dimanche 8 mars 2020

Algumas dicas do amigo Ben Sirac

“Palavras amáveis multiplicam os amigos, uma língua afável multiplica as palavras corteses. Sejam numerosos os que te saúdam, mas teus conselheiros, um entre mil! Se queres adquirir um amigo, adquire-o provando-o: não te apresses em confiar nele. Há quem seja amigo na hora que lhe convém, mas não permanece tal no dia da aflição. Há o amigo que se transforma em inimigo e revela as divergências, para tua desonra. Há o amigo, companheiro de mesa, que não permanece tal no dia da aflição. Na tua prosperidade será como tu mesmo, dando ordens com desenvoltura a teus servos. Mas se fores humilhado, estará contra ti e se ocultará da tua vista. Mantêm distância dos inimigos e usa de cautela com os amigos. Amigo fiel é refúgio seguro: quem o tem encontrou um tesouro. Amigo fiel não tem preço: é um bem inestimável. Amigo fiel é um elixir de longa vida: os que temem o Senhor o encontrarão.  Quem teme o Senhor dirige bem sua amizade: como ele é, tal será seu companheiro. Ben Sirac 6.5-17.

Yeshua, filho de Sirac, por isso chamado Ben Sirac, escreveu reflexões que entraram para a cultura judaica como peças da sabedoria judaica helenizada, escritas entre os anos 190 e 124 antes da Era Comum. Aqui ele fala sobre a amizade e espero que você, como os cristãos dos primeiros séculos, possa fazer bom proveito dessas reflexões. Jorge Pinheiro.

Os textos de Jesus ben Sirac não fazem parte dos textos sagrados do judaísmo. Professor ligado aristocracia jovem de Jerusalém, fez viagens ao exterior em missões oficiosas, o que nos leva a crer que tenhq ocupado cargo de importância junto ao Sinédrio, organismo de governo sob a responsabilidade do sacerdote maior. Por ter vivido em Jerusalém entre os anos 200 e 180 antes da Era Comum, viveu os tempos de transição da dominação complacente dos ptolomeus do Egito em direção à dominação sangrenta dos selêucidas da Síria. Trabalhou com o sacerdote-maior Simão (50.1-24), que ocupava tal função quando Jerusalém foi conquistada por Antíoco III em 198. Viveu a tragédia da deposição e assassinato de Onias III, filho de Simão, em 174, e a perseguição de Antíoco Epífanes (175-163) contra a cultura e religião judaicas. Assim, viveu sob dominções estrangeiras que oscilaram entre a complacência e o terror, e assistiu e possivelmente apoiou a insurreição liderada pelos Macabeus, em 167.

Por isso, ao contrário de estarmos diante de um livro apenas religioso a obra de Jesus ben Sirac traduz uma sabedoria destinada a consolidar a segurança do Estado, frente a inimigos externos e internos. Nesse sentido, despido da linguagem religiosa que possibilitou sua leitura sem censura e perseguições, estamos diante de textos que nos falam sobre os procedimentos do Estado na construção de sua segurança.

Tomemos por exemplo esse bloco de pensamentos e o leiamos como dirigido a elite dos dirigentes Macabeus e a aristocracia jovem que sobe ao poder com eles.

Palavras amáveis multiplicam os amigos, uma língua afável multiplica as palavras corteses. Sejam numerosos os que te saúdam, mas teus conselheiros, um entre mil! Se queres adquirir um amigo, adquire-o provando-o: não te apresses em confiar nele. Há quem seja amigo na hora que lhe convém, mas não permanece tal no dia da aflição. Há o amigo que se transforma em inimigo e revela as divergências, para tua desonra. Há o amigo, companheiro de mesa, que não permanece tal no dia da aflição. Na tua prosperidade será como tu mesmo, dando ordens com desenvoltura a teus servos. Mas se fores humilhado, estará contra ti e se ocultará da tua vista. Mantêm distância dos inimigos e usa de cautela com os amigos. Amigo fiel é refúgio seguro: quem o tem encontrou um tesouro. Amigo fiel não tem preço: é um bem inestimável. Amigo fiel é um elixir de longa vida: os que temem o Senhor o encontrarão.  Quem teme o Senhor dirige bem sua amizade: como ele é, tal será seu companheiro”. Ben Sirac 6.5-17.

