jeudi 19 mars 2020

As raízes cristãs da economia social e solidária

As raízes cristãs da economia social e solidária

Uma lição do protestantismo francês
Jorge Pinheiro, PhD


Foi Charles Gide, economista protestante do século 19, quem criou o conceito de solidariedade, que depois deu origem a um outro conceito, o de Economia Social Solidária, ESS. A economia social solidária, segundo dados apresentados por Frédéric Rognon, pastor da Igreja Protestante Unida da França e professor de filosofia da religião na Universidade de Estrasburgo, hoje na França é responsável por cerca de 12% dos empregos assalariados. Está presente em quase todos os setores de atividade. 
As origens da economia social solidária remontam à idéia de solidariedade, desenvolvida por Charles Gide (1847-1932), economista e protestante, a partir de sua compreensão dos textos bíblicos. Normalmente, quando falamos de economia e protestantismo, frequentemente nos referindo ao sociólogo Max Weber. Mas Frédéric Rognon, autor de "Charles Gide - Ética Protestante e Solidariedade Econômica" (Olivetan ed., 2016), prefere nos falar de Charles Gide, porque este intelectual protestante é o pai do solidarismo, um caminho econômico iniciado no final do século 19, cujo legado não é a economia social solidária.

Foi por volta de 1870 que surgiu a ideia de que todos estamos relacionados uns com os outros do ponto de vista econômico, quando Charles Gide e outros solidaristas foram inspirados pelos textos bíblicos e, em especial, pelo apóstolo Paulo, que diz, entre outros textos : “Se um membro sofre, todos os membros compartilham seu sofrimento, se um membro é honrado, todos compartilham sua alegria. Você é o corpo de Cristo, e cada um de vocês é um membro desse corpo." (1Co, 12, 26-27).
O solidarismo criou o sentido sociopolítico de solidariedade, e recorreu ao termo latino "in solidum", que se refere à ideia de um todo coerente. Implica na idéia de que se um irmão sofre uma agressão ou por algum motivo trem uma dívida, todos os demais irmãos estão envolvidos. O termo solidariedade é também usado na biologia, para descrever o modo como todo o corpo é tocado quando um órgão é afetado.
Assim, de acordo com Charles Gide, estamos ligados uns aos outros, ou seja, quando pessoas sofrem, é importante que todos ajudem por aqueles menos afortunados.

Segundo o departamento de Economia e Finanças francês, a ESS gera de 6% a 10% do PIB e emprega mais de 2,3 milhões de franceses: cerca de 13% do emprego privado. 

Mas como funciona e qual são os objetivos da ESS hoje na França?
Sem dúvida, o desenvolvimento sustentável, a produção orgânica e o comércio justo são objetivos fáceis de entender, mas teoricamente podemos dizer que há um objetivo fundador, tornar a economia significativa, reunindo empresas que conciliam atividade econômica e função social, dando primazia às pessoas e exclusivamente aos lucros.

Uma das características da ESS é a de que não é um setor econômico, mas sim um modo de conciliar exigências de solidariedade e desempenho econômico, utilidade social e eficiência. Tal característica exige paciência dos investidores e envolvimento das partes interessadas: membros voluntários, funcionários, mas também fornecedores e clientes, conforme relatório do Ministério da Economia, em 2014. 
Este modo de gerar empresas e realizar negócios está fundado sobre cinco princípios:


1. Não à lucratividade individual. 
Este princípio não proíbe ou elimina a realização de lucros, mas a apropriação individual deles. Pode ser absoluta: é o caso de associações, onde qualquer pagamento de dividendos, remuneração paga aos acionistas de uma empresa em troca de seu investimento no capital da empresa, é proibido. Pode ser parcial, em cooperativas, onde os funcionários podem receber até metade dos lucros obtidos, de diferentes formas. Na mesma linha, escalas de pagamento são controladas dentro do ESS, e qualquer aumento no capital resultante da atividade da estrutura é, prioritariamente, atribuído ao desenvolvimento de seus projetos.
2. Gestão democrática.

Toda decisão tomada dentro de uma estrutura governada pela economia social e solidária responde ao princípio de uma pessoa = um voto. Assim, qualquer que seja o capital investido ou o tempo gasto dentro da estrutura, cada um de seus membros tem o mesmo peso.

3. Utilidade coletiva ou social do projeto.
O interesse coletivo do projeto é um princípio comum às estruturas da economia social e solidária, mas esse princípio é vasto. Pode ser manter empregos de qualidade, montar um projeto que respeite os três pilares do desenvolvimento sustentável (social, econômico e ambiental), pensar em montar uma organização mútua que tenha suas próprias características. Para algumas profissões, esses tais projetos fazem parte da economia social e solidária.

