou a eclesiologia católica romana. A ênfase tradicional na Igreja como meio de salvação foi substituída por uma compreensão da Igreja como mistério, “uma realidade imbuída da presença oculta de Deus” (Paulo VI). 

A concepção hierárquica foi substituída pelo conceito da Igreja como povo inteiro de Deus, e a rígida visão universal suplementada pela aceitação de sua plenitude em cada congregação local. 

E, no Decreto sobre o Ecumenismo, o Concílio Vaticano II afirmou que, por ocasião da Reforma, os dois lados estavam errados, passando a procurar a restauração da unidade cristã. Dessa maneira, reconheceu que a Igreja é maior do que a Igreja católica romana. 

Vejamos agora como o Concílio do Vaticano II viu e reinterpretou as bases teológicas do catolicismo romano: 

Papa 

É a “fonte e alicerce perpétuo e visível de unidade dos bispos e da multidão dos fiéis”. O Concílio também fortaleceu o colegiado dos bispos, modificando o governo monárquico da Igreja: “Juntamente com sua cabeça, o pontífice romano, e nunca sem sua cabeça, a ordem episcopal é revestida de supremo e pleno poder sobre a Igreja universal”. 
1
Os sacramentos 

O Vaticano II em nada mudou o princípio sacramental do catolicismo romano. O sistema sacramental foi elaborado durante a Idade Média, pelos escolásticos. Para o Concílio de Trento, os sacramentos são causas da graça e, por isso, podem ser recebidos independentemente do mérito do fiel. Segundo a teologia sacramental católica, os sacramentos conferem graça porque são expressões cristológicas do sacrifício de Jesus no calvário. Hoje em dia, os teólogos católicos preferem ligar os sacramentos à eclesiologia: não nos encontramos com Jesus, diretamente, mas com sua Igreja. Os sacramentos são sete. O batismo, a crisma e a eucaristia fazem parte da iniciação cristã. 

O batismo 

Todos devem ser batizados (ad remissionem), caso contrário não poderão entrar no reino do céu. Mas, além do batismo pela água, há o batismo pelo sangue (os mártires, Mt 2.16-18) e o batismo do desejo, recebido por aqueles que desejam o batismo, mas que estão impedidos de recebê-lo sacramentalmente. “Até mesmo aqueles que, sem culpa pessoal, não conhecem Cristo e Sua igreja podem ser contados como cristãos anônimos se os seus esforços para viver uma vida virtuosa realmente são uma reação favorável à Sua graça, que é dada a todos em medida suficiente”. 

Temos ainda a confirmação (ad robur); a eucaristia (natureza sacrificial da missa e transubstanciação); a penitência (satisfação, confissão, contradição e absolvição – a partir do Vaticano II o papel do sacerdote na penitência é visto como terapêutico, e o propósito do sacramento é a reconciliação com a igreja), a unção dos enfermos (esse sacramento hoje é ministrado durante a missa), o casamento (indissolúvel, mas permite as dispensações delimitadas pela Lei Canônica), as ordens (sacerdócio conferido pela ordenação), a lei canônica (jurisprudência católica romana), o culto à virgem Maria (o Vaticano II dissociou a mariologia da cristologia, removendo a ênfase do papel dela em nossa redenção e ligando-a à eclesiologia – é vista como modelo, mãe e membro destacado da Igreja), e a revelação (o Vaticano II definiu a tradição como interpretações sucessivas das Escrituras). 

Dessa maneira, o catolicismo romano, através do Concílio Vaticano II, deu início a uma reforma teológica: propôs a volta à Igreja horizontal, lançou as bases para um diálogo com "os irmãos separados" e preparou-se para reconquistar o terreno perdido nos últimos séculos. Mas, com a morte de Paulo VI, um novo papa, João Paulo II, de teologia tridentina, quer dizer, calcado nas doutrinas conservadoras do Concílio de Trento, colocou-se como opositor ao reformismo proposto pelo Concílio Vaticano II. E, agora, Bento XVI segue a mesma linha de seu antecessor. 

O aggiornamento como solução 

Os bispos latino-americanos e, em especial brasileiros, sempre viram com bons olhos o reformismo e o progressismo do Concílio Vaticano II. E foi a partir daí, e de uma leitura das doutrinas sociais da Igreja, que nasceu seu envolvimento com as questões sociais.1 

Assim, para o frei Leonardo Boff,2 expoente da Igreja horizontal, a partir da Reforma no século 16 predominou, na Igreja Católica romana, a atitude de confronto: primeiro com as Igrejas protestantes e depois com a modernidade. Face à Reforma houve excomunhões, e face à modernidade, condenações contra a ciência, a democracia, os direitos humanos, a industrialização. 

"Em seu documento de 2000, Dominus Jesus, o cardeal Ratzinger reafirma tal visão com a máxima clareza e laivos de fundamentalismo". Esta atitude belicosa predominou até os anos 1960, quando foi eleito o papa João XXIII. Seu propósito era passar do anátema ao diálogo. Quis escancarar as portas e janelas da Igreja para arejá-la. Considerava blasfêmia contra o Espírito Santo imaginar que os modernos só pensam erros e praticam o mal, afirma Boff. 

É por isso que Carlos Signorelli, presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil, diz que, desde Puebla, em 1978, "há uma disputa de modelo de Igreja na América Latina. Um dos lados aposta no compromisso com os mais pobres, outro critica o uso de métodos sociológicos para a compreensão da Igreja e aposta na evangelização da classe média". 3 

Para Leonardo Boff, há bondade no mundo, como há maldade na Igreja. Importa é dialogar, intercambiar e aprender um do outro. A Igreja que evangeliza deve ela mesma ser evangelizada por tudo aquilo que de bom, honesto, verdadeiro e sagrado que puder ser identificado na história humana. 

"Deus mesmo chega sempre antes do missionário, pois o Espírito Criador sopra onde quiser e está sempre presente nas buscas humanas suscitando bondade, justiça, compaixão e amor em todos. A figura do Espírito ganha centralidade". 

Assim, o Concílio Vaticano II optou pelo diálogo com as igrejas protestantes e com a modernidade, através do mútuo reconhecimento e pela colaboração em vista de algo maior que a própria Igreja Católica romana, uma humanidade mais dignificada e uma Terra mais cuidada. 

Este aggiornamento, segundo Boff, trouxe vitalidade em toda a Igreja, especialmente na América Latina, que criou espaço para aquilo que se chamou de Igreja da base ou da libertação e da Teologia da Libertação. Mas acirrou também as frentes. Grupos conservadores, incrustados na burocracia do Vaticano, conseguiram se articular e organizaram um movimento de restauração, de volta à grande tradição. 

"Este grupo foi reforçado sob João Paulo II, que vinha da resistência polonesa ao marxismo. Chamou como braço direito e principal conselheiro, seu amigo, o teólogo Joseph Ratzinger, elevando-o diretamente ao cardinalato e fazendo-o presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, a ex-Inquisição. Aí se processou, de forma sistemática, vinda de cima, uma verdadeira Contra-Reforma Católica. O próprio cardeal Ratzinger no seu conhecido Rapporto sulla fede, de 1985, um verdadeiro balanço da fé, dizia claramente: 'A restauração que propiciamos busca um novo equilíbrio depois dos exageros e de uma abertura indiscriminada ao mundo'." 

Ele elaborou teologicamente a opção pelo confronto a partir de sua formação de base, o agostinismo, sobre o qual fez duas teses minuciosamente trabalhadas. Santo Agostinho, diz Boff, opera um dualismo na visão do mundo e da Igreja. Por um lado está a cidade de Deus e, por outro, a cidade dos homens, por uma parte a natureza decaída e por outra, a graça sobrenatural. 

"O Adão decaído não pode redimir-se por si mesmo, seja pelo trabalho religioso e ético (conforme defendia Pelágio), seja por seu empenho social e cultural. Em razão desta chave de leitura, o papa Bento XVI se confronta com a modernidade, vendo nela a arrogância do homem buscando sua emancipação por próprias forças. Por mais valores que ela possa apresentar, não são suficientes, pois não alcançam o nível sobrenatural, único caráter realmente emancipador. Nela vê, mais que tudo, secularismo, materialismo e relativismo. Essa é também sua dificuldade com a Teologia da Libertação. A libertação social, econômica e política que pretendemos, segundo ele, não é verdadeira libertação, porque não passa pela mediação do sobrenatural. Se o atual papa tivesse assumido uma teologia do Espírito, coisa ausente em sua produção teológica, teria uma leitura menos pessimista da modernidade", concluiu Leonardo Boff. 

Algumas considerações 

Assim, podemos ver que a visita de Bento XVI não teve como objetivo apenas enfrentar a crise externa da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, a perda de fiéis. Mas, também, enfrentar internamente um debate teológico sobre os caminhos do catolicismo na América Latina. 

No momento se dá um embate entre as duas posições analisadas. A Igreja latino-americana pende mais pela opção do diálogo. Essa é mais adequada à cultura brasileira, que não é fundamentalista, mas relacional. 

Essa luta interna na Igreja Católica não está resolvida. O certo é que o catolicismo romano, no Brasil, repetiu aqui os mesmos erros que o caracterizavam como sincretismo religioso na Europa medieval. Durante a colonização e o Império, foi considerado como o principal vínculo de unidade nacional, religião do Estado, que não permitia qualquer tipo de liberdade ou mesmo tolerância a qualquer outro pensamento religioso. 

Fruto desse monismo conservador e autoritário, aceitava o sincretismo, desde que acontecessem no seio da Igreja e não fora dela. Essa postura gerou o catolicismo popular brasileiro, que só começou a sofrer mudanças a partir do processo de industrialização, no século passado. 

A luta de teólogos como Leonardo Boff e de outros comprometidos com o Concílio Vaticano II é altamente positiva e se traduz numa aproximação ao pensamento reformado, em especial aquele defendido por Lutero. Mas esta luta não está definida. Podemos dizer apenas que a América Latina é hoje um dos centros onde essa guerra acontece e que, muito possivelmente, o mundo católico acompanhará o caminhar dos católicos latino-americanos e caribenhos. E aí reside a esperança daqueles que defendem oaggiornamento do catolicismo. 

Notas do autor 
1 Jorge Pinheiro, Teologia e Política, Paul Tillich, Enrique Dussel e a Experiência Brasileira, São Paulo, Fonte Editorial, 2006, pp. 147-184. 
2 Leonardo Boff, "Bento 16 e a guerra na igreja", Opinião, Folha de S. Paulo, 13/05/2007. 
3 Rafael Cariello, "Igrejas do papa e da América Latina se opõem em encontro", Folha de S. Paulo, 13/05/2007. 