O leitor apenas religioso, de ontem e de hoje, vê apenas um tratado sobre a amizade nas palavras de ben Sirac. Mas se levarmos em conta que as invasões de Alexandre levaram ao Oriente uma nova civilização, globalizada enquanto helenismo, era necessário pensar questões como choaue de culturas, religião e ecumenismo que pela força, diplomacia e comércio tendiam a abolir fronteiras e colocar em xeque o judaísmo. 
 
Ben Sirac, homem da inteligência judaica, acolhe aspectos importantes da cultura grega, como a filosofia estóica, mas sabe que a adoção não crítica do helenismo põe em risco a religião judaica (Sr 2.12-14) base da cultura palestina. E critica as concessões e entregas de membros do sacerdócio e da aristocracia, conforme denuncia o movimento dos Macabeus (cf. 1Mc 1-2).

Assim, ben Sirac trabalha com um paradoxo, a busca da liberdade e a presença do mal, traduzida na presença imperial. O ser humano foi criado livre (15.14), e o mal não se encontra na divindade, mas na ação humana (15.11-13). Aí está a fonte do mal (21.27; 25,24). Mas é possível enfrentar as forças da destruição (31.10).

Por isso, sua religião se aproxima de uma antropologia política, e aqui quero destacar alguns desses elementos. Faz uma apologia do nacionalismo judaico através do resgate da tradição dos antepassados (44.1-49,16). Opõe a Lei outorgada a Israel no Sinai (24.23), ou seja, a jurisprudência judaica, ao helenismo. E diante da nova racionalidade da filosofia grega reivindica a sabedoria judaica que fala do temor de Deus, enquanto aplicação da Torá escrita (1.26; 6.37). Dessa maneira, como professor e homem da inteligência chama ao estudo da Lei como tarefa para a sobrevivência nacional. E defende a fé tradicional: Deus é eterno e único (18.1; 36.4; 42.21); é o autor da criação (42.21.24), conhece todas as coisas (42.18-25).

E como homem da inteligência defende um futuro nacional, político, para a nação viável e soberano. Isso pode ser visto, em lingugem religiosa na oração que faz pela libertação e restauração de Israel (36,1-17), quando diz glorifica tua mão e teu braço direito. Excita o teu furor e derrama tua cólera. Suprime o adversário e aniquila o inimigo. Apressa o tempo, lembra-te do momento fixado e divulguem-se as tuas façanhas. Por um fogo vingador seja devorado o que sobreviver, e os que maltratam teu povo encontrem sua ruína. Esmaga as cabeças dos chefes inimigos que dizem: "Não há ninguém como nós!” 

A atitude do Sirácida em face de uma crença na ressurreição, o seu amor do culto, sua veneração pelo sacerdócio sadoquita (cf. 51,12 no hebraico) e, por outro lado, a falta de referência explícita às idéias messiânicas que se desenvolverão nos meios fariseus fizeram-no relacionar-se com uma espécie de pré-saduceísmo. De fato, pode-se situá-lo na linha desse movimento conservador, nacionalista, ligado à Lei escrita. Mas seria um erro assimilá-lo pura e simplesmente aos saduceus que conhecemos pelos evangelhos e por Flávio Josefo: ele ainda vive antes da diferenciação do judaísmo em seitas caracterizadas.

