Algumas dicas do amigo Ben
Sirac
“Palavras amáveis
multiplicam os amigos, uma língua afável multiplica as palavras
corteses. Sejam numerosos os que te saúdam, mas teus conselheiros, um
entre mil! Se queres adquirir um amigo, adquire-o provando-o: não te apresses
em confiar nele. Há quem seja amigo na hora que lhe convém, mas não
permanece tal no dia da aflição. Há o amigo que se transforma em inimigo e
revela as divergências, para tua desonra. Há o amigo, companheiro de mesa,
que não permanece tal no dia da aflição. Na tua prosperidade será como tu
mesmo, dando ordens com desenvoltura a teus servos. Mas se fores
humilhado, estará contra ti e se ocultará da tua vista. Mantêm distância
dos inimigos e usa de cautela com os amigos. Amigo fiel é refúgio seguro: quem
o tem encontrou um tesouro. Amigo fiel não tem preço: é um bem
inestimável. Amigo fiel é um elixir de longa vida: os que temem o Senhor o
encontrarão. Quem teme o Senhor dirige bem sua amizade: como ele é, tal
será seu companheiro". Ben Sirac 6.5-17.
Yeshua, filho de Sirac, por
isso chamado Ben Sirac, escreveu reflexões que entraram para a cultura judaica
como peças da sabedoria judaica helenizada, escritas entre os anos 190 e 124
antes da Era Comum. Aqui ele fala sobre a amizade e espero que você, como os
cristãos dos primeiros séculos, possa fazer bom proveito dessas reflexões.
Jorge Pinheiro.
Os textos de Yeshua ben
Sirac não fazem parte dos textos sagrados do judaísmo. Professor ligado
aristocracia jovem de Jerusalém, fez viagens ao exterior em missões oficiosas,
o que nos leva a crer que tenha ocupado cargo de importância junto ao Sinédrio,
organismo de governo sob a responsabilidade do sacerdote maior. Por ter vivido
em Jerusalém entre os anos 200 e 180 antes da Era Comum, viveu os tempos de
transição da dominação complacente dos ptolomeus do Egito em direção à
dominação sangrenta dos selêucidas da Síria. Trabalhou com o sacerdote-maior
Simão (50.1-24), que ocupava tal função quando Jerusalém foi conquistada por Antíoco
III em 198. Viveu a tragédia da deposição e assassinato de Onias III, filho de
Simão, em 174, e a perseguição de Antíoco Epífanes (175-163) contra a cultura e
religião judaicas. Assim, viveu sob dominções estrangeiras que oscilaram entre
a complacência e o terror, e assistiu e possivelmente apoiou a insurreição
liderada pelos Macabeus, em 167.
Por isso, ao contrário de
estarmos diante de um livro apenas religioso a obra de Jesus ben Sirac traduz
uma sabedoria destinada a consolidar a segurança do Estado, frente a inimigos
externos e internos. Nesse sentido, despido da linguagem religiosa que
possibilitou sua leitura sem censura e perseguições, estamos diante de textos
que nos falam sobre os procedimentos do Estado na construção de sua segurança.
Tomemos por exemplo esse
bloco de pensamentos e o leiamos como dirigido a elite dos dirigentes Macabeus
e a aristocracia jovem que sobe ao poder com eles.
“Palavras amáveis multiplicam os amigos, uma língua afável multiplica as
palavras corteses. Sejam numerosos os que te saúdam, mas teus conselheiros,
um entre mil! Se queres adquirir um amigo, adquire-o provando-o: não te
apresses em confiar nele. Há quem seja amigo na hora que lhe convém, mas
não permanece tal no dia da aflição. Há o amigo que se transforma em
inimigo e revela as divergências, para tua desonra. Há o amigo,
companheiro de mesa, que não permanece tal no dia da aflição. Na tua
prosperidade será como tu mesmo, dando ordens com desenvoltura a teus
servos. Mas se fores humilhado, estará contra ti e se ocultará da tua
vista. Mantêm distância dos inimigos e usa de cautela com os
amigos. Amigo fiel é refúgio seguro: quem o tem encontrou um
tesouro. Amigo fiel não tem preço: é um bem inestimável. Amigo fiel é
um elixir de longa vida: os que temem o Senhor o encontrarão. Quem teme o
Senhor dirige bem sua amizade: como ele é, tal será seu companheiro”. Ben
Sirac 6.5-17.
O leitor apenas religioso,
de ontem e de hoje, vê apenas um tratado sobre a amizade nas palavras de ben
Sirac. Mas se levarmos em conta que as invasões de Alexandre levaram ao Oriente
uma nova civilização, globalizada enquanto helenismo, era necessário pensar
questões como choaue de culturas, religião e ecumenismo que pela força,
diplomacia e comércio tendiam a abolir fronteiras e colocar em xeque o
judaísmo.