Bibliografia 
Burns, Edward McNall, História da Civilização Ocidental, vol. 2, São Paulo, Editora Globo, 1990. 
Cairns, Earle E., O Cristianismo Através dos Séculos, São Paulo, Edições Vida Nova, 1992. 
Dussel, Enrique e outros, História Geral da Igreja na América Latina, Vozes, Petrópolis, 1985. 
Elwell, Walter (ed.), Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã, vol. 1, São Paulo, Edições Vida Nova, 1993. 
Falconi, Carlo, La Chiesa e Le Organizzazioni Cattoliche in Europa, Milano, Edizioni di Comunitá, 1960. 
Lima, Délcio Monteiro de, Os Demônios Descem do Norte, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1991. 
Pinheiro, Jorge, Teologia e Política, Paul Tillich, Enrique Dussel e a Experiência Brasileira, São Paulo, Fonte Editorial, 2006. 
Walker, W., História da Igreja Cristã, vol. I, São Paulo, ASTE, 1967.

O catolicismo e suas guerras

O catolicismo, as guerras internas e as guerras externas

Por Jorge Pinheiro *

ViaPolítica -- São Paulo, 06.01.2007 

Sobre a guerra externa, segundo o Datafolha Pesquisa de Opinião (05/05/2007), a partir de dados consolidados de oito pesquisas nacionais, realizadas em 2006 e em 2007, em um total de 44.642 entrevistas, os católicos são 64%, os evangélicos pentecostais, 17%, e os não pentecostais, 5%. Os espíritas kardecistas ou espiritualistas são 3% e, umbandistas, 1%. Os adeptos do candomblé e de outras religiões afrobrasileiras não chegam a 1%, e outras religiões atingem 3%. Aqueles que dizem não ter religião ou ser ateus, 7%. É importante notar que quando o Datafolha fez essa pergunta aos brasileiros pela primeira vez, em agosto de 1994, 75% dos brasileiros se diziam católicos, 10% evangélicos pentecostais e 4% evangélicos não pentecostais. Sem dúvida, a questão da perda de fiéis no Brasil é visível e preocupante para a Igreja Católica. 

Porém, a guerra interna é talvez mais importante ainda, porque a partir das posições em choque podem surgir diretrizes e, quem sabe, soluções para o catolicismo brasileiro. 

Assim, o que está em jogo é se a Igreja Católica na América Latina continuará lutando para se apoiar nos postulados do Concílio Vaticano II, reformista e progressista, ou se, a hierarquia vaticana, retornará aos valores tridentinos. 

Essas duas guerras nós queremos analisar aqui, mas para isso vamos fazer uma rápida viagem histórica para entender as matrizes teológicas e populares do catolicismo romano. 

Um passado presente 

As primeiras fortes pressões do pensamento divergente surgiram a partir do século dois depois de Cristo. Quase todas envolviam questões doutrinárias e geraram grandes discussões na jovem Igreja Cristã, entre os anos de 313 e 451. Dividiram-se em três blocos de questões: 

1. Teológicas, referentes à relação entre Cristo e o Pai, colocando ênfase na unidade divina. Geraram leituras teológicas como ebionismo, gnosticismo (docetismo) e arianismo. 

2. Cristológicas, referentes às naturezas de Cristo, dando origem ao nestorismo (afirmava que Jesus era um homem portador de Deus) e ao monofisismo (duas naturezas fundidas). 

3. E, antropológica, referente à natureza humana, onde Pelágio, seguindo a tradição oriental, afirmava que o ser humano nasce sem pecado, está sob a graça natural, e tem possibilidade de escolher entre o bem e o mal. 

É interessante notar que essas teologias divergentes estavam presentes no Oriente, nas igrejas de Alexandria, Constantinopla, Antioquia, Éfeso e do norte da África. Foram debatidas por teólogos como Atanásio, Eusébio de Cesaréia e Agostinho de Hipona, e combatidas por imperadores como Constantino e sucessores, assim como pela violência do poder do Estado. A vitória sobre cada uma dessas teologias divergentes significou a harmonização forçada às doutrinas defendidas pela nascente Igreja ocidental. E a violência utilizada pelo poder estatal ajudou a solidificar os laços entre a Igreja cristã e o Estado romano. Como resultado, a Igreja cristã herdou declarações formais sobre a fé, distanciando as questões doutrinárias da realidade e da prática do dia-a-dia. 

Na Igreja cristã, os bispos eram considerados iguais em termos de função, posição e autoridade. Mas uma série de acontecimentos históricos, assim como razões políticas, foram modificando essa realidade. A partir dos meados do século IV, a Igreja oriental mostrava-se exaurida pelas lutas teológicas que duraram quase cem anos. Um grande número de bispos tinha sido perseguido, preso e expulso da instituição. Além do mais, em 330, Constantino transferiu a capital do Império para Constantinopla. Depois de 500 anos como centro do poder político do Império, Roma agora passava a ter apenas uma autoridade, o seu bispo. Homens jovens, audaciosos, que sabiam rodear-se de pensadores como Jerônimo, Cipriano, Tertuliano e Agostinho, esses bispos não enfrentaram oposições teológicas de monta e souberam convocar sínodos em que conseguiam manter uma posição que era apresentada ao conjunto da Igreja como a correta. 

Dois fatos devem ser lembrados, pois marcam historicamente o surgimento da predominância política da Igreja de Roma. No ano de 452, Átila e os hunos ameaçaram incendiar Roma. Leão I (400-461), que ocupou o trono episcopal entre 440 e 461, negociou com Átila e conseguiu que ele abandonasse tal idéia. E Átila recuou. Em 455, Genserico e os vândalos fizeram a mesma ameaça. Desta vez, Leão I teve que entrar em acordo. Os vândalos saqueariam a cidade durante duas semanas, mas não a incendiariam. Genserico cumpriu sua parte no acordo. Hábil político, bom administrador e teólogo, Leão I foi o primeiro bispo a dar-se o título “papas” 1. Em édito imperial de Valentiniano, em 445, é reconhecida a supremacia espiritual de Leão I em todo o Ocidente, tornando-se “lei para todos” 2. 

Tecnicamente, porém, os historiadores protestantes apresentam como primeiro papa Gregório I (540-604), bispo de Roma. Com ele termina a história da antiga Igreja cristã e tem início de forma clara e definitiva o Catolicismo Romano. 

Mas, voltemos ao século IV. O imperador Constantino tinha conquistado a unidade militar, política e administrativa do Império. Mas, sabia, e os cem anos anteriores a ele mostravam, que uma força emergente, o cristianismo, poderia abalar esta unidade. O cristianismo era forte no Oriente. Exatamente por isso, apóia-se nele e sob proteção imperial possibilita um crescimento vertiginoso daquela religião que até o momento estivera à margem da lei. 

Assim, em 319, dá isenção de encargos públicos aos bispados, ao mesmo tempo em que proíbe os sacrifícios pagãos nas casas particulares. Em 321, dá aos bispados o direito de receber legados, doações e subvenções. 

O próprio Constantino, assim como sua mãe Helena, ordena a construção de grandes e imponentes igrejas, praticamente uma novidade na história semiclandestina do cristianismo ocidental até aquele momento. E os pastores daquele rebanho, antes perseguidos, são aceitos nos palácios, tornam-se autoridades e recebem subvenções do poder imperial. 

Sob pressão do Império, os funcionários públicos e militares aproximam-se da nova fé. Na verdade, esta é uma aproximação formal, política, e acontece como movimento de massas. Milhares de pessoas declaram-se cristãs e são batizadas. Mas não foram apenas os funcionários e militares, que por segurança política e pessoal aderiram ao cristianismo. Temos ainda os povos europeus, que, ao se aproximarem do Império, procuravam assemelhar-se a ele. Assim, nesse século IV, costumes não-cristãos entram na Igreja e começam a ser aceitos e defendidos. Não foi através de discussões doutrinárias que tais costumes foram se aninhando, mas no dia-a-dia da vida cristã cada vez mais a Igreja aceitou a paganização proposta por Roma Imperial. 

Essas tradições ocuparam definitivamente o coração da igreja. São elas: 

1. Veneração dos mártires 

A veneração dos mártires teve início no segundo século. Era costume realizar a Ceia do Senhor nos cemitérios e catacumbas onde estavam enterrados os mártires. Já nessa época os cristãos oravam por suas almas. Constantino incrementou o costume, pois os pagãos cultuavam seus heróis. Dessa maneira, os mártires passaram a ocupar o lugar dos antigos heróis e dos deuses. 

2. Inclusão dos santos no panteão dos mártires 

O conceito de santo era bem diferente daquele que surgirá na Idade Média. Eram considerados santas aquelas pessoas que se destacavam no serviço ao próximo, mesmo quando esta atividade não era religiosa. Assim, os santos eram escolhidos por senso comum entre os guardiões das cidades, os patronos de profissões e os curadores de doenças. Eram venerados com velas, que deviam ficar sempre acesas. 

3. O maior de todos os santos, a Virgem Maria 

Os mártires eram venerados, os santos eram venerados, logicamente Maria surgiu desde o segundo século como uma pessoa muito especial. Textos apócrifos como o “Evangelho de Tiago” a exaltavam. Irineu, no século IV, deu-lhe o título de “segunda Eva”. E nos concílios de Éfeso e Calcedônia, no debate com Nestório, foi chamada “theotokos”, mãe de Deus. Clemente, Jerônimo e Tertuliano creditaram a ela virgindade eterna. Agostinho disse que jamais cometera pecado. Aos poucos foi ocupando um lugar ao lado de Jesus Cristo, como co-intercessora dos cristãos. Mas só em 1854 o Catolicismo Romano define a sua imaculada conceição e, em 1950, a sua miraculosa assunção aos céus. 

4. Culto dos anjos 

Também tem início ainda na era apostólica, com a ênfase que lhe davam alguns sistemas gnósticos. No século IV, a mística cristã neoplatônica leva esta crença para dentro da igreja. E no século V, com Dionísio, o Areopagita, o culto é institucionalizado. O arcanjo Miguel passa a ser o mais venerado dos anjos. 

5. Relíquias e imagens 

Também começou muito cedo. Mas, no século IV, restos mortais de mártires e santos, como roupas, objetos pessoais e ossos eram venerados. Principalmente quando esses objetos eram atribuídos ou relacionados com Cristo, os apóstolos e os heróis da igreja. 