A utilidade social, desde que esteja sujeita a uma gestão altruísta, que é garantida desde que os conselheiros desempenhem suas funções de forma voluntária e não realizem qualquer distribuição direta ou indireta de lucros. E deve ser aprovada se a atividade satisfaz uma necessidade não levada em conta pelo mercado ou insuficientemente; se a atividade é realizada em benefício de pessoas que justifiquem a concessão de vantagens especiais em vista de sua situação econômica e social; se os preços dos produtos estão abaixo dos custos de mercado; e se a publicidade em torno deste projeto destina-se apenas a coletar doações ou a informar sobre as ações realizadas pela estrutura. 
4. Recursos mistos

Os projetos das estruturas da economia social e solidária são financiados graças ao rendimento das atividades de mercado, aos subsídios públicos e às contribuições voluntárias.
5. Livre adesão

Ninguém deve ser obrigado a participar de um projeto de economia social e solidária. Nesse sentido, um membro de uma cooperativa pode vender livremente suas ações se não desejar embarcar em um projeto da ESS ou se desejar sair de tal estrutura.

Assim, a Economia social e solidária agrupa organizações definidas primeiro por seu status, administração sem fins lucrativos e democrática, e/ou pelo que fazem, finalidade social reivindicando uma utilidade social específica em domínio econômico, social ou ambiental. Tais organizações traduzem o fato de que a empresa privada capitalista não é a única forma de organização capaz de produzir bens e serviços e que o enriquecimento pessoal não é o único motivo que pode fazer uma pessoa empreender.

A ESS é, portanto, considerada uma forma de empreender, e tais estruturas podem aparecer em todos os setores de atividades, desde que os princípios acima mencionados sejam respeitados. 

Dessa maneira, na França, as organizações e empresas de economia social e solidária são as primeiras empregadoras do setor social, 62% dos empregos, e na áreas de esporte e recreação representam 55% dos empregos no setor. É também o segundo maior empregador nas atividades financeiras, bancárias e de seguros, (30% dos empregos no setor, e tem peso significativo nas artes, 27% dos empregos no setor, e na educação, 19%.
Assim, 90% dos serviços prestados às pessoas são gerenciados por uma estrutura da ESS, enquanto mais de 85% das instalações para pessoas com deficiências são gerenciadas por um modo associativo. Para dar exemplos concretos de estruturas da ESS, o crédito cooperativo é o banco histórico do ESS, e a maioria dos profissionais que trabalham em associações esportivas estão vinculados à economia social e solidária, enquanto as associações de ensino, complementares à escola pública, assim como as federações de educação popular, que intervêm em tempo extracurricular, também são administradas sob os princípios da ESS.


Longe de ser um setor à margem, a ESS administra 30% das instalações de saúde: 9 de cada 10 pessoas com deficiência são cuidadas por instituições da economia social, e 68% dos serviços de cuidados a domicílio em França. Dentro da mesma perspectiva, pessoas dependentes são usadas por empresas da economia social.

E o uso da etiqueta “solidariedade corporativa”, permitido a organizações que não estão listadas nos mercados financeiros, possibilita que elas se beneficiem de certos subsídios. A obtenção desta etiqueta está sujeita a algumas condições específicas. De maneira simples, uma empresa que deseja obter esta etiqueta deve cumprir pelo menos uma das duas condições:


1. pelo menos 30% de sua força de trabalho contrata jovens, deficientes, e beneficiários de condições sociais mínimas; 
2. a empresa cumpre duas condições relacionadas tanto com a natureza jurídica da empresa como com o nível de remuneração.

A natureza jurídica da empresa deve estar sob a ESS, associação, mutualidade, cooperativa, instituição de previdência. O nível de remuneração é controlado: para empresas com um a dezenove empregados e/ou membros, o executivo não deve receber remuneração superior a quatro vezes o salário mínimo. Para empresas com vinte ou mais funcionários e/ou membros, a condição acima deve ser atendida por dezenove funcionários e/ou membros e nenhuma remuneração deve exceder oito vezes o salário mínimo. Além disso, a faixa de salários não deve exceder a proporção de 1 para 7.

É bom esclarecer que na França, a maioria das organizações de empregadores e empresas são microempresas, com menos de 10 empregados, e que organizações e empresas de ESS representam 19% empresas privadas com mais de 250 empregados. 
A distribuição de empresas e organizações da ESS estão presentes em todo o território, mas concentram-se no grande oeste de França, nas regiões da Bretanha e do Loire. Nessas regiões, o peso dos estabelecimentos de empregadores da ESS em todos os estabelecimentos patronais no território excede 11,5%.
Eu sei que você levou um susto e talvez diga, isso é impossível no Brasil. Mas se começarmos a pensar em solidariedade e em economia social e solidária vamos encontrar os nossos próprios caminhos.


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