Em relação às nações pagãs, Ben Sirac manifesta uma atitude já tipicamente judaica. Após certa abertura universalista nos Profetas, as dificuldades do período pós-exílico levaram Israel a um particularismo pouco a pouco reforçado pela idéia da eleição bem como pelas exigências práticas da vida segundo a Lei: circuncisão, sábado, regras de pureza alimentar e ritual. A concepção helenista do homem cidadão do universo, então em voga, não arrefeceu a ufania do autor de pertencer à raça escolhida no meio da qual a própria Sabedoria estabeleceu sua residência privilegiada (24,7ss). Ele recomenda separar-se, principalmente dos ímpios (11,33; 12,14; 13,17), atitude levada ao extremo pelos essênios de Qumran e que provavelmente dará aos fariseus essa designação característica: "os separados". O mundo aparece, pois, dividido em duas categorias, a dos bons e a dos maus ou, equivalentemente, a dos sábios e a dos insensatos (21,11-28). Contudo, há traços reveladores de uma sensibilidade nova no judaísmo, e certos desenvolvimentos sobre o perdão (27,30-28,7) encontrarão paralelos no Evangelho. Talvez mesmo a concepção do "semelhante" que é "carne" como cada ser humano (28,4-5) anuncie já a idéia de que todos os homens são irmãos. Aliás, a exegese judaica antiga compreendeu às vezes Lv 19,18 da seguinte maneira: "Amarás o teu próximo como a outro tu mesmo".

Plano. Os comentadores não estão muito de acordo quanto ao plano da obra. Recordemos que o Sirácida é um semita e um mestre de sabedoria que compõe segundo critérios muito diferentes dos nossos. Reunindo suas notas, ele retomou a forma de um ensinamento oral por temas sucessivos, comportando numerosas digressões e formando assim largas unidades sem estrutura definida. Portanto, nenhum plano sistemático se impõe. Mas é possível reconhecer, ao menos, duas partes: 1-23 e 24-50, cada uma começando por um elogio da sabedoria. O capítulo 51 contém dois apêndices: um cântico de ação de graças e um poema sobre a busca da sabedoria.

Importância. A importância do Sirácida provém do seu papel de testemunha de uma época de transição onde começam a desenhar-se traços característicos do judaísmo, enquanto este representa uma forma evoluída da religião bíblica. Assinalamos acima alguns desses traços. Ben Sirac nos informa sobre aspectos essenciais desse judaísmo polimorfo no qual o cristianismo deitará raízes: é muito diferente do judaísmo rabínico, ao qual a preponderância farisaica (após o ano 70 de nossa era) vai dar um aspecto monolítico. Sob esse ponto de vista, sua obra deve ser estudada junto com a ampla literatura dos Apócrifos do Antigo Testamento e os escritos descobertos há um quarto de século no deserto de Judá. Do confronto judaísmo-helenismo, ela dá testemunho quer por seus empréstimos (nem sempre fáceis de identificar) quer por suas advertências ou mesmo invectivas apaixonadas.

Ben Sirac é também testemunha importante da constituição quase acabada de um cânon das Escrituras. O prólogo menciona a divisão tripartida clássica ("a Lei, os Profetas e os outros escritores"; cf. também 39,1-3) e o livro cita ou menciona mais ou menos explicitamente o Pentateuco, Josué, Samuel, Reis, Crônicas, Jó (hebr.: 49,9), Isaías, Jeremias, Ezequiel, os doze Profetas menores (especialmente Malaquias e Ageu), Neemias. Os Salmos são atribuídos a David e os Provérbios a Salomão.

O Sirácida será um dos autores preferidos do judaísmo: muitas vezes citado no Talmud e até entre os autores da Idade Média, sua obra deve ser posta em paralelo com um tratado fundamental da literatura judaica, os Ensinamentos dos Pais (Pirqê Abôt). As referências aos clássicos da Sabedoria antiga do Oriente Próximo (como a História de Ahikar [Aicar], cf. Tobit: Introdução) e aos textos judaicos mais antigos, indicados nas notas, mostrarão concretamente este aspecto ao mesmo tempo tradicionalista e criador do Sirácida. De fato, como o escriba do Evangelho, ele soube "tirar do seu tesouro coisas novas e antigas" (Mt 13,52).