Ben Sirac, homem da
inteligência judaica, acolhe aspectos importantes da cultura grega, como a
filosofia estóica, mas sabe que a adoção não crítica do helenismo põe em risco a
religião judaica (Sr 2.12-14) base da cultura palestina. E critica as
concessões e entregas de membros do sacerdócio e da aristocracia, conforme
denuncia o movimento dos Macabeus (cf. 1Mc 1-2).
Assim, ben Sirac trabalha
com um paradoxo, a busca da liberdade e a presença do mal, traduzida na
presença imperial. O ser humano foi criado livre (15.14), e o mal não se
encontra na divindade, mas na ação humana (15.11-13). Aí está a fonte do mal
(21.27; 25,24). Mas é possível enfrentar as forças da destruição (31.10).
Por isso, sua religião se
aproxima de uma antropologia política, e aqui quero destacar alguns desses
elementos. Faz uma apologia do nacionalismo judaico através do resgate da
tradição dos antepassados (44.1-49,16). Opõe a Lei outorgada a Israel no Sinai
(24.23), ou seja, a jurisprudência judaica, ao helenismo. E diante da nova
racionalidade da filosofia grega reivindica a sabedoria judaica que fala do temor
de Deus, enquanto aplicação da Torá escrita (1.26; 6.37). Dessa maneira, como
professor e homem da inteligência chama ao estudo da Lei como tarefa para a
sobrevivência nacional. E defende a fé tradicional: Deus é eterno e único (18.1;
36.4; 42.21); é o autor da criação (42.21.24), conhece todas as coisas (42.18-25).
E como homem da
inteligência defende um futuro nacional, político, para a nação viável e
soberano. Isso pode ser visto, em lingugem religiosa na oração que faz pela
libertação e restauração de Israel (36,1-17), quando diz “glorifica tua mão e teu braço direito. Excita o teu furor e
derrama tua cólera. Suprime o adversário e aniquila o
inimigo. Apressa o tempo, lembra-te do momento fixado e divulguem-se as
tuas façanhas. Por um fogo vingador seja devorado o que sobreviver, e os
que maltratam teu povo encontrem sua ruína. Esmaga as cabeças dos chefes
inimigos que dizem: "Não há ninguém como nós!”
Essa oração poderia ser eco do
messianismo que começa a crescer no período macabeu, mas sua interpretação permanece discutida.
A atitude do Sirácida em
face de uma crença na ressurreição, o seu amor do culto, sua veneração pelo
sacerdócio sadoquita (cf. 51,12 no hebraico) e, por outro lado, a falta de
referência explícita às idéias messiânicas que se desenvolverão nos meios
fariseus fizeram-no relacionar-se com uma espécie de pré-saduceísmo. De fato,
pode-se situá-lo na linha desse movimento conservador, nacionalista, ligado à
Lei escrita. Mas seria um erro assimilá-lo pura e simplesmente aos saduceus que
conhecemos pelos evangelhos e por Flávio Josefo: ele viveu antes da
diferenciação do judaísmo em seitas caracterizadas.
Em relação às nações pagãs,
Ben Sirac manifesta uma atitude já tipicamente judaica. Após certa abertura
universalista nos profetas, as dificuldades do período pós-exílico levaram
Israel a um particularismo pouco a pouco reforçado pela idéia da eleição bem
como pelas exigências práticas da vida segundo a Lei: circuncisão, sábado,
regras de pureza alimentar e ritual. A concepção helenista do homem cidadão do
universo, então em voga, não arrefeceu a ufania do autor de pertencer à raça
escolhida no meio da qual a própria Sabedoria estabeleceu sua residência
privilegiada (24,7ss).
Ele recomenda separar-se, principalmente dos ímpios
(11,33; 12,14; 13,17), atitude dos essênios de Qumran, que dará aos fariseus essa designação característica: "os
separados". O mundo aparece, pois, dividido em duas categorias, a dos bons
e a dos maus ou, equivalentemente, a dos sábios e a dos insensatos (21,11-28).
Contudo, há traços reveladores de uma sensibilidade nova no judaísmo, e certos
desenvolvimentos sobre o perdão (27,30-28,7) encontrarão paralelos nos Evangelhos. Talvez mesmo a concepção do "semelhante" que é
"carne" como cada ser humano (28,4-5) anuncie já a idéia de que todos
os homens são irmãos. Aliás, a exegese judaica antiga compreendeu às vezes Lv
19,18 da seguinte maneira: "Amarás o teu próximo como a outro tu
mesmo".
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire