2. O VERSUS SOCIALISTA
2.1. O Versus socialista
como fonte
Segundo Bernardo Kucinski [1], o jornal
Versus era um mensário de inspiração cultural-existencial, com uma proposta de
ação através de uma cultura de resistência, mas foi reelaborado com uma
linguagem mítica, adotando como referência toda a América Latina.
Marcou uma época, junto
com outros jornais e revistas da imprensa alternativa, nos anos 70. Nele
encontramos presente o pensamento latino-americano, as expressões das artes e
da cultura enquanto resistência e a realidade política da época.
São informações diretas,
que não passaram pelo crivo da censura, e por isso traduzem toda a riqueza do
pensar cultural e da oposição da época.
Versus foi criado pelo
jornalista gaúcho Marcos Faerman, que na época trabalhava no Jornal da Tarde. O
primeiro número saiu em outubro de 1975. Tinha um original imaginário de
esquerda, latino-americano, não doutrinário, e a cultura como forma de
resistência ao arbítrio do regime militar.
...Versus nasceu de um delírio que eu tive em Cuiabá... eu havia ido ao
Mato Grosso fazer uma matéria para o JT e conheci o Juruna... Cuiabá é o centro
geodésico da América do Sul, o pôr-do-sol me encheu de emoção; me apaixonei
pela idéia de um jornal que falasse de índios, da América Latina, que tivesse
aquele pôr-do-sol. Sonhei com um jornal que contasse a história dos povos da
América Latina... que fosse realidade e ficção, de grandes histórias, narradas
como histórias, e havia o fascismo na América Latina, havia Chile, eu queria um
jornal que contasse a história da resistência na América Latina... [2]
Com a linguagem da
cultura, Versus viveu a política sob novas perspectivas. Passou, por exemplo, a
editar um caderno dedicado à questão negra, Afro-Latino-América, que se
tornou um espaço de aglutinação de militantes do movimento negro. Tornou-se
também uma embaixada de exilados latino-americanos, que chegavam atraídos pela
preocupação de resistência latino-americana do jornal. Além disso era grande o
seu prestígio entre artistas e intelectuais. Nomes como Milton Nascimento,
Chico Buarque, MPB 4, Simone e o grupo Taracón participaram de um show de apoio
ao jornal, com a presença de 15 mil pessoas, transmitido por sistemas de som
para outras 20 mil no congresso alternativo da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência, no segundo semestre de 1977, em São Paulo.
Em janeiro de 1978, o
jornalista Jorge Pinheiro, recém chegado de seu segundo exílio, depois de
passar um ano na Europa observando e participando da organização dos partidos
socialistas na Espanha e Portugal, entra para o jornal. Em março Versus assume
o discurso político socialista.
Assim como os trotskistas (...) identificaram-se com Versus desde o
início, Marcos Faerman havia se identificado com o trotskismo da Convergência
Socialista, que remetia à figura de Trotsky, o revolucionário literato, culto,
o grande escritor polemista e narrador, outro herói de seu universo mítico. [3]
Mais tarde, Ênio Bucchioni
e Omar de Barros Filho, vão explicar como se deu o surgimento do Versus
socialista.
Nascia o ano de 1978 e, com ele, uma
indagação para nossa equipe. Mais que isso, um desafio. Sabíamos que a hora não
era apenas das denúncias, mas da discussão das perspectivas. Assim, abrimos a
polêmica interna e externamente, e publicamos Chico Pinto, José Álvaro Moisés e
Fernando Henrique Cardoso. Era a primeira edição do ano, e o tema da discussão
era a questão dos novos partidos. Natural que voltássemos ao passado para rever
criticamente o velho PTB e o fenômeno do populismo. E essa foi nossa conclusão:
Ao movimento popular de 1964
faltaram lideranças. Fragilmente organizado na base, recebendo grande parte de
sua inspiração ideológica de cima. Eis que se vê abandonado, sem um esboço de
reação de seus líderes. Entre as lideranças faltosas com os milhões de
trabalhadores a quem tudo se prometera e que permaneceram na miséria, na
doença...sobressai-se a figura esquálida do ex-presidente, exasperante nas suas
pequenas astúcias, nas suas jogadas íntimas...
Versus mudou? Foi a pergunta
que fizemos em fevereiro. A resposta foi positiva, e aí nasceram nossas
principais transformações. Versus que inicialmente estava voltado quase
completamente para o que chamávamos de cultura
como forma de ação assumiu o discurso político. E passou não só a
discutir profundamente a conjuntura nacional, como também a se identificar com
as correntes que entendiam que a construção de uma democracia, no país, passava
necessariamente pela legalização de todos os partidos operários. Partimos para
a construção de um partido socialista. Foi uma decisão importante, no início de
nosso terceiro ano de vida. A decisão, consagrada por ampla maioria de nossa
equipe, foi reafirmada em nosso editorial:
Versus pensou dois anos as
lutas dos índios, a questão da Universidade e do Poder. O movimento estudantil,
a vida dos trabalhadores, imperialismo cultural... mas nós tínhamos clareza de
que ao nível de nosso país, as tarefas de Versus eram frustrantes.[4]
Ênio Bucchioni e Omar de Barros Filho deixam claro que, de fato, o
Versus se transformara. Continuava estampando em suas páginas o universo das
lutas políticas e culturais da América Latina, mas
também a luta por uma
alternativa política independente no Brasil. A luta pelo PS crescia. E buscamos
as opiniões de Almiro Affonso, Edmundo Moniz, Plínio de Arruda Sampaio, a
Tendência Socialista do MDB, no Rio Grande do Sul.
No ímpeto
da busca de uma resposta prática, que materializasse nossa perspectiva política
optamos por um caminho. No próprio mês de fevereiro, participamos de uma breve
convenção, a que criava a Convergência Socialista. Juntamente com 25 entidades
estudantis e de trabalhadores passávamos a refletir o ardor diário da
construção de um futuro PS. Já não éramos mais espectadores e críticos da
realidade social e política hostil que nos circundava, mas nos sentíamos
parcela integrante de um movimento ativo no sentido de transformar. O corolário
desta opção política foi o surgimento de críticas de companheiros com que, de
uma forma ou de outra, marchamos juntos contra o regime militar, nosso opressor
comum. O pretexto era que dividíamos a oposição.[5]
Essa crítica foi respondida por Omar de Barros
Filho, um dos editores de Versus. Dizia ele na edição de março-abril de 1978:
Entre
críticas pela direita e pela esquerda nós, socialistas, continuamos com a
construção da Convergência Socialista, movimento amplo, pela unidade...
Pensamos que o MDB, onde os “liberais” detêm a hegemonia, não esgota todas as
correntes de oposição ao regime... mas não podemos esquecer que uma frente
(opositora ao regime militar) é formada por contrários não antagônicos, e que é
no debate e na ação que a frente se
dinamiza e avança em direção aos seus objetivos. [6]
Em agosto de 1978, depois
de fortes discussões, quando o movimento de Convergência Socialista está
preparando o congresso de criação do Partido Socialista, Marcos Faerman deixa o
jornal [7]. No final de
agosto a direção do jornal é presa e Jorge Pinheiro entra para a
clandestinidade.
Apesar
da dificuldade do momento, já que parte de seus jornalistas estava presa ou
clandestina, Versus informa aos seus leitores que pretende integrar três
linguagens como forma de ação, a da cultura, a reflexão sociológica e a
discussão da instância diretamente política.
Aos leitores, que nos acompanharam nesta
trajetória, principalmente aos cinco mil novos que nos conheceram a partir do
segundo semestre, deixamos registrado neste editorial a nossa transformação durante
78 e a relação dela com a dinâmica das lutas sociais e políticas.
Versus se dispõe a integrar estas três
linguagens: a da cultura como forma de ação, a reflexão sociológica, e a
discussão da instância diretamente política. Em São Paulo, Rio, Brasília e
Porto Alegre, o dilema se coloca nos meios oposicionistas: qual a forma de
construir uma oposição com um programa político, social, cultural novo? [8]
Essa presença na vida
política e cultural de milhares de brasileiros, principalmente daqueles envolvidos
com a democratização do país, fará do jornal um bastião avançado nas lutas
pelas liberdades democráticas. E assim ele será reconhecido.
Sua produção jornalística
remete o leitor ao pensamento da intelectualidade socialista da época, homens e
mulheres de expressão na cultura brasileira, que sem participarem da
Convergência Socialista ou mesmo serem filiados a ela, viam no jornal o espaço
democrático e socialista para a expressão de suas idéias.
O debate aberto dessas
idéias traduzia a força do jornal e formava um dos pólos da riqueza ideológica
da Convergência Socialista: o ideal do convergir sem diluir-se em pesadas
estruturas burocráticas.
Entendido esse processo,
consideramos Versus fonte imprescindível para a compreensão do pensamento
socialista da época e da Convergência Socialista em particular.
2.2. O Versus e a
Convergência Socialista
Em
meados de 1978, após a saída de Marcos Faerman, muitos leitores do jornal
desejaram saber qual era de fato a relação entre o Versus e a Convergência Socialista.
Afinal, como contam Ênio Bucchioni e Omar de Barros Filho,
alguns boatos corriam nas mesas dos botequins
de São Paulo. Entre um suspiro e outro se comentava: o pessoal do Versus
recebeu dinheiro da social-democracia européia, há uma fita gravada que
comprova tudo... [9].
Por
isso, buscando esclarecer a opinião pública e, em particular os democratas, Júlio Tavares, da Coordenação Nacional de
Convergência Socialista, informava que
dos 11 signatários da carta endereçada ao
Versus, em que assinalam rompimento com a Convergência Socialista e o jornal,
alguns nunca foram membros do nosso movimento. Outros já tinham se afastado
anteriormente.[10]
E explica que
Versus não é e nunca foi uma publicação do
nosso movimento, mas apenas um jornal, formado por companheiros socialistas e
democratas que nos apóiam. Contudo, esse fato não significa que sempre haja
concordância entre as posições da Convergência Socialista e as da redação do
jornal. [11]
Segundo seu
coordenador nacional, a proposta política da Convergência Socialista se
expressava clara e abertamente em todas as suas publicações e objetivava
a construção de um amplo e democrático
Partido Socialista no Brasil, usando, para isso, mesmo as leis vigentes no
país, que consideramos restritivas, não democráticas e antipopulares. Lutamos
para que esse partido seja construído através de uma ampla e livre discussão
interna, que integre todos os que se reclamam socialistas, organizando núcleos
de base por locais de trabalho. [12]
Nesse seu
arrazoado público, Júlio Tavares explicava que a Convergência não estava
lutando por mais um partido popular,
como aqueles que tinham existido no passado, porque isso, segundo acreditava a
Convergência Socialista, seria abrir as portas para a união com falsos
socialistas e populistas.
E agregava que
de fato não tinham conseguido unificar todos os setores que diziam querer a
construção de um Partido Socialista.
A nossa proposta foi e continua sendo a da
unidade. E, se não conseguimos unir todos os grupos, isso não invalida nossa
proposta e nossos métodos. No entanto, não estamos isolados. Não está isolado
um movimento que tem hoje o apoio de milhares de pessoas na maioria dos Estados
do Brasil. [13]
Assim, para a
Convergência Socialista, não podia estar isolado um movimento que congregava
operários, camponeses, bancários,
professores, estudantes, donas de casa, padres, e as mais diversas categorias
sindicais. Nossa dinâmica aponta para o crescimento da Convergência como um
todo. Nossa proposta se amplia pelas mãos de negros e de brancos, de religiosos
e de não-religiosos, de operários e de estudantes
-- e, numa agulhada àqueles que tinham deixado o
Versus, afirmava -- e por poucas mãos de ‘intelectuais’.
E assim,
convencida de que estava no caminho certo, a Convergência Socialista faz sua
profissão de fé:
Ela se amplia pelas mãos dos nossos
companheiros que foram presos em Brasília pela polícia política. Ela se renova
pelas mãos dos companheiros que foram presos distribuindo convocatórias para a
nossa convenção, no ABC. Talvez não tenhamos entre nós “grandes
personalidades”, e sim, homens do povo, anônimos, que não tem nome em jornais,
que não ganham grandes e confortáveis salários. São trabalhadores. E para nós,
da Convergência Socialista, são os trabalhadores os únicos capazes de construir
sua própria emancipação, uma alternativa socialista em liberdade.[14]
2.3. O Versus e os
desafios do tempo presente
Em janeiro de 1979, Ênio Bucchioni e Omar de Barros Filho,
analisando o ano que chegara ao fim, afirmavam:
A cultura como forma de ação era insuficiente para acompanhar as
transformações registradas na sociedade brasileira durante 1978. Versus assumiu
o discurso político. Mais que isso, buscou encontrar os caminhos para a
construção de um novo programa político, social e cultural. Divulgamos o pensamento de inúmeros
líderes políticos, desde os remanescentes do PTB aos socialistas. Acompanhamos
as lutas, os impasses e o desenvolvimento dos trabalhadores e suas lideranças,
desde a Scania, no ABC, às eleições e a perspectiva da criação de seu Partido.
(...) Estivemos na linha de frente na campanha pela Anistia e pelas
liberdades democráticas, reclamadas pela população brasileira. Fomos duramente
atingidos pelos vários organismos repressivos do regime, inclusive com as
prisões de alguns companheiros da redação, administração e colaboradores. Fomos
sufocados financeiramente, e houve momentos em que a sobrevivência material
diária ficou em mãos de nossos amigos e companheiros. No entanto, permanecemos
e nos transformamos, nesse terceiro ano de vida, o mais agitado, sem dúvida.
Ousamos nos entranhar na realidade social e política, e nos definimos.
Acreditamos na profundidade de nossos ideais e estamos convencidos de rumar no
mesmo sentido da história, sendo uma de suas parcelas vivas e atuantes.[15]
Na
verdade, bastaria uma rápida olhada nas manchetes dos jornais daquele ano para
se ver que fora diferente. Em janeiro de 1978, quando o general Ernesto Geisel
definiu que o general João Baptista Figueiredo iria sucedê-lo, o então chefe do
Gabinete Militar, general Hugo Abreu manifestou publicamente seu desacordo e
foi demitido. Acusou um grupo palaciano de ter tramado a candidatura do general
Figueiredo e acabou preso.
A
oposição permitida, representada pelo Movimento Democrático Brasileiro -- MDB, tentou
uma candidatura alternativa com o general Euler Bentes Monteiro, mas não
conseguiu nenhum apoio dentro das Forças Armadas.
Mas
a novidade, de fato, foram as greves dos metalúrgicos do ABC paulista, que
começaram em maio e rapidamente se espalharam. Assim, o Versus analisou essas
mudanças na conjuntura do país.
As greves no ABC estouravam, quando ganhamos
um novo colaborador. Seu nome: Santiago. Sua profissão: operário metalúrgico.
Estávamos na rua com a edição de junho. Santiago entrava em campo. “A posição
destacada, assumida pelas direções sindicais de São Bernardo, Santo André,
Santos, na luta pela reposição salarial, dando exemplo para todas as categorias
profissionais, recoloca nossa classe metalúrgica na vanguarda no operariado
brasileiro, no que diz respeito à prática sindical, e marca profundamente
níveis de comportamento que rompem com um passado de quase estagnação das lutas
reivindicativas. Não será mais possível voltar atrás...”. Santiago tinha razão.
As greves repercutiam intensamente no país inteiro. Trabalhávamos como doidos
na redação (praticamente sem recursos, comendo pouco, e dormindo menos ainda)
para acompanhar os acontecimentos no ABC paulista. Tiramos duas edições extras,
dirigidas para os sindicatos e fábricas. Impactados pelos fatos, transformamos
um pouco as feições de nossa publicação. Buscávamos um mergulho mais fundo.
Jorge Pinheiro, edição de junho-julho, notava: “A greve no ABC começou a abrir
os olhos dos trabalhadores para o que são o governo e suas leis. Os operários, é
claro, quando iniciaram a greve, não entendiam nada de leis, mas quando as
fábricas foram se enchendo de fiscais, inspetores, e até mesmo de policiais,
então aprenderam muita coisa. Aprenderam que estavam violando a lei, que era
ilegal pedir de forma unitária um aumento de 20 por cento. E, nesse momento,
algumas abstrações como Governo Militar, AI-5, Anistia, etc... começaram a
ficar mais claras...” No entanto outro fato de intensa significação política
marcou o mês de agosto. Ainda que embrionário, detectamos sua importância e sua
possível evolução: a oposição sindical surgida no V Congresso Nacional dos
Trabalhadores industriários. Enio Bucchioni, nosso editor nacional, assinalava
então que a oposição Sindical, surgida do movimento grevista, consolidada programaticamente
numa Carta de Princípios, e estruturada nos principais sindicatos do país era o
fenômeno superestrutural e político mais importante registrado desde 1964. “É
ela uma alternativa? Ainda não, mas em processo de se transformar. Para isso terá
de se estender horizontalmente junto às suas bases, e verticalmente,
consolidando seu raio de ação com os demais sindicatos que a ela se
incorporarem buscando a adesão de novos companheiros”. [16]
Assim, como diria Tillich, era necessário proferir um
não ao tempo presente. Mas um não abstrato, amplo, que não criticasse o tempo
presente em concreto, de forma particular, pelo simples fato de que não aceitar
os símbolos das forças demoníacas daquele tempo. E nessa crítica, Marx e outros
teóricos do socialismo poderiam ajudar pouco, pois o fundamental era
envolver-se na situação histórica concreta, ter a coragem de decidir e
colocar-se sob julgamento, ao nível do particular.