Já a veneração de imagens surge no século III. Mas é no correr do século seguinte que aparece a crença de que o ícone participava daquilo que ele retratava. Basílio Magno chega a afirmar que “a honra prestada à imagem transfere-se ao protótipo”. No Sétimo Concílio Geral, em 787, o Catolicismo Romano aprova o culto de imagens. 

Esse cristianismo defeituoso afetou profundamente a vida da Igreja, facilitando o ingresso de milhares de pagãos não convertidos à fé imperial. Foi defendido pelos monges e oficializado pelos grandes líderes da Igreja a partir da metade do século V. Surgia, assim, com o aval da hierarquia, o primeiro grande sincretismo cristão. Mas o problema não pára aí. 

Roma Imperial não somente mudou a hierarquia e favoreceu a paganização, como também provocou a secularização da igreja. Com a entrada maciça de pessoas não evangelizadas e não discipuladas, teve início o fim do culto democrático, onde o conjunto dos irmãos participava da adoração, quer através da música, das orações e da exposição da Palavra. Intimidada com o estado monárquico, a Igreja optou por uma liturgia aristocrática, definindo uma clara separação entre clero e leigos. O culto deixou de ser um ato de adoração da comunidade, um relacionamento entre Deus e o homem, através da presença santificadora do Espírito Santo, para transformar-se num espetáculo colorido, pomposo, cantado e falado num idioma que caminhava para a morte. 

O domingo tornou-se o dia principal do calendário eclesiástico, depois que Constantino estabeleceu que seria dia de culto cívico e religioso. A festa do Natal passou a prática regular no século IV, e dezembro, usado pelos adoradores de Mitra, foi adotado como mês do nascimento de Jesus. Acréscimos do ano judaico, narrativas do Evangelho e a vida dos mártires foram institucionalizados no calendário eclesiástico. Da mesma maneira, várias cerimônias transformaram-se em sacramentos, como o casamento, a penitência, a crisma e a extrema-unção. Razões políticas, ligadas à doutrina do pecado original, levaram ao batismo de crianças. E, por fim, a Ceia do Senhor passou a ser sacrifício e sacramento. Cipriano, por exemplo, declara que o sacerdote agia no lugar de Cristo na Ceia e que oferecia “sacrifício verdadeiro e pleno a Deus, o Pai” 3. 

Dessa maneira, o Catolicismo ocidental chegou ao Concílio de Trento (1545-1563) com uma teologia popular que nasceu do sincretismo com costumes e religiosidades dos povos europeus ocidentais, e com uma dogmática construída pela força nos séculos IV e V, e sedimentada na leitura radical de Agostinho, de que fora da igreja não há salvação. 

II. O toque brasileiro 

Mil anos depois dos acontecimentos que acabamos de descrever, mais precisamente entre 1545 e 1648, o Catolicismo Romano enfrentou a Reforma Protestante com um movimento que ficou conhecido como a Contra Reforma. Este movimento teve dois objetivos. Era uma reação externa ao protestantismo, mas representava também uma renovação interna no próprio Catolicismo Romano. 

Para nosso estudo, interessa em especial o papel exercido pela Ordem da Companhia de Jesus, considerada a arma mais positiva do catolicismo na luta contra o protestantismo. Seus objetivos eram a educação, o combate à heresia (entenda-se protestantismo) e missões estrangeiras. Reconquistaram grande parte da Alemanha, o sul da Holanda e a Polônia para o catolicismo, trabalharam no Extremo Oriente e na América Latina, em especial no Brasil. 

O Brasil colonial conheceu o trabalho desses reformadores católicos. Mas, em 1759, eles foram expulsos do país, gerando uma crise de identidade no catolicismo até então existente. Cresceu então a tendência ao sincretismo. E o catolicismo brasileiro começou a viver um longo período de semelhança com a história que descrevemos nas páginas anteriores. Na verdade, o pior da apostasia católica misturou-se às crenças pagãs indígenas e africanas, gerando um catolicismo popular que predomina até hoje entre as grandes massas brasileiras. 

As tradições passaram, então, a ter uma cara brasileira. São elas:

1. Tendência ao maravilhoso 

Com a expulsão dos jesuítas, a liturgia racional, tomista, intelectual, foi rapidamente sobrepujada pelo milagreiro e pela exaltação das emoções. A Igreja tornou-se popular, cheia de crendices, devoções, orações fortes, benzeções. A Virgem Maria tomou o lugar de Cristo e surgiram duas virgens tipicamente brasileiras, a da Penha, instalada como o nome diz em morros e outeiros, e a de Aparecida, que surge nos mais diferentes lugares, do Rio Grande do Sul ao norte do país. Jesus, transformado em “Bom Jesus”, aparece nos vários cenários da Paixão: da Cana Verde, da Lapa, do Bonfim etc. 

Mas uma das formas mais expressivas do maravilhoso é o espetáculo. O culto virou festa. E a festa recebeu o nome de folia, loucura, traduzindo a estrutura das antigas religiões pagãs da Roma Imperial. Lá, os pagãos se embriagavam e dançavam junto ao “fanum”, o templo dos deuses. Aqui o espetáculo é parecido: fogos de artifício, fogueiras, bandas, fanfarras e muita luz. Faziam parte da folia os almoços fartos, as procissões com santos ricamente vestidos e estandartes coloridos. 

E cada folia passa a ter seu ciclo. É o ciclo do Natal, com a representação do presépio com imagens ou ao vivo. A Quaresma e a Semana Santa, com a penitência e procissões, com almas benditas e penadas, com o medo e familiaridade com os mortos, com a procissão das almas, e as cruzes nos caminhos. E a folia do Divino, ligada às tradições medievais dos cruzados, que deveria acontecer no Pentecostes, mas nem sempre acontece. Como era necessário levantar dinheiro, cada folia tinha um imperador ou rei, festeiros, juízes e homenageados. 

O maravilhoso transformou a igreja, o templo, em local de reunião e longas conversas. E os sacerdotes passaram a ser chamados para abençoar tudo: o engenho, o corte da cana, a inauguração de um prédio público. Surgem as devoções e ritos mágicos para o bom parto, para impedir infidelidade conjugal, mordedura de cobra etc. 

As promessas aos santos tornaram-se comum para conseguir favores: construção de capela, esmolas especiais, romarias, dar nome de santo às crianças, jejuns. Surgiu uma grande procura por rosários, de coquinhos e piaçaba torneada, que garantiam subsistência aos índios que viviam nos arredores das cidades. Os rosários eram usados no pescoço, como patuás. E medalhas, escapulário, e fitas de santo. 

2. Tendência ao profetismo messiânico 

Sessenta anos depois da expulsão dos jesuítas, gestados nesse catolicismo popular, surgem os movimentos proféticos messiânicos. Eles têm como origem a crença de que dom Sebastião de Portugal, o Rei Encoberto, retornaria de forma messiânica, para fazer justiça, distribuir riqueza e acabar com a miséria. Dois desses movimentos, porque fartamente documentados, devem ser citados. 

O primeiro é o do profeta José dos Santos, que surgiu em 1817, no Monte Rodeador, em Alagoas. O movimento do profeta José dos Santos tinha uma organizada estrutura militar, trabalhava a agricultura, uma rígida moral, grande religiosidade e uma hierarquia laicizada. O segundo movimento, o Reino Encantado do rei João Ferreira, surgiu na Pedra Bonita, em Pernambuco. O rei João Ferreira instalou a promiscuidade sexual com fins cultuais e seus cultos culminaram com sacrifícios humanos. 

Ambos os movimentos foram massacrados por tropas armadas. É interessante que o profetismo messiânico apareceu em diversas partes do país e quando surgia era geralmente aceito ou tolerado pelo clero local. 

3. Tendências carismáticas 

O catolicismo brasileiro em sua expressão popular sempre teve uma forte tendência carismática. A partir de meados do século XVIII e correr do século XIX, dezenas de ermitões vagavam pelo interior do país. E a Igreja Católica, na maioria das vezes, procurava manter um bom relacionamento com esses homens, apadrinhando-os sempre que possível, pois eram vistos como santos. Eram homens solitários, cercados de mistérios, que usavam hábito religioso, mesmo sem pertencer a nenhuma ordem eclesiástica, que deixavam crescer a barba e os cabelos. Um dos mais famosos foi o Irmão Lourenço (1758), fundador do Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em Caraça, Minas Gerais. 

Além dos ermitões surgiam as beatas. Estas geralmente eram recolhidas pelos conventos e outras entidades religiosas. Quando isso não acontecia, tinham o mesmo modo de vida dos ermitões. A Irmã Germana (início do século XIX), por exemplo, viveu toda sua vida conhecida no alto da Serra da Piedade, em Minas Gerais. 

Não podemos esquecer que o maior profeta messiânico da história do país, Antonio Conselheiro, foi um ermitão e andarilho antes de arregimentar seus seguidores em Canudos. 

Notas do autor 
1. Earle E. Cairns, O Cristianismo através dos séculos, São Paulo, Editora Vida Nova,1992, p.128. 
2. Idem, op. cit., p. 128. 
3. Cipriano, Epístolas, 63, 14, in Earle E. Cairns, O Cristianismo através dos séculos, EVN, 1992, p.130. 

* Jorge Pinheiro é Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Doutor e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo e professor de Teologia na Faculdade Teológica Batista de São Paulo.

mardi 22 avril 2025

Bergoglio

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Bergoglio, pensamento social

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lundi 21 avril 2025

Eco-théologie et politique global d'enviroment

Eco-théologie et politique global d´environnement 
Un dialogue nécessaire et possible

La théologie de la création 
La théologie œcuménique et les relations inter-religieux 
La théologie de l´Evangile social 
Bibliographie


A teologia da construção 
Jorge Pinheiro a partir de um texto de Nicole VERNET

I) Os relatos da construção 
1. Os dois primeiros relatos da construção 

Os primeiros capítulos do Gênesis apresentam dois relatos da construção. No relato de Gênesis 1, a apresentação é cosmológica. É uma visão pacífica da construção, onde as lutas do Eterno estão ausentes. A construção se dá como planejamento, através da exposição de como deve ser feito. O Eterno diz como as coisas deverão ser. Ele construção a partir da desconstrução, daquilo que ainda não está. Organiza luz e trevas, águas de acima e águas de baixo. A construção é separar e juntar. Nos três primeiros dias ele constrói uma ordem contra o caos, a ordem que garante a vida. Nos três dias posteriores cria os sistemas de vida necessários, fundações dos ecossistemas futuros. A construção é muito diferente de Deus. Ela não é divina, mas tem equilíbrio próprios e é abençoada por Ele. O humano é o único ser construído à imagem de Deus e recebe a função de dar continuidade à organização e desenvolvimento dos ecosistemas. Tal proposta de organização e desenvolvimento é acompanhada por limitações e responsabilidades diante da construção fundante.