Reconheceu-se também a influência do Sirácida sobre textos importantes da liturgia judaica, como os da festa do Grande Perdão (Kippurim); e a oração das Dezoito Bênçãos apresenta paralelos notáveis com 36,1-17.

Quanto ao Novo Testamento, os paralelos numerosos (sobretudo com Tg) provam que Ben Sirac desfrutou de grande estima entre os primeiros cristãos, estima confirmada pelo nome de Eclesiástico que a tradição dará a seu livro e, após algumas hesitações, pela inserção da obra no cânon das Escrituras. Admitido na coleção dos livros religiosos em Alexandria, e apesar da estima de que acabamos de falar, a obra foi no entanto rejeitada pelas autoridades farisaicas por causa de sua origem tardia e, talvez, por causa de idéias que não estavam mais de pleno acordo com a ortodoxia que se estabeleceu após 70. Essa decisão explica as hesitações dos cristãos nos primeiros séculos e é responsável também pela história complicada da transmissão do texto.

Transmissão do texto. O original foi redigido em hebraico, e S. Jerônimo, no século IV, ainda conheceu uma cópia.

Mas a seguir desapareceu totalmente, se se excetuam as citações rabínicas, várias das quais remontam apenas a florilégios. Ora, no fim do século passado, numa dependência de uma sinagoga do Cairo, descobriram-se fragmentos hebraicos recobrindo cerca de dois terços do texto grego. Os mais importantes são os manuscritos A e B, publicados em 1910 por S. Schechter. Fragmentos menores, da mesma procedência, foram também identificados a seguir. Outros fragmentos hebraicos mais ou menos importantes foram recuperados em Qumran e na fortaleza de Massadá (tomada pelos romanos em 73), confirmando a autenticidade substancial dos manuscritos do Cairo.

Reconheceram-se dois estágios do texto no hebraico reencontrado: o mais antigo é o que serviu de base à versão grega feita no Egito, cerca de 130 a.C. pelo neto de Ben Sirac (Grego I), ao passo que uma edição revista no sentido das idéias farisaicas (entre 50 e 150 d.C.) foi utilizada para uma revisão do texto grego entre 130 e 215 de nossa era (Grego II), revisão atestada numa série de manuscritos gregos. A versão siríaca também parece remontar a esta revisão do hebraico.

Nossa tradução seguiu o texto grego conforme a edição crítica de J. Ziegler (Göttingen 1965), referindo em notas os acréscimos de Grego II, importantes por causa de sua antiguidade. O grego é uma testemunha privilegiada do original hebraico e é em grego que o Sirácida foi acolhido pela tradição judaica e a tradição cristã. Sob este ponto de vista, os progressos teológicos que oferece em relação ao hebraico (quando a comparação é possível) documentam a evolução das idéias religiosas em Israel. Certas adaptações a um contexto teológico, histórico, geográfico e social diferente explicam também variantes cujos motivos as notas procurarão explicitar. Essas adaptações resultam da tendência midráshica que consiste essencialmente em atualizar a Palavra de Deus para as necessidades de uma comunidade viva, evitando que a Escritura se torne uma múmia.

Os fragmentos hebraicos foram utilizados cada vez que permitiam interpretar as leituras obscuras do grego, e citamos em nota as leituras variantes relevantes por seu conteúdo religioso; da mesma forma procedemos com as variantes do siríaco e da versão latina. Propor uma versão a partir do hebraico, cujas testemunhas são de valor variável e, além disso, recobrem apenas uma parte do original, resultaria em oferecer um texto compósito, cujas opções seriam injustificáveis sem uma abundância de notas críticas. Notemos enfim que todos os manuscritos gregos comportam uma transposição de dois cadernos e remontam portanto a um mesmo arquétipo: a seção 33,16b-36,10a encontra-se após 30,24 e a seção 30,25-33,16a vem depois de 36,10a. Aqui, com os editores modernos do grego, restabelece-se a ordem primitiva conservada pelo siríaco e o latim e confirmada pelo hebraico. 



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