2.4. O Versus socialista e
os deserdados da terra
Maio de 1968 tinha ficado
para trás. Os Estados Unidos perderam a guerra do Vietnã (27/01/1973). No lado
comunista, no porto de Gdansk, na Polônia, um sindicalista católico, Lech
Walesa, se levanta contra o establishment. Com ele e a partir da
primeira central sindical independente do mundo comunista, o Solidariedade,
jovens de todo o mundo começam a repensar a política.
Mas no Brasil o AI-5 tinha
fraturado o ano de 1968, que no dizer do jornalista Zuenir Ventura foi o ano que não acabou. Tal situação de
forte repressão, censura à imprensa e restrições das liberdades, fez com que o
ano de 68 ressurgisse dez anos depois, quando o governo militar, já em
declínio, vê-se obrigado a aceitar uma abertura política que ele pretendia
lenta e gradual.
Assim, combinando os
ventos novos da situação internacional com a ressurreição dos sonhos de 68,
sindicalistas e jovens falam de um socialismo onde a liberdade da pessoa seja
uma realidade.
2.4.1.
A consciência afro-americana
O
Versus olha o mundo com curiosidade. A luta dos afro-americanos sensibilizará
os intelectuais negros que fazem parte do corpo editorial do jornal. E um
revolucionário negro será citado e terá textos publicados no Versus: Malcolm X.
Estamos vivendo numa era de revolução, e a revolta do negro americano é
parte da rebelião contra a opressão e o colonialismo que caracteriza esta era.
Não é correto classificar a revolta do negro como simplesmente um conflito
racial dos negros contra os brancos, ou como simplesmente num problema
americano. Ao contrário, hoje estávamos vendo uma rebelião global do oprimido
contra o opressor, do explorado contra o explorador. A revolução negra não é
uma revolta racial. Estamos interessados em praticar a fraternidade com
qualquer um que esteja realmente interessado em viver de acordo com isso. Porém,
o homem branco pregou, por muito tempo,a doutrina vazia da fraternidade, que
não significa mais do que o negro aceitar passivamente o seu destino...
As nações industriais do Oeste têm deliberadamente subjugado o negro por
razões econômicas. Esses criminosos internacionais saquearam o continente
africano para alimentar suas fábricas, e
são os verdadeiros responsáveis pelo baixo padrão de vida que prevalece por
toda África.[17]
A
empatia de Versus pela lutas dos irmãos afro-americanos traduzia sua
compreensão de que devia apresentar a seus leitores uma mensagem de vida tanto
ao nível da pessoa como particularidade, como da sociedade como um todo. Assim,
essas reportagens não traduziam apenas solidariedade, no sentido de um
movimento preocupado com a pessoalidade dos excluídos, mas a compreensão de
conhecimento que deve nortear a luta daqueles que se encontram em situações
semelhantes. Nesse sentido, solidariedade e clamor profético contra a exclusão
eram entendidos como práxis socialista.
Ou, como disse o próprio jornal, em editorial:
Versus se dispõe a integrar estas três
linguagens: a da cultura como forma de ação, a reflexão sociológica, e a
discussão da instância diretamente política. [18]
2.4.2. A consciência dos povos indígenas
Mas, corações e mentes serão sensibilizados por uma
outra luta, que uma década antes era praticamente desconhecida da esquerda
brasileira, a luta dos povos indígenas por soberania e direitos civis. E é
assim que Versus desembarca em Nova York e entrevista Waubun Niwi-Nini.
Sou membro da nação indígena Ojibwa. Os invasores colonialistas nos
chamam de Chipawawas. Meu nome é Waubun Niwi-Nini, sou também conhecido pelos
colonizadores pelo nome Vernon Bellcourt. Sou representante do American India
Movement (AIM) e um dos representantes do Internacional Indiana Treaty (IIT)
que é o nosso braço internacional trabalhando nas Nações Unidas e outros foros
internacionais para levar ao conhecimento da população mundial a nossa luta
pela sobrevivência dos indígenas “Das ilhas da Tartaruga Sagrada” conhecida
pelos invasores como América do Norte.
Tanto na América do Norte quanto na do Sul não houve modificações na
relação entre o índio e o branco. Sempre fomos vítimas da dominação colonial da
exploração e da repressão. Somos vítimas da guerra colonial mais longa da
história dos Estados Unidos. Pode ser que tivemos boas relações com os brancos
enquanto pessoas, mas a política oficial do governo sempre foi para nos dominar
e nos guardar em reserva. Aqui eles chamam esses lugares para confinamento de
reservas, na África do Sul eles chamam Bantustan.[19]
A entrevista de Versus com o
líder indígena norte-americano mostra que há cem anos a cavalaria era a grande
responsável pelos massacres, mas que agora o arbítrio e a exclusão se faz
através da sofisticação da CIA e do FBI, da Agência de Segurança Nacional e da
Inteligência do Exército.
Nesses últimos cem anos os
brancos roubaram as terras indígenas em 110 milhões de acres, que foram tomadas
pelas companhias de minérios, petróleo, madeira e agropecuária. E o governo
federal fechou os olhos para essa exploração sem limites. Nos 50 milhões de
acres de terra que restaram, estão 85% das reservas de urânio dos EUA, e também
30% do carvão que o governo necessita para ser independente nesse setor de
energia. Estão ainda 3% de todo o gás natural das reservas de petróleo. Eis um
problema complicado, não resolvido, pois afirma a entrevista que nenhum
tostão dessa riqueza foi para os índios.
Para Waubun Niwi-Nini, o movimento socialista está crescendo em todo o mundo
e ele não tem dúvidas de que a América
do Norte e do Sul seguirão este caminho. Crê que o futuro será socialista e por
isso seu desejo de formar alianças com os movimentos socialistas. Deixa claro,
no entanto, que quer o respeito à integridade dos territórios indígenas, às nossas
diferenças culturais, nossa terra e nossos recursos.
2.4.3.
A economia da fome
Mas outros temas, amplamente discutidos na Europa, chegam aos socialistas
brasileiros a partir de Versus. Uma dessas discussões é colocada por Ernest Mandel, socialista belga e professor de Economia na Universidade
de Gant, ao publicar em Versus um artigo analisando as causas da fome no mundo.
A fome de 1974 já foi esquecida. A colheita
do ano passado no Hemisfério Norte – exceto na URSS – foi excelente. De 1972-73
a 1976-77, a produção mundial de todos os tipos de cereais em grão cresceram de
1270 para 1477 milhões de toneladas; em outras palavras, cresceu mais de 16%. A
produção de trigo cresceu 23% indo de 337 para 416 milhões de toneladas.
Você pode pensar que, em face da péssima
situação da economia mundial, haja no mínimo alguma razão para este brilhante
lugar da economia internacional. Mas não deve ter levado em conta a obstinada
lógica da economia de mercado. Porque para a economia de mercado,
“superprodução” – até mesmo de gêneros alimentícios num mundo, onde a metade de
sua população não ganha o suficiente para comer, é uma má notícia. É um
desastre para os produtores de alimento, seja de larga ou pequena escala. Isso
causa uma decaída nos preços.
Então, o negócio “lógico” acontece: a
produção é destruída a fim de “proteger” preços. Em 12 de agosto de 1977, o
diretor adjunto do U.S. Department of Agriculture disse numa conferência da
Casa Branca que a administração de Carter havia decidido pedir aos produtores
americanos de trigo para deixar 20% de suas terras produtivas descultivadas, se
eles quisessem obter vantagens de medidas administrativas para manter os preços
altos. Houve uma redução de 10% em terras utilizadas para forragem, e sementes
foram dadas para animais domésticos.
Para
Mandel, a lógica da produção para a economia privada é inevitável. Pois, quando
se pode ganhar muito mais dinheiro criando gado de corte para ser vendido à
Europa, do que produzindo alimentos para a população local, então esta é a
direção que a agricultura seguirá. E cita como exemplo Mali, quando dezenas de
milhares de crianças morreram de fome durante a grande carestia que devastou o
Sahel em 1974, mas a exportação de amendoim e óleo não deixaram de crescer.
A “revolução verde” produz muito menos
resultados positivos em termos de plano nutricionais do que se deveria supor.
Somando-se as desastrosas conseqüências ecológicas decorrentes do uso intensivo
de fertilizantes químicos em terras irrigadas, existe até mesmo terríveis
efeitos sociais.
A “revolução verde” tem acima de tudo o
significado da introdução da agricultura capitalista em regiões já
anteriormente oprimidas, dominadas pela lavoura de subsistência. A
transformação deste tipo de lavoura em agricultura capitalista significa uma
inevitável polarização social entre a população, um contínuo acréscimo no
acesso a terra pelos lavradores pobres, um êxodo massivo das zonas rurais, e a
progressiva substituição da força de trabalho humano pela maquinaria agrícola.
E desde que não haja uma expansão paralela na
industria, todo este processo significa que uma crescente proporção de
camponeses será empurrada para a periferia da sociedade, tanto nas zonas rurais
como nas favelas das grandes cidades. E a maior parte dessa população miserável
é impedida de ter acesso direto à terra, sofre a mais séria desnutrição, até
mesmo se ganha um pouco de dinheiro (a princípio através de um trabalho
ocasional num serviço de setor, forma escamoteada de desemprego).[20]
Assim, Versus afirma que seria melhor dar uma
solução imediata ao problema da fome e da subnutrição através de uma
racionalização da organização econômica e social do que concentrar numa
explosão populacional imaginária as causas da falta de alimentos. Dessa maneira,
posiciona-se por uma ética do amor, denunciando o egoísmo da economia das
multinacionais e dos governos que a elas servem, que levam à fome e a morte
para muitos em benefícios de poucos. E propõe em nome de ética do amor uma
economia racional e solidária.
2.5. A busca de novos conteúdos
Mas, nem tudo estava claro. As questões pesquisadas neste bloco – a
saída do jornalista Marcus Faerman do jornal, a busca de um modelo alternativo
ao comunismo, as greves operárias, a consciência de latino-americanos e
indígenas, a fome no mundo -- mostram que a Convergência e, por extensão, o
Versus, passam a enfrentar uma séria discussão acerca da visão socialista de
mundo e dos conceitos que deveriam utilizar para analisar a realidade. Assim, a
própria realidade, internacional e brasileira, obrigava a Convergência
Socialista a procurar novos conteúdos para velhos conceitos.
Aceitar novos conteúdos, dirá Tillich, não é repousar nos antigos, nem
procurar as origens de onde um conceito pode nascer. Aceitar novos conteúdos
é antes de tudo demonstrar a força de um conceito e através dessa força
demonstrar que ele é capaz de lançar fora todas as ameaças de esclerose. [21]
Não existe conceito que não seja ameaçado pela esclerose, porque todo
processo de vida tem tendência a envelhecer. Por isso, são as tensões que
desafiam os processos a se superarem e manterem-se vivos. Estar vivo é isso,
é superar-se, é ir além de si-mesmo. E isso se dá em todas as esferas da
vida, do menor dos organismos às maiores figuras da história. Onde há vida,
há a tensão entre ser-um-comigo e ser-separado-de-mim.
Versus teve a sensibilidade de intuir o perigo da esclerose ao dizer não
ao velho projeto do jornal, que temia encher de novos conteúdos velhos
conceitos. A tensão era grande e acabou por fracionar o jornal.
Mas como
explica Tillich, quem não conhece esta tensão, que é apenas
um-consigo-mesmo, caminha para a morte. E um movimento histórico está morto
se ele está apenas consigo-mesmo, quando não pode se separar de si-mesmo, nem
ir além de si-mesmo. Qualquer movimento que deseje se exprimir através de novos
conceitos, que deseje dar novos conteúdos a velhos conceitos e antigas formas
de vida, enfrenta um momento de negação: deve superar-se a si mesmo. Deve negar
seu direito de fazer parte do processo de vida, porque se tornou um ídolo, que
rouba a vida, se opõe a ela, um ídolo que ninguém pode tocar.
Antes da
ruptura, Versus era um ídolo. Satisfazia-se a si-mesmo, tinha prestígio entre a
intelectualidade. E como alerta Tillich, a hierarquia sacerdotal fará de tudo
para preservar o poder. Mas, quando seu poder interior está ferido, e qualquer
um se toma de coragem para ousar tocá-lo, a impotência deste ídolo se tornou
manifesta. O ídolo é uma abstração da vida original que se colocou acima da vida
[22], que refreia e
inibe a vida, que não traduz a vida presente.
Para Tillich,
os domínios são a obra de tal movimento que se esclerosou, que traduz a morte,
que quer transformar em ídolos as formas antes vivas do movimento socialista.
Essa cúpula sacerdotal idólatra, estes domínios desejam conferir uma
durabilidade atemporal à uma única imagem do socialismo, e considera sacrilégio
quando a vida procura ela própria novas formas e novos conceitos.
E onde se
localizavam os desafios que Versus enfrentava? Não somente na ortodoxia, entre
os velhos jornalistas, que bravamente resistiram durante tantos anos à
ditadura, mas também entre os jovens, que viam no combate frontal a melhor
forma de enfrentar o governo militar.
De certa
forma, como afirma Tillich, ambos se mostram velhos frente à realidade. Não é
somente a ortodoxia que envelhece, também os grupos radicais que fazem a
crítica idolátrica, para manter assim suas próprias posições de domínio
pontifical. E no que se refere ao pensamento formal a escola marxista também
segue esse caminho. [23]
Mas é por obra
de velhos crentes que os homens querem o novo, apesar do risco, apesar da
ameaça de que pode dar em nada. Os velhos crentes, essa cúpula sacerdotal,
conduzem ao endurecimento e às idolatrias. Mas aquele que conhece esta crença
compreende o que se trama por trás da ortodoxia. Esta questão deve ser levada
em conta, tanto quanto as discussões ao redor dos planos para a economia, como
para o político.
Assim, para
Tillich, quem não obtém do real mais que uma imagem deformada pela propaganda
está cometendo um erro perigoso. Compreender a ortodoxia, mesmo a ortodoxia
socialista, nos leva a fazer julgamentos, isentos de um radicalismo
irresponsável.
Para a
ortodoxia não se pode aceitar o perigo, mesmo quando ele representa aquilo que
é profundo. Mas, o medo ao perigo é a porta de entrada de todo endurecimento,
de todas as violências e de toda caducidade. É certo que se deve superar o
perigo e a perda, apesar dos riscos, sem esquecer, no entanto, que no socialismo
o novo pressupõe risco. O risco nunca deixa de existir, porque viver é avançar
no indeterminado.
Assim, foi o
não à ortodoxia que possibilitou o surgimento do Versus socialista. E como
muitos conheciam o que propunham os velhos, optaram pelo risco do novo.
O risco, explica Tillich, é o
contrário da adaptação oportunista. Com efeito, a adaptação jamais quer
colocar em jogo o que ela possui. Ela quer conservar, ela não quer o
novo. Ela sente que necessita do novo, mas não tem a coragem de
arriscar. E isso acontece porque deixou que o velho coagulasse em seu interior.[24]
Esta é a maneira mais comum e a mais terrível
de não ir além de si-mesmo, porque
favorece a aparência, ilude a realidade. Isto jamais deveria acontecer
na política, que deve lutar para realizar as possibilidades do momento, que
concernem mais que nada à atitude interior.
No radicalismo
o risco é bem diferente, declara Tillich. O radicalismo é uma idolatria de
signo contrário. Nega a tradição e deseja arriscar porque acredita que no
risco está a realização daquilo que espera. Esquecem que é também sob os
impulsos das tensões e das dúvidas interiores provocados pelos conceitos
transmitidos pela tradição que somos lançados aos novos conceitos, que levam às
soluções e nos fazem avançar.[25]
Por isso
Tillich diz que quem aceita os riscos do socialismo deve também colocar em
risco os conceitos. A ortodoxia assim como a ciência e a política têm a
aprender e a arriscar no que se refere aos conceitos. A ortodoxia se prende
aos conceitos porque procura aquele lugar onde a mobilidade é menor. O marxismo
vai contra esse endurecimento porque acredita estar o pensamento ligado às
situações sociais de transformação. O espírito do marxismo vai à luta para
conquistar novos conceitos e para tirar novos conteúdos de antigos conceitos.