As narrativas do Gênesis 2 e 3 são diferentes. Aqui Deus aparece como um oleiro que molda o homem com a argila. O quadro não é cósmico, mas o de um jardim chamado Paraíso. Os sexos são diferenciados como em Gênesis 1, Ele criou homem e mulher. A história de Gênesis 2-3 é apresentada como o enredo de uma história.

2. O dilúvio, uma história da desconstrução 

O relato do dilúvio contrasta o mundo projetado por Deus com o mundo que conhecemos hoje, corrupto. Mostra uma Terra cheia de violência. E a violência pode levar a Terra de novo ao caos. Deus tira conclusões e quer apagar a sua construção. A inundação é um retorno ao caos primordial. O primeiro ato construtivo não foi dividir as águas? A inundação é o juízo de Deus. Não é apenas um desastre natural, mas traduz o destino comum da humanidade. A história do dilúvio ressalta a responsabilidade humana para com sua espécie e para com o universo construído. A ação de Noé, de salvar os animais, destaca a responsabilidade do ser humano para com a construção fundante.

3. Relatos isolados

O texto de 2 Macabeus 7.28 -- "Olhe para o céu e para a terra, contempla o que há neles, e reconhece que Deus criou tudo a partir do nada" foi usado para defender a idéia da criação/ construção ex nihilo. Outros textos, como os salmos 33 e 136, louvam Deus como criador. E algumas narrativas bíblicas lembram a luta de Deus pela manutenção da criação/ construção e contra o retorno do caos primordial, como Jó 38-42 e o Salmo 74. Provérbios 8 apresenta a sabedoria de Deus presente na criação/ construção. E em Colossenses 1,15-20, Cristo inaugura a nova construção.

II) Os principais conceitos da teologia da construção
1. Creatio ad extra 

A construção é um puro dom de Deus fora de si, do latim ad extra. Deus constrói através da retirada. A Teologia da Criação desmistifica o mundo. Deus, na origem, não está nas árvores ou outros elementos da natureza. O mundo criado não é Deus. A distância entre Deus e sua criação não permite trabalharmos com a idéia de panteísmo. E a livre escolha humana é o que torna possível a relação entre Deus e sua criatura.

2. Deus causa causarum

A ação de Deus não deve ser identificada com uma causa física, mas causa causarum, isto é, como a causa das causas. Isto significa que, para além de uma causa identificável para a razão, há uma causa que é inacessível.

3. Creatio ex nihilo

A criação ex nihilo pode ser pensada como foi a criação do mundo -- o tempo da criação. A zprimeira consequência é que o ser humano não é anterior à criação. A segunda consequência é que a criação do tempo coloca o ser humano em um mundo em mudança e corruptível. Contradiz a creatio ex nihilo toda concepção de preexistência de matéria. A criação como ordenação da matéria pressupõe a existência de uma criação prévia, o que é inconcebível no contexto da criação ex nihilo.

4. Creatio continua

A teologia cristã distingue a criação original, a criação e a criação continuada cumpra no reino. Creatio continua deve ser entendida como conservação do universo. Deus não abandona a sua criação, mas continua presente por meio de Sua providência. Deus, o Criador, continua a apoiar a sua criação contra o caos que a ameaça sempre.





La teologia dell'essere umano ...

Come viene elaborata la relazione tra significato e significante, sia nel caso isolato di
interazione tra esseri umani e realtà, sia nel caso dell'intero processo di costruzione
di testi antichi? Se dentro la conoscenza della costruzione del testo c'è l'essere umano
un essere significativo possiamo allora vedere che la scala di valori del sistema etico,
offerto da questa costruzione alla comunità, diventa parte integrante del significato
dato al mondo dalla costruzione stessa. Pertanto, all'interno di un'interazione
significante/significato ci sono elementi dinamici di trasformazione. l'universo è
mondo dell'essere umano, in cui costruisce il suo habitat. Attraverso il significato dato
dall'essere umano alla natura, nell'accezione d'uso che la presta,
agisce su di essa producendo cultura e trasformazione.
La costruzione dei testi antichi, come relazione tra significante e significato, lo è
dialettica. Perché se rende significative la persona e la comunità, le consente entrambe
trasferendo al mondo che li circonda la cosmovisione che utilizza questo stesso significato.
Rendendo significativa la sua realtà, l'essere umano dà luogo a trasformazioni,
genera cause e comincia a costruire il futuro, non più come sogno, ma come
realtà. Per rendere possibili tali trasformazioni, è necessario trasferire, mentre
comunità, nuovi significati ai processi storici e sociali. attraverso la relazione
stabilite tra significante e significato troveremo le cause delle connotazioni.
Uno degli esempi di questo processo si trova nel libro delle Origini, quando il
la divinità comanda la circoncisione del clan di Abramo. La circoncisione, precedentemente una consuetudine
presente in alcune tribù della Palestina, ha la connotazione di alleanza. E la circoncisione,
come alleanza, diventa il segno di una comunità speciale e separata, lo è
comandamento dell'Eterno. Ma questo accade solo storicamente, quando le persone e
comunità vivere una tale ordinanza. È, quindi, che la circoncisione fa ogni uomo
ebraico significativo di questa costruzione, dando significato culturale, storico e teologico
all'atto di tagliare il prepuzio.
In questo senso, la rivelazione traduce il processo di costruzione degli antichi testi ebraico-cristiani, come spiegato sopra, e, pertanto, in questo lavoro diamo la dovuta importanza a
alla linguistica e all'antropologia, per costruire una teologia dell'essere umano,
mentre imago Dei. Pertanto, consideriamo che quando smettiamo di posizionare il file
sfide di Cristo, l'umano e l'interpretazione in dialogo con l'imago Dei
comprendiamo le questioni fondamentali sul destino umano in modo frammentato. Per
così, così definiamo il nostro cammino nella costruzione di questa teologia dell'essere umano,
costruito con tre momenti: quello metodologico, la lettura dei testi antichi e il
contestuale-contemporaneo, quando la teologia dell'essere umano invade le nostre vite, come
sfida dell'azione e della trasformazione.
Pertanto, vogliamo che il lettore comprenda questo processo di costruzione dei testi
tempi antichi, come una sfida etica, e può camminare in questa teologia dell'essere umano, che
sfide all'azione e alla trasformazione.

jeudi 17 avril 2025

Jornal A Cruz Huguenote abril 2025

Jornal da Cruz Huguenote/Edição Abril 

A França Antártica e a Declaração da Guanabara* 
🙏🇫🇷🇧🇷🇮🇹🇵🇹😏

Caros irmãos leitores, compartilhamos nosso jornal. 
Aproveite os artigos, estão imperdíveis!! 

Notícias do campo, projetos, novidades. e testemunhos. 
Agora é só clicar e conferir no link abaixo 

 👇Boa Leitura
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mardi 15 avril 2025

Eu, você e a hora de Jesus

A MÃE E A HORA DE JESUS


“Houve um casamento no povoado de Caná, na região da Galileia, e a mãe de Jesus estava ali. Jesus e os seus discípulos também tinham sido convidados para o casamento. Quando acabou o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: — O vinho acabou. Jesus respondeu: — Não é preciso que a senhora diga o que eu devo fazer. Ainda não chegou a minha hora. Então ela disse aos empregados: — Façam o que ele mandar. Ali perto estavam seis potes de pedra; em cada um cabiam entre oitenta e cento e vinte litros de água. Os judeus usavam a água que guardavam nesses potes nas suas cerimônias de purificação. Jesus disse aos empregados: — Encham de água estes potes. E eles os encheram até a boca. Em seguida Jesus mandou: — Agora tirem um pouco da água destes potes e levem ao dirigente da festa. E eles levaram. Então o dirigente da festa provou a água, e a água tinha virado vinho. Ele não sabia de onde tinha vindo aquele vinho, mas os empregados sabiam. Por isso ele chamou o noivo e disse: — Todos costumam servir primeiro o vinho bom e, depois que os convidados já beberam muito, servem o vinho comum. Mas você guardou até agora o melhor vinho. Jesus fez esse seu primeiro milagre em Caná da Galileia. Assim ele revelou a sua natureza divina, e os seus discípulos creram nele”. (João 12.1-12)


Um estranho diálogo 


Maria, presente na festa de casamento, pediu para que Jesus manifestasse a sua glória. Aqui temos um diálogo aparentemente estranho. Há uma pedido de Maria e há uma resposta algo seca, como se Jesus quisesse fugir ao pedido. Assim começa a história do primeiro milagre público de Jesus. Mas, mãe e filho se conheciam muito bem.


Maria era uma mãe judia piedosa. Mas o que era uma mãe judia piedosa? A família judia, nas tradições antigas, recitava na entrada do shabat o último capítulo de Provérbios, como referência e tributo a esposa e mãe ideal. Esposa e mãe eram vistas como pessoas alegres, compreensivas, reverentes. Ela dava o tom espiritual quotidiano da família. Reunia os filhos em torno de si, quando pronunciava a bênção das luzes, preparava a casa para as festas. E, importante, era a conselheira de toda a família. Aquela mãe piedosa conhecia o seu filho. E o filho conhecia a sua mãe. Assim, naquele diálogo não houve discussão, Maria expôs o problema e se dirigiu aos empregados da casa: "Façam o que ele mandar". É... ela conhecia o seu filho.


Mas o clamor de Maria remete ao clamor humano diante das limitações, do fim da alegria e da felicidade que trombam com a perda de sentido, com a morte. O vinho acabou. Na caminhada humana, o vinho sempre acaba, permanece diante de nós a alienação, o atravessar errantes o deserto não escolhido. A frase de Maria é de todos nós humanos... o vinho acabou! 


A hora de Jesus


“Ainda não chegou a minha hora” (João 2.4). Mas, qual é a hora de Jesus? E a hora da manifestação da sua glória. E essa hora se aproximava, dirá mais tarde o apóstolo João (7.30; 8.20; 12.23-27). O pedido de Maria transformou-se assim numa antecipação simbólica da manifestação da glória, que teve seu anticlímax, seu momento de terror e tristeza, na cruz, e seu clímax, seu momento maior, na ressurreição. Como Moisés (Ex 4.1-9), Jesus deveria realizar sinais para mostrar que tinha sido enviado pelo Pai. Esses sinais e maravilhas deveriam chamar seus discípulos à fé.


