jeudi 28 août 2014

A práxis solidária e a teologia da vida

Questões que um político cristão deve levar em conta
Prof. Dr. Jorge Pinheiro

1.             Devemos nos distanciar do marxismo lido a partir do ateísmo e da religião que faz a legitimação da dominação. E a partir desse distanciamento, procurar definir caminhos para a militância política das comunidades cristãs. E aqui, sem dúvida, encontramos uma complementaridade fundamental e necessária à teologia: a atividade militante dos cristãos no interior das comunidades religiosas é motivada por diferentes opções históricas, tanto a legitimação da dominação, que pode ser chamada de religião superestrutural, como a crítica da dominação, ou seja, da religião infraestrutural. Entre os dois extremos situa-se o campo religioso, naturalmente ambíguo, já que a instituição religiosa necessita tanto do organizador como do profeta. E é a partir da análise dessa ambiguidade que devemos traçar questões que envolvem realidade brasileira e dão concretude à práxis do militante cristão, que deve levar em conta:




2.            O momento analético é a afirmação da exterioridade: não é somente a negação da negação do sistema desde a afirmação da totalidade. É a superação da totalidade a partir da transcendentalidade interna ou da exterioridade daquele que nunca esteve dentro. O momento analético é crítico por isso: é a superação do método dialético negativo. Afirmar a exterioridade é realizar o impossível para o sistema, o imprevisível para a totalidade, aquilo que surge a partir da liberdade não condicionada, revolucionária e inovadora. Como consequência, a analética é prática: é uma economia, uma pedagogia e uma política que trabalham para a realização da alteridade humana, alteridade que nunca é solitária, mas a epifania de um sexo, de uma família, de uma classe social, de uma geração, de um tempo e da espécie humana.

3.            Discutir a religião como infraestrutura e superestrutura é superar a visão de que as lutas de emancipação no Brasil e na América Latina tiveram origem nos movimentos milenaristas, que se adaptaram e organizaram movimentos políticos ou retrocederam convertendo-se em religiões alienantes no sentido mais limitado do termo. A religião é a primeira consciência que o ser humano tem de si mesmo, e as relações morais, do filho com os pais, do marido com a mulher, do irmão com o irmão, do amigo com o amigo, enfim do ser humano com seu próximo, são relações religiosas. Por isso, a religião é construtora de identidade.




4.            A religião, enquanto conjunto de mediações simbólicas e rituais, como doutrina explicativa do mundo e que se posiciona a partir da referência ao Absoluto, participa do fechamento do sistema sobre si mesmo. Essa totalização do sistema é um processo de divinização, que cumpre a função de ocultar a dominação. A noção de religião superestrutural traduz esse processo de divinização do sistema europeu e depois norte-americano na Modernidade: significa (des)historificar a totalidade social, (des)dialetizar um processo que tem origem, crescimento e plenitude. A divinização leva a um outro processo, à fetichização, que apresenta uma constituição ahistórica da totalidade social vigente. A fetichização consiste, então, na identificação da estrutura atual com a natureza, ou seja, ela está aí, está colocada por vontade divina.


5.             As massas, enquanto oprimidas e passivas, vivem a ideologia das classes dominantes, pois o sistema apresenta de forma ambígua ideais utópicos que oferecem respostas às suas necessidades. Ao aceitar a religião superestrutural da classe dominante enquanto rito simbólico do triunfo dos dominadores e derrota dos dominados, as massas vivem sob a resignação passiva, a paciência derrotista e a humildade aparente.


6.            A miséria religiosa é expressão da miséria real, entretanto, é também uma forma de protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da pessoa oprimida, o coração de um mundo sem coração, e o espírito de uma situação sem espírito. A necessidade da religião em abandonar as ilusões sobre sua própria situação é a exigência de que abandone uma situação que necessita de ilusões. Por isso, a crítica da religião é a crítica deste vale de lágrimas que a religião apresenta como expressão de santidade. A crítica da religião não elimina as correntes de flores imaginárias para que o ser humano suporte as correntes reais, mas para que ele se livre delas. A crítica da religião desmitifica para que o ser humano pense, para que atue e transforme sua realidade como ser humano consciente.


7.            A tarefa do cristianismo solidário consiste, uma vez que desapareceu o mais além da verdade, em verificar a verdade que está aqui. E é tarefa do cristianismo solidário, que se encontra ao serviço da história, uma vez que está desmascarada a santidade da auto-alienação humana, desmascarar a auto-alienação em suas formas não santas. De tal modo que a crítica do céu se transforme em crítica da terra, e a crítica da religião em crítica do direito, e a crítica da teologia em crítica da política.




8.            A expressão religião infraestrutural indica a anterioridade da responsabilidade prática que se tem com o oprimido dentro do sistema. Essa anterioridade não diz respeito exclusivamente à superestrutura de um sistema futuro, mas diz respeito também à sua infraestrutura. O ser humano religioso transcende o sistema vigente de dominação e vê como responsabilidade sua o serviço ao excluído. A religião nesse caso é a instauração de uma nova práxis. E o fato de que a práxis religiosa infraestrutural possa se tornar superestrutural não nega o fato de que a profecia continua a irromper na história. Essa presença de responsabilidade social com o excluído de bens e possibilidades mostra a vigência do clamor profético e funciona como freio das pressões alienantes e superestruturais.


9.            O ateísmo, enquanto negação dessa necessidade de essencialidade, perde sentido, pois, ao negar Deus, afirma mediante a negação a existência do ser humano. Mas o cristianismo solidário não necessita dessa mediação, pois surge enquanto consciência sensível, teórica e prática do ser humano e da natureza como essência. É autoconsciência positiva do ser humano, não mediada pela superação da religião, do mesmo modo que a vida real é realidade positiva para o ser humano, não mediada pela superação da propriedade privada. O cristianismo solidário surge como negação da negação da emancipação e da recuperação humana, é o princípio dinâmico do porvir, mas não é em si a finalidade do desenvolvimento humano, a forma última e única da sociedade humana.


10.         A militância religiosa faz parte de uma luta mais ampla, onde a religião infra estrutural cumpre papel de aliado estratégico, levando o militante religioso a assumir tarefas, práxis nos níveis político, econômico e não apenas ideológico. O ateísmo, por isso, é ocultamento, pois fecha as portas ao aliado estratégico, à religião infra estrutural, que se fará presente enquanto houver seres humanos obstinados pela responsabilidade diante do excluído, sentido incondicional de justiça, esperança de um novo kairós.      


11.         Assim, para o cristão a história universal é produção humana a partir do trabalho humano, que transforma a natureza e produz o nascimento do ser humano em sociedade. É nesse processo permanente que o ser humano constrói sua essencialidade: do ser humano em direção ao ser humano, como existência da natureza, e da natureza para o ser humano, como existência do ser humano.


12.         O êxito nesse processo depende das condições de possibilidade, ou seja, é impossível separar teoria e práxis. Por isso, uma teologia da vida deve saber integrar os princípios enunciados na escolha de fins, meios, e métodos que devem levar à práxis crítica do sujeito histórico, aqueles que estão excluídos do sistema-mundo. Este sistema-mundo, ou modernidade, ao impossibilitar a produção e reprodução da vida semeia doenças, fome, terror e morte. As vítimas são os seres humanos, cujas dignidades e vidas são destruídas. A modernidade e sua globalidade levam a um assassinato em massa e ao suicídio coletivo. Porém, a práxis do solidarismo caminha sempre sobre o fio da navalha: de um lado está o anarquismo contrário à instituição e de outro o reformismo pró-integração. Por isso, estratégia e tática devem ser enquadrados dentro de princípios gerais, crítico e ético, a fim de que com factibilidade crítico-ética se possa negar as causas da negação da vítima. Essa é uma luta desconstrutiva, que exige meios proporcionais àqueles contra os quais a luta é travada. Mas, se a práxis traduz uma ação desconstrutiva, promove transformações construtivas: leva à uma nova ordem com base num programa planejado que é realizado progressivamente, mas nunca totalmente.



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