Aqui dois perigos são inevitáveis: o ficar no
si-mesmo e o separar-se de si-mesmo. O conceito, se ele é vivo, deve reunir
nele as duas tendências. Toda mudança deve incluir o ficar em si-mesmo, pois
esse em si-mesmo é a sua origem. Quem arrisca um conceito, quem tira proveito
das tensões engendradas por uma certa forma de pensamento, deve se lançar às
coisas novas sem esquecer o fundamento de seus conceitos. [26]
Isto não é
socialismo, dirão alguns. Ou, dirão outros, isso é o velho socialismo, explica Tillich. Mas o
certo é que aquele que aceita o risco do socialismo deve saber navegar entre
essas duas acusações. Não se pode de antemão saber se essas acusações são
corretas ou não. Se soubermos que elas são certas ou erradas, então não há
risco. Em certos momentos não se pode decidir, definir uma hierarquia ou uma
democracia espiritual ou mundana.
Pra Tillich,
só se decide o poder que tem um conceito de estruturar e de reestruturar o real
quando ele mesmo já é esta realidade. É a esta decisão que nós submetemos os
conceitos do socialismo, quando anunciamos o risco e pedimos ajuda àqueles que
conosco querem se lançar sobre aquilo que vem, sem tentar fugir da realidade
presente.
Porque falar de socialismo como risco, pergunta
Tillich. E ele próprio responde:
Porque acreditamos que a despeito de todas as
ameaças que podem pesar sobre a ortodoxia e sobre o radicalismo, o socialismo é
algo vivo, que tem força para se projetar por ele próprio sem se perder. E
também porque acreditamos que o socialismo tem a vitalidade suficiente para ser
o fundamento, a força e o objeto de uma transformação do presente orientada
para o futuro. [27]
E Tillich diz
que acredita na força do socialismo, mas não sobre a base de uma opinião
científica ou política concernente à situação presente, mas em razão do
seqüestro incondicionado por parte daqueles que tem o socialismo como objetivo,
em razão da indissolúvel aliança interior daqueles que colocam na fé socialista
o sentido de sua existência, de uma existência espoliada de sentido.
Uma fé assim
fundada, considera Tillich, tem suas raízes num conhecimento muito mais
profundo do que aquele enraizado na ciência, mas que ao longo do tempo pode se
transformar num ídolo. Esta fé unida à ação e à decisão (e essa é a novidade
conforme entendia Marx) é ela própria um risco.
A fé na força
do socialismo está enraizada no fato de ser percebida incondicionalmente
naquilo que no socialismo é ultimate concern[28]. Esse ultimate
concern é o que procuram exprimir todos os conceitos do socialismo e que,
em última instância, não pode ser apreendido por nenhum deles.
Eis porque,
considera Tillich, todos os conceitos últimos nos quais o socialismo tem
depositado seu sentido são símbolos – e não representações científicas,
demonstráveis ou refutáveis. Apesar de Marx falar de uma sociedade sem classes
ou da história do gênero humano a partir da pré-história, ou ainda na questão
da justiça, da liberdade ou da comunidade futura, são símbolos daquilo que é ultimate
concern e que não se pode exprimir diretamente.
Assim, alguns desses conceitos vão além daquilo
que enunciam diretamente. O conteúdo de um conceito muda e deve mudar com a
situação social e espiritual onde está sendo aplicado. Aquilo que é visto como
um fim, inacessível, não muda nunca. E se não muda, esclerosa.
E Tillich
conta como surgiu a idéia de “socialismo religioso”. Porque essa situação
também acontece com os conceitos religiosos, originais e autênticos -- diz
ele -- que são deformados ideológica ou racionalmente, alguns de nossos
colaboradores, que trabalhavam com esses conceitos, reuniram-se, depois de
alguns anos, sob o nome de “socialismo religioso”.[29]
Mas para ele,
esse nome leva a um duplo mal-entendido, aparentemente insolúvel. Do lado
religioso, tem de ser combatido porque traduz a idéia de uma tentativa de
dissolver a religião no socialismo. E do lado socialista, se tem associado a
palavra “religião” às igrejas, o que leva à recusa de ligar religião e
socialismo.
Ora,
socialismo religioso não significa nenhuma das duas coisas, explica Tillich. O
que ele procura é compreender e estruturar o socialismo do ponto de vista
daquilo é que ultimate concern, e assim, sobre essa base realizar a
religião de maneira nova e concreta. Nós, quer dizer aqueles entre nós que
se contam como socialistas religiosos, aceitamos a alcunha para não produzir
outros mal-entendidos.[30]
Um movimento
que não tem a profundidade suficiente para apresentar uma resposta à questão
última e incondicional do sentido da vida não poderá obter o nosso Sim
incondicional. Nós acreditamos, continua Tillich, que o socialismo pode
apresentar uma tal resposta, e trabalhamos para que essa resposta não se torne
prisioneira do provisório e do não-último, mais direcione ao que é ultimate
concern, ao religioso no socialismo.
Em lugar de
falar de justiça, de liberdade ou de comunidade, pode-se falar da exigência de
uma sociedade onde será possível a cada indivíduo e a cada grupo satisfazer o
sentido da vida, ou falar da exigência de que a sociedade se encha de sentido.
A questão do sentido da vida se faz mais
presente em todas as esferas da sociedade atual, principalmente em relação ao
proletariado. É a questão mais profunda e ao mesmo tempo a mais global: todos
estão inseridos nela. E responde da mesma maneira a todas as questões
particulares. Ela se refere também ao fundamento econômico, material, à vida
psíquica e às formas de expressão do espírito. [31]
Quando se fala
de liberdade, damos mais importância ao indivíduo, quando se fala de
comunidade, damos mais importância ao grupo, mas o sentido da vida inclui o
indivíduo e o grupo. Por isso, para Tillich, falar do sentido da vida não é ser
utópico, porque fala somente da possibilidade do sentido que a vida deve ter.
Da mesma maneira, não é uma postura ideológica, porque coloca a questão do
sentido da vida sobre a base das tensões concretas do presente.
Também não
pode ser uma postura reacionária, porque o sentido da vida jamais se completa,
está sempre para se cumprir. E, portanto, não é um ideal vago, é a realidade
viva, aquilo que faz a vida possível.
O
socialismo que nós queremos é aquele que coloca na teoria e na prática a
questão da possibilidade que a vida tenha sentido para todos os indivíduos da
sociedade e que se esforce para responder a esta questão no plano da realidade
e do pensamento. Um tal socialismo não é apenas um movimento político, é mais
que um movimento proletário. É um movimento que procura apreender cada aspecto
da vida e cada grupo da sociedade.[32]
Assim, para
Tillich, a busca do sentido da vida é um desejo universal, do qual ninguém está
excluído. Quando percebemos a sua profundidade, percebemos também sua
universalidade. Por isso, deve tornar-se o fundamento da ação de transformação
espiritual e política socialista.
Sem conhecer o
pensamento de Tillich, mas chegando a ele por vias transversas, como veremos
mais à frente, Versus parte em busca do sentido da vida, levantando bandeiras
que chocam ortodoxos e radicais no amplo espectro do socialismo brasileiro.
3. SOCIALISMO E CRISTIANISMO
3.1. Heróis cristãos para
o socialismo
O Versus socialista tem uma
clara e expressa empatia com o cristianismo. Vê como seus heróis e heróis dos
excluídos aqueles homens e mulheres de fé que se posicionaram ao lado dos
deserdados do capital.
E essa constatação é clara e
definitiva ao lermos as matérias de estudiosos do cristianismo e entrevistas
com líderes cristãos. Sem dúvida, Versus expressa essa empatia principalmente
pela expressão maior do cristianismo latino-americano, o catolicismo da Teologia
da Libertação, mas sem nenhum sectarismo encontra na vida do Dr. Martin Luther
King Jr. um exemplo digno de ser seguido.
3.1.1. Negro, pastor,
batista
Em
abril de 1979, o Versus afirmava que há 11 anos Martin Luther King foi
assassinado. Sua morte deve ser lembrada pelos 270 milhões de negros espalhados
pelo mundo como um marco de resistência e de força à dominação e exploração
branca. E conta para seus leitores a história de Rosa Parks e de como
liderados pelo jovem pastor batista Martin Luther King Jr. os negros de
Montgomery se rebelaram.
1955. Uma
costureira negra, dirigindo-se do trabalho para casa em Montgomery, Alabama,
recebeu ordens de um motorista branco para que se transferisse para a parte de
trás do ônibus. Rosa Parks estava sentada, em um dos bancos da frente, e
simplesmente recusou-se a mudar de lugar. Foi presa por violação às leis de
segregação do Alabama. A comunidade negra enfureceu-se. Os negros disseram que
já vinham sendo insultados há demasiado tempo por motoristas de ônibus brancos,
e declararam que não tomariam mais qualquer ônibus até que a segregação fosse
eliminada e certo número de motoristas negros fosse admitido.
Liderados
pelo jovem ministro batista Martin Luther King, os negros de Montgomery
simplesmente boicotaram os ônibus até que a empresa, quase á bancarrota,
submeteu-se ás exigências. Em breve, os negros de muitas cidades do Sul
recorreram à técnica do boicote para conseguir melhor tratamento nas lojas e
outras casas comerciais, e para assegurar melhor emprego para sua gente. Se os
autores do boicote usavam a não-violência, eram ao mesmo tempo militantes e
obstinados. Certamente, tiveram importância na obtenção de certas mudanças que
o Sul dos Estados Unidos, com sua veemente resistência a toda e qualquer
transformação, consideraria revolucionária.
Treze
anos mais tarde, continua o Versus, exatamente no dia 4 de abril de 1968, o
pastor King preparava uma marcha dos negros na cidade de Memphis, Tennessee,
quando foi atingido por tiros.
Martin
Luther King, formado em Filosofia e Teologia em Boston, premiado com o Nobel da
paz em 1964, reconhecido por todos os negros, inclusive pelo líder do Black
Muslim, o inflexível Malcom X, estava morto. Ele que havia pregado e
lutado pela não-violência, era uma de suas vítimas mais trágicas.
Desde a
época em que chefiou o boicote dos ônibus em Montgomery, inúmeras foram as
ameaças à sua vida. Foi publicamente denunciado e alvo de abjetos epítetos. O
próprio clima tornou-se tão carregado que, considerando-se agora as coisas,
percebe-se que um fim violento para o grande líder negro era inevitável.
Todavia, a América branca não podia antecipar a reação da América negra ao
assassinato a sangue frio de um de seus líderes mais poderosos. Vários dias de
desordens, incêndios e pilhagens em muitas cidades foram a louca manifestação
de um amargo desespero e frustração. Mesmo os que prantearam a morte de Martin
Luther King sem qualquer mostra exterior de emoção revelaram-se tão sensíveis
no apreço de seu significado quanto aqueles cuja reação foi violenta. Descanse
em paz, Dr. Martin Luther King! [33]
No dia 15
abril de 1955, Martin Luther King Jr. finalizou sua dissertação sobre A
Comparison of the Conceptions of God in the Thinking of Paul Tillich and Henry
Nelson Wieman[34]. Luther
King conhecia o pensamento de Tillich e, por isso, o pesquisador foi levado a
aceitar que a ação desse combatente pelos direitos civis deve muito às suas
leituras do teólogo em questão.
Tanto para
Luther King[35]
como para Tillich, o poder último, autêntico, é a verdade. Entretanto, esta
verdade não é uma norma abstrata que se impõe à realidade e a modifica, mas é
sobretudo a expressão concreta da tendência última do real. A verdade só tem
poder se ela é verdade real, se é uma tendência de vida, se é a verdade de uma sociedade,
a verdade de um grupo que detém, interiormente, na sociedade, o poder. [36]
Tanto para
Tillich como para Luther King, a conquista violenta dos instrumentos de poder
social não decide a vitória de uma revolução. Isso só acontece quando se
estabelece uma nova estrutura de poder, amplamente reconhecida. É um erro
pensar, afirma Tillich, que amparar a revolução no aparelho do poder garante a
vitória. O aparelho do poder deve ser renovado constantemente a partir das
forças da sociedade, forças pessoais, materiais e ideais. Caso contrário, a
revolução ruirá... mesmo quando os meios técnicos permitem que se imponha por
tempo maior àquele que era possível em épocas não desenvolvidas. [37]
Mas do que palavras, a ação política de Martin
Luther King Jr. traduziu a compreensão de que há uma dialética de ferro entre
verdade e poder. E que o poder verdadeiro nasce da verdade última, aquela que
transcende o momento presente e permanece no coração e mente dos excluídos.
Essa compreensão, mesmo quando não é corretamente traduzida pelo grupo que
chega ao poder, continua a marcar o horizonte último da ética socialista.
Sem conhecer
Tillich, Versus via o discurso de Luther King no Monumento a Lincoln, em
Washington, a 28 de agosto de 1963, com um manifesto dos excluídos. E em nenhum
momento considerou velho socialismo a bandeira da não-violência
levantada pelo pastor batista.
Ao
contrário, comentando os incêndios e pilhagens em muitas cidades
norte-americanas após seu assassinato, afirmou que mesmo os que prantearam a
morte de Martin Luther King sem qualquer mostra exterior de emoção revelaram-se tão
sensíveis no apreço de seu significado quanto aqueles cuja reação foi violenta.
3.1.2. In memoriam de Camilo Torres
O jornal
Versus considerava a guerrilha latino-americana uma tática errada para o
continente. Mas, apesar dessa posição, reconhecia no padre Camilo Torres um
cristão que soube combinar cristianismo com seu ideal socialista.
Um dos
editores do Versus, Ênio Bucchioni relata de forma generosa sua experiência de exilado
e o significado de Camilo Torres para sua geração. E para que a posição de
Versus diante da guerrilha fique clara, faz a defesa do papel das massas
como agente transformador da história.
Camilo Torres foi um símbolo da minha
geração, da nossa Latino-América, influenciada pelo êxito da revolução cubana.
Camilo foi também um marco no desenvolvimento da Igreja dos oprimidos, a que
nasce com Medellin. Recordo ainda dos meus dias no exílio em Santiago, vários
anos após a morte de Camilo: sua lenda permanecia, e também ainda sobreviviam
as idéias que o levaram até a militância num grupo armado guerrilheiro no interior da Colômbia marginalizada. E recordo
um pierrot le fou chileno, membro de uma organização militarista, que preso por
um cinturão de bananas de dinamite, atirou-se contra uma delegacia de polícia.
Explodiu como o personagem de Godard. Foi em Santiago que, naqueles anos, li o
primeiro documento produzido por exilados brasileiros, que fazia uma profunda
crítica dos métodos guerrilheiros no continente. O texto era claro, era uma
volta ao marxismo clássico, uma análise que recolocava no seu verdadeiro lugar
o papel das massas como agente transformador da história. Ao mesmo tempo, o
documento negava toda uma teoria levada a prática pela esquerda tradicional em
toda a América Latina, a mesma que levou a derrocada da revolução chinesa na
década de vinte, ao massacre de Jacarta, e a débâcle de Allende. Além de tentar
resolver sem as massas e pelas armas a questão do poder, a guerrilha nascia com
a tarefa da negação da triste herança que recebemos nos últimos 50 anos. Foi
incapaz disso. Não era um simples acaso: éramos milhares de exilados, de várias
nacionalidades em busca de uma alternativa... [38]
E
numa reportagem investigativa, Versus procurou reconstruir a história da morte
do líder guerrilheiro.
Após mais de 10 anos de morte do padre e
sociólogo Camilo Torres, membro ativo do grupo guerrilheiro ELN (Ejército de
Liberación Nacional), o povo colombiano ainda duvida das versões oficiais que à
época descreveram o encontro dos guerrilheiros com as tropas regulares, no
lugar conhecido como Patio Cemento.[39]
Para Versus, o
padre Camilo Torres mostrou que seu cristianismo não somente podia, mas devia
manter um relacionamento frutífero com o socialismo. Mas, mostrou também que o
contrário da premissa era verdadeiro: seu socialismo podia e devia ter um
relacionamento construtivo com o cristianismo.
Muitos de seus contemporâneos não viram
assim. Consideravam que a concepção materialista da história negava a possibilidade
dessa aproximação. Tillich já havia afirmado que essas pessoas não entenderam
Marx, sua concepção não era materialista, mas econômica, e que mostrava uma
relação de causalidade entre fundamento econômico e organização espiritual da
cultura.
E que, ao contrário, tal fundamento dá a todas
as ciências do espírito uma possibilidade metodológica extremamente fecunda,
que não tem nada a ver com ateísmo ou materialismo.
3.1.3.
Sacerdote, poeta, combatente
Mas, da
experiência cristã militante, ninguém foi tão amado pelo Versus como Ernesto
Cardenal. Integrante da Frente Sandinista de Libertação Nacional, teve poesias
publicadas pelo jornal, e foi entrevistado mais de uma vez pelos jornalistas de
Versus.