Mas ele disse à mãe que ainda não chegara o momento da manifestação maior de sua glória. Não do seu ministério, que já iniciara com seu batismo, tentação no deserto e escolha dos primeiro discípulos. Por isso, João se refere ao casamento de Caná como o terceiro dia a partir da escolha de André, irmão de Pedro, Filipe e Natanael.


Dias depois, numa discussão no templo de Jerusalém, “os chefes dos judeus perguntaram-lhe: "Que sinal nos mostras para poderes fazer isto?" Jesus respondeu: "Destruam este santuário e eu em três dias o haverei de levantar”. (João 2.18-19).


A transformação de água em vinho apresentou-se, então, como uma antecipação da ressurreição, fim definitivo do clamor humano, da perda de sentido, das lágrimas... A ressurreição de Jesus foi e é a manifestação de sua glória. E, por isso, o apóstolo Paulo clamará: “se não há ressurreição, comamos e bebamos, porque amanhã morremos” (1Coríntios 15.32)


Eu, você e a hora de Jesus


Como os discípulos, eu e você vimos a glória de Jesus. Ele fez esses sinais para que eu e você crêssemos. Você crê que Jesus é o rei da glória?


“Cristo ressuscitou dos mortos e é a garantia de ressurreição para os que morreram. Assim, se por meio de um homem começou a morte no mundo, por outro homem começou a ressurreição dos mortos. Deste modo, unidos a Adão todos estão sujeitos à morte e unidos a Cristo todos voltarão a receber a vida”. (1Coríntios 15.20-22).


Em Cristo, do pastor e amigo

Jorge Pinheiro.



dimanche 13 avril 2025

Princípios de interpretação do cânon judaico

Princípios de interpretação

Textos do antigo do cânon judaico 

Jorge Pinheiro, a partir de L. Byron Harbin, PhD.

Faculdade Teológica Batista de São Paulo.

 

1. Distinguir a natureza da literatura do trecho.

 

1.1.  Jó 38.7 -- É poesia ou prosa ?

1.2.  Êxodo 20.8 -- É lei ou evangelho; Mc. 1.1; Mt. 4.23; Ef. 2.8-10? Provérbio (axioma), Pv. 13.20? ou canção de amor, Ct. 1.2? ou drama poético, Jó 2.16? ou hino, Sl.42.1?

1.3.  Gênesis 1.27 -- É narrativa religiosa ou tratado científico moderno? Predição, Is.2.2? ou ensaio biográfico, Ec.1.12? Cântico profético, Is.45.12, 18; 43.6-7? ou poesia dramática, Jó 10.8-9?

1.4.  II Timóteo 3.16 nos mostra a finalidade principalmente religiosa e moral dos textos do cânon judaico antigo.

 

2. Estabelecer a posição histórica do autor e do trecho. 

 

2.1.  Salmo 137.8-9 comparado com Mateus 5.43-48.

2.2.  Jó 7.9-10 e 10.21-22 comparado com Jó 19.25-26.

2.3.  Salmo 6.5 e Eclesiastes 9.5 comparados com Lucas 23.43 e II Timóteo 1.10.

 

3. Levar em conta o contexto do trecho.

 

3.1.  Isaías 14.12 à luz dos versículos 4 e 16.

3.2.  Gênesis 1.3 e 5 à luz de 1.14 e 19.

3.3.  Gênesis 1.26-27 e 31 à luz de 2.4b-7.

 

4. Notar as relações existentes entre o trecho profético e o seu futuro cumprimento ou cumprimentos.

 

4.1.  Gênesis 13.15 comparado com Jeremias 29.10; 32.36-41; Esdras 1.1-5; Hebreus 11.8-10; 12.22-24; Apocalipse 21.2,10.

4.2.  Jeremias 31.31-34 comparado com Hebreus 8.6-7,13; 9.11-15.

4.3.  Isaías 53.7-8 comparado com Atos 8.32-33.

4.4.  Malaquias 4.5-6 comparado com Mateus 11.14.

4.5.  Amós 9.11-21 comparado com Atos 15.16-18.

 

5. Procurar entender a linguagem original em que o autor escreveu.

 

5.1.  Êxodo 6.3 - “O Senhor” quer dizer Jeová, ou Javé, ou Iaweh, o nome de Deus revelado em relação à aliança feita com Israel, Ex. 19.3,5 ; 34.5-7; Mt. 1.21-22; Lc. 1.31-33. É o Deus que, se identificando em relação à aliança, posteriormente se encarnou em Jesus,  “Salvação de Jah” ou “Javé”, a fim de cumprir o seu propósito maior em fazer a aliança com Israel.

5.2.  “Criar” (bara) em Gênesis 1.1, 21,27 e 2:4 não é a mesma palavra traduzida como “fez” em Gn.1.7,16 e 25.

5.3.  Salmo 6.5 - “no sepulcro” quer dizer mais do que o simples túmulo, a palavra original sheol indica a região dos mortos.

 

ESQUEMA HISTÓRICO

 

Criação ......................................................... de 8 a 25 bilhões de anos a. Cristo.

Os patriarcas ...................................................... cerca de 2000 a 1600 a. Cristo. 

Moisés e o Êxodo ...........................................     cerca do século 13 a. de Cristo.

Samuel (último juiz e primeiro profeta).............  cerca de 1075 a 1035 a. Cristo.

Saul  .......................................................  reinou de 1050/45 a 1010 a. de Cristo.

Davi  ...................................................................  reinou de 1010 a 970 a. Cristo.

Salomão ................................................................ reinou de 970 a 931 a. Cristo.

A divisão do reino nos dias de Roboão  ........................... cerca de 931 a. Cristo.

A destruição do reino do norte (Israel, Efraim) ..................... 722/721 a. Cristo.

A destruição do reino do sul (Judá) ......................................  587/586 a. Cristo.

A primeira volta dos judeus da Babilônia sob Zorobabel  ............. 537 a. Cristo.

A obra de Esdras  ............................................................. cerca de 458 a. Cristo. 

A obra de Neemias  .......................................................... cerca de 432 a. Cristo.

 

OS GÊNEROS LITERÁRIOS 

Textos do antigo cânon judaico  

 

1.  Os escritores foram inspirados por Deus? II Timóteo 3.16.

 

2.  Ao inspirar, Deus falava por pessoas escolhidas, II Pedro 1.20-21. No seu escrever e editar, essas pessoas eram inspiradas (sob a influência especial do Espírito de Deus) para registrar a revelação que lhes fora dada de várias maneiras. Assim, os seus escritos são inspirados. Pelo mesmo Espírito esses escritos tornam-se iluminados a nós que temos fé e assim também nos inspiram. Atualmente se usa “inspirar” no sentido de emoção, mas o termo correto seria iluminação, no sentido de instrução proveniente do Espírito da Bíblia.

 

3.  A palavra (mensagem) de Deus escrita, é um compêndio de literatura proveniente do antigo Oriente Médio. É assim que devemos iniciar a nossa caracterização do aspecto humano da Bíblia, sempre levando em consideração também o seu aspecto divino (inspiração).

 

3.1.  texto clássico consta de 39 livros e é uma coleção literária (aspecto humano).

 

3.2.   Foi escrito em duas línguas semitas antigas (Gênesis 10.21 e 26), o hebraico e o aramaico. Somente Daniel 2.4-7.28, Esdras 4.8-6.18 e Jeremias 10.11 foram escritos em aramaico (sírio antigo, cf. Dt.26.5 ; Gn. 25.20), o resto em hebraico, língua irmã, a língua de Canaã, Is. 19.18.

3.3.  Portanto, é uma coleção de literatura proveniente do Antigo Oriente Próximo (de cerca de 1400 a 200 antes de Cristo).

 

3.4.  Se não fosse assim, seria necessário a Deus repetir toda esta obra para cada nova geração e língua.

 

3.5.  Ao descobrirmos o sentido do relato para o antigo povo de Israel, em face da sua língua e ambiente cultural e histórico, é que sentiremos de maneira mais tocante, sob a iluminação do Espírito, a sua mensagem vital e autêntica para nós.

 

3.6.  Deve-se salientar ainda que as porções mais antigas do conteúdo do AT, antes de serem colocadas na sua forma final, eram transmitidas oralmente e depois fixadas em escrito. As narrativas de Gênesis parecem-nos um caso em questão. Um exemplo claro está em Jeremias 36.2. Todas as mensagens do profeta da época de 627 a 605 antes de Cristo são referidas. Ele teria gravado na memória suas mensagens, muitas encontrando-se em forma poética.

 

3.7.  Os dez mandamentos foram esculpidos em tábuas de pedra, Ex 31.18. Moisés teria preservado “O Livro da Aliança” em alguma forma de “livro”, Ex 24.4,7. Também a conservação do “Livro da Lei” encontrado no templo em 621 antes de Cristo, II Reis 22-23, é exemplo adicional da tendência de formar “livros”, possivelmente rolos de pergaminhos como no caso de Jeremias 36. A arqueologia nos mostra que blocos de barro foram usados mais comumente na antiguidade remota.

 

3.8.  Assim a tradição oral e a escrita teriam coexistido lado a lado por séculos, sendo que no período do exílio babilônico (após 586 a.C.), e especialmente no período de Esdras (c.458 aC) em relação à Lei, teriam sido as duas empregadas para produzir a forma original final dos livros. A evidência, contudo, leva a crer que as porções centrais do conteúdo fossem conservadas o quanto possível em forma escrita através dos séculos desde a época de Moisés em diante, cf. Ex 17.14 ; 24.7 ; Nm 33.2 ; Dt 27.3 ; 31.9 , 24-26 ; Js 1.8 ; 23.6 ; 24.26 ; I Rs 2.3 ; II Rs 22.8 ; 23.25 ; Ed 3.2 ; Ne 8.1-3 ; 11.13.

 

 

4.  A pré-história oral e escrita teria relação principalmente com os livros do AT que tratam do período pré-exílico -- o Pentateuco, os livros históricos, os profetas pré-exílicos, e porções de livros como, por exemplo, Salmos e Provérbios .

