Elementos para uma pesquisa sobre a política social de Jesus
Prof. Dr. Jorge Pinheiro
Nesta
pesquisa em busca das bases bíblicas da política social de Jesus trabalhamos
com o texto de Lucas 4.14-30 e tomamos como referenciais a Ben Witherington III[2] e John Howard
Yoder[3].
Witherington
III analisa a marginalidade social de Jesus a partir das realidades expressas
pela hierarquia sacerdotal da época em relação a ele. Ao não ter pai conhecido
e reconhecido não tinha direito a um nome. Por isso, era visto como alguém de
genealogia desconhecida. E o fato de ser nomeado homem de Nazaré, oriundo de
uma vila de camponeses e artesãos, pouco conhecida e afastada das rotas
comerciais, fazia com que sua identidade geográfica também o desclassificasse
como possível figura messiânica.
Assim,
genealogia e geografia faziam dele um judeu socialmente à margem, que, por suas
origens, não merecia crédito. Mas, esse homem-sem-nome, esse homem-sem-terra
santa iniciou suas atividades de maneira no mínimo inusitada na sinagoga de
Nazaré, conforme descreve Lucas.
Segundo
Yoder, na época, não havia nas sinagogas uma leitura dos profetas regularmente
prescrita. E o fato de essa passagem não estar presente nos lecionários
conhecidos posteriormente, tende a indicar que Jesus a escolheu de propósito.
Morris, afirma que essa hipótese corrobora a afirmação de Lucas: “abrindo o
livro, achou o lugar onde estava escrito”.[4] Aqui dois
detalhes merecem ser realçados: primeiro, é a única referência clara nos
Evangelhos de que Jesus sabia ler. E, segundo, por que, ao ler Isaías 61.1-2,
ele omitiu uma frase, curar os contritos de coração e acrescentou outra,
libertar os oprimidos, que está em Isaías 58.6? Na verdade, utilizou os
textos que considerou mais úteis à exposição de sua plataforma político social.
O uso que
fez de termos políticos, como reino e evangelho, mostram que tal seletividade
tinha uma finalidade: falar de uma promessa política de intervenção social alternativa
àquelas dos poderes presentes na época. Assim, se lermos o texto apresentado
por Jesus, numa perspectiva rabínica, estamos diante de uma recorrência às
promessas do jubileu, quando as injustiças acumuladas durante anos deveriam ser
sanadas. A fala daquele homem de identidade questionada não afirmava que a
Palestina seria resgatada na escala temporal, mas que deveria entrar na vida
palestina o impacto solidário do ano sabático.
Da mesma
maneira, o Reino vindouro surgia enquanto compreensão profética do ano
sabático. Nesse sentido, o sábado da semana ampliava-se no sábado dos anos,
onde o sétimo deveria ser de descanso e reforma, já que restaurava o que tinha
sido exaurido, natureza e pessoas. Essa coleção de regulamentos presente em
Levítico 25.1-26.2 concernia ao direito de propriedade da posse da terra e de
pessoas, que constituíam a base da riqueza. O propósito era fixar limites ao
direito de posse, já que toda propriedade, natureza e pessoas, pertenceria a
Deus. Assim, ninguém poderia possuir a natureza e as pessoas de forma
permanente, pois tal direito pertencia a Deus. E o ciclo de sete anos sabáticos
desaguava no qüinquagésimo ano, o jubileu messiânico (Lv 25.8-24), que só vai
aparecer de novo em todo o Antigo Testamento apenas em Números 36.4. Mas,
Jeremias, no capítulo 34.8-17 falou de uma reforma social na Jerusalém sitiada,
quando Zedequias proclamou a liberdade dos escravos hebreus. Da mesma maneira,
em Isaías 58.6-12 encontramos a reforma como parte da visão profética. Nesse
sentido, a reforma do jubileu apontava para a reestruturação econômica e
sócio-política das relações entre os povos da Palestina.
É
interessante que Flávio Josefo tenha afirmado anos depois da presença de Jesus
em Nazaré, que “não existe um único hebreu que, mesmo hoje em dia, não
obedeça à legislação referente ao ano sabático como se Moisés estivesse
presente para puni-lo por infrações, e isso mesmo em casos que uma violação
passaria despercebida”.[5]
Apesar da
afirmação de Josefo, sabemos que um enquadramento econômico e social a partir
das disposições de Levítico 25, o que incluía inclusive a redistribuição da
propriedade, nunca foi literalmente vivido entre os judeus. Por isso, coube a
um “sem-terra prometida” levantar o discurso do ano da libertação.
A proposta
de reforma do Jesus marginal era a anunciação profética da entrada em vigor de
uma era nova, caso os ouvintes aceitassem a notícia. Não estava a se referir a
um evento histórico, mas reafirmava uma esperança conhecida de seus ouvintes: a
da reforma econômica e sócio-política que deveria mudar as relações entre os
povos palestinos.
E aquele
homem de genealogia desconhecida e geografia marginal colocou a centralidade da
reforma sobre ele próprio ao afirmar que naquele momento, na sinagoga de
Nazaré, a promessa profética se cumpria. E é isso que Lucas vai mostrar na
seqüência de seu Evangelho: o reformador marginal era o messias prometido.
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Witherington
III,
Ben, The Christology of Jesus, Minneapolis, Fortress, 1990.
Yoder, John
Howard, A política de Jesus, São Leopoldo, sinodal, 1988.
Notas
[1] Jorge Pinheiro é Professor
Pós-Doutor em Ciências da Religião na Universidade Presbiteriana Mackenzie,
Doutor e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo,
Teólogo pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo e Jornalista pela Faculdade de Ciências Sociais
da Universidade do Chile. Na área bíblica publicou “História e Religião de
Israel, origens e crise do pensamento judaico”, São Paulo, Editora Vida,
2007.
[2] Ben
Witherington III, The Christology of Jesus, Minneapolis, Fortress, 1990.
[3] John Howard Yoder, A política de
Jesus, São Leopoldo, Sinodal, 1988.
[4] Leon L. Morris, Lucas, introdução e
comentário, São Paulo, 1990, p. 101.
[5] Flávio Josefo, Antiquitates III,
15, 3.
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