Fazia muito sol naquela manhã. Às oito e meia,
e depois de uma curta e compreensiva espera, chegou a hora de conversar com
Ernesto Cardenal. Ele e mais dois integrantes da Frente Sandinista de
Libertação Nacional ocupavam a mesa em que se serviriam do último desjejum em
Quito. Os diários informavam sobre as negociações entre a Frente Ampla de
Oposição, os mediadores da OEA, e a ditadura somozista. Ernesto Cardenal chegou
a Quito na qualidade de chanceler da Frente. Hoje, sua tarefa é a de buscar a
solidariedade “moral e efetiva” que os povos do mundo tem para oferecer ao povo
da Nicarágua. Eu sempre quis fazer a Cardenal duas perguntas. Isto porque dois
dos assuntos mais debatidos na América Latina são a posição da igreja frente ao
processo de libertação dos povos e o compromisso do intelectual com essa luta.
Em Cardenal, sacerdote, poeta e combatente, estão as respostas. [40]
Mas como
-- quer saber o jornal -- o sacerdote chegou à compreensão de que era
necessário lutar pela libertação da Nicarágua?
Meu compromisso com Deus tinha que ser um
compromisso com o povo, e eu nunca estive longe disso. Quando fundei a
comunidade de Solentiname, estava sempre preocupado com os acontecimentos do
país, e nossa principal tarefa era conscientizar os camponeses e prepará-los
para a revolução. Já contei outras vezes como o que mais nos radicalizou foi o
Evangelho que líamos e comentávamos com os camponeses na missa, todos os
domingos. E esses comentários foram sempre de uma grande profundidade
teológica.[41]
As palavras de
Cardenal traduzem o pensamento de Tillich, naquele momento histórico, para a
realidade nicaragüense. O cristianismo está eticamente obrigado a fazer uma
escolha: ou participa do processo, inspirando e atuando a favor desse
desenvolvimento ou se retrai e entra em processo de caducidade, ao afastar-se da
vida real das comunidades nas quais está inserido. Assim, tal processo de
desenvolvimento, que se realiza de forma desigual na história, combina mudanças
espirituais e transformações econômicas e sociais.
Cardenal tinha
consciência dessa realidade e, por isso, Versus faz dele seu ícone cristão para
o socialismo.
3.2. O pecado se chama
capitalismo
Mas o exemplo
cristão não chega só de além-fronteiras. No Brasil ele é contundente. E Versus
explica porque.
Hoje são quase 50 mil Comunidades Eclesiais de Base, organizando cerca
de um milhão e quinhentas mil pessoas, no Brasil. Elas identificam o
pecado-raiz de toda a opressão: “...esse grande pecado é agora social e se
chama sistema capitalista”, concluiu o III Encontro Intereclesial de
Comunidades de Base, em julho de 78 na Paraíba. Já não se contam mais nos dedos
as Comissões Diocesanas de Justiça e Paz. A Igreja Católica foi, talvez, o
primeiro setor organizado, com peso efetivo na sociedade brasileira, a empunhar
a bandeira de luta pelos direitos humanos. Ligada às parcelas mais exploradas
do povo, sofrendo a perda de padres e freiras perseguidos e mortos, a Igreja se
organizou para combater as ameaças à Justiça e à Paz. Deixa, enfim, o regaço
dos poderosos, não sem contradições e conflitos dentro de sua própria
estrutura. [42]
E para entender os caminhos da
catolicidade, o jornal entrevistou D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu. Mas, explica Versus,
qualquer que seja o resultado da reunião, a luta entre as tendências
conservadoras da Igreja e os setores progressistas vai continuar. Ela não é um
fenômeno apenas superestrutural, ela reflete um processo mais amplo de lutas
sociais, e faz parte da movimentação política das massas latino-americanas,
hoje num processo irreversível de construção de sua própria história.
Nova Iguaçu era àquela altura, modelo brasileiro de
cidade dos pobres e excluídos:
(...) oitavo município mais populoso do país, ali faltam esgotos,
escolas, hospitais, transportes, segurança pessoal (reina o esquadrão da
morte). Região de operários,
funcionários mal remunerados, comerciários, subempregados, que já não podem
esperar soluções senão de si próprios.
Diante da desconfiança de muitos socialistas ao engajamento da igreja na
luta pelos direitos dos oprimidos, por causa de sua tradição heteronômica,
Versus argumenta que
se os homens são aquilo que fazem, a Igreja está sendo aquilo que seus
sacerdotes têm praticado. E essa prática de discussão e organização das bases
de nossa sociedade nós precisamos compreender e avaliar.
Assim, qual o espírito que orienta o
atual trabalho comunitário da Igreja Católica no Brasil? E dom Adriano
Hipólito responde:
A Igreja, na sua essência, é comunidade de fé, de esperança e de amor.
Sua maior eficiência, fermentadora e renovadora da comunidade humana, sempre
dependeu de seu comportamento e de sua atuação com comunidades. Sem dimensão
comunitária a Igreja não é Igreja. Sem abertura para os problemas da
comunidade/sociedade, a Igreja não está em condições de realizar sua missão,
ser continuação da ação libertadora de Jesus Cristo, ser sinal de esperança
para o homem angustiado e sofredor.[43]
Mas,
Versus quer saber mais: o que são as CEBs, como funcionam, quem as integra? E
Dom Hipólito responde:
Comunidade:
as pessoas se aproximam livremente, se sentem responsáveis, descobrem e atuam
nos mais diversos elementos de interesse comum. Eclesial: o ponto de partida e
de chegada, os elementos formadores e aglutinadores, os métodos de ação, etc,
são os mesmos da Igreja. Base: a comunidade de base tem como princípio
fundamental o relacionamento primário das pessoas: pessoas que se conhecem, que
se estimam, se complementam, se ajudam mutuamente. Todos atuamos em nível de
base. A CEB, embora não seja constituída para fazer política, tem de se
preocupar com os problemas políticos e tem parte ativa no processo político.
Tem a preocupação de integrar as pessoas da base no processo social, como
direito/dever da pessoa humana, e de levá-la à participação consciente e
crítica.[44]
Como
jornal socialista, envolvido com a organização dos trabalhadores ao nível
sindical e político, Versus quer conhecer o pensamento de seu aliado cristão. E
Dom Hipólito esclarece sua posição.
Para participar do processo social, o Povo precisa de instrumentos
válidos e eficientes. Entre esses instrumentos estão, por exemplo, os
sindicatos e os partidos políticos. Os sindicatos devem ser órgãos de
participação eficiente na defesa dos direitos dos seus sindicalizados. Estão a
serviço dos trabalhadores como comunidade de trabalho que constrói a Pátria, e
não a serviço de grupos do poder, de demagogos e pelegos. O Estado onipotente
conseguiu, também no Brasil, corromper a filosofia dos sindicatos, reduzindo-os
a instituições de beneficência e lazer.
Um partido trabalhista que corresponde realmente a uma grande corrente
do pensamento popular, na classe dos trabalhadores será, mais cedo, ou mais
tarde, uma necessidade imperiosa. (...) Mas um Partido Trabalhista que esteja
entregue a liderança dos trabalhadores, e não seja manipulado por uma elite burguesa
que deseja apenas conquistar o poder. [45]
E já no final da entrevista, Versus
faz uma pergunta que traduz não apenas reflexão sociológica, mas também
teológica, com profundas implicações políticas para o momento.
Como o senhor vê o possível
relacionamento entre Cristianismo e Socialismo diante das necessidades dos
trabalhadores?
Sem disfarçar as divergências em pontos fundamentais, podemos admitir
uma luta comum por uma causa comum: a justiça social. Quero crer que sem o
Cristianismo como pano de fundo, o Socialismo não se explica suficientemente.
Muitos elementos do Socialismo são de fato cristãos.[46]
Para dom
Hipólito, assim como para Versus, a história da Igreja é passível de muitas
críticas. Muitas vezes, suas opções e alianças com os grupos de poder
fizeram com que se afastasse e dificultasse seu relacionamento com parte da
população excluída de bens e possibilidades.
Tal situação
facilitou e potencializou a pregação do ateísmo e do materialismo. Mas, como
explica Tillich, não podemos dizer que o ateísmo materialista seja um
fenômeno constitutivo do socialismo. Para ele, é uma herança da cultura
burguesa, crítica e cética. Essa herança foi adotada pelo socialismo sob a
crença de que ajudaria a extirpar a idéia de opressão e abriria o caminho para
a construção de um novo mundo, mais justo e digno.
Assim, embora
haja razões históricas para criticar a Igreja, o socialismo erra quando nega a
existência da base solidária e comunitária do ideal cristão. Versus evita esse
erro, quando esclarece aos seus leitores de que se os homens são aquilo que fazem, a Igreja está
sendo aquilo que seus sacerdotes têm praticado. E essa prática de discussão e
organização das bases de nossa sociedade nós precisamos compreender e avaliar. [47]
3.3. As correntes contrárias
Ao comentar,
numa de suas entrevistas, que o III CELAM, Conferência do Episcopado
Latino-Americano, terminou sem levantar dúvidas sobre seu desfecho, Versus
resgatou as análises que viam a Igreja católica num crescente comprometimento
com os excluídos do continente, apesar das forças contrárias que se organizavam.
(...) se analisarmos o caminho da Igreja
através de todos os seus documentos e o nível do seu comprometimento histórico,
desde a encíclica “Rerum Novarum” do Papa Leão XIII, promulgada em l981, até o
discurso do Papa João Paulo II em Monterey, na sua chegada do continente para a
abertura da Conferência. Porém, até onde o comprometimento da Igreja chegou, não era possível acreditar
numa meia-volta, e num retorno às omissões cúmplices com as classes dominantes. Daí que as interpretações, que
viam em Puebla um plebiscito para a “teologia da libertação”, falharam totalmente. Há, sem dúvida, no
interior da Igreja, a corrente simpática a um alinhamento direto com as classes dominantes, mas a
grande maioria do episcopado presente no México sabe que as decisões do
Medellin foram demasiadamente profundas para serem abolidas por um ato de
vontade. [48]
Para analisar
tais variáveis, Versus entrevistou Paulo J. Krischke, exilado brasileiro que
lecionava na Universidade Autônoma do México e era integrante do Latin American
Research Unit, organismo que reunia alguns dos mais sérios intelectuais do
Terceiro Mundo.
Uma das perguntas feitas na entrevista remete a
um futuro possível, totalmente indesejado pelos socialistas e por aqueles que
se colocavam sob a bandeira da teologia da libertação: existe a possibilidade
dos setores centristas da hierarquia eclesiástica tentarem despolitizar as
bases da igreja?
Sim, na medida em que o período atual de
transição e conflitos abertos com o governo tiver sido superado. Porém, se tal
superação realmente se concretizar, com a “volta dos militares aos quartéis,
dificilmente se poderia exigir das bases da igreja mobilizadas politicamente,
uma “volta dos cristãos à Igreja”, ou seja, unicamente para suas atividades
religiosas... Como vimos em Gramsci, “uma concepção ativa do mundo” (ao
contrário do fanatismo sectário de uma doutrina de segurança nacional) conduz
necessariamente a uma expressão partidária e ao questionamento do poder, sempre
que seja essa uma “religião historicamente necessária”, quer dizer, que
corresponda ao desenvolvimento orgânico da sociedade. Além disso, o exercício
das atividades internas da igreja não é incompatível com sua expressão exterior
face a uma prática política pluralista. Antes, talvez, ao contrário, elas se
reforcem mutuamente. Já vai longe o tempo em que a igreja podia aspirar uma
unidade monolítica, ou o controle disciplinar da maioria da instituição
eclesiástica. Assim, o surgimento de setores religiosos sensibilizados
politicamente gera um potencial de atuação partidária, que pode ser canalizado
tanto por orientações de esquerda, como de direita ou de centro, porém,
principalmente por tendências terceiristas ou centristas, dadas as características
da ideologia social-cristã e sua forte penetração recente entre a liderança e
as bases da Igreja. [49]
A partir de
tais informações, que não somente circulavam, mas eram analisadas e discutidas
dentro do jornal, Jorge Pinheiro vai expressar
em análise de conjuntura, que até agora os cardeais e
bispos brasileiros têm-se pronunciado contra a formação de um partido ligado à
Igreja. E há razões para isso. Primeiro porque a Igreja no Brasil não está
coesa ideologicamente A corrente democrata-cristã vai desde um Franco Montoro
até a um Nei Braga, desde um dom Paulo Arns ou um dom Hélder Câmara até a um
dom Sigaud. E juntar tudo isso num único partido seria problemático. Além
disso, há a experiência internacional, naqueles lugares onde a Igreja lançou
partidos políticos e estes fracassaram cai também o prestígio da Igreja. O
exemplo mais complicado dessa situação é a própria Itália, onde a Santa Sé não
sabe como se livrar do peso que é o Partido Democrata Cristão. Por isso, a
tendência maior é que a Igreja jogue no seu papel atemporal, e tenha elementos
nos mais diferentes partidos. Aliás, é o que tem feito desde 1945: apresentar
uma cara antiditatorial e democrática, sem lançar-se como opção política
definida.
[50]
3.4. O lugar do proletariado
Mas por que falar de socialismo e não falar de ação transformadora em
geral, pergunta Tillich. Porque o movimento socialista é o lugar onde a
experiência da falta de sentido da existência tem uma expressão decisiva para o
presente. De fato, por trás do movimento socialista está o destino do
proletariado. E no destino do proletariado se encontra o mais profundo dos
destinos humanos.
Para Tillich,
é na situação proletária que a questão do sentido está colocada concretamente,
porque em cada um de seus momentos, a vida proletária típica se vê confrontada
com a falta de sentido. Na maior parte das outras classes sociais, as
possessões espirituais ou materiais, a execução de empreitadas providas de
sentido ou ainda de propósitos atraentes dissimulam a ausência de sentido.
Mas o proletariado
não tem nenhum meio de dissimular a falta de sentido da existência. Mesmo as
realizações mais simples da alma, como o amor, a família, os prazeres, estão na
maioria das vezes privadas de forma ou desfiguradas.
É uma tolice
querer comparar o socialismo proletário com qualquer outro tipo de socialismo
não proletário, afirma Tillich. O proletariado e o socialismo estão juntos e
permanecem unidos, mesmo quando o movimento socialista não conta em suas
fileiras com nenhum representante do proletariado, e também quando grupos não
proletários adotam o socialismo.
Por impulsos
concretos, a paixão e a abnegação natural a favor do socialismo nascem lá onde
a existência está destituída de sentido, no proletariado.
O proletariado
pode desarrolhar a situação presente, porque pode dar a sociedade uma estrutura
com sentido. Lá onde é possível empreender uma transformação significativa no
domínio do espírito e na política, é onde se encontra uma relação estreita com
o proletariado.
Mas Tillich
não idolatra o proletariado. Para ele, não necessariamente o proletariado é o
mais apto para indicar o caminho da transformação, na verdade freqüentemente
é o contrário que se produz. Mas seu papel está definido porque ele
ocupa o lugar onde a estruturação espiritual e social tem uma exigência real.
Colocar os problemas a partir do lugar onde a
ausência de sentido se faz maior, não é necessariamente procurar a resposta
neste próprio lugar, não é fazer do proletariado o vencedor da falta de sentido
e o portador do novo sentido. Não se pode erigir o proletariado em messias ou
ainda fazer positivamente da situação proletária o lugar de onde sairá a
solução para o problema do sentido.[51]
Aqui está a
questão mais difícil do socialismo atual, explica Tillich. Não se pode afirmar
que uma revolução proletária será bem sucedida na condução de uma sociedade
plena de sentido. Pensar que uma reviravolta política pode transformar a
ausência de sentido em sentido é acreditar em milagres. Não queremos dizer com
isso que negamos a revolução proletária. Ela pode ser uma via para construir
uma sociedade nova há tempos em gestação. Tudo depende daquilo que é realizado.
E a situação proletária não diz o que realizar.[52]
Para Tillich,
existe uma coisa que o proletariado deve aprender: ele deve estar integrado a
uma sociedade provida de sentido. É o proletariado mesmo que deve procurar se
integrar, porque é somente na luta que ele manifesta e ao mesmo tempo
desenvolve o poder que brota, um poder que lhe é possível conquistar e
conservar.
Se essa integração
cair do céu, explica Tillich, ele a perderá logo em seguida, porque não será
fundada interiormente. Assim, na medida em que não pode existir uma sociedade
com sentido se o proletariado não está integrado nela e provido de direitos e
responsabilidades, a luta proletária representa a condição necessária para que
a questão do sentido tenha resposta.
Nessa medida, o
proletariado é não somente o lugar da questão socialista, mas também o portador
da resposta socialista. Sem a luta proletária não há socialismo, sem a vitória
proletária não há resposta para a questão de uma sociedade plena de sentido.[53]
O socialismo
que nós temos em mente, afirma Tillich, é um socialismo transformado. O
primeiro período do socialismo, o período heróico, terminou. O segundo, aquele
da ação transformadora, é exteriormente mais fácil, mas interiormente mais
difícil. Ele deve colocar de lado coisas que convinham ao primeiro período e
deve iniciar, elaborar e realizar um número infinito de coisas novas em cada
domínio. Cuidar para que uma tal elaboração tenha por base o ultimate
concern e que seja o mais universal possível.