 

4.1.  A pré-história escrita. Moisés, segundo Ex 24.4,7, escreveu o “Livro da Aliança”, o qual teria existido em separado até tornar-se uma das formas empregadas pelo autor do Livro de Êxodo. Josué 10.13 refere-se a outro antigo livro-fonte, “O livro dos justos”, em que o autor teria se baseado em parte. I Reis 11.41 menciona uma das fontes escritas do seu autor, “O Livro da História de Salomão”. II Reis 1.18 refere-se ao “Livro da História dos Reis de Israel”. A crítica literária referida abaixo era a primeira das disciplinas do alto criticismo a surgir nos tempos modernos (séc.18 d.C.) e se preocupa principalmente com a investigação das fontes literárias refletidas no atual texto.

 

4.2.  A pré-história oral. É interessante notar que Ex 15 relata “O Cântico de Moisés”, o qual ele e o povo entoaram ao Senhor. O assunto celebrado é o livramento de Israel do exército de Faraó. Ex 14 contém um relato prosaico do mesmo acontecimento. É lógico, na base das dicas do texto, que o cântico fosse preservado tanto em forma oral como escrita, e também que fosse preservado por grupos de sacerdotes ligados a um ou mais dos santuários em Israel.

 

4.3.  A pré-história do texto dos livros mais antigos do AT, portanto, tem ocupado o interesse dos estudiosos no século 20. Assim se desenvolvia o estudo das formas típicas de fala que jazem atrás do texto e servem de dicas para entender algo da origem e do uso na comunidade de Israel do bloco do conteúdo. Na vida de uma comunidade existiam determinadas situações típicas que se repetiam com regularidade, sendo muitas vezes ligadas a certo lugar e determinada época. Tais situações (Sitz im lebem, ou “contexto vital”) teriam incluído o julgamento, o culto divino, festas religiosas, etc. em certos lugares como Siquém e Jerusalém. A forma de expressão era determinada pelo correspondente Sitz im lebem e ela se realizava mediante fórmulas e gêneros literários fixos. Esta disciplina, não muito prática é chamada de a crítica das formas e desenvolveu-se depois da crítica literária. Ela tem dado seus melhores resultados no estudo dos Salmos. Dois nomes importam quanto à sua origem : Hermann Gunkel e Sigmund Mowinckel .

 

4.4.  A crítica literária do AT tem suas raízes no humanismo da Renascença e da Reforma Protestante, embora surgisse historicamente no racionalismo europeu do século 19. A preocupação principal da disciplina é situar o autor na sua época à luz da marcha da história .

 

4.4.1.  Esta disciplina tem servido para desafiar a tese tradicional de Moisés como autor do Pentateuco em si, por exemplo, achando o Pentateuco composto no período do exílio babilônico na base de quatro extratos (documentos) surgidos em diferentes grupos em Israel e em épocas diferentes.

 

4.4.2.  A crítica literária também tem procurado elucidar os documentos ou extratos usados pelos autores dos outros livros do AT, como por exemplo, no caso dos livros de Samuel, Salmos, Eclesiastes, Cânticos, Jonas, Isaías, Daniel e Zacarias.

 

5.  Perante o fato do surgimento arqueológico de textos variados provenientes tanto em Israel como dos povos vizinhos, os estudiosos têm se preocupado em comparar a literatura clássica com aquela das descobertas. O resultado tem sido promissor.

 

1.  Os gêneros literários dos textos arqueológicos se dividem, semelhante ao AT, em duas categorias principais: prosa e poesia. 

 

6.1.  As subcategorias da prosa (a forma natural de falar, por oposição ao verso) são geralmente entendidas como incluindo: 1) narrativa, 2) parábola, 3) fábula, 4) alegoria, 5) sermão, 6) história curta, 7) discurso, 8) oráculo e 9) ensaio.

 

6.1.1.  O debate entre os estudiosos relaciona-se principalmente à subcategoria de narrativa. As descobertas arqueológicas mostram historiografia, mito, conto-folclórico, lenda, saga e material jurídico. Será que no AT contamos com mito, conto, lenda e saga? Têm-se dito que sim, mas a maioria dos eruditos têm chegado à seguinte conclusão típica exemplificada por Bentzen: “No Antigo Testamento só encontram-se restos e adaptações de material mitológico”, porque o mito não teve condições favoráveis em Israel devido à sua ligação com o politeísmo (cf. Is 27.1 , 51.9; Ez 29.3; Jr 51.34; Sl 74.13,14; 104.26; Is 14.12-15; Ez 28.12-15; Gn 1-2).

 

6.2.  As subcategorias da poesia (a arte de se expressar em verso que emprega linguagem figurada e expressiva para descrever a beleza ou o sentido da coisa).

 

6.2.1.  Pelo menos uma terça parte do AT é de poesia.

6.2.2.  Foi somente em 1753 d. C. que essa poesia foi examinada e descrita.

 

6.3. As principais categorias da poesia são:

 

6.3.1. Canções

6.3.1.1.  Nupciais - Cantares de Salomão.

6.3.1.2.  Fúnebres - lamentações.

6.3.1.3.  Hinos - Os Salmos 42-46 , 92 , 124, 147.

6.3.1.4.  Populares - I Samuel 18.7 (resumo da canção popular).

 

6.3.2.  Bênçãos e Maldições (“palavras patriarcais’) - Gn 12.1-3; 14.19-20; 22.16-18 48.15-16; 49.2-27 cf. Gn 3.14-19; 4.23-24; 9.25-27.

6.3.1.  A sentença - uma só linha poética, Gn 10.9; I Samuel 10.12.

6.3.2.  O Enigma - Jz 14.14.

6.3.3.  O Provérbio - O livro de Provérbios, cf. Jr 18.18.

6.3.4.  Poemas diversos - Os Salmos, a maior parte de Jó é poesia dramática.

6.3.5.  Segundo Robert Lowth (o estudo é de 1753 d. C.) e estudiosos posteriores, a poesia hebraica tem duas características básicas que se mostram grande variedade por todo o AT:

6.3.7.1.  paralelismo , ou “rima”, de pensamento.

6.3.7.2.  várias sequências de sílabas tônicas e átonas (ritmo). 

 

7. Tem-se desenvolvido outras disciplinas além da crítica literária e das formas.

 

7.1.  A crítica da história das tradições ocupa-se dessas duas a fim de traçar a história pré-canônica dos vários blocos homogêneos de material (tradições) para entender melhor a história religiosa e teológica que teriam produzido a tradição. 

 

7.2.  A crítica canônica visa entender os livros à luz da história da sua canonização e lugar no cânon como sendo Escritura Sagrada para o judaísmo e a Igreja. Quais os valores que os antigos judeus, por exemplo, teriam achado ao livro de Jonas para incluí-lo no cânon entre os profetas? Salienta-se a necessidade de olhar para a totalidade de um livro bíblico ao invés de somente analisar as tradições separadas refletidas nele. O livro todo, na forma em que se encontra e na divisão canônica da qual faz parte, importa como palavra de Deus para a Igreja. Esta disciplina é mais promissora do que algumas outras da alta crítica e foi motivada por uma reação contra a esterilidade espiritual e prática de muita coisa na alta crítica.

 

samedi 12 avril 2025

Um mashiah muito especial

Um mashiah muito especial – caminho, verdade e vida

Jorge Pinheiro



A ação do Cristo/ do Mashiah na vida humana é a vitória sobre a idéia da força trágica da matéria eterna, traduz a idéia de que o mundo é uma criação divina. É a vitória da crença na perfeição do ser em todos seus aspectos sobre o medo trágico e a matéria que resiste hostil ao divino. É a negação radical do caráter demoníaco da existência em si. Dá à existência um valor essencialmente positivo e valoriza os acontecimentos da ordem temporal. Com a ação do Mashiah, ao contrário do que pensava Anaximandro, a ordem do tempo não leva apenas ao transitório e perecível, mas também à possibilidade de algo totalmente novo, um propósito e um fim que dá pleno significado à vida humana.



No Mashiah o tempo triunfa sobre o espaço. O caráter irreversível do kairós substitui o tempo cíclico, transitório e perecível do pensamento helênico. A partir desse momento, destino outorga graça, que traz salvação no tempo e na história. O mundo helênico e sua interpretação da vida foram superados e com eles, a religião, os mitos e os cultos de mistério.



Antes, a filosofia buscava desesperadamente a revelação, agora a revelação apodera-se da filosofia dando origem à teologia. Assim, a teologia jogou fora o destino demoníaco e por extensão a metafísica helenística e se apropriou de suas formas lógicas e de seus conteúdos empíricos. O transitório e perecível da filosofia helenística não teve importância na formação do pensamento ocidental, mas sim a idéia da criação divina do mundo e a fé numa providência divina, através da salvação que se constrói historicamente e acontece no kairós. E isso já não é helenismo, mas teológica cristã. 



Hoje a globalização excludente é mitologia que consome o mundo. E diante dela devemos fazer o mesmo que fizeram seguidores do Mashiah dos primeiros séculos. Assumir o comissionamento que nos foi entregue. É necessário proferir um não ao tempo presente. E nessa crítica, o fundamental é envolver-se na situação histórica concreta, ter a coragem de decidir e colocar-se sob julgamento, ao nível do particular. 



O amigo do Mashiah deve olhar o mundo com atenção. E a luta dos povos em diáspora deve sensibilizar os intelectuais que fazem parte das assembleias cristãs, pois estamos vivendo uma era de kairós, e as utopias dos povos em diáspora são partes do clamor contra a opressão que caracteriza este início de século. Não é correto classificar as utopias dos povos em diáspora como simples conflito racial e religioso, ou como problema localizado em regiões distantes do globo. Ao contrário, hoje estamos vendo um clamor global do desterrado e excluído. As utopias de liberdade dos povos em diáspora não serão revoltas raciais e religiosas se estivermos interessados em praticar a fraternidade do Mashiah. Porém, pregou-se, por muito tempo, um messianismo vazio de fraternidade, que não significava mais que o desejo de que os povos aceitassem passivamente o seu destino colonial. As nações industriais do Ocidente subjugaram culturas, nações e povos por razões econômicas. Essas ações de saques internacionais golpearam os continentes e são os responsáveis pelo baixo padrão de vida que prevalece em todo o mundo chamado subdesenvolvido. 



Nosso comissionamento deve traduzir o pensamento palestino de destino, ou seja, de estar proposto para algo sublime, no sentido de que os limites estão dados de antemão, da lei transcendente na qual está imbricada o conceito de liberdade. Assim, estar predestinado implica uma trindade conceitual: o estar predestinado está sujeito à liberdade; estar predestinado significa que a liberdade também está sujeita à lei; estar predestinado significa que liberdade e lei são interdependentes e complementares.



Vamos pensar essa questão a partir de uma chocante história da Torá. O príncipe dos pregadores do século dezenove, Charles Haddon Spurgeon, pregou um sermão que ficou conhecido como Apressando a Ló, com base no texto de Gênesis 19.15. O centro da mensagem de Spurgeon é que diante de uma cidade que vai arder, justos e errantes devem ser apressados.



O justo deve ser apressado em relação ao que é melhor para sua família, a sair da loucura do século presente e buscar a solidariedade do Eterno. E o errante deve ouvir do perigo iminente e da necessidade de tomar uma decisão imediata.



O pano de fundo do sermão é a cidade que vai arder.



Décadas mais tarde, um poeta norte-americano, de ascendência inglesa, escreveu sobre um mundo que já ardeu. Seus poemas traduzem a angústia profética diante da guerra e do drama humano. Terra Desolada é um dos mais impressionantes poemas de Thomas Stearns Eliot. É um gemido diante de um mundo árido, onde sobreviventes se arrastam e agonizam. Escrito entre 1921 e 1922, é considerado o mais terrível poema da literatura ocidental no século vinte.



Mas, em meio ao desespero, podemos ver o sentido de transcendência que brota na Terra Desolada desse cristão agoniado diante do destino humano. No final da terceira parte do poema, chamado O Sermão do Fogo, terror e êxtase se complementam:



“A Cartago então eu vim, ardendo, ardendo ardendo ardendo, Ó Senhor tu que me arrebatas, Ó Senhor tu que me arrebatas, ardendo ...”



Eliot em suas notas conta que o primeiro verso acima foi tirado das Confissões de santo Agostinho, quando o teólogo diz: “A Cartago então eu vim, onde todos os amores ímpios, como num caldeirão, cantavam em meus ouvidos”. E o verso seguinte faz parte do Sermão do Fogo, de Buda, que segundo Eliot é tão importante para o mundo oriental quanto o Sermão da Montanha para nós cristãos. E volta às Confissões de Agostinho, com o verso: “Ó Senhor Tu que me arrebatas”. Eliot afirma que “a inserção destes dois representantes do ascetismo oriental e ocidental no ponto culminante desta parte do poema não é fortuita”, já que através de uma leitura cheia de ecumenicidade transmite ao leitor toda a angústia diante de um mundo que arde.



Três anos mais tarde, Eliot lançou Os Homens Ocos onde, ainda em meio ao mundo desolado, fala de homens vazios, empalhados. E é aqui, neste poema, que a transcendência transborda, apontando para o sentido profundo da mudança de rumo. 



“Entre o desejo, e o espanto, entre a potência e a existência, entre a essência e a descendência, tomba a sombra, porque teu é o reino, porque Teu é a vida é porque teu é o ... “



E numa estrofe sublime, genial, completa: “Assim expira o mundo, assim expira o mundo, assim expira o mundo, não com uma explosão, mas com um suspiro”. 



Diante de uma cidade que vai arder, de um mundo que já ardeu, ficam a urgência e a esperança... “e como ele estava demorando, os anjos pegaram pela mão Ló, a sua mulher e as suas filhas e os levaram para fora da cidade...”



Analisando o conceito cristão palestino de destino ou estar predestinado, exposto por Shaul/ Paulo em sua carta aos romanos (8.31-39; e 9), podemos dizer que a liberdade humana está ligada às leis universais, de tal forma que liberdade e leis se encontram intrinsecamente entrelaçadas. Aqui Shaul trabalha com um conceito judaico, de que lei é imposição de limites, que faz parte da revelação, que se expressa pela primeira vez como criação de haShem. Mas para Shaul, se o mal é uma probabilidade que surge da correlação lei/graça, o julgamento era inerente a tudo na criação, mas também a liberdade.



Assim, a certeza de que o estar predestinado é divino e não demoníaco e tem um significado realizador e não destruidor é peça-chave do pensamento daquele cristão-novo que chamamos Shaul, que coloca o logos acima do destino. Ao fazer isso, Shaul está dizendo que a compreensão do estar predestinado não está ao alcance do ser humano, nem pode ser submetido aos processos do pensamento humano. Mas esse logos eterno se reflete através de nossos pensamentos, embora não exista um ato do pensamento sem a secreta premissa de sua verdade incondicional. Mas a verdade incondicional não está ao nosso alcance. Em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco em cada enunciado da verdade. Mas, mesmo assim, devemos correr este risco, sabendo que este é o único modo que a verdade pode ser revelada a seres finitos e históricos.



Quando mantemos relação com o logos eterno e deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos o lugar que cabe ao estar predestinado em nosso pensamento. Podemos reconhecer que desde o princípio esteve submetido ao estar predestinado e que o nosso pensamento sempre desejou livrar-se dele, mas nunca conseguiu. Tarefa teológica da maior importância, na análise cristã do estar predestinado é saber relacionar logos e kairós. O logos deve envolver e dominar as leis universais, a plenitude do tempo, a verdade e o estar predestinado da existência. A separação entre logos e existência chegou ao fim. O logos alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco a ele próprio, mas porque é a expressão de seu próprio caráter intrínseco, sua liberdade.



É necessário, porém, entender que tanto a existência como o conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o imutável e eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento liberto do destino: a revelação. Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, todo ser humano possui uma potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu estar predestinado. Quanto maior a potencialidade do ser – que cresce à medida que é envolvido e dominado pelo logos – mais profundamente está implicado seu conhecimento no estar predestinado.



Nosso destino, que aqui deve ser entendido como missão, é servir ao logos, num novo kairós, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino, no sentido de prokeimai, em grego estar colocado, ser proposto, e o de nossa sociedade, tanto mais livres seremos. Então, nosso trabalho será pleno de força e verdade.



Diante da mitologia das ideologias excludentes, nosso comissionamento permanece o mesmo dos primeiros cristãos: levar a graça de Cristo a um mundo em crise, imerso em culpa e destino trágico. 



Assim, não podemos falar em mitologia quando falamos do Mashiah, e sim de simbologia, principalmente em relação às parábolas de Yeshua. A mitologia é fenômeno social e cultural, não é um erro ou uma farsa. Quem é que conhece ou define sua vida pelo Santo Graal? Esse assunto deve ser situado no campo da ficção. 



O pensamento do Mashiah leva a um posicionamento do coração e da mente, que brota das promessas de haShem. É uma confiança que nasce da reflexão e leva à constatação de que haShem é digno de crédito. Mas, de maneira nenhuma, lança fora a afetividade, a vontade, a personalidade, as ações, as experiências e as obras enquanto componentes do posicionamento.



Se não houver mudança não há fé. Yochanan/ João, o batista, pregava o batismo do arrependimento, isto porque sem regeneração também não há fé. Assim, o pensamento do Mashiah parte do processo de conhecimento da revelação, que está ligado à obediência, e que em última instância é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana, arrependimento e regeneração de vida. Ora, mas se falamos de revelação, nos colocamos diante da aletheia, verdade, no sentido de desvelamento, de a-lethe, que é a negação do esquecimento. Para os pensadores pré-socráticos physis, logos e aletheia formavam a base primeira do pensar filosófico, e para nós seguidores do pensamento do Mashiah, fundamenta a nova vida.



Aletheia transcende o humano, por ser uma ideia que se coloca fora do tempo, antes do tempo, como fundamento do tempo. É a palavra da justiça, que envolve a memória, confiança, poder de persuasão e adesão última. Os pensadores pré-socráticos não trabalhavam uma oposição rígida entre verdade e falsidade, por isso outros pares de opostos como memória e esquecimento, certo e errado, confiança e engano também deviam seguir este padrão. 



Ora, é necessário compreender que aletheia é um ideia que expressa a força da physis enquanto natureza, cosmo, que traduz a verdade dos justos e dos sábios, mas é frágil, sujeita a erro e à fraude -- uma palavra para o léthé. Assim, aletheia significava colocar-se fora do lethe, fora do esquecimento, e nos fala da experiência de colocar-se fora de uma situação que a princípio deveria ser esquecida ou deixada de lado. É uma experiência ontológica. Não é apenas uma recurso de linguagem. É um conceito governado pelo lethe. Baseia-se no fato de que é necessário desvelar, trazer à revelação aquilo que estava fora ou colocado no esquecimento. 



Esta compreensão fez parte do mundo grego, e é o âmago da expressão entre os pensadores pré-socráticos e poetas como Homero e Hesíodo. E desde Platão, em sua Alegoria da caverna, aletheia aparece como o brilho da idéia. Mas, há um pressuposto presente no pensamento de Aristóteles, que vai influenciar todo o pensamento moderno, quando aletheia é entendida enquanto dimensão lógica: uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ou seja, a verdade aparece, então, ligada ao princípio da não-contradição, passa a traduzir a idéia de que algo realmente não pode ser e não-ser. E no pensamento moderno, a verdade ressurge no pensar matemático, em Descartes, e no fenômeno, em Kant. E será entendida como o "intellectus adaequatio". Assim, passa a ser compreendida na modernidade como uma correspondência entre a idéia e a coisa. Ou seja, quando esta construção do conhecimento é estabelecida a verdade é atingida.



Mas será Martin Heidegger quem confrontará a posição aristotélica, ao entender que a lógica fica em suspensão em relação à verdade do ser, quando se aplica o princípio da contradição em um círculo.



Heidegger voltou ao significado original da ideia de verdade, partindo dos pré-socráticos, Parmênides, Heráclito, Anaximandro e também de Homero, o poeta. Para os primeiros pensadores pré-socráticos, três temas -- physis, logos e aletheia -- estão em contato, porque são conceitos fundamentais para se pensar a filosofia. E essa relação deve ser mantida. Heidegger põe em xeque o postulado aristotélico, e volta às origens gregas para desconstruir a dimensão lógica do conceito verdade. Ou seja, retorna à compreensão ontológica de verdade, que exige deixar de fora do conceito a idéia exclusiva de acordo e retidão de julgamento. E assim, em Heidegger, a verdade volta a ser um conceito aberto, como fora para os pensadores pré-socráticos, em especial para Parmênides. 



Para Platão, a aletheia é um evento, e não levar em conta que o evento ocorreu produz perda de sentido, porque esse esquecimento é perda metafísica de sentido, o que para Heidegger é catástrofe e colapso. Em Platão não é um acontecimento em processo, mas o resultado de um processo. O acontecimento é fato dado. Ou seja, estamos diante da mutação da essência e por extensão do ser. 



Para Heidegger, a verdade caminha pari passo com o bem. E isso está posto a partir de Platão, que na República, apresenta o bem supremo como regulador, é aletheia/bem. Ou seja, Platão vai além dos pré-socráticos Parmênides e Heráclito nas suas construções primeiras de aletheia. E Heidegger seguiu a trilha aberta por Platão.



Martin Heidegger trabalha a verdade como inauguração do estar e não como um acordo de início. Assim o conceito verdade remete, a partir de Heidegger, a duas compreensões fundamentais: (1) eficácia: o logos não está separado de sua realização, porque traduz as forças da natureza; (2) intemporalidade: o logos é pronunciado em um tempo que escapa a sucessão de passado, presente e futuro. A partir de Heidegger, não podemos afirmar que hoje a verdade deixou de existir, mas que, como entendeu Emmanuel Levinas, deu-se em relação a ela uma perda de precisão, ou seja, de sentido. 



Mas o Mashiah disse que ele é o caminho, a verdade e a vida. E que ninguém vai ao Pai senão por ele. E um amigo do Mashiah, Toma, expressou dúvidas para crer, para entender. E por isso o Mashiah disse: "Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida". 



Uma das linhas-força dessa correlação de idéias teológicas -- caminho, verdade e vida -- presente nas escrituras hebraico-judaicas e na filosofia grega é a ideia de halakha, que se transformou em ramo da literatura rabínica. Ela trata das obrigações religiosas às quais devem se submeter os judeus em suas relações com o próximo e com haShem. Ela engloba todos os aspectos da existência. Mas halakha tem em sentido mais amplo, o de caminho. 



Assim, a partir da halakha, mais do que propor uma adoração estática a haShem, as escrituras nos falam de andar com ele. Daí a idéia de caminho. O ser humano é colocado a cada momento e a cada dia diante da exigência de exercer sua liberdade e escolher entre o bem e o mal, ou, como diz Deuteronômio 30.15: “Vejam que hoje ponho diante de vocês vida e prosperidade, ou morte e destruição”. 



A linha-força do caminho da lei ou halakha é extensa e profunda nas escrituras. E se antes repousava na lei, agora é o próprio Mashiah. E é a partir desse conceito teológico que estrutura o pensamento hebraico-judaico, que podemos entender a afirmação de Yeshua. 



Os hebreus falaram sobre o caminho que as pessoas deviam tomar. HaShem disse a Moshe: “Cuidareis em fazerdes como vos mandou o Senhor, vosso Deus; não vos desviareis, nem para a direita, nem para a esquerda. Andareis em todo o caminho que vos manda o seu Senhor, vosso Deus” (Deuteronômio 5:32-33). Moshe disse ao povo: “Sei que, depois da minha morte, por certo, procedereis corruptamente e vos desviareis do caminho que vos tenho ordenado” (Deuteronômio 31:29). Isaías havia dito: “Os teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra, dizendo: Este é o caminho, andai por ele.” (Isaías 30:21). No mundo novo haveria uma estrada chamada o Caminho de santidade. Nela, os caminhantes, por simples que fossem suas almas, não se extraviariam (Isaías 35:8). O salmista orou: “Ensina-me, haShem, o teu caminho” (Salmos 27:11). Os judeus sabiam muito sobre o caminho de haShem que deviam seguir. E o Mashiah disse: "Eu sou o caminho". 



Em grego, halakha se transforma em hodós, o caminho mais curto. E uma outra ideia se agrega, meta, 'depois' ou 'que segue' se junta a hodós, 'caminho', e passa a significar 'seguir um caminho' para chegar a um fim. Assim, em filosofia, especialmente em epistemologia, o método delimita o modus de obtenção do conhecimento.



Mas voltemos ao Mashiah que afirmou: eu sou o caminho, eu sou a verdade, eu sou a vida. O autor dos Provérbios disse que o mandamento é lâmpada, e a instrução, luz; e as repreensões da disciplina são o caminho da vida” (Provérbios 6:23). “O caminho para a vida é de quem guarda o ensino” (Provérbios 10:17). “Tu me farás ver os caminhos da vida”, disse o salmista (Salmos 16:11). O ser humano busca o caminho, busca a verdade, busca a vida. E o Mashiah responde este anseio ao dizer, “ninguém vem ao Pai, senão por mim”. Ou seja, viver no caminho nos leva a pensar a verdade ... e para entender a policromia deste conceito devemos continuar o percurso, fazer a trilha da aletheia.



A aletheia tem, num primeiro momento, o sentido de desvelamento: de negar lethe, negar o esquecimento. Para os gregos, designava a essência, aquilo que é, e por isso tinha correlação com a arché, com a origem, quer em relação à auto-manifestação da realidade, quer em relação à manifestação dos seres humanos. Em latim temos veritas, que corresponde a maneira de narrar os fatos acontecidos, e a maneira de narrar determinará a verdade dos fatos.



Então, lhe disse Pilatos: Logo tu és rei? Respondeu-lhe o Mashiah: Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve minha voz. Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade? Tendo dito voltou aos judeus e lhe disse: Eu não acho crime algum nele (João 18:37-38)



Sobre o diálogo entre o Yeshua e Pilatos podemos observar que o Mashiah não tem dúvida sobre o quem é a verdade e Pilatos não sabe o que é a verdade. É importante compreender que filosoficamente construímos o conceito verdade a partir de três concepções diferentes, vindas da filosofia grega e do latim, do judaísmo e de sua correlação com o pensamento do Mashiah.



Na concepção grega, aletheia é o que não mais está oculto, e como tal é verdadeiro, pois se manifesta aos olhos e ao espírito. O falso é pseudos, o encoberto, o que parece ser mas não é. De acordo com essa concepção aletheia está na essência, sendo idêntica a realidade e acessível apenas ao pensamento, é verdade aos sentidos. Assim um elemento necessário é a visão inteligível, em outras palavras o ato de revelar, o próprio desvelamento.



Na concepção pragmática latina veritas significa exatidão, rigor do que se refere à linguagem como expressão de fatos acontecidos. A concepção latina afirma a capacidade das pessoas em descrever com precisão um acontecimento. Essa concepção depende da forma que os fatos são narrados. Nesse ponto a veritas trata de descrever com detalhes o ocorrido no passado.



Observam-se diferenças nas concepções grega e latina. Para a filosofia grega, a verdade faz parte da essência que foi desvelada. Na latina é a precisão dos fatos que são contados que vão determinar se esse fato e verdadeiro ou falso. E na leitura hebraica, parte do conceito de emunah, que significa posicionamento, mas também confiança. Nessa concepção há um comprometimento, mas quando correlacionado com a pistis essa confiança se transforma numa verdade que chamamos fé. Ora, na mitologia grega, pistis era a personificação da boa-fé, da confiança e da confiabilidade. Ela aparece sempre ao lado de outras virtudes como a esperança, a prudência e as graças, todas associadas à honestidade e à harmonia entre as pessoas. Mas, equivalente, sobretudo à fides latina. Assim, nota-se que a confiança/fé é a base desta concepção. A verdade passa então a ser a expressão deste posicionamento e desta confiança/fé, embora pareça absurdo para quem se coloca fora de tal confiança. 



Assim, aletheia se refere ao que as coisas são ao serem desveladas, veritas se refere aos fatos que foram relatados, e emunah/pistis se refere àquilo que virá a ser, porque assim foi prometido. Ou seja, aletheia é, tal como se manifesta agora ao nosso espírito, veritas mostra os fatos conforme foram relatados, e emunah/pistis aponta para aquilo que será e que foram prometidas. 



Mas, a aletheia não está fora da vida. E no hebraico temos a palavra hayah, que traduz a ideia de respirar. O substantivo hayah, no entanto, significa viver, ter vida, sustentar a vida. Se estiver na forma gramatical hifil tem o sentido de reanimar, reviver, restaurar à vida, o que aponta para o conceito de levantar da morte, ressuscitar.



E zoé é o conceito de vida comum a todos os seres vivos. Traduz a vida animal, o momento mais simples da vida bios. A vida animal está lá embaixo, quando comparada a bios. Afinal, o ser humano é escravo de suas necessidades básicas de sobrevivência. Sua servidão remete a um moto sem fim para atender suas necessidades básicas. Esta vida zoé retrata a simplicidade de uma vida não qualificada, que por não ser superior têm como destino ficar oculta. Ficar oculta significava ter hábitos moderados no comer, beber, na sexualidade e na não-violência. Não havia punições para quem fosse moderado, mas a moderação na vida zoé mostrava que a pessoa poderia exercer o bios político.



Na zoé dos gregos há uma desqualificação do corpo (soma) na definição da vida, sem representação política, como no caso dos escravos. A vida bios é a vida racional, própria de pessoas ou comunidades. A vida política é a bios política como uma vida qualificada. Um tipo de vida de pessoa que é admirada por suas ações e condutas. Por sua práxis, pelo que ele faz, e por sua léxis, pelo que ele diz. Práxis e léxis nas pessoas e comunidades possibilitam a existência da polis democrática, e por extensão da liberdade. 



Mas quando compreendida a partir do hayah, da vida que ressurge, os discípulos do Mashiah vão além da compreensão grega. Veem zoé, que tem nela o hayah bíblico, como a vida eterna, dom do haShem entregue àqueles que aceitam o Mashiah, como senhor. E a vida bios passa de fato a ser a vida terrena, que renasce no permanente ciclo de nascimento e morte.



Por isso, o Mashiah respondeu a Toma/ Tomé: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão através de mim.”



E voltemos à festa da Candelária. Que haShem abençoe você, que ele faça resplandecer o seu rosto sobre você nesta festa em que se comemora a luz de Yeshua, que veio ao mundo, inclusive com os crepes oferecidos aos peregrinos, não apenas por lembrarem o sol em seu formato e cor, mas também como forma de dizer: ainda possuímos provisão para o inverno. Que haShem lhe dê a luz e provisão em abundância, é a oração que faço de todo o coração por você, pedra preciosa e resplandecente aos olhos de haShem. E que assim seja!







Referência bibliografia





ELIOT, T. S., Poesia, 3a. edição, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1981.

SPURGEON, Charles Haddon, Esboços Bíblicos de Gênesis a Apocalipse, aprendendo com o príncipe dos pregadores, São Paulo, Shedd Publicações, 2002.