E Tillich
completa: o socialismo não deve ser um programa, mas um risco que autoriza o
ultimate concern e que mantém aquilo que é humano em toda sua amplitude.
Este é o socialismo que nós servimos, que é o fundamento, a força e o propósito
da estruturação plena de sentido daquilo que vem.
4. DIANTE DA
SITUAÇÃO-LIMITE
4.1.
A defesa da vida
Mas
é impossível buscar o sentido da vida sem fazer a defesa da vida. A denúncia
permanente da ameaça à vida sempre foi considerada uma tarefa prioritária do
Versus. Em abril de 1979, o jornal publicou uma longa matéria sobre a
mortalidade infantil no Brasil. Dizia:
Em 1979, nascerão 4,5 milhões de crianças,
mas 450 mil estão condenados à morte antes de fazerem o primeiro aniversário.
Ou seja, de cada mil brasileiros que nascem, cem morrem antes de completar o
primeiro ano de vida. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF) morre no Brasil uma criança por minuto com idade abaixo de um ano. Os
índices oficiais e oficiosos, embora conflitem em décimos percentuais, são os
maiores e os mais exorbitantes do mundo. Segundo o professor João Yunes, do
Centro de Estudos de Dinâmica Populacional a Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo, em 1970, estima-se que morreram 108,6 por mil
nascimentos. Relativamente a países com o mesmo nível de desenvolvimento do
Brasil, de acordo com o Anuário Estatístico da Organização das Nações Unidas
(ONU) morrem na Tailândia 21,8 crianças por mil nascimentos; Sri Lanka 45,1;
Iraque 27,5; Grécia 24,1; Portugal 38,6; e Argentina 59 por mil. [54]
Ao lado da
crítica social, que tem por base a ética do amor, Versus faz a defesa de uma
atitude positiva que entende a necessidade de eliminar as condições que geram
miséria e exclusão. Tal atitude, conforme expõe Tillich, traduz a urgência de
combater os fundamentos do egoísmo econômico, mas também de gerar ações para a
construção de uma outra ordem social, que inclua periféricos e excluídos.
Isto porque o socialismo não é só tarefa
e necessidade de operários e trabalhadores fabris, mas um ideal ético
que traduz anseios e esperanças dos mais variados setores da sociedade. E para
Versus, que traduzia um slogan do presidente chileno, o socialista Salvador
Allende, as crianças devem ser os únicos privilegiados.
4.1.1. A criança e a ética do amor
Versus
conta que as crianças brasileiras, pobres, defrontam-se ainda com uma luta
maior, pois aos sete anos ou menos dependem somente de suas forças.
Segundo a revista norte-americana Time, de 11
de setembro de 1978, existem no Brasil, 16 milhões de crianças abandonadas e
carentes. Na matéria intitulada “Brazil’s World Generation” (A geração perdida
do Brasil), o Governo gasta CR$ 760 milhões com o “bem estar do menor”, porém
só 11,8 por cento das cidades brasileiras recebem alguma ajuda. No Nordeste
brasileiro, estão 10 por cento dos estabelecimentos federais para amparo ao
menor, devido ao alto índice de natalidade. Acrescenta ainda a “Weekly
Magazine” que num orfanato em São Paulo, o QI (quociente de inteligência)
oscila entre 50 e 70, o que seria diagnosticado nos Estados Unidos como
“retardamento mental”. Mais ainda, segundo a Time existem para cada dez mil
crianças um estabelecimento governamental, e que a verba destinada, por exemplo
à Febem, de São Paulo, não ultrapassa Cr$ 58 milhões, sabendo-se que o custo
mensal de uma criança é de Cr$ 2.800, e que são recolhidos por noite 25
menores. Apesar do mal estar dos órgãos responsáveis e a aplicação dos serviços
de segurança para saber quem passou às informações à revista, Roberto
Cavalcante, diretor da Funabem do Distrito
Federal, diz que Time
fora até Brasília, e ele fornecera os dados requeridos. Confirmando os dados do
semanário, Cavalcante lembrou a Comissão parlamentar de Inquérito do Menor de
1975, que registrava as infrações cometidas por menores: furto, 83 por cento;
tentativas ou homicídios consumados, 29,02 por cento; delitos sexuais, 46,16
por cento, outros, 49,67 por cento. Numa entrevista ao jornal O Globo, o Juiz
de Menores, Alírio Cavalieri, afirmou que a delinqüência juvenil entre 1970 e
1977 subiu 300 por cento, segundo o conhecimento policial, não levando em
consideração a delinqüência real, que não chega aos livros de ocorrências
policiais. Todos estes números confirmam uma única coisa: os menores
brasileiros roubam e matam por uma única razão, muito bem sintetizada na CPI do
Menor de 1975: a pobreza é a causa preponderante da marginalização menor em
90,26 por cento dos municípios brasileiros. [55]
A
preocupação com a pobreza e o abandono de milhões de crianças pode ser
entendida como uma preocupação apenas legalista, técnica, que visa responder
aos princípios da lei natural presentes na Constituição brasileira.
Versus
não via assim. Fazia parte de sua ética socialista a defesa da vida, e o amor
não se colocava fora de suas perspectivas, mesmo quando recorria à legislação
vigente para defender os direitos das crianças abandonadas pelo sistema.
Para
Tillich, o amor está acima da lei, tanto da lei natural do estoicismo, como da
lei natural de qualquer heteronomia. Para ele, a ética do amor tem um caráter
ambíguo, porque se por um lado é um mandamento incondicional, por outro é o
poder que está por detrás de todos os mandamentos.[56]
Para
Tillich, é precisamente este caráter ambíguo do amor que possibilita a solução
da ética num mundo em transformação. Assim, até mesmo os princípios da lei
natural expressos em determinada Constituição se traduzem enquanto concretização
do princípio do amor em dada situação, representam o amor ao estabelecer a
liberdade e os direitos iguais para todos contra as arbitrariedades, repressões
e a destruição da dignidade dos seres humanos.
Mas,
em última instância, afirma Tillich, a resposta à necessidade de uma ética num
mundo em transformação deverá ser determinada pelo kairós, mas somente o
amor consegue aparecer nos momentos de kairós. O amor, ao realizar-se de
um kairós a outro, cria uma ética além da alternativa entre ética
absoluta e a relativa.[57]
4.1.2. Racismo,
mortalidade infantil e justiça
O
Brasil necessitava de uma ética, mas aparentemente estava longe dela. Na busca
de soluções, Versus pergunta: quais as razões da mortalidade infantil e da
criminalidade infanto-juvenil? Este é um problema muito discutido hoje, mas em
1979 Versus procurava respostas. E acaba por relacionar entre suas causas uma
catastrófica distribuição de renda, miséria endêmica e racismo.
Em agosto de 1978, a assistente social Maria
Benedita Salgado Arcas, já denunciava: “O problema não é o menor abandonado,
mas as famílias abandonadas. O verdadeiro problema é a carência das famílias”.
Funcionária lotada na Febem do Tatuapé, Maria Benedita tocara com profunda
acuidade o cerne do problema, a má distribuição da renda regional e a péssima
distribuição da renda individual.
Muitos juízes de menores, inclusive o
ex-presidente da FEBEM, João Benedito de Azevedo Marques, acabaram afirmando
então que era necessária uma “transformação da estrutura sócio-brasileira”. [58]
Versus
analisa, então, até que ponto o racismo é um sério entrave para uma política
social.
Mas ao colocar a questão racial na adoção das
crianças, Paulo Rui deixou aberta a porta de um raciocínio mais abrangente.
Voltemos a alguns dados acima. A população baiana tem um índice de mortalidade
que triplica o índice de Angola, mesmo considerando a sua densidade
demográfica. Os maiores índices de mortalidade infantil ocorrem nos estados de
maioria negra, ao contrário dos estados do Sul e Sudeste. Todos os números
apresentados, de desnutrição, doenças, retardamento mental dizem respeito muito
mais aos negros destes estados que ao número de brancos, em sua maioria
situados abaixo do Trópico de Capricórnio. As unidades de “bem estar social”
são guetos estruturalmente construídos com um capricho superior ao das prisões,
mas não lhes fica devendo nada em relação ao tratamento dispensado.
No Brasil vê-se a questão do racismo individual, quando este é uma
versão cuja conseqüência brutal é institucional, gerando o desemprego, a
criminalidade e a morte de milhões de negros. O sonho de “embranquecimento” do
Brasil, vai, enquanto isto, à todo vapor, pois aliado a imperiosidade de
miscigenação, vai se diluindo a população negra no Brasil. [59]
A análise da situação das
crianças abandonadas levou o Versus a enfrentar-se com a realidade da
discriminação racial no Brasil. Mais uma vez, tal questão poderia ter sido
encarada apenas como mera questão técnica. Mas aqui o amor tem uma outra
tradução: justiça.
Para Tillich, quando tomamos
o conceito de justiça, concretamente, significa a lei e as instituições
portadoras do amor em situações especiais. Para o socialismo, a justiça deve
representar, na sociedade futura, plena de sentido de vida, o sistema de leis e
formas capaz de manter e de desenvolver a segurança necessária para todas as
pessoas[60]. Por ora, por
não existir tal sociedade, a justiça, mesmo como princípio secundário, que
traduz um momento do amor, deve ser buscada.
Fica, no entanto, uma
constatação colocada por Tillich: o amor é a própria vida em sua unidade
concreta. As formas e estruturas do amor são as formas e as estruturas que
possibilitam a vida, nas quais as forças destrutivas são superadas. Este é o
sentido da ética: expressar as diferentes maneiras da concretização do amor e
da manutenção e salvação da vida.[61]
4.2. As greves – uma busca
de sentido
A luta operária que
acontecia nas fábricas e sindicatos traduzia essa busca de sentido. Uma
vanguarda operária começava a surgir e novos nomes até então desconhecidos pela
população passaram a ter destaque nos noticiários. O nome de Lula, líder
sindical metalúrgico, começou a ser conhecido no país no dia 12 de maio de
1978, a partir da cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo. Mas o
surgimento desse sindicalista traduzia um fenômeno maior, um quase levante dos
trabalhadores do ABC paulista, que na seqüência dos dois anos seguintes vão
destroçar a legislação antigreve do governo militar e abrir caminho para o fim
do governo militar.
Versus de outubro de 1978
afirmava que depois de muito tempo, 14 anos, os trabalhadores conquistam um
direito que sempre foi seu: a greve.
Para que isso acontecesse foi preciso muita
coragem e operários decididos que iniciassem um movimento que toma caráter
nacional. A explosão das greves por reivindicações salariais iniciadas no ABC
se estende a novas categorias de trabalhadores, a novas cidades e estados. [62]
Os
metalúrgicos da Belgo Mineira, em João Monlevade, iniciaram o mês de setembro
em greve, reivindicando melhores condições de trabalho e de salários, afirma Versus.
Naquele número
do jornal, quatro líderes sindicais mineiros falaram sobre as greves em São
Paulo, seu significado, a repercussão que tiveram em Minas e as perspectivas do
movimento. Na seqüência veremos o que pensavam e o que queriam, já que esses
homens traduziam as aspirações de milhões de trabalhadores.
4.2.1. “A
terra tem sede”
O ensinamento fundamental da greve do ABC, na
sua significação social, de organização, é o marco histórico que ela assinala,
o da divisão entre os trabalhadores e os grupos imperialistas que centraram sua
atuação em São Paulo.
A política econômica exportadora, seguida do
arrocho salarial e conjugada com a falta de representatividade dos sindicatos,
já se tornou insuportável. O empobrecimento dos assalariados no Brasil é tal
que hoje já não se pode nem mesmo falar em classe média. Daí que o movimento
grevista, que prossegue, foi uma revolução contra a fome, uma rebelião contra a
negação de um dos mais elementares direitos da pessoa humana, que é o de comer.[63]
O discurso de Dídimo
a favor de um direito de greve pleno, que por extensão pode e deve ser
entendido como pensamento político e sindical do jornal Versus e da
Convergência Socialista, nos remete a Tillich, pois naquele momento os trabalhadores
começavam a fazer história.
Para Tillich, história é quando nós determinamos em liberdade, mas
é também onde somos determinados pelo destino em oposição à liberdade.[64]
Mas, em determinadas épocas, o estabelecimento do poder de ditadores faz predominar
as necessidades, como conseqüência da catastrófica destruição do sistema
liberal de vida.
Nesses momentos, em que a vida humana perde seu valor e prevalece a falta
de sentido, o socialismo é chamado a fazer história. É uma postura ética, um
desafio à situação-limite, quando a vida humana se vê confrontada pela mais
tremenda ameaça.
O relato de Dídimo, assim como de seus companheiros, traduz a aceitação
desse desafio: o de colocar-se na brecha, a aceitação do risco da opção
socialista.
4.2.2.
“Somos pára-raios”
E
por haver trabalhadores e socialistas, mesmo nos mais negros períodos do regime
militar, sempre houve uma ação contra o regime, pois como Tillich explica, o
ser humano está sempre agindo, mesmo que o conteúdo de sua ação seja a
inatividade. É o que explica João Paulo Pires Vasconcelos:
O movimento sindical não morreu ao longo
desses 14 anos da política salarial, de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço,
de administração coercitiva e autocrática. Ele estava em hibernação, e agora o
problema salarial, as condições sociais do operário, chegaram a um ponto de
saturação. A manifestação em São Paulo é o extravasamento de tudo que estava
reprimido, por sufoco.
As lideranças sindicais surgidas lá no ABC,
principalmente, foram fruto de uma conscientização de base. Realmente existia o
espírito de classe, e uma identidade entre as direções e as bases. A
espontaneidade do movimento existia dentro do sindicato, porque os homens que
ocupam o sindicato saíram da fábrica com essa mentalidade.
Os frutos que se colheu disso, como muito bem
disse o companheiro Lula, é que as reformas que o trabalhador pretender ele
terá que fazê-las. Não se pode esperar, como nos tempos passados, que se faça
gratuitamente as reformas para nós. Essa greve vem mostrar que é o momento do
trabalhador se conscientizar da importância histórica da sua posição, de acabar
com esse atrelamento das entidades sindicais ao Ministério do Trabalho, e de
iniciar realmente a contratação coletiva de trabalho – aproveitando a
experiência dos companheiros, de sucesso absoluto através da greve.[65]
Qual
a importância dessas greves? Em que sentido apontavam para algo novo? Tanto
para Tillich, como para os socialistas, o protesto operário nas suas várias
manifestações está ligado à luta de classes. Para Tillich, tal luta está
fundada nas leis naturais da economia liberal e todos os indivíduos se
encontram metidos nela, sejam proletários ou não. [66]
E
porque a luta de classes é uma realidade estrutural do capitalismo, os juízos
morais sobre ela na maioria das vezes vêem-se transbordados por abordagens
ideológicas. Mas para Tillich é impossível fechar os olhos diante de sua
existência, porque a luta de classes é uma realidade, uma realidade sem dúvida
demoníaca, uma tendência destrutiva do sistema.
Por
isso, não é possível, afirma Tillich, exigir um socialismo sem luta de classes,
pois significaria trair a situação real do proletariado. É, em última
instância, favorecer à utopia, que pode até ser legitimada religiosamente, mas
nem por isso será melhor. [67]
Para
Versus, as greves eram parte da luta dos trabalhadores, que permitiam
experiências de organização e solidariedade, que fortaleciam e preparavam esses
mesmo trabalhadores para novos enfrentamentos. Daí o entusiasmo visível nas
reportagens sobre as greves vitoriosas e as análises solidárias diante daquelas
que foram derrotadas.
4.2.3. “Rebelião
da fome”
Para Tillich, cada luta particular do proletariado, seja ao nível
político ou salarial, busca em última instância levar à plenitude do ser e ao
sentido da vida. Assim, visa superar o demoníaco que se revela ao proletariado
através de seu poder destrutivo. E através dessa luta, a vida do proletariado
adquire sentido.
Vê-se isso no relato de Joaquim José de Oliveira:
O significado da greve de São Paulo, para a
gente aqui em Minas, foi grande sabendo-se que nossa condição é bem pior que a
de São Paulo.
Infelizmente, as nossas autoridades alegam
que o salário do trabalhador é fator inflação. Mas eu discordo das nossas
autoridades. O salário do trabalhador não é fator inflação, mas sim
desenvolvimento. Nenhum trabalhador tem dinheiro pra botar a juros ou fazer
qualquer outro negócio: o dinheiro do trabalhador entra num bolso e sai no
outro. (...)
Em Minas, parece que as autoridades que
controlavam os preços das coisas abriram mão do setor açougue, e o operário não
pode mais chegar em porta de açougue. A carne que eu comprava no ano passado a
catorze cruzeiros, agora está custando quarenta e quatro... Os meus filhos não
sabem o que é tomar leite. No dia em que levo, por acaso, um litro de leite, me
perguntam se existe alguém doente – porque não é costume, o meu salário não dá.
Mas eu apelo pra sardinha de quatro e quinhentos, essas coisas – ossos que são
vendidos para tratar de cachorro... mas a gente é obrigada a comprar pra levar
para casa. Então acontece que, na conjuntura que se está vivendo, a gente tem
que pensar no que vai se fazer porque chegamos num ponto que não tem mais pra
onde apelar. Como um trabalhador vai revigorar as energias se ele não tem condição
de comprar aquelas matérias como ovos, leite e outras coisas que ele precisa
para se alimentar?
Se todo mundo estiver sofrendo como eu a
situação de custo de vida, será impossível continuar da maneira que estamos.
Porque estamos fechados, encurralados de maneira que não tem mais pra onde
escapulir.
Acho, então, que é preciso realmente nós
olharmos para os companheiros de São Paulo, e ver que têm razão quando sentiram
o problema e resolveram unir suas forças e mostrar que realmente as leis que
nos rodeiam não são capazes de dominar as nossas necessidades. Que muitas vezes
a fome suplanta qualquer lei.
É o que a gente tem que pensar: que o
trabalhador, a única coisa que ele tem nas mãos é a sua união. Porque, se somos
o pivô da riqueza do país, também somos o pára-raios: porque todo o custo de
vida que se produz no país cai nas costas do trabalhador. Qualquer coisa que
acontece dentro do Brasil, qualquer prejuízo, é descontado nas costas do
trabalhador. O trabalhador unido, dentro dos princípios democráticos e
cristãos, resolve os seus problemas. Como o pivô da riqueza tem que ser
reconhecido como pessoa humana, que deve viver condignamente que deve se
alimentar, e as autoridades devem olhar e pensar na justiça social porque nós
somos aqueles que produzimos, nossa mão-de-obra e o capital pesam igual na
balança porque o valor do dinheiro é o mesmo da mão-de-obra. [68]
É muito
interessante ver que Joaquim José de Oliveira, socialista, considera que os
trabalhadores devem estar unidos dentro dos princípios democráticos e cristãos.
O que nos remete a Tillich, quando afirma que através da luta, o proletariado
se sente um combatente do reino de Deus, se sente investido de uma condição
messiânica, para ele e para a sociedade de conjunto.[69]
Na luta, o
proletariado perde a insegurança e não considera a situação como sem saída. Em
meio a ausência de sentido, passa a ver um sentido: ele é o instrumento da luta
contra uma situação que rouba ao homem todo sentido humano.
4.2.4. “Romper
os diques”
Para muita gente, as lutas salariais eram questões sindicais que não
tinham relação com os problemas políticos que a sociedade brasileira
enfrentava. Versus discordava disso. E Tillich, também vê assim. Para ele, a
política é o real. Ela está no mundo. Por isso, quando o proletariado luta,
combate politicamente. E realiza esta luta animado por uma fé na sociedade sem
classes, no reinado da justiça, no reino de Deus.[70]
Por isso, é fácil entender porque Arlindo José Ramos em sua entrevista extrapola o
meramente salarial e sindical e diz que os trabalhadores colocaram de lado
os códigos impostos pelas classes políticas dominantes.
A greve representa a volta do sindicalismo ao
seu leito normal. O sindicalismo que brotava no Brasil até a década de 20 foi
colado dentro de uma represa; a Legislação da CLT que lhe deu os contornos que
as classes dominantes vencedoras da revolução de 30 entenderam ser os limites
permissíveis para a organização da classe operária.
Esse represamento foi repetido depois de 64,
mas as águas da represa já estão transbordando. Os trabalhadores redescobriram
que as soluções para os seus problemas sairão das suas próprias cabeças e mãos,
da força da sua união. Resolveram romper esses diques e desconhecer a lei de
greve, a legislação salarial, a decisão dos tribunais. Puseram de lado os
códigos impostos pelas classes políticas dominantes, que são ao mesmo tempo as
classes econômicas dominantes. E souberam se portar maduramente e com grandeza
nesse episódio, captando o reconhecimento de toda a nação.
O movimento de São Paulo faz com que os
trabalhadores voltem a confiar em si mesmos e se disponham a seguir o seu
exemplo, que é uma lição para todo o movimento operário do país. Aqui em Minas
Gerais, por ocasião das campanhas que encetarem, sindicatos e trabalhadores perceberão
na prática a resposta que darão daqui para frente as suas reivindicações, tendo
em vista os êxitos alcançados em São Paulo.
É hora dos trabalhadores ocuparem todo o
espaço que se abrir dentro da sociedade brasileira, espaço que sempre lhes
pertenceu, mas não era por eles ocupado. E não deixar sempre de dar um passo
adiante, quando a hora seja de avançar. [71]
Assim para
Versus, essa relação entre a questão salarial e a democrática permitiria
entender a aquela vanguarda classista que surgiu com as mobilizações, a partir
de maio de 1978. Esta vanguarda classista estava a surgir mais como necessidade
do que como consciência.
É a passagem da questão democrática à
política, só que fica no meio. Explicando: a necessidade de unificar as lutas,
de dar respostas democráticas, de conseguir vitórias salariais, está levando um
setor da vanguarda a tentar uma resposta política para o país, mas esta
resposta não está surgindo da consciência de que o problema do país é político
e de que só um partido dos trabalhadores é a solução. Para a maioria dos
trabalhadores esta situação não está clara, nem mesmo para um setor de
vanguarda. Eles entendem, empiricamente, que é necessário criar algo que
permita o avançar das lutas, e que este algo não é o MDB. Assim, a vanguarda
classista é de fato a mediação entre a questão salarial/democrática e a questão
política. [72]
Aqui, Versus faz a ponte entre as lutas salariais e democráticas e a
questão política, mostrando que os trabalhadores devem se organizar em partido
para enfrentar politicamente o regime militar. É certo que apenas as lideranças
sindicais classistas começavam a ter consciência dessa necessidade, mas a cada
greve, a cada experiência nova diante da luta de classes, os trabalhadores
brasileiros foram entendendo o papel que lhes cabia na democratização da
sociedade.
4.3.
O regime militar no banco
dos réus
Mas o julgamento do
regime militar não apareceu no Versus apenas pela boca de civis. Um dos mais
conhecidos historiadores do país, Nélson Werneck Sodré, ex-militar, analisou no
jornal o impasse que o conjunto das Forças Armadas vivia naquele momento.
O golpe de 64 foi de qualidade diferente,
algo novo no terreno das intervenções militares brasileiras e o novo custou a
aflorar. O próprio presidente Castelo Branco diria em seus pronunciamentos que
aquilo era transitório: tratava-se de fazer uma nova Constituição, fazer um
novo sucessor e estaria terminado o movimento. O regime tem três etapas ao meu
ver. A primeira de 64 a 68. Em 68, o regime adquire sua fisionomia definitiva,
e tem o seu apogeu no período 68 a 74. Em 74 começa a declinar. De 68 a 74 o
regime tem um caráter completamente diferente de outros regimes presididos por
militares nesse País, mais especificamente o chamado Estado Novo que foi uma
ditadura militar exercida por um civil. De que decorre essa diferença?
Justamente das contradições sociais apresentarem-se hoje no Brasil com muito
mais força do que antes. Inclusive a classe operária, uma classe relativamente
recente em nossa história, começa a aparecer no palco político, e pretende
ocupar um certo espaço, disputar direitos, como o direito de se organizar, e
chegar a esse tipo de organização centralizada que é o Comando Geral dos
Trabalhadores, ou algo dessa natureza. Os militares vêm sendo doutrinados violentamente
para encarar essa pretensão como uma arma contra a humanidade quanto é uma
coisa perfeitamente normal. Mas a doutrinação no processo da luta ideológica
consiste justamente em apresentar a indivíduos ou a instituições como uma
verdadeira heresia aquilo que é normal. É o processo de lavagem cerebral. Este
processo é exercido através do que se chama doutrina de Segurança Nacional.
Esta doutrina é inoculada nos militares individualmente, e não só nos
militares, porque hoje ela abrange o País todo, todas as atividades, todas as
classes, todas as profissões, para que encarem como uma ameaça séria ao próprio
País as formas de organização operária, estudantis e religiosas, mas,
particularmente, as operárias. Então, o novo é que fez com que surgisse uma
forma nova de intervenção militar, uma forma nova de regime militar. As
contradições da sociedade brasileira se aprofundaram e não vão desaparecer por
causa disso, nem vão deixar de se aprofundar, vão resistir, vão achar que a
coisa é anormal por algum tempo. A própria realidade vai mostrar para eles que
não é anormal, que é uma exigência da própria sociedade. Espero que algum dia
se convençam disso.
O processo histórico se caracteriza por um
fato que é muito pouco estudado que se chama ritmo. Às vezes o ritmo é lento,
ás vezes é acelerado. Vive-se, em um período curto, mudanças significativas.
Espero que esta mudança para uma visão mais justa do processo social resulte de
um ritmo mais rápido. De qualquer forma, a realidade é mais forte do que
qualquer organização militar. [73]
Assim, o regime militar,
com suas deformações e promessas, foi julgado por parcelas do movimento socialista e dos trabalhadores
brasileiros. E desse julgamento nasceu uma ação transformadora, da qual o
jornal Versus e a Convergência Socialista, assim como outros grupos, foram
tradutores e partícipes.
4.4. Jovens na brecha
Dezenas de ativistas da
Convergência Socialista eram operários, trabalhavam nas fábricas do ABC e
atuavam nos sindicatos. Isso faz com que o jornal Versus sofra uma visível
mudança com o surgimento das greves do ABC. Deixa de ser um jornal que reflete
uma realidade distante para ser, também, um porta-voz de parcela da militância
sindical.
Jovens sindicalistas,
heróis dos sonhos socialistas, passam a freqüentar a redação do jornal,
transformando-se em articulistas e correspondentes do Versus no front
das greves operárias.
4.4.1.
“Um arrepio na espinha”
Quando
a repressão se fez sentir sobre a Convergência Socialista, muitos jovens foram
presos. Justino Lemos Pinheiro conta sua experiência.
A trepidação do ônibus, monótona, a luz
amarelada, fraca, aumentavam a
sonolência. Fechei o jornal. Fechei os olhos e soltei o pensamento. A
Convenção – os punhos erguidos, as conversas sobre o PS, aqueles mortos marcados
pela exploração capitalista, a bonita garçonete que me servia no restaurante da
esquina, passavam e voltavam a mente.
Abri os olhos. Era perto de 23 horas de 22 de
agosto. O ônibus Santo André via Prosperidade, contorna a praça da Riqueza e
segue pela rua Eldorado. Passa o primeiro ponto, pego minha sacola e dou sinal.
O ônibus pára na esquina da rua dos Mármores. Desço. Espero que se vá. A rua
deserta. Apenas um Volks azul velho estacionado ao longo. Atravesso a rua
pensando em tomar um banho e cair na cama.
Repentinamente ouço ronco forte de motor de
automóvel. Viro-me e vejo o Volks velho vindo em minha direção a toda
velocidade. Imagino um seqüestro. Esboço uma fuga. Sinto quatro mãos fortes e
violentas me agarrarem. Começo a gritar por socorro, na esperança de que surjam
testemunhas. Surgem pessoas nas janelas, assustadas, continuo a gritar. Mas
quatro mãos juntam-se às anteriores e são suficientes para me dominar,
imobilizando pernas, braços – o grito não passa mais pela pesada mão que
comprime minha boca. Segurado pelo paletó – que se rompe – e pela calça – que
se rasga – jogam-me no banco traseiro do Volks. Sou encapuzado e algemado. O
carro arranca em grande velocidade.
- Grita agora seu filho-da-puta!
- Vamos descarregar esta máquina nele... tá
cheinho de bala, neném.
- Não, agora não! Vamo levá ele prá Praia
Grande beber um pouco de água salgada... depois...
As frases berradas eram entrecortadas por
socos na cabeça e nas costas. Andamos por uns dois minutos.
Atenção base! Estamos estacionados em Avenida
de mão dupla. Manda alguém para recolher ele.
O rádio do carro funcionava insistentemente.
Algum tempo depois chega um outro carro.
- Tirem o capuz...
- Mas chefe...
- Podem tirar, não tem importância.
Retiraram o capuz e as algemas e me levam
para outro carro, que se põe em marcha.
- O que houve meu filho? Foi assaltado
- Como? Fui seqüestrado!
- Ah! Estes policiais de hoje!
- Pra onde estão me levando?
- Para o DEOPS! LSN, meu filho!
Desci do carro. Olhei em toda a sua sinistra
imponência, o Batalhão Tobias da Aguiar. Um arrepio percorreu minha espinha.
Entramos. Escadas e mais escadas, sempre subindo.
Levaram-me para uma sala com algumas
poltronas.
O ambiente apesar de fúnebre, era de uma
atividade febril, homens correndo por todo o canto, berrando ordens, vez ou
outra se dirigindo a mim com grosserias.
Não tardou para que percebesse logo o motivo
de toda a agitação. Comecei a ver companheiros da Convergência Socialista por
todo o lado. O ambiente era de uma opressão indescritível.
(...)
Quando desci à cela, soube que havia ocorrido
uma assembléia na PUC, com dois mil estudantes que haviam deliberado um ato
público para nossa libertação. Soubemos por entre as grades, espalhamos a
notícia e os gritos de “Viva” encheram o corredor sombrio que dá acesso às celas.
O ânimo, a confiança no movimento de massas,
a certeza da transitoriedade daqueles momentos nos davam forças para
suportarmos com dignidade os intermináveis interrogatórios. A greve de fome,
deflagrada na quinta-feira de manhã, reivindicando melhores condições
carcerárias e quebra da incomunicabilidade para advogados e familiares, seguia
com muita confiança.
(...)
No sábado o DEOPS não parecia o mesmo.
Começaram a nos tratar com muita delicadeza, procurando nos oferecer o máximo
conforto! Não tínhamos confirmação das manifestações, mas conosco, por apenas
observar as atividades dos policias, estava a certeza que o movimento de massas
havia dado um trabalho aos repressores e estava pressionando forte.
(...)
No domingo, às 10hs me levaram para o cartório,
de lá saí às 16hs, voltando para a carceragem. Como não tinha nenhum objeto meu
na cela, não permitiram que pra lá voltasse para me despedir dos companheiros.
Na sala de identificação, enquanto colocava mais dados em dezenas de fichas,
encontrei Bernardo, que fazia o mesmo e lhe avisei que estava saindo.
Dali para o DEIC, para exame de corpo de
delito no IML. Lá o médico perguntou se havia sido torturado, ao que respondi
que não, carimbou a ficha e me despachou. Voltamos ao DEOPS e lá o delegado de
plantão disse que eu estava livre. As portas do Batalhão Tobias de Aguiar se
fecharam ás minhas costas.
Olhei para cima. Olhei para as pessoas
passando e que não sabiam de nada. Senti o cheiro de liberdade entrar forte em
meu peito. Senti que a luta vale, que os objetivos são certos e honestos. E que
o caminho é este mesmo: um grande Partido Socialista, que lute pela emancipação
definitiva dos trabalhadores. [74]
Começaram
a nos tratar com muita delicadeza, contou Justino. Depois da opressão e da tortura, delicadeza.
Delicadeza, humanidade? O conceito de humanidade, afirma Tillich, que traduz a
idéia de tolerância, não teve na evolução da burguesia mais do que uma
realização acidental. Na verdade, essa consciência de humanidade foi
neutralizada pela consciência de classe no poder, pela educação para uma elite
e pela dependência nacional. Por isso, para Tillich, se o socialismo é uma
herança da cultura universal, tem uma originalidade que não se restringe
aos conceitos, mas à experiência vivida. E é através dessa experiência que
a idéia de tolerância ainda se mantém viva. Justino estava vivendo a sua
situação-limite.
4.4.2.
“A certeza do pesadelo”
A presença das mulheres sempre foi forte e marcante no Versus e na
Convergência Socialista. E seria um erro imaginar que a participação delas era
secundária ou de menor importância. Ao contrário, em vários momentos foram
líderes e direção do movimento. Hilda Machado conta sua prisão.
Aonde estão as armas? Onde vocês esconderam?
A princípio a impressão de irrealidade. Depois
a certeza de que o pesadelo não estava no meu sono, mas fora dele. Estava sendo
arrancada da cama, às 7:00 da manhã para ser jogada no meio de um delírio. Dois
homens dentro do quarto. Um deles com uma arma encostada na minha cabeça. O
outro me empurrava com o pé – Vamos levanta, levanta!
Levantei e vi a companheira que estava
dormindo no outro quarto sendo trazida por outros dois. Nos levaram para a
cozinha e nos fizeram sentar. A casa em alvoroço. Eram seis homens armados,
falavam muito pelos rádios transmissores, reviravam a casa e nós escutávamos
suas vozes irritadas. – Nessa casa não tem nada! Eles queimaram tudo!
Continuamos presas na cozinha até 13:30
quando fomos levadas para o DEOPS. Entro numa sala e o delegado falou gritando,
de grupos clandestinos – Fala logo, já sabemos tudo. Seu marido está preso
desde ontem! Palavrões, ofensas, simulações – Essas merda é simpatizante! E no
meio de tudo, eu lembrava das palavras de um companheiro durante a I Convenção
da Convergência Socialista – “Eles têm medo do povo!”
Não sei quantas vezes fui interrogada, não
lembro. Só sei que eram sempre grosseiros e cada vez mais irritados por que não
sabia responder ao que queriam. Perguntaram porque eu achava que estava sendo
presa. Falei que sou socialista, quero um partido dos trabalhadores, participo
do movimento Convergência Socialista e estou trabalhando no Comitê Eleitoral de
Benedito Marcílio. Num dos interrogatórios contei doze homens gritando na minha
frente. As palavras saíam sujas com provocações.
Apesar de ter sido presa da mesma maneira
ilegal de sempre e estar nas mãos de quem torturou e matou tantos outros, não
sentia medo. Saí do primeiro interrogatório para uma sala. Maura estava lá. Nos
olhamos mas fomos proibidas de falar. Ficamos sendo vigiadas durante horas e só
muito tarde desci para a cela. Encontrei sete pessoas ainda perplexas.
Achávamos que aqueles homens eram loucos, mas em nenhum momento tivemos dúvidas
quanto a repercussão das nossas prisões. A primeira noite na cela quase
congelamos. A temperatura estava muito baixa e não havia cobertores. No outro
dia enviamos uma carta ao diretor e entregamos em greve de fome, exigindo
melhores condições carcerárias e quebra de incomunicabilidade. Sabíamos que não
seríamos torturados. Sabíamos que as greves de maio no ABC, vêm mostrando o
caminho para o movimento de massas e sentimos que o tratamento começava a
melhorar com as mobilizações dos diversos setores. Apesar de tudo eles não
desistiram das pressões e chantagem até o último momento. Minha mãe passou dois
dias esperando por mim na sala do DEOPS. Enquanto isso colocavam um telefone na
frente e diziam: Fala com tua mãe agora, só que antes escreve, escreve com tua
letra tudo do PST. Diz tudo, ao negar você só está se comprometendo. Escreve e
você sai daqui agora. E eram tomados por acesso de cólera e agrediam
verbalmente.
Quando voltei para casa, aí sim, senti
vontade de chorar. Estava tudo completamente revirado. No primeiro momento
percebi que estavam faltando livros, bônus de venda dos jornais e marcas de pés
sujos de lama em cima da minha cama. [75]
No depoimento desses dois jovens, uma
palavra nos vem a mente: fé. Fé política e social, que os impulsionaram para
frente, certos de que criariam um Brasil socialista. Para Paul Tillich, diante
da decomposição da cultura burguesa, o socialismo propõe criar uma nova vida
cultural e social, mas isso só será possível se a autonomia caminhar em direção
a uma teonomia, a uma atitude que permita à incondicionalidade apoderar-se
incondicionalmente de todas as coisas.
Texto extraído de
Universidade Metodista de São Paulo
Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião
ÉTICA SOCIALISTA E ESPÍRITO PROFÉTICO
Um
estudo sobre o pensamento [Cultura e Sociedade]
do
Movimento de Convergência Socialista,
segundo
o jornal VERSUS,
a
partir dos escritos socialistas de Paul Tillich
por
JORGE PINHEIRO DOS SANTOS
Dissertação apresentada em
cumprimento às exigências do
Curso de Pós-Graduação em
Ciências da Religião
para obtenção do grau de
Mestre.
São
Bernardo do Campo, junho de 2001
[1] Jornalistas
e Revolucionários nos tempos da imprensa alternativa, São Paulo, Scritta
Editorial, 1991, pp. 77-78.
[2] Entrevista de
Marcos Faerman, 16/08/90 in op. cit., p. 193.
[3] Bernardo
Kucinski, op. cit., p. 200.
[4] Ênio Bucchioni e Omar de
Barros Filho, O editorial dos editoriais, 1978, São Paulo, Versus no
28, janeiro de 1979, pp.3-9.
[5] Idem, op. cit., O editorial
dos editoriais, 1978, São Paulo, Versus no 28, janeiro de
1979, pp.3-9.
[6] Ibidem, op.
cit., pp.3-9.
[7] “Versus nasceu há três
anos. Trazia uma proposta nova. Carregava uma perspectiva ampla. Viveu, pelo
esforço de jornalistas, intelectuais e leitores. E afirmou-se como uma
publicação respeitada. Teimosamente, Versus defendeu o continente contra a
opressão. Divulgou culturas desconhecidas. Publicou autores que o circuito
editorial dos “best sellers” e do academicismo universitário ignorava. Rompeu
com a linguagem do jornalismo de encomenda. Lutou contra o que era burocrático
e estéril. Desde o primeiro momento, entendemos que a cultura rebelde passava
pelas veias do povo. Índios, negros, trabalhadores, personagens ignorados pela
cultura oficial, o Versus que fizemos eram os protagonistas. Naturalmente, os
espíritos colonizados, que têm um olho em Paris e outro em Nova York, atacaram
nosso trabalho. Isto fazia parte da luta. Não era risco. Era a gratificação. E
nesta luta também se inclua pressão do oficialismo, o boicote dos anunciantes,
os telefonemas suspeitos, as ameaças frontais, os interrogatórios de praxe.
Tudo fazia parte do jogo. E o cenário se transforma. Pela luta de tantos, pelas
divisões do poder, a expectativa democrática se amplia. E é na busca de uma
definição maior diante do drama do cotidiano, de uma nação sufocada, que
chegamos a um “programa”, há cerca de meio ano, no qual, além das lutas gerais
democráticas, vislumbramos a necessidade de um partido socialista, democrático,
legal, que unisse amplos setores do nosso povo. Passaram-se meses.
Nós entendemos que a luta pelo PS chegou a um impasse. Por que a Convergência
não conseguiu ficar à altura de sua proposição? Por que outros setores não
aceitaram liminarmente (e nisto estavam errados) a proposta de construção de um
PS? Seja com for, o isolamento da Convergência é um dado concreto, que ninguém
pode ignorar. Mas, se a Convergência não consegue ser um pólo de união dos que
anseiam por um amplo partido popular, ela, por outro lado, começa a pesar cada
vez mais dentro do Versus. A tal
ponto que, não importa se de uma forma inconsciente, torna-se um fardo a ser
carregado. Lutamos dentro de Versus para impedir que a definição por uma
posição implicasse em um empobrecimento editorial, na diluição de nossa
linguagem, na politização grosseira das questões, no grupismo, na exclusão de
outros setores. Mas, apesar deste esforço, entendemos que a intervenção de
Versus, ao nível principalmente da questão da construção do partido popular,
tornou-se repetitiva, monocórdica. Como se todo o impasse em que está a
Convergência (seu isolamento) pudesse ser compensado pelas páginas do jornal.
Esta é uma autocrítica diante de nossos amigos, de nossos leitores, dos
companheiros jornalistas. Ao mesmo tempo, entendemos que, ao nível de
intervenção cultural e da proposta de latino-americanismo combativo, Versus
manteve muito de sua riqueza editorial. Embora os que falam a suspeita
linguagem da “cultura militante” tenham tentado reduzir a proposta cultural da
publicação ao tom cansativo de muitos textos políticos. Enfim: quem pode
duvidar, a não ser os “convergentes” mais dogmáticos, que a estreiteza das
bases políticas, teóricas e culturais da Convergência deveria se tornar em uma
camisa de força para uma publicação tão indagativa e de vanguarda quanto
Versus? Em nome de tudo isto – e para assinalar uma ruptura com a proposta da
Convergência – decidimos não lutar dentro
de Versus, mas trabalhar com outros companheiros intelectuais, jornalistas,
dirigentes políticos, religiosos (todos os que estejam empenhados em lutar
contra a opressão instituída) pela criação de uma nova publicação. Não
acreditamos em donos da verdade. Nem em propostas amplas que se transformam em
propostas estreitas. Não é por aí que passa, de verdade, a construção de um
“amplo partido socialista”. Nem de uma pátria justa. Estamos na luta pela
criação de uma nova revista, que será lançada nos próximos três meses. E já
temos o apoio de muitos jornalistas e outros companheiros que acreditam neste
projeto. Através da imprensa, manteremos todos os nossos amigos informados
sobre os passos que estamos dando. Entendemos que estamos agindo assim de uma
forma inteiramente coerente com o espírito deste jornal chamando Versus, para o qual dedicamos tanto de
nossos esforços. E do qual, hoje, decididamente, DIVERGIMOS. São Paulo, 13 de
agosto de 1978. Assinam: Marcos Faerman, diretor responsável e editor chefe,
Mario Augusto Jacobskind, chefe da sucursal Rio, Vitor Vieira,
editor-assistente, Cecília Thompson, colaboradora, Cláudio Willer, sub-editor,
Isabel Rodriguez, colaboradora, Reinaldo Cabral sucursal Rio, Evaldo Dinis –
sucursal Rio”. E
o nosso editor chefe se foi.., São Paulo, Versus no 24,
setembro de 1978, p. 2.
[8] Ibidem, op.
cit., pp. 3-9.
[9] Ênio Bucchioni e Omar de
Barros Filho, O editorial dos editoriais, 1978, São Paulo, Versus no
28, janeiro de 1979, pp.3-9.
[10] Júlio Tavares,
Convergência Socialista explica, São Paulo, Versus no
24, setembro de 1978, p. 8.
[11] Idem, Convergência
Socialista explica, São Paulo, Versus no 24, setembro de
1978, p. 8.
[12] Idem, op.
cit., p. 8.
[13] Idem, op.
cit., p. 8.
[14] Idem, op.
cit., p. 8.
[15] Idem, O editorial dos
editoriais, 1978, São Paulo, Versus no 28, janeiro de
1979, pp.3-9.
[16] Ênio Bucchioni e Omar de
Barros Filho, O editorial dos editoriais,
1978, São Paulo, Versus no 28, jan. de 1979, pp.3-9.
[17] Malcolm X, Por
minha própria boca, por minha própria mente, São Paulo, Versus no
32, maio de 1979, pp. 41-42.
[18] Ênio Bucchioni
e Omar de Barros Filho, O editorial dos editoriais, 1978, São Paulo,
Versus no 28, janeiro de 1979, pp.3-9.
[19] Hélio
Goldsztejn, Meu nome é Waubun Niwi Nini, São Paulo, Versus no
25, outubro de 1978, pp.36-37.
[20] Ernest Mandel,
Os dólares da fome, São Paulo, Versus no 25, outubro
de 1978, pp.26-27.
[21] Paul Tillich, Le
Socialisme, Christianisme et
Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du
Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 341.
[22] Idem, op.
cit., pp. 341-342.
[23] Idem, op.
cit., p. 342.
[24] Idem, op.
cit., p. 342.
[25] Idem, op.
cit., p. 343.
[26] Idem, op.
cit., p. 343.
[27] Idem, op.
cit., p. 344.
[28] A expressão
francesa é ultimement-visé, mas utilizaremos a expressão em inglês ultimate
concern, mais conhecida e teologicamente aceita. “O ultimate concern é a
tradução abstrata do grande mandamento do amor a Deus. Trata-se do interesse
religioso, que é último (decisivo, definitivo, tornando todos os outros
preliminares e provisórios), incondicionado, total e infinito. O concern
remete ao caráter existencial da experiência religiosa. O objeto da religião só
pode ser atingido por uma atitude radical, não objetivante, total, por ‘uma
paixão e um interesse infinitos’ (Kierkegaard). A preocupação suprema é a única
competência do teólogo enquanto tal. Os interesses preliminares, em todos os
setores da cultura, não podem ser absolutizados e substituir o interesse
absoluto, mas devem ser considerados portadores e veículos dele”. Etienne Alfred Higuet, O método da
Teologia Sistemática de Paul Tillich – A relação da razão e da revelação in
Paul Tillich trinta anos depois, São Bernardo do Campo, Estudos de
Religião, Ano X, no 10, julho de 1995, p. 43.
[29]
Paul Tillich, Le Socialisme II. Le Socialisme comme fondament de l’action
transformante (Gestaltung), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides,
Les Presses de l’Université Laval, 1992, p.345.
[30]
Idem, op. cit., p. 345.
[31] Paul Tillich, Le
Socialisme, Christianisme et
Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions
du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p.
345-346.
[32] Idem, op.
cit., p. 346.
[33] John Hope
Franklin, God
bless you Mr. King, São Paulo, Versus no 31, abril de 1979,
p. 42.
[34] MLK Papers
Project, volume II: Rediscovering Precious Values, setembro de 1951 a novembro
de 1955.
[35] “É chegado o momento para
tornar reais as promessas da democracia. É o momento para sair do escuro e
desolado vale da segregação para o caminho ensolarado da justiça racial. Este é
o momento para elevar nossa nação das areias movediças da injustiça racial aos
sólidos rochedos da fraternidade. Este é o momento de se fazer da justiça uma
realidade para todos os filhos de Deus. Seria fatal para a nação menosprezar a
urgência deste momento. Este verão escaldante do legítimo descontentamento do
negro não passará, até que chegue o revigorante outono da liberdade e da
igualdade. Mil novecentos e sessenta e três não é o fim, mas o começo. Aqueles
que esperavam que o negro perdesse o fôlego e agora se sentiam satisfeitos
terão um tumultuado despertar se a nação voltar à rotina habitual. Não haverá
descanso nem tranqüilidade na América até que o negro assegure seus direitos de
cidadão. Os vendavais da revolta continuarão a sacudir as estruturas de nossa
nação até o claro dia em que a justiça emergir. Mas há uma coisa que devo dizer
ao meu povo postado no limiar que conduz ao palácio da justiça. No processo de
conquista de nosso justo lugar, não poderemos ser acusados de atos errôneos.
Não busquemos a satisfação de nossa sede de liberdade bebendo no cálice da
amargura e do ódio. Devemos sempre conduzir nossa luta pelos elevados caminhos
da dignidade e da disciplina. Não podemos permitir que nosso criativo protesto
degenere para a violência física. Mais e mais precisamos nos elevar às
altitudes majestosas e combater a força física com a força espiritual. A
maravilhosa militância que tem contagiado a comunidade negra não pode levar ao
descrédito de todos os homens brancos, porque muitos de nossos irmãos brancos,
como é evidente pela presença deles aqui, já perceberam que o destino deles
está ligado ao nosso destino. E eles perceberam também que a liberdade deles
está ligada à nossa liberdade. Não podemos caminhar sozinhos. E enquanto
caminhamos, precisamos reafirmar o compromisso de sempre e caminhar em frente.
Não podemos voltar atrás. Existem aqueles que perguntam aos que lutam pela
causa dos direitos civis: “Quando vocês vão se considerar satisfeitos?”. Nós
nunca ficaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos indescritíveis
horrores da brutalidade policial. Não ficaremos satisfeitos enquanto nossos
corpos, cansados de viagem, não puderem encontrar pouso nos motéis de estrada e
nos hotéis das cidades. Não ficaremos satisfeitos enquanto a mobilidade do
negro for apenas de um pequeno gueto para um gueto maior. Não poderemos nunca
estar satisfeitos enquanto nossos filhos forem espoliados em sua dignidade por
avisos como “somente para brancos”. Não ficaremos satisfeitos enquanto um negro
do Mississipi não puder votar e enquanto um negro de Nova York achar que não há
nada em que valha a pena votar. Não, não estamos satisfeitos e não ficaremos
satisfeitos até que a justiça jorre como água e o direito flua como um poderoso
rio. Não desconheço o fato de que alguns de vocês têm passado grandes provações
e atribulações. Alguns acabam de deixar alguma apertada cela de prisão. Alguns
vêm de regiões onde a luta pela liberdade foi respondida com temporais de
perseguições e reprimida com os ventos da brutalidade policial. Vocês têm se tornado veteranos do sofrimento
criativo. Continuem seu trabalho com a convicção de que o sofrimento imerecido
redime. Voltem ao Mississipi, voltem ao Alabama, voltem à Carolina do Sul,
voltem à Geórgia, voltem à Louisiana, voltem aos cortiços e aos guetos de suas
cidade no norte, com a certeza de que esta situação pode e deve mudar. Não nos
arrastemos pelo vale do desespero. Eu lhes digo hoje, meus amigos - mesmo
encarando as dificuldades de hoje e de amanhã, que eu ainda tenho um sonho”.
Trecho do discurso de Martin Luther King Jr. pronunciado no Monumento a
Lincoln, em Washington D.C., EUA, a 28 de agosto de 1963, após a histórica
marcha que reuniu 200 mil pessoas.
[36] Paul Tillich, Le
problème du pouvoir in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes
allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les
Presses de l’Université Laval, 1992, p. 491.
[37] Idem, op.
cit., p. 493
[38] Ênio
Bucchioni, O padre guerrilheiro, São Paulo, Versus no
28, janeiro de 1979, pp.16.
[39] “Os comunicados
governamentais informaram que o padre Camilo caíra em combate, a 15 de
fevereiro de 1966, atingindo por balaços de carabina automática .30, disparados
por um sargento da patrulha, emboscada pelo agrupamento guerrilheiro. Ele
morrera de forma instantânea, não dizendo uma só palavra, não tentara
render-se, nem pedira clemência. O povo colombiano, pelas carreras de Bogotá,
ou pelos caminhos de Barrancabermeja e Bucaramanga atribui o assassinato, como
dizem, a um plano organizado pelo general Alvaro Valencia Tovar, por ironia da
sorte, amigo íntimo de Camilo Torres desde a infância. Tovar comandava a Quinta
Brigada do Exército, responsável pelo combate ao ELN. Percorremos a Colômbia em
busca da memória de Camilo Torres. Conversamos com o padre German Guzman
Campos, companheiro de sacerdócio e grande amigo do padre guerrilheiro. O
general Alvaro Valencia Tovar, hoje personalidade política em seu país, também
deu sua versão. Do mesmo modo, falamos com o ex-padre Walter J. Broderick,
australiano, que publicou um contundente livro a respeito dos acontecimentos
cujo desfecho foi Patio Cemento. Ouvimos também intelectuais e jornalistas
colombianos, que ainda hoje buscam a verdade do padre Camilo. Este é o
resultado de nosso trabalho. Os depoimentos são emocionantes pela sua coragem.
As falas do general Tovar são reveladoras. O depoimento de Isabel Restrepo
Gaviria recolhemos de uma obra sobre Camilo. Bem, aos fatos...” Francisco
Hardy, in memoriam de Camilo Torres, São Paulo, Versus no
28, janeiro de 1979, pp.17-18.
[40] Ernesto
Cardenal, Juramento e Revolução, São Paulo, Versus no
29, fevereiro de 1979, pp.18-19.
[41] “Os jovens de minha
comunidade entenderam que para serem fiéis ao Evangelho, deviam ser
revolucionários. E sendo revolucionários deviam entrar para Frente Sandinista.
Eles desejavam deixar a comunidade e ir lutar na montanha. Mas, a direção da
Frente Sandinista comunicou que a comunidade devia manter-se como estava porque
tinha uma grande importância política, tática, e estratégica. Devíamos
manter-nos ali até nova ordem”. Idem, Juramento e Revolução, São Paulo,
Versus no 29, fevereiro de 1979, pp.18-19.
[42] “A velha Igreja ainda pesa.
Esse processo de descolamento se dá em toda a América Latina. Desde Medellin,
há 10 anos, nasce uma igreja combativa, voltada para os problemas das
sociedades pobres e dependentes. É aí que aparecem Pedro Casaldáliga, Tomás
Balduíno, D. Pelé, Benedito Uchoa, Cândido Padim. Para um jornal que se coloca
junto às lutas populares este é um debate fundamental. Qual é o papel da Igreja
hoje? O que acontecerá em Puebla? Dentro de alguns dias, centenas de religiosos
se encontrarão no México, para decidirem o destino de suas comunidades,
arduamente trabalhadas durante anos e anos. O Papa vai a Puebla: rompe-se a
tradição anticlerical da revolução mexicana, mas, é certo, podemos esperar a
aberta interferência de um Vaticano endividado, atolado na falta do dinheiro,
recebendo ajuda americana, e alemã... um papa polonês, um golpe nos estados
operários, golpe nas comunidades de base?” Renato Lemos e Marcos Magalhães, O mandamento da
liberdade, São Paulo, Versus no 28, janeiro de 1979,
pp.14-15.
[43] “É verdade que nem sempre a
consciência comunitária da Igreja funcionou com tanta clareza. Houve períodos
históricos em que os cristãos, inclusive em nível de hierarquia, se deixaram
envolver demasiadamente pelos interesses de grupos do poder, e assim se
acomodaram. Essas colocações são importantes para entender o interesse da
Igreja pelos problemas da humanidade e os instrumentos que ela criou, como por
exemplo as Comunidades Eclesiais de Base (CEB), as Comissões de Justiça e Paz,
etc... Não visam dominar, elas visam servir melhor”. Idem, O mandamento da
liberdade, São Paulo, Versus no 28, janeiro de 1979,
p.15.
[44] “A CEB aberta, integra-a
quem quiser viver e agir em dimensão comunitária. É através da educação de seus
membros, empregando o método da reflexão bíblica-oração, orientada para a via
concreta: conscientização para a participação tanto na atuação interna da
comunidade e da Igreja, como na atuação social. A CEB não é uma sociedade secreta,
por isso não tem medo de serviços secretos, nem de perseguição. É típico de uma
ideologia de segurança e de desenvolvimento ter medo da conscientização e da
participação ativa do Povo, e por isso mesmo olhar como subversivas as
atividades da Igreja e das CEBs”. Idem, op. cit, p.15.
[45] “Olho a nossa América
Latina. Apesar de certas aparências, nossos povos vivem à margem do processo
social. Uma elite, voltada inteiramente para a Europa, para os EUA, para a
Rússia, continua hoje o imperialismo colonial de séculos passados. Só que agora
o colonizador é interno. Apesar da chamada independência política os nossos
povos precisam ainda ser liberados, e ter os meios de participar intensamente
da vida nacional. Medellin quis dar um impulso forte para o aceleramento deste
processo integração e participação. Nossa esperança é que a planejada Terceira
Conferência, em Puebla, intensifique mais ainda o esforço de Medellin.” Idem,
op. cit., p.15.
[46] “Disse o sociólogo alemão
Werner Sombart: ‘há mais de cem tipos de Socialismos’. Certamente com vários
tipos será possível uma aproximação do Cristianismo. É por isso que as palavras
de Pio XI no Quadragésimo Anno: ‘Ninguém pode ser ao mesmo tempo socialista e
cristão’ (que em determinado momento histórico visava ao socialismo radical, em
sua forma extremada) têm de ser entendidas corretamente. O Socialismo teve de
adaptar-se, e moderar-se no contato com a realidade concreta, que é sempre
muito diferente do mundo dos filósofos e dos ideólogos. A História, mestra da
vida, corrigiu graves erros do Socialismo primitivo, como está corrigindo (cf.
Eurocomunismo e também as formas políticas dos diversos países comunistas) o
Marxismo. Para nós, os cristãos, vale sempre o princípio de não absolutizarmos
os momentos históricos, que de sua natureza, são sempre contingentes e
mutáveis. Isto vale para a Política, para a Economia, para a Cultura, para as
diversas Religiões. Isto vale também para a própria história do Cristianismo”.
Idem, op. cit., p.15.
[47] Idem, op.cit.,
p.15.
[48] Vanderlei José Maria, A
Igreja, a sociedade civil e o movimento popular no Brasil, São Paulo,
Versus no 30, março de 1979, p. 14.
[49] Paulo J. Krischke, A
Igreja, a sociedade civil e o movimento popular no Brasil, São Paulo,
Versus no 30, março de 1979, p. 15.
[50] Jorge
Pinheiro, O príncipe do rancho, São Paulo, Versus no
33, junho de 1979, pp. 28-32.
[51] Le
Socialisme, idem, op. cit., p.348.
[52] Idem, op.
cit., p. 348.
[53] Idem, op.
cit.,. 348-349.
[54] “Numa pesquisa editada pela
Organização Pan-americana de Saúde, em que participaram os professores João
Yunes, Eduardo Marques, Elza Berquó, e Rubens Murilo Marques da Universidade de
Campinas, constatou-se neste trabalho, uma grande disparidade no índice
nutricional entre um a família rica que gasta por média 111,7 por cento, equivalente
ao salário mínimo por pessoa, e uma família pobre que gasta 9,6% por pessoa.
Teriam, segundo a pesquisa, as seguintes diferenças de peso e altura quando
alcançam a idade de 12 anos; a criança rica pesa 38,8 quilos e tem 1,44m de
altura; a criança pobre tem 31,4 quilos e mede 1,38m de atura.
Comparativamente, portanto, somente na Bahia, que por estimativa possui 8
milhões de habitantes, morrem 114,7 crianças por mil nascidas; em Angola, com 6
milhões de habitantes morrem 24,1 por mil nascimentos. Porém, a Bahia não é o estado brasileiro que possui o maior
índice de mortalidade infantil. Apesar dos dados estatísticos oficiais não
constar pelo menos 10 capitais brasileiras, Natal possui 118,8 por mil nascimentos;
João Pessoa e Belo Horizonte, 120; Fortaleza 123,5; Maceió 146,2 e Aracaju
149,7. Com o estado de Minas, estes estados juntos somam 51 por cento da
população brasileira”. Vanderlei José Maria, O cadafalso e suas cordas,
São Paulo, Versus no 31, abril de 1979, pp. 38-39.
[55] Idem, op.cit., p.39.
[56] Paul Tillich, A
Era Protestante, São Paulo, Ciências da Religião, 1992, pp. 175-176.
[57] Idem, op.
cit., p. 176.
[58] “Depois, como disse um
menor no Rio de Janeiro, depois de fugir de uma das unidades da Funabem, para
onde ir? Se for para a rua, disse ele, vou matar muito ou morrer rapidinho. Mas
as unidades de amparo ao menor têm sido alvo das mais fantásticas fugas, tanto
pela violência desencadeada, como pela audácia dos fugitivos e pela sua
periodicidade. As fugas são resultado dos maus tratos físicos, das torturas,
homossexualismo, e mau tratamento carcerário, como no Rio, onde havia uma
solitária medindo aproximadamente 2,10 metros por 1,10 com um colchão no chão,
e um vaso sanitário sem descarga. Procurou-se uma solução (paliativo?)
lançando-se uma campanha, para a adoção de crianças. Mas como 65 por cento das
crianças são negras segundo dados fornecidos por Gilcéria Oliveira,
ex-presidente da Associação Cultural do Negro, ninguém apresentava-se disposto
a fazer alguma adoção. Foi quando Paulo Rui de Oliveira, vereador pelo MDB,
dizendo-se representante da comunidade negra, veio apelar a esta que ajudasse
nossos irmãos da Febem. Isto acarretou uma discussão acalorada entre o vereador
e os jornalistas Hamilton Bernardes Cardoso, editor de Versus, e Neusa Pereira,
militante do Movimento Negro. Tudo isto tendo como veículo o Jornal da Tarde.
Paulo Rui argumentava dizendo ser da responsabilidade da comunidade negra os
negrinhos que estavam na Febem, e Hamilton Bernardes Cardoso e Neusa Pereira
lembravam ao vereador a condição sócio-econômica do conjunto da comunidade
negra. Enquanto isto, o Juiz Nilton Silveira nega que havia racismo na adoção
das crianças, ao mesmo tempo em que se contradizia, afirmando que já havia 80
famílias negras esperando a adoção. Sem levar em conta a rigidez do protocolo
para adoção, é bom lembrar as palavras do sociólogo Clóvis Moura: Existem em
São Paulo 150 famílias negras que podem ser consideradas (sic) de classe
média... Estas 80 realmente são intrigantes”.
Idem, op.cit., p.39.
[59] Idem, op.cit.,
p. 39.
[60] A Era
Protestante, op. cit., p. 179.
[61] Idem, op.
cit., p. 180.
[62] Na boca da
chaminé, São Paulo, Versus no 25, outubro de 1978, p. 8.
[63]
“Sua extensão aos demais estados e as demais categorias vai depender da grande
atividade das lideranças sindicais e da preparação das bases para esse tipo de
movimento. E essa extensão é um a conseqüência lógica da reconquista
democrática. Quando o povo brasileiro tiver liberdade de expressão do
pensamento, de reunião, de organização estudantil e sindical, e um mínimo de
acesso aos meios de comunicação – rádios, jornais e televisão -, este povo terá
condições de ele mesmo, pacificamente, liquidar com este processo de exploração
dominante no Brasil através do apelo à greve fraterna e pacífica como sua única
arma. E a greve é um direito legítimo do trabalhador, ela não pode ser
regulada. Deve existir apenas como uma arma, como a última razão do
trabalhador’, como disse o ministro Prado Kelly, autor da introdução do direito
de greve na Constituição, na Constituinte de 46. E não existe direito de greve
no Brasil de hoje, nem nunca existiu. O grande ensinamento que o sindicato do
nosso grande amigo e líder Lula está dando ao Brasil é esse: nós vamos
conquistar o direito de greve. Ainda que para essa conquista muitos morram nas
prisões, muitos morram torturados”.
Dídimo Miranda de Paiva, jornalista profissional, iniciou sua
participação na vida sindical em 1965, quando se elegeu suplente na diretoria
do sindicato. Em 1975, atendendo a uma solicitação de quase trezentos
jornalistas, encabeçou a chapa de oposição. Eleito, sua diretoria foi a
primeira, desde 64, a “ignorar” as leis de exceção. Na sua opinião, os
sindicalistas de 45 a 64 “eram piores que os atuais”, pois naqueles anos eles
tinham relativa liberdade, mas preferiram entrar na linha populista de Getúlio,
Jango, etc. Por isso, olha com desconfiança o “ressurgimento” de certos
elementos que, tendo sido governo, nada fizeram para “quebrar” a estrutura
corporativa-fascista da CLT. A terra
tem sede, São Paulo, Versus no 25, outubro de 1978, p.
9.
[64] A Era
Protestante, op. cit., p. 204.
[65] “Mesmo nos grandes centros
industriais, grande parte dos trabalhadores ignora ainda hoje a extensão do
movimento operário lá em São Paulo, pois a censura no rádio e na televisão
impediram a nação de tomar conhecimento dele. No interior, o desconhecimento é
quase total, a não ser que os sindicatos cuidassem de divulgá-la, como em
Monlevade, onde transcrevemos todas as notícias publicadas no jornal. Mas mesmo
onde a notícia chegou sutilmente, os trabalhadores já estão dispostos a colocar
fatos novos. Teremos uma noção da amplitude dessa repercussão no momento de se
discutir com as empresas o novo contrato de trabalho, as campanhas salariais.
Em Minas Gerais, o momento da atitude firme dos trabalhadores exigindo
melhorias salariais e de condições de trabalho, vai ocorrer de agora em diante,
quando as grandes categorias vão começar a negociar com as empresas as
condições do novo acordo”. João Paulo Pires Vasconcelos já foi securitário,
eletricista e desde 1960 e metalúrgico. ‘Em 1961 eu me sindicalizei, participe
ativamente do movimento sindical em Monlevade tanto no período anterior a 64
como posteriormente’. Está a frente do Sindicato dos Metalúrgicos de Monlevade
desde 1972. Atuando na linha de frente dos sindicatos de metalúrgicos do país,
João Paulo, ao lado de Lula, Marcílio e outros, teve importante participação no
5º Congresso da CNTI”. “Somos pára-raios”, São Paulo, Versus no
25, outubro de 1978, p. 9.
[66] Lutte des
classes et socialisme religieux, in Christianisme et Socialisme, Écrits
socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et
Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 379.
[67] Idem, op.
cit., p. 379.
[68] “Joaquim José de Oliveira,
o seu Joaquim da Chapa 2 de Oposição, a atual diretoria do Sindicato dos
Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem, iniciou sua atuação sindical em 58.
‘Daí para frente eu prossegui nessa luta, sempre procurando orientar o
trabalhador e fazer com que ele caminhasse para dentro do sindicato’. Membro da
diretoria do Sindicato durante as greves de 68, seu Joaquim teve seu nome
impugnado, juntamente com o de outro companheiro, como membro da chapa de oposição às eleições. Seu
protesto; ‘Trabalho desde os dez anos de idade, nunca parei de trabalhar, até
agora aos 66 anos. Meu crime no movimento sindical foi em 68 sindicalizar dois
mil e tantos trabalhadores...’” Rebelião da fome, São Paulo, Versus no
25, outubro de 1978, p. 9.
[69] Lutte des
classes et socialisme religieux, idem, op. cit., p. 380.
[70] Idem, op.
cit., p. 382.
[71] “Arlindo José
Ramos, foi reeleito para a presidência do Sindicato dos Bancários de Belo
Horizonte. É bancário há 33 anos, dirigente sindical há 13. Segundo suas
próprias palavras é uma pessoa que ‘sempre esteve dentro do sindicato, desde
46’ e que ‘depois que entramos não pudemos mais sair’”. Romper os diques,
São Paulo, Versus no 25, outubro de 1978, p. 9.
[72] Jorge
Pinheiro, O príncipe do rancho, São Paulo, Versus no
33, junho de 1979, pp. 28-32.
[73] Astrogildo
Esteves e Renato Lemos entrevistam Nelson Werneck Sodré, Meia volta, volver!,
São Paulo, Versus no 27, dezembro de 1978, pp.10-11.
[74] Justino Lemos
Pinheiro, Testemunho I, São Paulo, Versus no 25,
outubro de 1978, pp.12-13.
[75] Hilda Machado,
Testemunho II, São Paulo, Versus no 25, outubro de
1978, p.13.
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